quinta-feira, 19 de abril de 2018

PRIMEIRAS POESIAS DE EUCLIDES DA CUNHA, AOS 17 ANOS DE IDADE



Por Euclides da Cunha  
(20/01/1866-15/8/1909)



— Ondas
primeiras poesias
de
Euclydes Cunha
— Rio de Janeiro  
—1883
 

14 annos de edade

Anotado por Euclydes em 1906: "Observação fundamental para explicar a serie de absurdos que ha nestas paginas. 
1906 - Euclydes"

Marat...

Foi a alma cruel das barricadas!...
Mixto de luz e lama!... se elle ria
As purpuras gelavam-se e rangia
Mais de um throno se dava gargalhadas!...

Fanatico da luz... porem seguia
Do crime as torvas, lívidas pisadas
Armava, à noute, aos corações ciladas —,
Batia o despotismo à luz do dia...

No seu cer'bro tremendo negrejavam
Os planos mais crueis e scintillavam
As idéas mais bravas e brilhantes

Ha muito que um punhal gelou-lhe o seio...
Passou... deixou na historia um rastro cheio
De lagrimas e luzes offuscantes...

28 Novembro
Ass. Euclydes

Dantão...

Parece-me que o vejo — illuminado
Erguendo delirante a grande fronte
— De um povo inteiro o fúlgido horizonte
Cheio de luz, de idéas constellado!...

De seu craneo — vulcão — a rubra lava
Foi que gerou essa sublime aurora
— Noventa e trez ¹ e a levantou sonora
Na fronte audaz da populaça brava!...

Olhando para a historia — um sec'lo é a lente
Que mostra-me o seu craneo resplandente
Do passado atravez o véo profundo...
               . . . . . . .

Ha muito que tombou — mas, inquebravel
De sua voz o echo formidavel
Estruge ainda na razão do mundo!...

Ass. Euclydes
28 Novembro  

¹  Refere-se ao título de um livro de Victor Hugo, intitulado Quatre Vingt Treize, Obras Completas. Vol. XIII. Tradução de Oscar Paes Leme. São Paulo: Editora das Américas, s.d.  É a última novela de Hugo, publicada em 1874, logo depois da ocorrência da revolta da Comuna de Paris, e que trata da Revolta na Vendêa e Chouannerie (regiões ocidentais da França que sediaram levantes monarquistas anti-revolucionários e que se postaram contra a 1ª República francesa) e está ambientada numa das fases mais terríveis da Revolução francesa: o Terror em 1793. O autor tinha a intenção de realizar uma trilogia novelesca dedicada à Revolução, da qual esta novela constituiria o primeiro volume. Entretanto, não pôde terminar seu projeto.

Robespierre...

Alma inquebravel — bravo sonhador
De um fim brilhante, de um poder ingente
De seu cerebro audaz a luz ardente
É quem gerava a treva do terror!... 

Embuçada n'um lívido fulgor
Su'alma collosal — cruel — potente
Rompe as edades, lugubre tremente —
Cheia de glorias, maldições e dor!...
        . . . . . . .

Ha muito ja que ella — soberba, ardida 
Afogou-se — cruenta e destemida
N'um diluvio de luz — Noventa e trez...

Ha muito ja que emmudeceu na historia
Mas, ainda hoje a sua atroz memoria
É o pesadêlo mais cruel dos reis!...

28 Novembro
Ass. Euclydes   

Rebate
— Aos padres  

Sonnez, sonnez toujours, clairons de la pensée.
— V. Hugo
 
Ó pallidos heroes!... ó pallidos athletas
Que co'a razão sondais a profundez dos Ceus
Emquanto do existir no vasto Sahara enorme,
Embalde procurais — essa miragem — Deus!...

A postos!... é chegado o dia do combate...
— As frontes levantai do seio das so'idões
E as nossas armas vede — os cantos e as idéas,
E vede os arsenaes — os cer'bros, corações.  

