sábado, 13 de dezembro de 2008

São João del-Rei: a terra natal de Tiradentes > > > Parte 1

Por Francisco José dos Santos Braga*

- Artigo publicado originalmente na Revista de Cultura Vozes, ano LXXXVI, janeiro-fevereiro 1992, p. 80-91, nº 1, por ocasião do Bicentenário da Morte do Tiradentes, o qual deu origem a um discurso do Senador Alfredo Campos (PMDB-MG) em Plenário (11/03/1992) e a um opúsculo intitulado "Tiradentes, Cidadão Sanjoanense (uma contribuição ao restabelecimento da verdade histórica acerca do local de nascimento do Tiradentes)", editado pela Gráfica do Senado.

"Genealogia do Tiradentes
Os Teres dos seus Pais

Tendo vindo ao mundo,
no dia 12 de nov. de 1748 **, no arraial
do Pombal, Termo da Vila de
São João del Rey, Capitania das
Minas Gerais,
Nascido sou de Domingos da Silva
dos Santos com D. Antônia da
Encarnação Xavier, que Deos haja;
Aquele português de boa cepa e
relativa instrução, que ainda os há,
até hoje,
e era natural da Freguesia de
Santo André, no Salto,
de Basto,
Vila Nova do Teixeira,
Comarca da Vila dos Guimarães,
do Reino de Portugal;
Esta,
do mesmo arraial donde fui vindo,
isto é: Pombal, Termo da Vila de
São João del Rey,
da Capitania das Minas;
(...)"

(Dantas Mota: Elegias do País das Gerais, p. 200)

** O poeta desconhecia a verdadeira data de nascimento do Tiradentes (1746).

No próximo dia 21 de abril, toda a Nação estará comemorando o bicentenário da morte do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, ínclito herói nacional que deu a própria vida por um ideal libertário, pelo que fez jus ao título de Protomártir da Independência e da República do Brasil e hoje, por decreto federal, Patrono Cívico da Nação Brasileira.

O Presidente da República, ciente da importância do evento, nomeou, através do Decreto de 17 de janeiro de 1992, a Comissão do Bicentenário da Execução de Tiradentes, sob a presidência do Vice-Presidente da República, Itamar Franco.

Enquanto que inúmeros preparativos são iniciados a nível do Executivo Federal, para prestar devida e reconhecida homenagem ao vulto ímpar da nossa história e emprestar o merecido brilhantismo ao transcurso do feriado nacional, os órgãos de divulgação da imprensa mineira diariamente noticiam enorme disputa entre a cidade de São João del-Rei e a vizinha Tiradentes, antiga São José del-Rei, denominação que foi modificada pelo Decreto nº 3, de 06/12/1889, no governo Cesário Alvim. O litígio desta feita refere-se basicamente à cidadania do Tiradentes, uma vez que ambas se consideram terra natal da principal figura da Inconfidência Mineira.

Na primeira inquirição da Devassa, na Fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, em 22 de maio de 1789, o próprio Tiradentes informou ser "natural do Pombal, termo da Villa de S. João de El Rey", verbis:
"E sendo perguntado, como se chamava, de quem era filho, donde era natural, se tinha alguas ordens, se era casado, ou solteiro, e que ocupação tinha.

Respondeo que se chamava Joaquim José da Silva Xavier, filho de Domingos da Silva dos Santos, e de sua mulher Antônia da Encarnação Xavier, natural do Pombal, termo da Villa de S. João de El Rey Capitania de Minas Geraes, que tinha quarenta e hum annos de idade, que era solteiro, q não tinha ordens alguas; e com effeicto, vendo-lhe eu o alto da Cabeça, vi que não tinha tonsura algua, e que era Alferes do Regimento da Cavallaria paga de Minas Geraes".
De fato, encontra-se na Biblioteca Nacional o "Livro para servir de assentos dos batizados da freguezia de N. S. do Pilar da Vila de São João del-Rei - 1742/1749", onde, a folhas 151v., no dia 12 de novembro de 1746, Joaquim José da Silva Xavier era batizado na Capela de São Sebastião do Rio Abaixo, filial da Matriz de Nossa Senhora do Pilar da Vila de São João del-Rei. Para não restar qualquer dúvida, transcrevo a seguir os dizeres do assento do batizado do Tiradentes:
"Aos doze dias do mez de Novembro de mil setecentos e quarenta e seis annos, na Capella de São Sebastião do Rio abaixo o Reverendo Padre João Gonçalves capellão da dita Capella baptizou e poz os Santos Oleos a Joaquim filho legitimo de Domingos da Silva dos Santos e de Antonia da Encarnação Xavier; foram padrinhos Sebastião Ferreira Leytão, e não teve madrinha; do que fiz este assento.

O Coadjutor Jeronymo da Fonseca Alz."
Aliás, neste mesmo livro, cuja fotocópia se acha no arquivo paroquial da atual Basílica de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei, encontram-se mais três registros de batizados realizados na mesma Capela e relativos a irmãos do Tiradentes, a saber:
1) a fls. 101 e 101v.: Antonio, batizado aos 05/04/1745;

2) a fls. 225: José, batizado aos 05/12/1748;

3) a fls. 213v.: Ana, batizada aos 29/06/1748. Pela leitura deste assento, fica-se sabendo que Ana não era sua irmã carnal, sim irmã de criação, eis que foi "exposta a porta de Domingos da Silva dos Santos".
Esses assentos se revestem de especial importância, já que deixam claro, primeiro que a Capela de São Sebastião era "filial desta Matriz de Nossa Senhora do Pilar da Vila de São João del-Rei", e segundo, quem eram "os pais do bautizado desta dita freguezia da vila de São João del-Rei". Quem primeiro publicou esses documentos elucidativos foi o genealogista são-joanense Luís de Melo Alvarenga, em artigo denominado "Documentos Genealógicos de Bárbara Eleodora e Tiradentes", na revista Vozes de Petrópolis, setembro-outubro de 1954.

Se eclesiasticamente não paira dúvida sobre a paróquia sob cuja jurisdição nasceu o herói, resta ainda indagar sobre sua cidadania quanto ao aspecto civil: Afinal, onde atualmente se localiza a Fazenda do Pombal, onde nasceu o Alferes? De 1963 em diante, o Pombal está sob a jurisdição da cidade de Ritápolis. A Lei Estadual nº 2.764, de 30 de dezembro de 1962, elevou a Município o referido distrito são-joanense, modificando-lhe o nome, que era de Santa Rita do Rio Abaixo.

Devido aos permanentes litígios entre as duas vilas e depois municípios de São João del-Rei e Tiradentes sobre sua jurisdição territorial, por mais de dois séculos, fica extremamente complicado para um leigo elucidar o relacionamento político-administrativo do povoado de Santa Rita do Rio Abaixo com as duas localidades litigantes. Entretanto, não o foi, para estudiosos de reconhecida seriedade que se debruçaram sobre o tema com isenção de ânimo.

Continua...  Parte 2

* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, hoje UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, além da Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do patrimônio histórico nacional.Mais...

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabens Francisco Braga. A Academia de letras está orgulhosa com sua volta à terra natal.

Jose Claudio Henriques - Presidente da Academia de Letra de SJDR.