Por MARCELO Nóbrega da CÂMARA Torres
1917-2017
CENTENÁRIO DE CÂMARA TORRES
José Augusto da Câmara Torres
(☆Caicó, RN, 22/6/1917-✞22/8/1998)
Jornalista, educador, advogado e político
Em 1960, a bordo do Patrício, no cais de Paraty, RJ |
José Augusto da
CÂMARA TORRES (1917-1998), jornalista, educador, advogado e político, foi, no
Século XX, o mais importante líder comunitário e político do Extremo Sul
Fluminense. Em quatro legislaturas consecutivas, e com votações crescentes, de
1954 a 1970, cumpriu mandatos na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro, representando, prioritariamente, o povo de Angra dos Reis, Paraty, Rio
Claro e Mangaratiba. Ocupou, ainda, as Secretarias de Estado do Interior e
Justiça e de Serviços Sociais, e foi membro do Conselho Estadual de Educação.
Era considerado um dos maiores especialistas e executivos em Educação e um dos
mais brilhantes advogados do País, destacadamente nas áreas do Direito Civil.
Na sua carreira política, sempre recebeu votos em todos os municípios
fluminenses, porém a sua base era os municípios de Angra dos Reis, Paraty, Rio
Claro e Mangaratiba, onde Câmara Torres militou politicamente por mais de sessenta
anos, recebendo, nas eleições das quais participou votações maciças, que
chegaram a ultrapassar os 80 por cento dos votos válidos no Extremo Sul
Fluminense.
Em todo o Estado
do Rio de Janeiro, advogou por mais de meio século, principalmente no Sul do
Estado e nas cidades de Niterói e Rio de Janeiro. Técnico de Educação
concursado, com defesa de tese, oral e escrita, chefiou a Primeira Região
Escolar, no Extremo Sul do Estado, sendo o responsável pela criação,
construção, instalação e ampliação de toda a rede de Educação Pública daqueles
municípios. De 1942 até a sua morte em 1998, ele foi o protagonista das grandes
conquistas socioculturais e econômicas da Região. Era aposentado como Consultor
Técnico Estadual de Educação e como advogado, viúvo da professora Gertrudes
Nóbrega da Câmara Torres - a Dona Tudinha
- mestra de gerações de angrenses, falecida em 1989. Sua casa, primeiro em
Angra, depois em Niterói, sempre foi chamada de "a embaixada da Região",
aberta a todos cidadãs e cidadãos de todas as classes sociais e cores políticas,
fossem seus eleitores ou não, clientes ou não, amigos ou desconhecidos.
Fiel e
dedicadíssimo às comunidades que representava, Câmara Torres entregou àqueles
municípios, com elevada dignidade e correção, mais de cinquenta anos de vida
pública. O seu generoso coração sempre esteve ocupado por esses municípios que
ele chamava de “pátrias íntimas”. Do início dos anos 1940 até a sua morte, não
houve iniciativa ou conquista para o povo da Região que não contasse com a sua
liderança, participação decisiva. Por isto, o Estado do Rio de Janeiro muito
lhe deve como educador e político de muitas lutas, nobres causas e grandes
realizações. No Extremo Sul Fluminense, de 1942 a 1953, triplicou o número de
escolas e de matrículas no Ensino Fundamental. Implantou a Merenda Escolar na
Região e participou e influiu, decisivamente, na implantação dos cursos de
segundo grau, extracurriculares e profissionalizantes. Levou a Educação aos
pontos mais distantes de todo o Extremo Sul Fluminense. Depois, como Deputado
Estadual, legislou intensa e continuadamente na Assembleia Legislativa nas
áreas da Educação, Cultura, Saneamento, Saúde, Transportes, Segurança Pública,
Comunicações, Turismo e Meio Ambiente. Pugnou, com altivez, pelo Ensino Público
de qualidade e pela valorização dos professores. Até a sua morte, era
reconhecido como "o deputado das
professoras", "o político da Educação Pública", um
batalhador pela Educação Pública de qualidade, universal e gratuita, e por
condições dignas de trabalho para os profissionais do setor. Por sua obstinada
e desvelada dedicação ao povo dos municípios que representava, a Imprensa,
algumas vezes, o criticava pejorativamente como sendo “o faz-tudo do povo da
Região”.
