Por Euclides da Cunha
(20/01/1866-15/8/1909)
— Ondas
primeiras poesias —
de
Euclydes Cunha
— Rio de Janeiro —
—1883 —
—1883 —
14 annos de edade
Anotado por Euclydes em 1906: "Observação fundamental para explicar a serie de absurdos que ha nestas paginas.
1906 - Euclydes"
1906 - Euclydes"
Marat...
Foi a alma cruel das barricadas!...
Mixto de luz e lama!... se elle ria
As purpuras gelavam-se e rangia
Mais de um throno se dava gargalhadas!...
Fanatico da luz... porem seguia
Do crime as torvas, lívidas pisadas —
Armava, à noute, aos corações ciladas —,
Batia o despotismo à luz do dia...
No seu cer'bro tremendo — negrejavam
Os planos mais crueis e scintillavam
As idéas mais bravas e brilhantes
Ha muito que um punhal gelou-lhe o seio...
Passou... deixou na historia um rastro cheio
De lagrimas e luzes offuscantes...
28 Novembro
Ass. Euclydes
Dantão...
Parece-me que o vejo — illuminado —
Erguendo delirante a grande fronte
— De um povo inteiro o fúlgido horizonte
Cheio de luz, de idéas constellado!...
De seu craneo — vulcão — a rubra lava
Foi que gerou essa sublime aurora
— Noventa e trez ¹ e a levantou sonora
Na fronte audaz da populaça brava!...
Olhando para a historia — um sec'lo é a lente
Que mostra-me o seu craneo resplandente
Do passado atravez o véo profundo...
. . . . . . .
Ha muito que tombou — mas, inquebravel
De sua voz o echo formidavel
Estruge ainda na razão do mundo!...
Ass. Euclydes
28 Novembro
¹ Refere-se ao título de um livro de Victor Hugo, intitulado Quatre Vingt Treize, Obras Completas. Vol. XIII. Tradução de Oscar Paes Leme. São Paulo: Editora das Américas, s.d. É a última novela de Hugo, publicada em 1874, logo depois da ocorrência da revolta da Comuna de Paris, e que trata da Revolta na Vendêa e Chouannerie (regiões ocidentais da França que sediaram levantes monarquistas anti-revolucionários e que se postaram contra a 1ª República francesa) e está ambientada numa das fases mais terríveis da Revolução francesa: o Terror em 1793. O autor tinha a intenção de realizar uma trilogia novelesca dedicada à Revolução, da qual esta novela constituiria o primeiro volume. Entretanto, não pôde terminar seu projeto.
¹ Refere-se ao título de um livro de Victor Hugo, intitulado Quatre Vingt Treize, Obras Completas. Vol. XIII. Tradução de Oscar Paes Leme. São Paulo: Editora das Américas, s.d. É a última novela de Hugo, publicada em 1874, logo depois da ocorrência da revolta da Comuna de Paris, e que trata da Revolta na Vendêa e Chouannerie (regiões ocidentais da França que sediaram levantes monarquistas anti-revolucionários e que se postaram contra a 1ª República francesa) e está ambientada numa das fases mais terríveis da Revolução francesa: o Terror em 1793. O autor tinha a intenção de realizar uma trilogia novelesca dedicada à Revolução, da qual esta novela constituiria o primeiro volume. Entretanto, não pôde terminar seu projeto.
Robespierre...
Alma inquebravel — bravo sonhador
De um fim brilhante, de um poder ingente —
De seu cerebro audaz — a luz ardente
É quem gerava a treva do terror!...
Embuçada n'um lívido fulgor
Su'alma collosal — cruel — potente
Rompe as edades, lugubre — tremente —
Cheia de glorias, maldições e dor!...
. . . . . . .
Ha muito ja que ella — soberba, ardida
Afogou-se — cruenta e destemida
— N'um diluvio de luz — Noventa e trez...
Ha muito ja que emmudeceu na historia
Mas, ainda hoje a sua atroz memoria
É o pesadêlo mais cruel dos reis!...
28 Novembro
Ass. Euclydes
Rebate
— Aos padres —
Sonnez, sonnez toujours, clairons de la pensée.
— V. Hugo —
Ó pallidos heroes!... ó pallidos athletas
Que co'a razão sondais a profundez dos Ceus
Emquanto do existir no vasto Sahara enorme,
Embalde procurais — essa miragem — Deus!...