De pé... a hora sôa... explendida a Sciencia 
Com esse elo — a idéa — as mentes prende à luz
E ateia já, fatal, a rubra lavareda
Que vai de pé heroes! — queimar a vossa Cruz...

Vos peza sobre a fronte um passado de sangue.
— A vossa veste negra à muit'alma envolveu!...
E tendes que pagar — ah!... dívidas tremendas!
Ao mundo — João Huss — e à Sciencia — Galileu.
            . . . . . . .

Vós sois demais na terra!.. e peza, peza muito
O lívido bordel das almas, das razões
Sobre o dorso do globo — sabeis — é o Vaticano,
Do qual a sombra faz a noute das nações!...

Depois... o sec'lo expira e... padres! precisamos
Da Sciencia c'o archote — intérmino, fatal
A vós incendiar — aos báculos e às mitras
Afim de illuminar-lhe o grande funeral!...

Já é, já vai mui longa a vossa fria noute,
Que em frente à Consciencia, soubestes, vis, tecer!...  
Oh treva collossal — parte-te-ha a luz...
Ó noute, arreda-te ante o novo alvorecer...
            . . . . . . .

Ó vós que a flor da Crença — esquálidos, regais
Co'as lagrimas crueis — dos martyres lethaes
Vós — que tentaes abrir — um sanctuario à Cruz,
Da multidão no seio, a golpe de punhaes...

O passado trazeis de rastro a vossos pés!...
Pois bem — vai se mudar o gemer em rugir
E a lagrima em lava!... ó pallidos heroes
De pé! que conquistar-vos vamos o porvir!... 

1º Dezembro 1883
Ass. Euclydes Cunha  


Saint-Just

Un discours de Saint-Just donnait tout de suite un caractère terrible au débat...
Raffy: Procès de Louis XVI  

Quando à tribuna elle se ergueu, rugindo,
— Ao forte impulso das paixões audazes    
Ardente o labio de terriveis phrases
E a luz do genio em seu olhar fulgindo,

A tyrannia estremeceu nas bases
De um rei na fronte ressumou — pungindo  
Um suor de morte e um terror infindo
Gelou o seio aos cortezãos, sequazes.

Uma alma nova ergueu-se em cada peito,
Brotou em cada peito uma esperança
Do seu sonno acordou — firme — o Direito.

E Europa o mundo, mais que o mundo — a França
Sentio n'uma hora, sob o verbo seu,
As commoções que em sec'los não sofreo!...

28 Novembro 1883
Ass. Euclydes 


Gonçalves Dias
ao pé do mar  

Se eu pudesse cantar a grande historia
Que envolve ardente o teu viver bilhante!...
Filho dos trópicos que — audaz gigante  
Desceste ao tumulo subindo à Gloria!...

Teu túm'lo collossal — nest'hora eu fito  
Altivo, rugidor, sonoro, extenso
O mar!... o mar!... Oh sim teu craneo immenso
Só podia conter-se no infinito!...

E eu sou louco talvez — mas quando, forte,
Em seu dorso resvala ardente o Norte
E elle espumante estruge, brada, grita

E em cada vaga uma canção estoura...
Eu creio ser tu'alma que, sonora,
Em seu seio sem fim brava — palpita!...
          . . . . . . .

29 Novembro
Ass. Euclydes

Fonte: O hebdomadário carioca, DOM CASMURRO, publicou em maio de 1946, Ano X, nº 439-440, pp. 31-2, em fac simile, essa seleção de poemas, fazendo constar em nota de rodapé:
"Autógrafos de Euclides, tirados diretamente de um caderno de 1883 "Ondas". Mais tarde revia ele esse caderno e, se nada inutilizou nele, sem embargo nas poesias que achava fracas escrevera — "medíocre" — "horrível" — etc."