EDUCAÇÃO E CULTURA
Nascido em
Caicó, no Rio Grande do Norte, José Augusto da Câmara Torres, de família pobre
e de ilustres intelectuais, como o grande Luís da Câmara Cascudo e os Cardeais
Dom Hélder Câmara e Dom Jaime de Barros Câmara (este filho de um potiguar que
migrou para Santa Catarina), o jovem chegou a Niterói com 15 anos, já com
experiências no Jornalismo, revelando-se precocemente um intelectual de
talento, orador, ensaísta, líder e ativista estudantil católico. Na juventude,
fundou e editou jornais e dirigiu instituições culturais em sua terra natal e
em Niterói. Foi aluno do Colégio Salesiano Santa Rosa e do Liceu Nilo Peçanha,
formando-se pela Faculdade de Direito de Niterói, Bacharel em Direito e
Ciências Sociais. Lecionou História do Brasil, Língua Portuguesa, Literatura Portuguesa
e Brasileira nos Colégios Salesiano, Nossa Senhora das Mercês e no Ginásio
Icaraí. Em 1939, foi aprovado em rigoroso concurso público para Técnico de
Educação, de provas e títulos, quando defendeu tese, escrita e oral, sob o tema
Educação Moral e Cívica, sendo
nomeado Inspetor Regional de Ensino, e designado, em 1942, para a chefia da 1ª Região
Escolar, no Extremo Sul Fluminense, com sede em Angra dos Reis, onde,
recém-casado, foi residir. Dois anos depois, é novamente brilhantemente
aprovado, em novo concurso ratificador, também com defesa de tese, oral e
escrita, sob o tema A Inspeção Escolar na
Escola Primária.
Em poucos anos,
revoluciona a Educação na Região, introduzindo uma moderna gerência de
administração escolar, novas técnicas de ensino e metodologias
didático-pedagógicas de vanguarda, que valorizavam o professor, as culturas
locais e integravam a comunidade à escola. Introduziu a merenda escolar em toda
a Região, que encontrou com pouco mais de trinta escolas, deixando-a, em 1953,
com mais de uma centena de unidades. Triplicou o número de crianças
matriculadas na Região, de dois mil para seis mil estudantes. Promoveu, ainda,
um intenso movimento cívico e cultural, realizando exposições e semanas de
estudos pedagógicos, as famosas “excursões culturais” criadas por Rubens Falcão
que faziam o intercâmbio entre escolas e estudantes de vários municípios, entre
outros eventos que marcaram época. Nunca o Ensino Público atingiu níveis tão
altos de excelência e eficácia no Extremo Sul Fluminense.
José Augusto da
Câmara Torres foi, fundamentalmente, um homem da Educação e da Cultura. Mais
que isto, um homem da Educação e da Cultura Fluminense. Seu curriculum profissional nos apresenta um
trabalhador intelectual fértil, produtivo e brilhante: jornalista profissional
aos treze anos, liderança estudantil e tribuno desde os quinze, professor aos
dezoito, escritor de obra reconhecida e Técnico de Educação aos vinte e dois
anos. Depois, advogado, jurista, político. Câmara Torres não foi apenas um
homem do Jornalismo, das Letras, do Magistério, da Política, da Advocacia
Fluminense. Câmara Torres foi um notável agente que realizou, difundiu e
desenvolveu a Educação e a Cultura na terra fluminense. Seu espírito humanista,
seu trabalho cívico, comunitário e político em favor da Educação e da Cultura,
estão em cada município que atuou: em cada rua das cidades, em cada praia, nas
matas, sítios e fazendas, e grotões dos municípios, onde, semeou fé e
esperança, plantou escolas, alfabetizou, formou e ensinou cidadania a gerações
de milhares de crianças e jovens. Cada escola que construiu transformou-se em
um centro de realização e promoção cultural, onde a história, o patrimônio, as
referências, o Homem local era valorizado e promovido, em sintonia com a
história da comunidade, do Estado e da Nação.
