quinta-feira, 22 de agosto de 2024

MAPA COR DE SANGUE: Invasões Francesas


Por MÁRIO BEJA SANTOS *
Transcrevemos, com a devida vênia do gerente do Blog Mais Ribatejo, resenha crítica publicada no post de 20/08/2024. 

 

Mapa Cor de Sangue, as lutas, as revoltas e as tragédias em Portugal do tempo das Invasões Francesas, por Rui Cardoso, Oficina do Livro, 2024.


Há contracapas de livros que prendem imediatamente a atenção do leitor pela sua capacidade de incisão e pelo acicate para a leitura. É o caso daquela que acompanha Mapa Cor de Sangue, as lutas, as revoltas e as tragédias em Portugal do tempo das Invasões Francesas, por Rui Cardoso, Oficina do Livro, 2024: 
“Portugal, 1808. Uma revolução social que acompanha os levantamentos patrióticos. O povo insurge-se contra a velha ordem de fidalgos e eclesiásticos e, ao mesmo tempo, contra o jugo do invasor francês. 
 
Em Melgaço e Beja, populares lincham os magistrados, em Foz Côa, casas de famílias abastadas são saqueadas. Por outro lado, quem ousa rebelar-se contra os franceses é punido. Os habitantes de Vila Viçosa, Rio Maior, Alpedrinha e Régua são brutalmente castigados pelos soldados de Napoleão, mas nada se compara aos massacres em Leiria e Beja. 
 
Os ingleses desembarcam e os franceses negoceiam a saída. Mas regressam menos de um ano depois. A guerrilha é espontânea, heroica e impiedosa. O general Bernardim Freire de Andrade é linchado pelo povo. E a entrada das tropas napoleónicas no Porto fica marcada pelas lutas casa a casa e pelo desastre da Ponte das Barcas, no qual milhares de pessoas perdem a vida. Fuzila-se e incendeia-se como método de contrainsurreição. Em São João da Madeira, a retaliação pela morte de um oficial francês leva à execução de 1 em cada 5 homens e rapazes da Arrifana. A resistência em Amarante exaspera franceses, que incendeiam a cidade.
 
Em agosto de 1810, o rio Côa tinge-se de sangue do prelúdio do cerco de Almeida, onde morrem meio milhar de defensores. Serão depois as vertentes do Buçaco a fincar juncadas de corpos dos combatentes.
 
Portugal entra no século XIX de forma violenta e traumática. Às invasões seguir-se-á a luta entre liberais e absolutistas, e mesmo depois da vitória dos primeiros haverá quase vinte anos de instabilidade, golpes militares e revoluções…” 
 
É uma obra divulgativa de alto nível, faz-nos compreender como todo este período das invasões napoleónicas é o precedente sangrento do primeiro meio século do século XIX habitado pela violência político-social, as sublevações populares, as pilhagens à solta, toda esta turbulência só se acalmará com a Regeneração. Portugal irá sendo arrastado para o conflito que estalou entre a França e a Grã-Bretanha. 
 
A Corte partirá para o Brasil, fazendo-se acompanhar da Biblioteca Real da Ajuda, que não mais regressou. Os invasores saquearam e destruíram. A Bíblia dos Jerónimos será levada para França, tal como as coleções do Museu de História Natural de Lisboa; num ato de puro vandalismo, o famoso cadeiral que Olivier de Gand construiu no Capítulo da Igreja do Convento de Cristo será reduzido a lenha. 
 
O regente e futuro rei D. João VI viverá em permanente dilema, tentando negociar com ambas as partes; a Espanha, glutona, tenta juntar-se a Napoleão e ficar com uma parte de Portugal. Rui Cardoso dá conta dos efetivos portugueses, manifestamente impreparados, mas onde não faltaram comandantes com visão de futuro. A Grã-Bretanha domina os mares, a França possui um domínio terrestre. 
 
Para os britânicos, o teatro de operações ideal é Portugal. “O lado britânico vai praticar em Portugal (e acessoriamente em Espanha) um equivalente terrestre da guerra naval de corso. Ou seja, nunca procurará defender território fixo (exceção feita ao polígono Lisboa-Julião da Barra considerado vital para a retirada britânica em caso de malogro total), procedendo quase como uma força de guerrilha moderna (…) Já a doutrina napoleónica privilegiava a rapidez de movimentos, deslocando-se o exército com pouca bagagem e dispensando os lentos e vulneráveis comboios de abastecimento.” Por outras palavras, ambos os contendores esperam apossar-se dos recursos portugueses
 
De forma expedita, o autor vai elencando os acontecimentos avassaladores desde a Guerra das Laranjas (1801), em que Portugal estava teoricamente obrigado a fechar os portos aos britânicos, é um jogo dúplice até 1807, Junot atravessa o território português até Lisboa em condições penosas, vê de uma colina de Lisboa a partida da família real sob custódia da armada britânica; o jugo francês impõe-se, não faltará repressão, Napoleão impõe o pagamento de contribuição de guerra a Portugal, e no fim do ano Beresford ocupa a ilha da Madeira. Começa a resistência popular, não faltarão levantamentos, o execrado general Loison, conhecido por o Maneta, reprime com crueldade, será o caso de Évora, entre fuzilamentos e sacres há pelo menos 1500 mortos. E chegam os ingleses, o primeiro choque acontecerá a 17 de agosto de 1808, na Roliça, no Bombarral, segue-se o Vimeiro, Junot pede para negociar, sairá do país, de armas e bagagens e saque. 
 
