Por Abgar Antônio Campos Tirado
Falo hoje sobre uma pessoa cujo valor enobrece nossa cidade, que a recebeu desde muito jovem, quando de seu casamento. Falo de Lígia Cardoso de Assis, modelar esposa, mãe e avó, cujas virtudes ainda se veem enriquecidas por notáveis dotes musicais, sobretudo como pianista e professora.
Nossa homenageada é natural de Mogi das Cruzes, SP, tendo-se mudado para São João del-Rei pelo fato de ter-se consorciado com nosso conterrâneo Sílvio de Assis, funcionário do Banco do Brasil, talentoso musicista, que veio a ser o proprietário do hoje extinto Palácio da Música, renomada loja de discos, reconhecida como uma das melhores do País.
O matrimônio enriqueceu o casal com oito filhos, a saber: Sílvio, meu prezado amigo, Maria Lígia (Marily), Dora, Carlos Edmundo, Teresa Cristina, Rosane, Flávio e Marcus Vinicius, este já falecido. Ressalte-se que todos eles apresentam notável aptidão musical, alguns, como no caso de Marily, dedicando-se à música profissionalmente. Acrescento também que, com exceção de Sílvio (Silvinho), todos foram meus alunos na Escola Estadual “Cônego Osvaldo Lustosa”.
Voltemos à nossa querida Lígia: Em 1956, eu, estudante do Curso Científico em Belo Horizonte, ainda não a conhecia, quando fiquei sabendo que ela tocaria com nossa “Sinfônica” o consagrado Concerto em lá menor op. 16, de Grieg. Soube que sua atuação foi brilhante, primeiramente em Caxambu e depois em São João del-Rei. Como gostaria de ter estado presente! Todavia, em janeiro de 1957, estando eu de férias, meu saudoso colega Alfredo Amaral de Carvalho, também ardoroso musicista, conseguiu que Lígia nos recebesse em sua casa, então no Largo do Carmo, para uma audição particular. Muito bem recebidos, presente também minha irmã Aline, igualmente musicista, encantou-nos a arte da consagrada pianista. Apresentou-nos sobretudo obras de Chopin, como o Prelúdio nº 24, a Fantasia-Improviso op. 66 e o Estudo op. 25 nº 11, peças de grande dificuldade, vencida com facilidade pela artista, que as executou, note-se, totalmente de cor e com elevada musicalidade. Lembro-me de que toquei também alguma coisa, tendo a pianista encerrado sua atuação de maneira leve, com o tango “Aventureiro”, em versão própria. Ressalte-se sua impressionante capacidade de decorar peças musicais e sua segurança em executá-las.
No ano de 1957, continuava eu a estudar em Belo Horizonte, perdendo mais uma vez outra brilhante atuação da pianista com nossa “Sinfônica”, em nosso Teatro Municipal, quando tocou, de Chopin, o Andante Spianato e Grande Polonaise Brilhante op. 22.
Os anos se passaram. Em 1977, tendo eu assumido a direção do Conservatório Estadual de Música Padre José Maria Xavier, convidei a pianista e amiga Lígia para integrar o quadro de professores de piano da referida escola. Para minha alegria, o convite foi aceito, tornando-se imediatamente uma das mais destacadas e queridas professoras da casa. E, sempre surpreendendo por seu devotamento à música e a seu magistério, embora já muitíssimo preparada em seu mister, com a formação, primeiramente em sua terra natal com o prof. Marmora e, posteriormente, em nossa cidade em reciclagem com o pianista e professor André Pires, Lígia, já em idade madura, resolve graduar-se em piano pela Universidade Federal de Minas Gerais, o que fez com brilhantismo, tendo como principal professor o respeitado concertista Eduardo Hazan, sendo que, na conclusão do curso, apresentou, acompanhada pela orquestra da Universidade, as complexas Variações Sinfônicas de César Franck, sob a regência do importante maestro David Machado. Quanta vitória! Diga-se ainda que foi a primeira professora de nosso Conservatório a obter o diploma universitário em piano! Lembramos também que, em sua busca constante de aperfeiçoamento, ia regularmente a Belo Horizonte, para aulas particulares de reciclagem com o professor e concertista Miguel Rosselini.