No Estado do
Rio, Câmara Torres empreendeu inúmeras ações culturais, associando-se a
instituições e lideranças da terra para atuar como o estudioso, o professor, o
administrador, o político, que empreendeu, gerenciou e sustentou inúmeros
projetos culturais. Na sua condição de educador e político, idealizou e apoiou
muitos eventos, foi um ágil e produtivo animador cultural, um realizador bem
sucedido, catalisando interesses, sentimentos e aspirações da gente fluminense,
transformando sonhos em obras, em fatos culturais de relevância. Câmara Torres
foi um estudioso e um tenaz defensor, como educador, advogado e político, do
patrimônio cultural do Estado do Rio de Janeiro. Por mais de cinquenta anos,
ele foi o grande incentivador e apoiador das manifestações populares e
folclóricas no Extremo Sul Fluminense e em outros municípios, suas festas e
celebrações religiosas e profanas. Ele foi o interlocutor, antes de 1950, do seu
primo, mestre e amigo, o grande Luís da Câmara Cascudo, promovendo o diálogo
entre os Governo do Estado e da União, visando aos primeiros apoios e estímulos
à pesquisa e aos estudos do Folclore fluminense, que resultaram na criação da
Comissão Fluminense do Folclore. Na década de 1960, Câmara Torres levou a
Paraty o seu amigo e grande folclorista Edson Carneiro, liderando um grupo de
pesquisadores de prestígio nacional, para conhecer in loco o Folclore Paratyense, depois registrado em artigos e
ensaios editados em livros e revistas especializadas. Em 1960, afirmou-se como
o grande apoiador das comemorações dos Trezentos Anos de Paraty, que comemorou
a Revolução Popular liderada por Domingos Gonçalves de Abreu que promoveu a
autonomia de Paraty em relação à Angra dos Reis. Em 1967, novamente, Câmara
Torres foi um dos principais realizadores dos festejos do Tricentenário da Vila
de Nossa Senhora dos Remédios de Paraty. Por iniciativa de Câmara Torres,
nasceram o brasão e a bandeira de Angra dos Reis, Paraty, Rio Claro,
Mangaratiba e Piraí, criações do seu amigo e famoso heraldista Alberto Lima.
Todas as instituições socioculturais e esportivas do Estado sempre tiveram nele
um amigo valioso, um apoiador incansável.
O seu notável
trabalho como Técnico de Educação no Extremo Sul Fluminense, seu fecundo e
eficaz munus político de deputado
estadual e dirigente partidário, fizeram de Câmara Torres o orador dos grandes
eventos, das inesquecíveis efemérides. Foi um dos grandes incentivadores dos
estudos sobre a História e a Cultura Fluminense, inclusive produzindo ensaios
importantes, sobre nós mesmos, sobre o nosso lugar, o nosso papel na vida
nacional, os fatos e processos acontecidos na terra de Euclides da Cunha. A
inauguração de cada uma das dezenas de escolas que construiu no Sul Fluminense
traduzia-se numa festa cultural, popular, democrática, onde Câmara Torres
ministrava uma aula sobre o patrono de cada unidade, convocava o povo para a
sua História, para o exercício da cidadania social e política, práticas tecidas
na pesquisa, na reflexão e na ação, a partir de cada município, a partir da sua
gente e da sua História. No seu tempo, cada escola era um centro comunitário de
atividades culturais, a célula de uma biblioteca e espaço para as atividades
artísticas e profissionalizantes. Câmara Torres criou a rotina de trazer
personalidades da Cultura Brasileira para falar ao povo, aos estudantes, aos
professores de cada município do Extremo Sul Fluminense. Os seus objetivos eram
estimular o conhecimento e a autoestima dos munícipes, proporcionar a
consciência e a responsabilidade sociocultural e política de cada um e de
todos.