A postos!... é chegado o dia do combate...
— As frontes levantai do seio das so'idões —
E as nossas armas vede — os cantos e as idéas,
E vede os arsenaes — os cer'bros, corações.
De pé... a hora sôa... explendida a Sciencia
Com esse elo — a idéa — as mentes prende à luz
E ateia já, fatal, a rubra lavareda
Que vai — de pé heroes! — queimar a vossa Cruz...
Vos peza sobre a fronte um passado de sangue.
— A vossa veste negra à muit'alma envolveu!...
— A vossa veste negra à muit'alma envolveu!...
E tendes que pagar — ah!... — dívidas tremendas!
Ao mundo — João Huss — e à Sciencia — Galileu.
. . . . . . .
Vós sois demais na terra!.. e peza, peza muito
O lívido bordel das almas, das razões
Sobre o dorso do globo — sabeis — é o Vaticano,
Do qual a sombra faz a noute das nações!...
Depois... o sec'lo expira e... padres! precisamos
— Da Sciencia c'o archote — intérmino, fatal
A vós incendiar — aos báculos e às mitras
Afim de illuminar-lhe o grande funeral!...
Já é, já vai mui longa a vossa fria noute,
— Que em frente à Consciencia, soubestes, vis, tecer!...
Oh treva collossal — parte-te-ha a luz...
Ó noute, arreda-te ante o novo alvorecer...
. . . . . . .
. . . . . . .
Ó vós que a flor da Crença — esquálidos, regais
Co'as lagrimas crueis — dos martyres lethaes —
Vós — que tentaes abrir — um sanctuario à Cruz,
Da multidão no seio, a golpe de punhaes...
O passado trazeis de rastro a vossos pés!...
Pois bem — vai se mudar — o gemer em rugir
E a lagrima em lava!... ó pallidos heroes —
De pé! que conquistar-vos vamos — o porvir!...
1º Dezembro 1883
Ass. Euclydes Cunha
1º Dezembro 1883
Ass. Euclydes Cunha
Saint-Just
Un discours de Saint-Just donnait tout de suite un caractère terrible au débat...
— Raffy: Procès de Louis XVI —
Quando à tribuna elle se ergueu, rugindo, —
— Ao forte impulso das paixões audazes
— Ao forte impulso das paixões audazes
E a luz do genio em seu olhar fulgindo,
A tyrannia estremeceu nas bases
De um rei na fronte ressumou — pungindo —
Um suor de morte e um terror infindo
Gelou o seio aos cortezãos, sequazes.
Uma alma nova ergueu-se em cada peito,
Brotou em cada peito uma esperança
Do seu sonno acordou — firme — o Direito.
E Europa — o mundo, mais que o mundo — a França
Sentio n'uma hora, sob o verbo seu,
As commoções que em sec'los não sofreo!...
28 Novembro 1883
Ass. Euclydes
Gonçalves Dias
— ao pé do mar —
Se eu pudesse cantar a grande historia
Que envolve ardente o teu viver bilhante!...
Filho dos trópicos que — audaz gigante —
Desceste ao tumulo subindo à Gloria!...
Teu túm'lo collossal — nest'hora eu fito —
Altivo, rugidor, sonoro, extenso —
O mar!... o mar!... Oh sim teu craneo immenso
Só podia conter-se no infinito!...
E eu — sou louco talvez — mas quando, forte,
Em seu dorso resvala — ardente o Norte —
E elle espumante estruge, brada, grita
E em cada vaga uma canção estoura...
Eu — creio ser tu'alma que, sonora,
Em seu seio sem fim — brava — palpita!...
. . . . . . .
29 Novembro
Ass. Euclydes
Fonte: O hebdomadário carioca, DOM CASMURRO, publicou em maio de 1946, Ano X, nº 439-440, pp. 31-2, em fac simile, essa seleção de poemas, fazendo constar em nota de rodapé:
"Autógrafos de Euclides, tirados diretamente de um caderno de 1883 — "Ondas". Mais tarde revia ele esse caderno e, se nada inutilizou nele, sem embargo nas poesias que achava fracas escrevera — "medíocre" — "horrível" — etc."