Meses depois, dá-se a segunda invasão, no entretanto espalham-se os ideais liberais um pouco por todo o país. É nesta invasão que se dá o desastre da Ponte das Barcas, o general Soult cedo se apercebe que não tem espaço de manobra nem meios suficientes, anda pelo norte do país à deriva, entra a ferro e fogo no Porto. O general Wellesley, que ainda não é duque de Wellington, vem-lhe no encalço, abandona Portugal pela Galiza, Soult, o duque da Dalmácia, abandona Portugal pela Galiza, um dos heróis de Austerlitz foge do país às arrecuas. A terceira e última invasão ocorrerá no verão de 1810. “A política de terra queimada decretada pelo general Wellesley, agora duque de Wellington, e aplicada quando o seu exército retirar para as Linhas de Torres Vedras, não se limitará a dificultar o avanço das tropas francesas – significará a miséria, a fome, e a devastação dos campos nas Beiras, no Ribatejo e no Oeste.” 
 
Quem comanda a nova invasão é André Masséna, um veterano, tem palmarés, veio vitorioso da batalha de Essling e de Wagram, é valoroso, de uma bravura incontestável. A sua operação baseava-se na entrada em Portugal pela raia do Côa, seguida de um avanço sobre Lisboa utilizando os vales do Mondego e do Tejo. O invasor desconhecia totalmente as Linhas de Torres. Masséna perde tempo a cercar o resistente espanhol, cerca Almeida, segue para Pinhel, trava-se uma batalha sangrenta com o exército anglo-luso, inconclusiva. Por puro acidente, Almeida irá totalmente pelos ares, devido à explosão do arsenal, tenta acelerar a marcha ao longo do Mondego. O confronto decisivo irá ter lugar no Buçaco, os dois exércitos perseguem-se na direção de Lisboa, Masséna não sabe que o esperam as Linhas de Torres Vedras, não chega a haver nenhum ataque em forma às Linhas, Masséna vê-se obrigado a retirar em novembro. “As Linhas de Torres Vedras e a política de terra queimada tinham vencido os melhores soldados da época, mas à custa de um país devastado e dezenas de milhares de pessoas mortas de fome e de doença.” 
 
Napoleão perde condições para voltar a invadir Portugal, em 1812, o seu Grande Exército irá perder-se nas estepes geladas da Rússia, é o princípio do fim.
 
Rui Cardoso esboça um retrato sangrento das invasões napoleónicas, e deixa bem claro que isso dos brandos costumes é uma quase balela e que foram aqueles tempos que ajudaram a foguear os ideais liberais que se começarão a impor a partir de 1820. Excelente divulgação, não hesito em recomendar a sua leitura.
 
* Licenciado em História, foi alferes miliciano de infantaria na Guiné, de 1968 a 1970. Toda a sua vida profissional, entre 1974 e 2012, esteve orientada para a política dos consumidores, sendo autor de mais de três dezenas de títulos relacionados com esta temática.
 

4 comentários:

Francisco José dos Santos Braga disse...

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Prezad@,
O Blog de São João del-Rei tem o prazer de reproduzir a resenha crítica de MÁRIO BEJA SANTOS para o livro de RUI CARDOSO recém-lançado, sobre as Invasões Francesas e suas repercussões sob a ótica dos portugueses.
Portugal, 1808. Uma revolução social acompanha os levantamentos patrióticos. O povo insurge-se contra a velha ordem dos fidalgos e eclesiásticos e, ao mesmo tempo, contra o jugo do invasor francês.
A Corte parte para o Brasil, fazendo-se acompanhar da Biblioteca Real da Ajuda, que não mais regressou. Os invasores saquearam e destruíram. A Bíblia dos Jerónimos será levada para França, tal como as coleções do Museu de História Natural de Lisboa. Outros vandalismos ocorreram.
O regente e futuro rei D. João VI vivia em permanente dilema, tentando negociar com ambas as partes: a Grã-Bretanha domina os mares, a França possui um domínio terrestre. Ambos os contendores esperam apossar-se dos recursos portugueses. A Espanha, glutona, tenta juntar-se a Napoleão e ficar com uma parte de Portugal.
Seguiram-se, além da primeira invasão francesa, outras duas, rechaçadas com heroísmo pelo povo português.
Em 1812, Napoleão perde condições para voltar a invadir Portugal, depois que o seu Grande Exército perdeu-se nas estepes geladas da Rússia. É o princípio do fim.

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/08/mapa-cor-de-sangue-invasoes-francesas.html 👈

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Francisco José dos Santos Braga disse...

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG-MG e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...
Gênese da nossa Independência
Abs

Francisco José dos Santos Braga disse...

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...
Caro professor Braga

Um retrato chocante do catastrófico fim do Antigo Regime, do sangrento parto de uma sociedade liberal-burguesa. Para nós, a independência e a vinda de gerações de imigrantes portugueses.
Saudações,
Cupertino.

Francisco José dos Santos Braga disse...

Maria da Graça Menezes Mourão (historiadora, autora de
“Carrancas, uma capela no Caminho Real” e membro do IHG-MG) disse ...
Caro sr. Braga´

Novamente podemos contar com sua valiosa contribuição.]
Só gratidão.
Maria da Graça Menezes Mourão