A partir de
1942, os temas “Angra dos Reis, “Paraty”, “Rio Claro”, “Mangaratiba” vão
ocupar, prioritária e majoritariamente, a agenda de Câmara Torres, vão habitar
toda a sua obra divulgada e publicada, no Jornalismo e na Ensaística, nos
campos da Educação, do Direito, da Política, da História, da Sociologia. Isto
porque, naquele ano, ele visita a Região pela primeira vez, se apaixona pela
terra, e publica em sua coluna Hora
Fluminense, na primeira página de O
Estado, de Niterói, o mais importante jornal à época, densos e informativos
artigos, tratando da problemática socioeconômica dos municípios, das suas
belezas e potencialidades, antevendo-lhes um destino promissor nos campos
socioeconômico, cultural e turístico. É de sua autoria o primeiro e mais
importante perfil biográfico de Samuel Costa, a belíssima e memorável oração
que pronunciou quando da inauguração do Grupo Escolar, a 18 de novembro de
1948, na condição de Técnico de Educação e Chefe da Inspetoria Regional de
Ensino, no 66º ano de nascimento do ilustre paratyense. Publicou na revista
literária Bando, de Natal, Rio Grande
do Norte, a única e histórica crônica que narra a morte, em 1944, em Angra dos
Reis, do grande Alberto Maranhão, estadista da Primeira República, que após a
Revolução de 1930, vive em Paraty, como fazendeiro e proprietário de jornal, por
longos anos. Em 1951, proferiu no Grupo Escolar Samuel Costa, conferência sobre
a vida e obra de Sylvio Romero e sua identidade com Paraty, recebendo, à época,
do Doutor Nelson Romero, filho do ilustre humanista, em nome da família, carta
de regozijo e agradecimento. Reuniu e editou, pela primeira vez, em 1973, os
poemas de Samuel Costa, escrevendo a introdução à antologia. Também prefaciou
as obras Paraty – Caminho do Ouro, de
Heitor Gurgel e Edelweiss Amaral, e Silvio
Romero, Juiz, de José Alberto da Silva, livro que narra a vida do grande
sergipano como "Juiz Municipal do Termo de Paraty", de 1877 a 1879.
Como jornalista,
professor, advogado e político, em toda a sua vida acadêmica e profissional, em
mais de setenta anos de ininterrupta atividade intelectual, publicou livros e
centenas de ensaios, estudos, artigos, reportagens e críticas nas áreas da
Literatura, da História, da Educação, Política, Sociologia e do Direito, além
de trabalhos nos campos do Folclore. Até a sua morte, participou, ativamente,
de diversas instituições e movimentos culturais que agitaram o Sul Fluminense e
todo o Estado do Rio de Janeiro, simultaneamente fundando entidades e dirigindo
campanhas comunitárias.
DOAÇÃO E SERVIÇO
Afora o seu ingente trabalho, por mais de quarenta
anos, como líder e arauto das grandes causas da Gente Fluminense, não há
cidadão ou família do Extremo Sul Fluminense que não reconheça e não deva a
Câmara Torres, uma atitude, um empenho, um gesto, pelo menos uma palavra de
compreensão e apoio, em defesa de um direito ou benefício pessoal, afora todas
as suas realizações coletivas, em benefício das comunidades. Na Região, os
órgãos e os serviços públicos devem muito à ação contínua e persistente de
Câmara Torres, tanto na Assembleia Legislativa, como junto a órgãos estaduais,
federais e internacionais. Durante o tempo em que foi Deputado, viabilizou os
governos dos prefeitos daqueles municípios, à época sociedades e prefeituras pobres,
sem recursos, prestando-lhes toda a assistência e apoio, para bem e
produtivamente desempenharem os seus mandatos.
No final da década de 1960, o Projeto Turis, da EMBRATUR, que tratava da ocupação racional e
ecológica do litoral do Rio a Santos, teve em Câmara Torres um defensor
entusiasta, corajoso e tenaz. O Plano de
Desenvolvimento Integrado e Proteção do Bairro Histórico do Município de Paraty,
patrocinado pela União Federal, cuja conveniência foi tratada na UNESCO, órgão
da ONU, nasceu das idéias e das ações de Câmara Torres em vários fóruns
regionais e nacionais nos anos cinquenta e sessenta, resultado do seu trabalho
contínuo pela integração do Município ao Estado do Rio e pelo desenvolvimento
autossustentável daquelas comunidades. Ambos os instrumentos tiveram o apoio
político indispensável de Câmara Torres na Assembleia Legislativa e junto aos governos
estadual e federal, e que introduziram Paraty no Século XXI.
