quinta-feira, 16 de maio de 2024

HISTÓRIA NÃO SE COMPENSA


Por Cáti Martins *
Transcrevemos com a devida vênia do jornal Açoriano Oriental, o mais antigo jornal português fundado em 1835 por Manuel António de Vasconcelos, artigo publicado na edição da quinta-feira, de 16/05/2024, na coluna OPINIÃO, p. 14.
 

Numa declaração, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa provocou discussão ao abordar a herança colonial portuguesa e a possível obrigação de Portugal em compensar tais eventos históricos. Num discurso ponderado, o presidente destacou a importância de reconhecer os equívocos do passado, mas será realmente justo associar dívidas atuais com ações de outros tempos? 

A história é um fio que liga gerações e, no caso de Portugal, essa história inclui um complexo legado colonial. Recordemos que foram séculos em que territórios foram explorados, vidas foram afetadas e culturas colidiram. Contudo, é fundamental olhar para este passado não com culpas, mas com a consciência da evolução. 

Se assim for, então o que sucederia com outras nações que ao longo dos tempos também carregaram os encargos da colonização? Seria justo solicitar ajustes de contas, por exemplo, a países que mantêm artefactos portugueses como parte de suas heranças de guerra? 

Retrocedendo no tempo, podemos citar o caso de Goa, Damão e Diu, regiões que outrora fizeram parte do império português e que, após alterações políticas e conflitos, permaneceram em posse de outras nações. No entanto, a linha temporal é clara: a história é imutável, mas o dever de reparação das nações contemporâneas é um debate sensível e complexo. 

Olhando para o Brasil, país irmão onde a influência portuguesa é inquestionável, não seria prudente enxergar a atual luta por direitos como um pedido de compensação pelo passado, mas sim como parte de um processo natural de afirmação e crescimento. As raízes portuguesas fazem parte da identidade brasileira, e é através desta herança que se constrói a força para reivindicar justiça e igualdade. 

Em última análise, o legado colonial português é um capítulo inseparável da história de Portugal e das nações que dele advieram. Assim, é imprescindível não só refletir sobre as consequências do passado, mas também celebrar as conquistas que surgiram do encontro de culturas e povos. A herança é inegável, mas a responsabilidade de construir um futuro de cooperação e entendimento está nas mãos das gerações presentes e futuras. Que o diálogo seja o caminho e que a sabedoria do passado ilumine o presente em direção a um futuro comum de respeito e harmonia.

* Psicóloga Clínica, da Saúde e do Desporto, Técnica de Desporto, formada em Gestão de Recursos Humanos, açoriana de Ponta Delgada.

6 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
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Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
Recentemente publiquei no Blog de São João del-Rei um artigo extraído do jornal PÚBLICO, em que o autor, jornalista António Rodrigues, defendia junto com o presidente de Portugal, além do pedido de perdão, uma reparação na forma de uma compensação aos africanos e a ativação de uma política de memória, através do ensino nas escolas, do que foi esse período de quase 4 séculos de exploração portuguesa de povos africanos. Agora, estou publicando uma espécie de réplica de uma psicóloga açoriana, CÁTI MARTINS, que se sente incomodada quando se olha para o passado com culpas, e não com a consciência da evolução. Ademais, considera o dever de reparação das nações contemporâneas um debate sensível e complexo. Sugere não refletir apenas sobre as consequências do passado, mas também celebrar as conquistas que surgiram do encontro de culturas e povos.

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/05/historia-nao-se-compensa.html 👈

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Heitor Garcia de Carvalho (pós-doutorado em Políticas de Ensino Superior na Faculdade de Psciologia e Ciências da Informação na Universidade do Porto, Portugal (2008) disse...

Compensações pelo passado histórico


O tema é complexo e respostas simples são bastante controversas, para dizer o mínimo. Dois aspectos são colonização e escravidão.

Ilustremos o caso de Joana D’Arc. Seria possível ressuscitá-la? Claro que não. Mas no caso da escravidão os atuais descendentes deles tem consequências hoje e, talvez, poderiam ter algum auxílio para as superarem. Poderia também fazer um paralelo com o caso dos países colonizados em sua situação atual.

Mas, os atuais habitantes dos países colonizadores, seriam os responsáveis e culpados e por isto seriam punidos por um tribunal a indenizá-los? Somente se, por seus atos atuais, continuam se beneficiando do que foi criminoso no passado e somente nesta proporção.

Uma questão anexa a esta é a forma de reparação. Tomemos a escravidão negra africana. O “conceito de raça” aplicado segundo a cor da pele a humanos é claramente uma aberração.

Se for a uma ‘pet shop” e comprar um poodle preto e um branco ELES NÃO SÃO DE RAÇAS DIFERENTES. Fazer quotas em função da cor da pele é continuar a propagar tal concepção equivocada. Se as quotas fossem por pobreza (por exemplo classificação pelo Imposto de Renda ou por habitação em regiões geográficas, favelas) estaria havendo um auxílio em função das consequências atuais de fatos criminosos no passado sem o “estigma” racista.

E em relação às mulheres? Só depois da Segunda Guerra passaram a ser consideradas “pessoas” e não ‘objetos” que não tinham direitos civis como herdar, possuir pessoalmente bens de raiz, votar e serem votadas, serem alfabetizadas…, etc. Quotas baseadas em gênero teriam o mesmo defeito daquelas baseadas em cor da pele. Interessante notar que a Revolução Francesa proclamou os ‘direitos universais do homem”.

Atualmente, no Canadá, vigora, a “Carta das Liberdades e Direitos da PESSOA”, corrigindo o equívoco ocorrido na Revolução Francesa, que, obviamente, foi um grande avanço em relação à situação anterior.

Heitor Garcia

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

Talvez a História possa sim "compensar", de alguma forma, seja lá por qual mecanismo mais sensato e exequível possa ser. O que não se pode é negá-la, alienando-a de seus efeitos práticos e de suas injustiças que se manifestam até hoje.
Excelente artigo!
Saudações,
Cupertino

Mario Pellegrini Cupello, Arquiteto, Diplomado em Direito, Escritor, Presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto, Membro Correspondente do IHG de Minas Gerais, entre outras importantes instituições culturais de Minas. Membro Efetivo da Academia Valencia de Letras, onde participou da diretoria por mais de 12 anos sucessivos. disse...

Caro amigo Maestro Braga
Embora com algum atraso, agradecemos pelo envio.
Abraços, meus e de Beth
Mario Cupello

João Bosco Barbosa (marido de Maria de Lourdes Braga, proprietários da Fazenda Lagoa Verde, no distrito do Rio das Mortes) disse...

Grato pelo envio do texto. Abraço.