Por José Carlos Hernández Prieto
Tomo
emprestada a expressão que conheci, ainda criança, ao ler alguns artigos que
eram publicados na revista Seleções do
Reader’s Digest que meu pai comprava todos os meses. De fato, sob esse
título vinham relatos edificantes sobre pessoas que eram exemplos de virtude,
coerência, ética e honestidade. Tendo eu recebido neste último dia dos pais a
visita de meu filho mais velho, sua esposa e três dos meus lindos netos,
veio-me à lembrança meu pai, homem que tive a sorte de conhecer e com ele conviver
durante o tempo que me foi dado desfrutar de sua presença.
Não
existiriam palavras que pudessem abranger tudo o que significou esse quase meio
século de convivência, durante o qual pude aprender do seu exemplo, formar meu
caráter e espelhar-me em suas mostras de integridade e sacrifício. Foi assim
que elevei minha consciência, graças ao seu altruísmo e singeleza filosófica e
perante a coerência com a qual sempre pontuou o dito com o feito.
Frente
a tanta amplitude de espírito, posso tão só agradecer filialmente por ter-me
dado a oportunidade de beber de sua fonte de amor e sabedoria: toda uma vida
prenhe de dedicação à sua mulher e filhos, como objetivo e projeto de vida e de
futuro.
Dizia
tão só, mas equivoco-me. Também procurei e procuro fazer-lhe justiça: tentar
repetir, com meus filhos, a mesma lição de vida. Dizer-lhe, lá onde estiver,
que ele continua em mim. Não entenderia o ato de pôr filhos no mundo, sem
oferecer a eles as mesmas oportunidades que meu pai me deu e fazer com que
também se orgulhem da herança recebida do avô.
Foi
um homem que se fez a si mesmo. Ficou órfão de pai e mãe aos quatro anos, indo
morar com uma tia, que o criou, numa época em que a Espanha sofria os horrores
da guerra civil e, depois, todas aquelas agruras de um país devastado no
pós-guerra, com carências de todos os tipos, reguladas pelos cartões de
racionamento. Estudou com afinco. Formou-se desenhista projetista, mas avançou
pelos mais diversos ramos da mecânica industrial e engenharia civil, com a
única ajuda dos livros que comprava em sebos. A tal ponto que, já em São João
del-Rei, como projetista e executor de obras civis e mecânicas na então CIF – Cia.
Industrial Fluminense, desempenhou todas essas funções, sem jamais ter feito qualquer
curso superior. Todos aqueles galpões projetados por ele naquela empresa,
chamada agora AMG Brasil, estão lá até hoje, firmes como uma rocha, após mais
de meio século.
No
final da década de 1970, saiu da CIF para montar um negócio próprio: metalurgia
de bronze e alumínio e construção de máquinas industriais. Nessa nova etapa,
fazia de tudo, ajudado por seus empregados. Porém, quantas vezes me
surpreendeu, ao me chamar para ir com ele alguns domingos pela manhã à empresa
que mantinha. Um dia era para ele fazer o papel de pedreiro (e eu, o de
ajudante). Outro dia era para fazer uma reforma na fiação elétrica. Outro mais,
para consertar a bomba d’água... Tudo ele só, com a única ajuda de minhas mãos
inábeis para esse tipo de trabalho.
Procurando
atender a tudo que ele esperava de mim, não pude contentá-lo em um quesito
específico. Ele, que tantas habilidades tinha, era absolutamente incapaz de
tocar instrumentos musicais, desejo que carregava consigo desde menino. Dizia,
então, que gostaria que um de seus filhos tivesse esse dom. Lamentavelmente,
nenhum de nós pôde atendê-lo. Contudo, imagino seu sorriso aberto, se pudesse
hoje ver seu primeiro neto, meu filho Rodrigo, esforçando-se em extrair arte do
seu violino nas horas de folga.
Fez
e deixou muitos amigos. Todos se lembram dele com saudade e admiração. Guardo
com muito carinho um escrito que me foi presenteado pelo saudoso Pe. Luís Zver,
contendo as palavras com as quais homenageou meu pai na Rádio São João del-Rei
quando de seu falecimento, em novembro de 1998. Permito-me aqui reproduzi-las:
"Deram-me ontem a notícia do falecimento do Sr. Santos Hernández Seco. Era sócio e benfeitor da APAE há mais de quinze anos. Tive a oportunidade de conhecê-lo quando, certa vez, o procuramos para consertar uma engrenagem rachada de uma máquina tipográfica. Perito em metalurgia, consertou a engrenagem, que está funcionando até hoje. Naquela ocasião tornou-se sócio da APAE. Sócio, amigo e benfeitor. Visitava-nos algumas vezes e todos os meses mandava sua contribuição, às vezes por mãos de sua esposa, Dª. Maria Luisa. Em 1987 pediu-me que fizesse o casamento de sua filha Luisa Francisca. Eu, pessoalmente, gostava muito dele. Por sua cultura e retidão. O Sr. Santos era um homem reto. Toda vez que deparo com a passagem do Evangelho, em que Jesus elogia São João Batista, por não ser um caniço agitado pelo vento, ocorre-me à mente a figura do Sr. Santos Hernández Seco. Para mim, aquele Hernández Seco soa como Hernández, o Reto. Reto como uma régua.”
Neste
mês de agosto, ao escrever sobre meu pai, dedico estas palavras a todos os pais
e avôs que me lêem, como homenagem por essa nobre missão que temos pela frente:
educar nossos filhos e netos, mirando-nos no exemplo daqueles que nos precederam.
4 comentários:
Dr. Braga,
Saudações em nome da ADL-Academia Divinopolitana de Letras!
Muito me alegra a chegada do ilustre Dr. Prieto,cujos dados biográficos acabo de ler em seu Blog.
Me sinto pequeno mais uma vez...
Trata-se de um gigante intelectual que através de Vossa Senhoria se torna meu cofrade do IHG.
Gentil Palhares, outro gigante é seu Patrono (mais alegria ainda...)
Sua luz é muito intensa, Braga, e tens olhos para ver o pouco que há em mim.
Parabéns ao Dr. Prieto!
Parabéns ao, sempre vencedor, maestro Francisco Braga!
JOÃO CARLOS RAMOS-PRESIDENTE DA ADL
EXCELENTE!
FOMOS VIZINHOS, NO SEGREDO.
LEMBRO-ME MUITO DO SAUDOSO SR. SANTOS HERNANDEZ.
ABS.
ROGÉRIO
José Carlos Hernández Prito, garimpando nos escaninhos de sua memória, presta, com habilidade e muito amor, uma apaixonada homenagem à memória de SEU TIPO INESQUECÍVEL - seu pai Santos Hernández Seco e, de passagem, a seus filhos e netos, em peça literária de fino lavor. Lamentamos que José Carlos Hernández Prieto não se apresente com outros trabalhos, com mais frequência, honrando sua família e suas duas pátrias, para gáudio e proveito de todos nós. Parabéns José Carlos Prieto, sua peça é uma oração e só nos resta dizer: amém!
O seu blog, amigo, torna-se, cada dia mais, receptáculo de textos preciosos. Um santo fim de semana para você e Rute. Fernando Teixeira
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