Lutou,
politicamente, sem pausa, por mais de três décadas, inicialmente pela abertura,
depois pela conservação, tráfego regular e pavimentação da estrada
Paraty-Cunha. Lutou, incansavelmente, nos níveis estadual e federal,
mobilizando até organismos e recursos internacionais, para a pavimentação da
estrada, chegando mesmo a obter compromissos formais de governadores, ministros
de Estado e a celebração de contratos entre o Governo do Estado e construtoras,
os quais sucessivos governos federais não permitiram que fossem cumpridos. Hoje,
a Estrada Parque Comendador Antônio Conti, pavimentada, é uma realidade, uma
conquista de Câmara Torres, do Povo Paratyense através dele e de seus líderes
comunitários e políticos. Foi o grande responsável pela abertura da Estrada
Angra dos Reis-Paraty (Rodovia Roberto Silveira) e, depois, pela Rodovia
Rio-Santos, com outro traçado, é verdade, mais inteligente e preservacionista.
Dedicou-se,
também, durante toda a sua vida pública, pela manutenção do Serviço de
Navegação Sul Fluminense, que oferecia transportes às comunidades da Baía da
Ilha Grande. Criticou, durante anos, o funcionamento do presídio na Ilha
Grande, que segundo ele, "contrariava
as vocações ecológicas e preservacionistas daquele patrimônio, expondo-o a toda
sorte de perigos e agressões".
Como
parlamentar, atuou e legislou destacadamente na área social, em favor da Região
que representava, especialmente na Educação, Cultura, Saúde, Saneamento,
Transportes, Segurança Pública, Turismo e Meio Ambiente. Planejou e viabilizou,
como Secretário do Interior e Justiça, a construção do Fórum Silvio Romero, em Paraty, e João Fausto Magalhães, cujos nomes foram dados por ele. Criou e
instalou as Subseções da Ordem dos Advogados de Angra dos Reis e de Paraty
Construiu, com recursos próprios, no início da década de 1950, o Aeroporto de
Angra dos Reis, fundou e foi presidente do Aero Clube de Angra dos Reis. Empenhou-se
pela manutenção e melhoria do campo de aviação de Paraty, pois foi um pioneiro
do transporte aéreo no extremo sul do Estado. Idealizou e coordenou, em 1970, a
Operação Trindade, primeira ação multidisciplinar do Estado no sentido da
integração e desenvolvimento socioeconômico sustentado da comunidade da Praia
da Trindade. Foi o autor da lei que remunerava e dava tratamento especial aos
profissionais da Educação designados para trabalhar nas escolas oceânicas, de
difícil acesso de Paraty. Irmão e Procurador das Irmandades das Santas Casas de
Misericórdia de Angra dos Reis e de Paraty, era, também, membro da Associação
de Caridade São Vicente de Paulo, que mantém o Asilo de assistência à velhice em
Angra dos Reis.
Cristão e
solidário, generoso em todos os seus atos, Câmara Torres, na Plítica, teve
adversários, jamais inimigos. Na Advocacia, contendores que o admiraram, nunca
debatedores odientos. Morreu pobre, sem bens a inventariar, sendo visto por
correligionários e adversários políticos, como "uma legenda moral de honestidade e trabalho, de doação às causas
populares, que fazia dele um homem público por excelência, honrado, leal, destemido
e produtivo, com inestimáveis serviços prestados ao Estado do Rio de
Janeiro". Os cientistas políticos poderão ver Câmara Torres como "um Homem Público com uma inexcedível
capacidade de doação, um Político com uma dimensão humana e social insuperável".
Deixou oito filhos, quatorze netos e uma legião de amigos e admiradores no
Estado e no País. Entre os seus filhos está o jornalista, escritor, consultor
cultural e Consultor Legislativo do Senado Federal, aposentado, Marcelo Câmara,
que sempre desenvolveu intensa e múltipla atividade intelectual, herdou, ainda
em vida do pai, a rica biblioteca de Câmara Torres, com importantes e raras
obras jurídicas, de História, Educação, Literatura, Ciências Políticas e
Sociais, e o seu monumental arquivo profissional e pessoal, onde está
registrada toda a sua vida como jornalista, educador, advogado e político,
inclusive a sua correspondência com líderes e famílias da Região Sul do Estado,
e com personalidades da vida fluminense e nacional, estas desde os anos vinte até
a sua morte.