Outro evento sobre o qual me apraz falar: Em 1993, no concerto oficial comemorativo do centenário de falecimento do grande compositor russo Peter Ilich Tchaikowsky, organizado pelo saudoso musicista professor Tarcísio do Nascimento Teixeira, tive a honra de apresentar-me ao piano, a quatro mãos, com a estimada Lígia, em nosso Teatro Municipal, em obras do compositor homenageado. Alternamos os solos e acompanhamentos. Fui solista na Valsa da Serenata para cordas e Lígia o foi em dois números da Suíte Quebra-Nozes. Pude então pensar: como os fatos evoluem na vida; antes, eu, rapazinho, era apenas um fiel admirador da eminente artista e, agora, ali estava eu como seu parceiro em concerto!
Hoje, lamentavelmente, Lígia se acha acometida de uma das mais frequentes moléstias da atualidade: o mal de Alzheimer. Recolhida a seu lar, viúva, recebe total assistência e carinho de toda a sua família e, mesmo à distância de todos aqueles que a trazem perenemente em seus pensamentos e corações, esperando em Deus, quem sabe, sua plena recuperação, para júbilo e felicidade de todos nós.
(Jornal da ASAP, 01/2015)
Fonte: TIRADO, Abgar Antonio Campos: Crônicas de Abgar, editor Luiz Antonio Teixeira Rodrigues, 2018, 367 p.
4 comentários:
Fui gentilmente presenteado com um exemplar do livro CRÔNICAS DE ABGAR, magnificamente ilustrado, com honrosa dedicatória do autor Abgar Antônio Campos Tirado, cujo livro, além das citadas crônicas, produzidas para o "Jornal da ASAP", num total de 123 crônicas, durante o período de maio de 1977 a julho de 2017, também inclui:
1) registro histórico sobre o Teatro Municipal de São João del-Rei, elaborado em 1993 pelo mesmo escritor Abgar, por ocasião do transcurso do 1º centenário da sua construção (p. 326-334 do livro);
2) ensaio intitulado "O pentágono religioso", de Abgar, sem data (p. 335-336 do livro);
3) breve estudo feito por Abgar sobre a conveniente grafia do nome de São João del-Rei e do adjetivo gentílico relativo (p. 337-342 do livro);
4) um trabalho de minha autoria intitulado "Maestro" e Literato Abgar Campos Tirado, glória de São João del-Rei (p. 344 a 350 do livro), o qual aparece resumido mas que pode ser lido na íntegra in http://saojoaodel-rei.blogspot.com/2011/03/maestro-e-literato-abgar-campos-tirado.html;
5) entrevista realizada por Juliana Prado Campos com Abgar, estampada às páginas 359-364 do livro (publicada originalmente no Jornal da ASAP em maio de 2013).
À guisa de prefácio, com o título Magister Abgar, às páginas 5-6, o editor LUIZ ANTÔNIO TEIXEIRA RODRIGUES apresenta o autor do livro, bem como faz apreciação de seu homenageado como "homem, músico e professor" e a sua contribuição para a cultura são-joanense. Além do "prefácio", Rodrigues é responsável pela seleção das crônicas.
Por outro lado, o Blog de São João del-Rei se sente honrado de prestar esta homenagem à grande pianista LÍGIA CARDOSO DE ASSIS, mestra formadora de inúmeros pianistas que se nutriram de seus ensinos técnicos e dotes reconhecidos de pianista consagrada, publicando esta crônica do Prof. Abgar para deleite de seus muitos leitores e admiradores.
Colaborador: Abgar Antônio Campos Tirado
http://saojoaodel-rei.blogspot.com/2009/02/colaborador-abgar-antonio-campos-tirado.html
Crônica: Homenagem à pianista Lígia Cardoso de Assis
https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2018/12/homenagem-pianista-ligia-cardoso-de.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Braga, caríssimo amigo!
Ontem, dia 13 de dezembro, dia de Santa Luzia, apresentei-me com meus alunos, no Auditório do SEBRAE.