Desceste ao tumulo subindo à Gloria!...
Teu túm'lo collossal — nest'hora eu fito —
Altivo, rugidor, sonoro, extenso —
O mar!... o mar!... Oh sim teu craneo immenso
Só podia conter-se no infinito!...
E eu — sou louco talvez — mas quando, forte,
Em seu dorso resvala — ardente o Norte —
E elle espumante estruge, brada, grita
E em cada vaga uma canção estoura...
Eu — creio ser tu'alma que, sonora,
Em seu seio sem fim — brava — palpita!...
. . . . . . .
29 Novembro
Ass. Euclydes
Fonte: O hebdomadário carioca, DOM CASMURRO, publicou em maio de 1946, Ano X, nº 439-440, pp. 31-2, em fac simile, essa seleção de poemas, fazendo constar em nota de rodapé:
"Autógrafos de Euclides, tirados diretamente de um caderno de 1883 — "Ondas". Mais tarde revia ele esse caderno e, se nada inutilizou nele, sem embargo nas poesias que achava fracas escrevera — "medíocre" — "horrível" — etc."
9 comentários:
Tenho o prazer de enviar-lhe poesias selecionadas de Euclides da Cunha, extraídas de seu caderno de poesias "Ondas", que ele preencheu (mas não publicou) em 1883 e 1884, quando tinha 17/18 anos, conforme publicou o jornal DOM CASMURRO, edição de maio de 1946, Ano X, nº 439-440, pp. 31-2, em fac simile. Os autógrafos são manuscritos pelo próprio Euclides e tirados diretamente do seu caderno "Ondas", datado de 1883. As poesias de Euclides foram transcritas no Blog de São João del-Rei, observando a grafia de época.
Com o propósito de esclarecer algumas questões que possam originar-se do artigo acima, produzi "Apontamentos sobre a poética de Euclides da Cunha", artigo que postei no Blog do Braga.
Além de escritor, o autor do clássico 'Os Sertões' foi engenheiro, militar, funcionário público, jornalista, membro da Academia Brasileira de Letras e professor de Lógica do Colégio Pedro II. Com a vida marcada por tragédias, Euclides da Cunha é tido atualmente como um autor canônico das letras nacionais.
Braga,
Obrigado pelo documento valioso. Abraço. João Carlos Taveira
Ótimo!
Caro amigo Braga
Mais uma vez – e sempre! – quero felicitá-lo por suas preciosas pesquisas, como esta sobre Euclides da Cunha, este escritor multifacetado cujo conjunto de sua obra, de grande valor no âmbito nacional, continua a ser estudada até hoje no mundo acadêmico, embora decorridos mais de 100 anos de seu falecimento.
Muito obrigado pelo envio.
Do amigo Mario.
Sensacional! O Blog de São João del Rei resgata um conteúdo histórico de valor inegável.
Sabemos que a TRAGÉDIA DA PIEDADE é muito comovente e até hoje inspira grandes discussões acerca dos relacionamentos...
Anna de Assis se dizia injustiçada, pois conhecia O HOMEM e a sociedade, o escritor. Sem entrar no mérito,reconhecemos a grandiosidade do escritor e agora o EUCLIDES POETA. Como é visto no Blog é surpreendente e rende grandes elogios.
Parabéns historiador, Francisco Braga, pela pérola literária!
Meu caro Francisco,
agradeço-lhe muito o presente desses poemas de Euclides, já reveladores do estilo incisivo, forte, quase áspero de quem viria a escrever Os Sertões. Bem-vindos, também, os comentários esclarecedores.
Bom trabalho!
Abraço de
Anderson
Dr. Franciso,
Paz, saúde e alegria!
Obrigada pelo envio das poesias do grande Euclídes da Cunha.
Abraços extensivos a Rute.
Merania
Obrigado, Francisco,
Seu blog cada vez melhor.
Sds.
Marcos Cotrim de Barcellos
Professor Braga!
Importantíssima a sua divulgação de algo que se torna até mesmo a revelação de um outro grande poeta ao quadro daqueles que tão bem representaram o final do século XIX para o XX no Brasil. Chama efetivamente a atenção de que seja o próprio Euclides da Cunha! Seu "viés" poético, como já foi observado, ilumina o estudo de sua monumental obra prima!
Parabéns!
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