LIDERANÇA POLÍTICA
Em meados da
década de 40, Câmara Torres já era uma vigorosa e irreversível liderança
regional. Com a redemocratização do País, em 1945, ingressa no Partido Social
Democrático - PSD, e, cinco anos depois, é um dos fundadores e dirigente do
Partido Social Progressista - PSP, elegendo-se, por essa legenda deputado
estadual em 1954 e, por mais três vezes consecutivas. Funda os diretórios
municipais do PSP em Paraty, Angra dos Reis, Rio Claro e Mangaratiba e é eleito
Secretário-Geral do partido no Estado do Rio. Em 1958, foi um dos principais
articuladores da coligação PSP-PTB-UDN, que levou o amigo e companheiro de
lutas estudantis e políticas, Roberto Silveira, ao Governo do Estado. Em 1959,
exerce as funções de Primeiro Secretário da Assembleia Legislativa. No Governo
de Geremias de Matos Fontes, ocupa, por alguns meses, a Secretaria de Estado do
Interior e da Justiça, onde realiza profícua administração, erguendo fóruns em
vários municípios, assistindo e modernizando as prefeituras municipais e
revolucionando o sistema penitenciário, com a implantação de projetos pioneiros
da Educação formal e profissional nos presídios. Em sua gestão, obteve, pela
primeira vez, em mais de sessenta anos de tentativas frustradas de tantos
governos, a devolução, por parte do então Estado da Guanabara, das áreas,
prédios e benfeitorias, onde funcionavam o Presídio do Abraão e a Colônia Penal
Dois Rios, na Ilha Grande, concretizando-se anos depois a transação, por conta
da sua saída da Secretaria, e de sua volta à Assembleia Legislativa.
Mesmo
ingressando na Aliança Renovadora Nacional – ARENA, após o golpe de 1964,
lutou, durante o regime militar, contra a instalação da usina nuclear na Praia
da Itaorna, em Angra, e esteve preso no Colégio Militar, sendo libertado após
dez dias de detenção, sem qualquer acusação formal, com um pedido de desculpas
do então comandante da unidade. Antes, fora acusado em Inquérito Policial
Militar, por ter intervindo em favor da liberdade e integridade de líderes
políticos e comunitários de Paraty, uns presos, outros perseguidos pela
Ditadura, a maioria deles, seus circunstanciais adversários políticos. Em 1970,
foi o único deputado estadual da ARENA a concorrer a uma vaga na Câmara
Federal, não logrando êxito, apesar de expressiva votação, o que o colocou numa
primeira suplência por quatro anos, levando-o a um longo jejum eleitoral. Em
1971 assumiu a Secretaria de Estado de Serviços Sociais, iniciando um trabalho
em várias frentes, de grande repercussão, com projetos de vanguarda dirigidos
aos marginalizados, crianças e idosos, aos portadores de deficiência física e
mental, apoiados por governos e instituições estrangeiras e internacionais.
Isto provocou inveja e intriga em setores do poder, sendo demitido por exigência
da chamada “linha dura” do regime que infelicitava o País, por ordem expressa do
general Walter Pires. Em 1986, após dezesseis anos afastado de disputas
eleitorais, amigos de Angra e de Paraty lançam o seu nome à Assembleia
Legislativa pelo Partido Democrático Social – PDS. Obtêm 5 mil votos, uma
expressiva votação à época, é o candidato à Assembleia Legislativa mais votado
em Paraty. Entretanto, não se elege, abandonando definitivamente a Política.
Com sabedoria e prudência, presidiu o PSP, a ARENA e o PDS, de Angra dos Reis.
Visionário,
homem de vanguardas, espírito empreendedor, de convergências e de conciliação,
sempre liderou ou, pelo menos, influiu, decisivamente, direta ou indiretamente,
no progresso de toda a Região. Mesmo nas iniciativas privadas, onde o interesse
e os direitos do povo estiveram em jogo, como a instalação dos Estaleiros
Verolme, em Angra dos Reis, ou os grandes projetos turísticos na Costa Verde,
lá estava a presença dinâmica e articuladora de Câmara Torres resolvendo, incentivando,
apoiando, realizando, sempre zelando pelas comunidades, seus valores, direitos
e patrimônios.
