quinta-feira, 24 de agosto de 2023

MACHADO DE ASSIS VAI À MISSA


Por José Murilo de Carvalho * (✰ Piedade do Rio Grande, 8/9/1939 ✞ Rio de Janeiro, 13/8/2023)

Machado de Assis fotografado por Joaquim Insley Pacheco, em 1884, no Rio de Janeiro. Cópia fotográfica de Marc Ferrez. Crédito: Acervo FBN-Fundação Biblioteca Nacional.

 
Bendito o olhar de lince de Andrea Wanderley, que identificou o rosto de Machado de Assis na foto de Antonio Luiz Ferreira da missa celebrada em 17 de maio de 1888, no Campo de São Cristóvão, em ação de graças pela passagem da lei do dia 13 desse mês que abolira a escravidão no Brasil. 
 
A foto está disponível no portal Brasiliana Fotográfica, fantástica iniciativa da Biblioteca Nacional em parceria com o Instituto Moreira Salles. Outras figuras são identificáveis, além, naturalmente, da princesa Isabel e do conde d’Eu. O presidente do Conselho de Ministros do Gabinete conservador que fez passar a lei, João Alfredo Correia de Oliveira, está à direita de Isabel, um pouco abaixo. 
 
Os responsáveis pelo portal veem José do Patrocínio à frente do grupo, segurando a mão do filho. Ampliando o foco, deverão aparecer outros políticos e outros militantes da causa abolicionista. Nabuco não foi à missa, mas André Rebouças, quase íntimo da família imperial, estava lá. Também certamente estavam seus companheiros da Confederação Abolicionista, com quem se fizera fotografar na véspera, acompanhados de Ângelo Agostini, João Clapp, presidente da Confederação, Taunay, grande amigo de Rebouças, Silveira da Mota, filho, Quintino Bocaiúva… Dezenas de outros certamente também estavam presentes e podem ser, eventualmente, identificados. 
 
A escravidão no Brasil foi bastante fotografada, mas a abolição, sobretudo a semana de 13 a 20 de maio, nem tanto, mesmo na capital onde havia muitos fotógrafos. A razão disso não sei. É quase total a ausência de fotos fora da Corte (há apenas duas), quando se sabe que as festividades ganharam todo o país. Mas a consequência disso é que os poucos registros até agora descobertos, umas 25 fotos, ganham extraordinária importância. E o destaque vai todo para Antônio Luiz Ferreira, autor das 15 fotos com que presenteou Isabel. Sua foto mais espetacular é, sem dúvida, a da sessão da Câmara do dia 10 de maio, quando foi aprovado o projeto da abolição. A foto mais curiosa é a de Luís Stigaard, tirada na colônia Isabel, no Rio Grande do Sul. Retrata dezenas de colonos, imigrantes europeus, disciplinadamente organizados em filas, comemorando a abolição, em contraste com a exuberância das celebrações na capital do Império. 
 
Mas o registro importante hoje é a descoberta de que Machado foi à missa. Não era pessoa de frequentar igrejas. Também não apreciava manifestações multitudinárias. Mas a essa missa, a esse ajuntamento de milhares de pessoas, ele compareceu e fica claro na foto seu esforço para aparecer, prensado entre duas robustas figuras uniformizadas. Anos depois, em crônica (Gazeta de Notícias, 14/5/1893), ele anotou sobre o 13 de maio, “Verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembra ter visto”. A missa foi continuação do delírio e é muito bom saber que o tímido, circunspecto e cético Machado estava lá.
 
* Crônica escrita em 29 de maio de 2015.
 
II. AGRADECIMENTO
 
O gerente do Blog de São João del-Rei agradece à sua amada esposa Rute Pardini Braga a formatação e edição das fotos utilizadas nesta crônica.

III. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL: BRASILIANA FOTOGRÁFICA 

7 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
Este Blog de São João del-Rei ficou mais rico com fotos e texto sobre a missa campal de ação de graças pela abolição da escravatura no Brasil, celebrada quatro dias depois da sanção da Princesa Isabel (13/05/1888). No registro fotográfico de Antônio Luiz Ferreira, um fato curioso: bem ali, perto da Princesa Isabel, uma pesquisadora descobriu a imagem de MACHADO DE ASSIS. A identificação do escritor brasileiro, cuja presença está agora confirmada na foto, dá um destaque especial ao documento histórico que agora se reveste da maior importância.
O historiador mineiro JOSÉ MURILO DE CARVALHO, certo do uso da fotografia como documento de pesquisa, tece sobre essa descoberta uma saborosa e fina crônica.

TEXTO DA CRÔNICA
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2023/08/machado-de-assis-vai-missa.html 👈

BREVE BIOGRAFIA DO AUTOR
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2023/08/colaborador-jose-murilo-de-carvalho.html 👈

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Mas a esquerda ignorante quer desconstruir o Machado, porque seria um negro "embranquecido".
Gostam do Zumbi, negro e gay.
Tristes tempos.
Abs.

Edu Oliveira (ex-seminarista salesiano, organizador e facilitador de encontros) disse...

Bom dia, irmão e amigo FrancisCO
Você tem razão: Com certeza o blog ficou mais rico com a crônica em pauta.
Mais uma vez tenho que parabenizar você pelo seu grande trabalho.
Um grande e forte abraço.
edu

Frei Joel Postma o.f.m. (compositor sacro, autor de 5 hinários, cantatas, missas e peças avulsas) disse...

Olá, Francisco e Rute. O exímio historiador José Murilo de Carvalho é ex-aluno do nosso Seminário Seráfico Santo Antônio em Santos Dumont!
Seus escritos são maravilhosos e de grande importância. Ele merecerá sempre a nossa sincera gratidão! Abraço de fr. Joel.

António Valdemar (jornalista e investigador, sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa e sócio correspondente português para a ABL-cadeira nº 3) disse...

Francisco,
Bom dia e Bom fim de semana;
não consigo ter acesso ao texto integral de José Murilo de Carvalho.
Logo que possível, agradeço o favor de me enviar.
Tudo o que é Machado e sobre Machado interessa – me muito.
Abraço grato do António Valdemar

António Valdemar (jornalista e investigador, sócio efetivo da Academia das Ciências de Lisboa e sócio correspondente português para a ABL-cadeira nº 3) disse...

Francisco,
Bom fim de semana
Muito e muito obrigado
É um texto notável
Sempre ao seu dispor
Com um abraço do

Antonio Valdemar

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

Sintomático que a Abolição tenha sido pouco registrada em termos de documentação fotográfica ? Sem dúvida uma Causa Popular para a qual o nosso maior escritor teve a grande sensibilidade de anotar "o único dia de delírio público" que lembra ter visto. Até compareceu à missa; por Deus!
Excelente texto de Murilo de Carvalho!
Saudações!
Cupertino