9 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Tenho o prazer de enviar-lhe poesias selecionadas de Euclides da Cunha, extraídas de seu caderno de poesias "Ondas", que ele preencheu (mas não publicou) em 1883 e 1884, quando tinha 17/18 anos, conforme publicou o jornal DOM CASMURRO, edição de maio de 1946, Ano X, nº 439-440, pp. 31-2, em fac simile. Os autógrafos são manuscritos pelo próprio Euclides e tirados diretamente do seu caderno "Ondas", datado de 1883. As poesias de Euclides foram transcritas no Blog de São João del-Rei, observando a grafia de época.

Com o propósito de esclarecer algumas questões que possam originar-se do artigo acima, produzi "Apontamentos sobre a poética de Euclides da Cunha", artigo que postei no Blog do Braga.

Além de escritor, o autor do clássico 'Os Sertões' foi engenheiro, militar, funcionário público, jornalista, membro da Academia Brasileira de Letras e professor de Lógica do Colégio Pedro II. Com a vida marcada por tragédias, Euclides da Cunha é tido atualmente como um autor canônico das letras nacionais.

João Carlos Taveira (natural de Caratinga-MG, é poeta, organizador de algumas obras literárias e na construção do Templo da Ciência e trabalha como revisor e coordenador editorial) disse...

Braga,

Obrigado pelo documento valioso. Abraço. João Carlos Taveira

Eric Tirado Viegas (escritor, tradutor e membro da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Ótimo!

Dr. Mário Pellegrini Cupello (escritor, pesquisador, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, e sócio correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro amigo Braga

Mais uma vez – e sempre! – quero felicitá-lo por suas preciosas pesquisas, como esta sobre Euclides da Cunha, este escritor multifacetado cujo conjunto de sua obra, de grande valor no âmbito nacional, continua a ser estudada até hoje no mundo acadêmico, embora decorridos mais de 100 anos de seu falecimento.

Muito obrigado pelo envio.

Do amigo Mario.

João Carlos Ramos (poeta, escritor, membro da Academia Divinopolitana de Letras e sócio correspondente da Academia de Letras e do IHG de São João del-Rei e da Academia Lavrense de Letras) disse...

Sensacional! O Blog de São João del Rei resgata um conteúdo histórico de valor inegável.
Sabemos que a TRAGÉDIA DA PIEDADE é muito comovente e até hoje inspira grandes discussões acerca dos relacionamentos...
Anna de Assis se dizia injustiçada, pois conhecia O HOMEM e a sociedade, o escritor. Sem entrar no mérito,reconhecemos a grandiosidade do escritor e agora o EUCLIDES POETA. Como é visto no Blog é surpreendente e rende grandes elogios.
Parabéns historiador, Francisco Braga, pela pérola literária!

Anderson Braga Horta (poeta, escritor, ex-presidente da ANE-Associação Nacional de Escritores e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal) disse...

Meu caro Francisco,

agradeço-lhe muito o presente desses poemas de Euclides, já reveladores do estilo incisivo, forte, quase áspero de quem viria a escrever Os Sertões. Bem-vindos, também, os comentários esclarecedores.

Bom trabalho!

Abraço de

Anderson

Dra. Merania de Oliveira (jornalista e viúva do ex-presidente da Academia Marianense de Letras, Dr. Roque Camêllo) disse...

Dr. Franciso,
Paz, saúde e alegria!

Obrigada pelo envio das poesias do grande Euclídes da Cunha.
Abraços extensivos a Rute.
Merania

Marcos Cotrim de Barcellos (professor universitário, presidente da Academia Rezendense de História e doutor pela UFRJ com a tese "A CENTRALIDADE DA GRAÇA NA OBRA DE GUSTAVO CORÇÃO") disse...


Obrigado, Francisco,

Seu blog cada vez melhor.


Sds.


Marcos Cotrim de Barcellos

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Professor Braga!
Importantíssima a sua divulgação de algo que se torna até mesmo a revelação de um outro grande poeta ao quadro daqueles que tão bem representaram o final do século XIX para o XX no Brasil. Chama efetivamente a atenção de que seja o próprio Euclides da Cunha! Seu "viés" poético, como já foi observado, ilumina o estudo de sua monumental obra prima!
Parabéns!