O Extremo Sul
Fluminense lhe deve a edificação das matrizes do seu desenvolvimento
socioeconômico, político e cultural, além de conquistas na Saúde, nos Transportes,
no Saneamento, na Segurança Publica, na Preservação
Ambiental, no Turismo e outras áreas de atuação do Poder Público. Entre os
benefícios regionais alcançados graças ao trabalho incansável de Câmara Torres,
além daquelas já apontadas, está a abertura e conservação da Estrada Rio
Claro-Mangaratiba. Sócio Remido e Vice-Presidente do Aeroclube do Estado do Rio
de Janeiro, realizou os primeiros voos de Angra dos Reis e Paraty com destino a
Niterói e ao Rio de Janeiro, para acudir a população que precisava de
atendimento médico de urgência, favorecendo, também, a ida constante de
servidores e autoridades públicas ao Município.
JORNALISTA E ESCRITOR
Aos onze anos de
idade, José Augusto da Câmara Torres já era um jornalista profissional, quando
fundou e dirigiu o veículo estudantil O
Ideal da Juventude, em sua terra natal. Mais tarde, também fundou e
dirigiu, em Niterói, os jornais Espumas e
A Ordem. Antes, no Colégio Marista,
em Natal, colaborou no Sete de Setembro.
Jovem, militou politicamente ao lado de Alceu de Amoroso Lima, o Tristão de
Athayde, Dayl de Almeida, José Arthur Rios, os irmãos Badger e Roberto
Silveira, Celso Peçanha, Anselmo Macieira, Vasconcelos Torres, entre outros,
nas lutas estudantis, universitárias e políticas. Em Niterói, pertenceu ao
Centro de Cultura José de Anchieta, do Colégio Salesiano Santa Rosa, e foi um
dos fundadores da Congregação Mariana, presidindo a Academia São Francisco de
Sales, braço cultural da Congregação. No Rio e em Niterói, escreveu em jornais
e revistas, entre eles, Folha Colegial,
O Estado, Correio da Manhã, Revista
Potiguar (RN), Ariel, Taba, O Gládio, Ariete, Almanaque Ilustrado das Famílias Católicas
Brasileiras. Fez crítica literária, de cinema e teatro. Foi correspondente
no Rio e articulista da revista Nordeste,
de Natal, RN, colaborando, também, em A
República, da capital potiguar. Assinou, na década de 40, a coluna Hora Fluminense, espaço nobre na
primeira página do diário O Estado,
então o maior jornal da Velha Província e redator do antigo Serviço de
Propaganda e Turismo do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Em Angra dos Reis,
publicou no jornal O Sul Fluminense,
e assinou, por sete anos, a coluna Aspectos
na Folha de Angra, onde também foi
secretário de redação. Foi membro da Associação Fluminense de Jornalistas e da
Associação de Imprensa Periódica Paulista. Em 1939 e em 1944, respectivamente,
circulam, com tiragens restritas, nos meios acadêmicos e técnicos da Educação,
as duas monografias, teses de sua autoria, apresentadas em concursos públicos: Educação Moral e Cívica e A Inspeção Escolar na Escola Primária.
Aos 22 anos
publicou, com Dayl de Almeida, Imortais,
livro de ensaios, com prefácio de Alcebíades Delamare. Publicou, ainda,
diversos trabalhos de História, Ciência Política, Educação, Sociologia, Folclore
e Crítica Literária. Entre esses, destacam-se os estudos pioneiros sobre o
paratyense Samuel Costa (1948), Sylvio Romero (1949) e sobre o angrense Lopes
Trovão (1947 e 1953). Em 1943, a Biblioteca Municipal Professor Guilherme
Briggs, de Angra dos Reis, publica Os
olhos verdes na literatura, ensaio e conferência que profere naquele
município. Foi um dos fundadores do Instituto Histórico e Artístico de Paraty.
Era Membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e
Sócio Correspondente do Ateneu Angrense de Letras e Artes. Integrava a Academia
Valenciana de Letras, a Associação Brasileira de Escritores, entre outras
entidades culturais, fluminenses e nacionais. Possuía os títulos de Cidadão Fluminense, do antigo Estado do
Rio de Janeiro, de Cidadão Honorário do
Estado do Rio de Janeiro, do atual Estado do Rio de Janeiro, e de Cidadão
Honorário de Angra dos Reis, Paraty, Rio Claro e Mangaratiba. Foi agraciado com
a Medalha do Centenário de Silvio Romero
(1939), pelos seus trabalhos sobre o escritor, com a Medalha do Cinquentenário da República, e com a Medalha Tiradentes, da Assembleia
Legislativa do atual Estado do Rio de Janeiro, entre dezenas de outras
insígnias. Em Angra dos Reis, foi eleito pelos seus colegas de profissão "O Advogado do Ano" por mais
de uma vez. Pertenceu a diversas entidades religiosas do Estado, sendo, também,
Benemérito de dezenas de instituições socioculturais, filantrópicas e
desportivas. Recebeu dezenas de láureas de instituições públicas e privadas do
Estado.