Minha melhor aluna tocou o primeiro movimento do Concerto Opus 34 para violino e piano, de O. Rieding e a Camerata tocou um arranjo meu de
A Conquista do Paraíso e uma Seleção de A Viúva Alegre. Tudo foi calorosamente aplaudido.
O solo que fiz na Conquista suscitou lágrimas em muitos dos presentes!
Passado o Festival, pus-me a ler, neste momento, mais uma de suas admiráveis páginas literárias que, sempre, me sensibilizam.
Não raro, assaltam-me o coração deixando-o ocupado por amarga nostalgia, saudade de São João del-Rei.
Li, como você sugere no texto em homenagem à Lígia Cardoso de Assis, a biografia do grande Professor Abgar.
Lembro-me, estando em São João del-Rei, de ter ido ao Teatro e ouvir Abgar solando o Concerto nº 3 de Beethoven, em dó menor.
No entanto, o que mais me tocou foi a audição do Concerto para piano, nº 2, de Weber num programa do Conservatório Pe. José Maria Xavier, gravado por mim para o Programa do Estudante da Rádio São João del-Rei, como se verá abaixo.
Como você sabe, no meu tempo de estudante na nossa querida São João del-Rei, fui líder estudantil no Ginásio Tiradentes, õ diretor era João
Cabelo Bidart, o famoso e temível Major Bidart!
Quando a mãe do Professor Abgar faleceu, no dia seguinte ao enterro, o Major reuniu os alunos e nos deu severa admoestação: quase ninguém fora
ao enterro da mãe do Professor Abgar.
Num determinado momento, Major Bidart falou: "Quando eu morrer, não quero a presença de nenhum de vocês. Ingratos!"
Voltemos ao Concerto...
Todo sábado, a Rádio São João del-Rei (ZY7), que ficava atrás da Estação Ferroviária, disponibilizava uma hora, das 17 às 18 horas, para o conhecido Programa do Estudante.
Ocorre que, dos Grêmios/Centros Cívicos, ninguém ia fazer o tal Programa. Foi assim que eu passei a fazer todos eles!
Uma vez por mês, o Programa era do Grêmio Fernando Caldas, do Conservatório Padre José Maria Xavier.
Eu levava o Programa pronto, gravado.
No morro do Bonfim, morava um amigo de nome Antônio Quintiliano Ramos (Toninho Ramos) que passava acordado a noite toda e dormia de dia.
Ele dispunha de excelente discoteca e tinha um estúdio. Era com ele que eu preparava o Programa do Conservatório.
Certa vez, gravei a Lira Sanjoanense para ilustrar o Programa.
Numa oportunidade, fomos, Aluísio Viegas, Geraldo Barbosa e eu, tocar na Festa da Imaculada na cidade Prados, solicitação do grande Adhemar Campos Filho (Ademarzinho).
Lembro-me, dia chuvoso em Prados, às 17 horas, ouvimos o Lourenço falando, conduzindo o Programa do Estudante, do Conservatório, pela Rádio
São João del-Rei: eu deixara o programa gravado! Naquele, li bela crônica sobre o Natal...
Mas, e o Concerto?
Sim, o Programa do Conservatório começava com o Concerto para Violino e Orquestra de Tchaikovsky (Prefixo) e encerrava-se com os imponentes
acordes do CONCERTO Nº 2, PIANO E ORQUESTRA, OPUS 32, DE WEBER!
Meu caríssimo amigo, sou todo nostalgia por causa de seu belo texto!
Caro amigo Braga
Agradecemos pela gentileza da notícia do livro do Prof. Abgar, um estimado amigo nosso com o qual nos correspondemos com alguma frequência. Para seu conhecimento, ele é um entre os mais ilustres Membros Correspondentes do nosso Instituto Cultural Visconde do Rio Preto.
Somos gratos, ainda, pelo envio do artigo do Professor Abgar, com sua bela homenagem à Pianista Lígia Cardoso de Assis.
Abraços, de Mario e Beth.
Caro professor Braga
Gratíssimo pelo envio dessa publicação pelo qual fiquei conhecendo mais sobre essas duas personalidades ilustres de sua cidade, nas pessoas do professor Abgar e da pianista Sra. Lígia.
Cumprimentos
Cupertino
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