Câmara Torres morreu pobre, sem bens a inventariar.
Deixou, além de um notável legado de ética,
probidade e coerência política, de nobres causas e lutas, de fidelidade aos
seus representados, um importante patrimônio de leis e realizações,
especialmente, na Educação, Cultura, e nos setores sociais e econômicos. Foi,
enfim, um importante e luminoso personagem da Educação, da Cultura, da História
Política Fluminense nos últimos sessenta anos do século XX.
Em 2000, o Teatro Municipal de Angra
dos Reis, RJ, o mais importante centro cultural da cidade, recebeu o nome de
TEATRO MUNICIPAL CÂMARA TORRES, por força de Lei Municipal.
Em 2004, a Casa de Cultura de Paraty
passou a denominar-se CASA DE CULTURA CÂMARA TORRES, em decorrência da Lei
Municipal 1414, resultado de Projeto do então Vereador e Presidente da Câmara, Casé
Miranda.
Casa da Cultura Câmara Torres: sobrado do século XVIII, um dos mais valiosos prédios do Bairro Histórico de Paraty. Fonte: site da Casa da Cultura Câmara Torres. |
Em 2011, o município de Rio Claro,
RJ, homenageou-o inaugurando, em Passa Três, a sua mais moderna e bem equipada
escola, o CENTRO DE ENSINO MUNICIPAL DEPUTADO CÂMARA TORRES, construído com recursos
da União (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB).
O Aeroporto de Angra dos Reis, RJ, construído
no início dos anos 1950 por Câmara Torres, com recursos próprios, passará a se
chamar, em breve, AEROPORTO CÂMARA TORRES.
Os municípios de Mangaratiba e
Niterói, igualmente, preparam homenagens à sua memória.
6 comentários:
Recebido.
Obrigado!
Meu bisavô materno era de Caicó, berço dos Medeiros. Mudou-se para Santa Luzia-PB, bem próxima.
Sou fã de Câmara Cascudo, de quem tenho vários livros, notadamente sobre folclore.
Obrigado por me apresentar a Câmara Torres.
Abs
O Blog de São João del-Rei junta-se a inúmeros veículos de comunicação e a diversas Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais, instituições públicas e privadas do País para, em uníssono, comemorarmos a bênção que representou a vida do jornalista, educador, advogado e político CÂMARA TORRES, que foi, no Século XX, nas palavras do seu filho Dr. Marcelo Câmara, "o mais importante líder comunitário e político do Extremo Sul Fluminense".
José Augusto da Câmara Torres nasceu em Caicó-RN em 22/06/1917.
Ontem, no dia 21/06, uma Missa na Igreja N. Sra. da Paz, em Ipanema, celebrada pelo Pe. José Ricardo dos Santos Pastura, inaugurou as celebrações da Efeméride relativa ao centenário de Câmara Torres. O referido sacerdote reservou parte da homilia sobre o Santo do Dia, São Luiz Gonzaga, para discorrer sobre a vida e obra do líder e ativista católico Câmara Torres, "sua boa alma e sua conduta de servir ao próximo".
Detalhes sobre sua vida e obra do homenageado podem ser lidos no Blog de São João del-Rei, ambos da autoria do seu filho Dr. Marcelo Câmara.
Outra publicação bastante interessante! Fiquei conhecendo essa personalidade de Câmara Torres! Me chamou a atenção que, tendo nascido no Nordeste, preferiu servir à população do Estado do Rio de Janeiro. Também que tenha mantido ligações com Câmara Cascudo, sem haver notícia de tê-las tido com D. Hélder. Por outro lado, a forma como foi pressionado pelo regime de 1964 realmente só vem depor contra este. Lamentável!
Parabéns e obrigado por remetê-la.
Amigo Braga, agradeço, em nome da Família, a homenagem à memória de meu pai.
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