quinta-feira, 30 de dezembro de 2021
O BESOURO
Colaborador: LÊDO IVO
LÊDO IVO (✰ Maceió, 1924 - ✞ Sevilha, Espanha, 2012). Poeta, romancista, contista, cronista, jornalista e ensaísta. Em 1940, transfere-se para o Recife e, influenciado pelo ambiente intelectual da cidade, publica poemas e artigos na imprensa local. Três anos mais tarde, muda-se para o Rio de Janeiro, e estuda na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Passa a trabalhar na imprensa carioca como jornalista profissional, colaborando com textos literários e reportagens. Em 1944, publica seus primeiros poemas no livro As Imaginações. À obra de estreia se seguiria intensa produção poética, com Ode e Elegia, de 1945, e Ode ao Crepúsculo, do ano seguinte, além de muitos outros, até Finisterra, de 1972. Seu primeiro romance, As Alianças, foi publicado em 1947. Os anos subsequentes vêem sua obra literária ganhar corpo com o lançamento de poesias, romances, contos, crônicas e ensaios.
Nas suas crônicas, em geral aparece o protagonista Teseu do Carmo (este nome ecumênico, pagão e cristão), o alter ego de Lêdo Ivo, sósia que criou, para falar de si mesmo na terceira pessoa e até para criticar-se ao atingi-lo, às vezes, com sua ironia. Na pele de Teseu do Carmo, declara sua perplexidade em face da vida e dos acontecimentos.
Em 1949, forma-se em direito, mas não exerce a profissão de advogado, preferindo a carreira jornalística e de literato. Foi com Ninho de cobras, de 1973, traduzido para várias línguas, que Lêdo Ivo conquistou notoriedade como romancista. É eleito em 1986 para ocupar a cadeira número 10 da Academia Brasileira de Letras - ABL e no seu ingresso foi saudado por Dom Marcos Barbosa em célebre Resposta ao seu Discurso de imortal. Em 2004 é lançada a primeira edição de suas obras completas, com seis décadas de poesia e prosa.
Para os críticos e historiadores literários, Ivo filia-se à terceira geração do modernismo ou pós-moderna que vai de 1945 a 1980 (conhecida por Geração de 1945, à qual pertencem ainda João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa, Ariano Suassuna, Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles, com evidente preocupação com a linguagem e o retorno a sensos estéticos anteriores à fase experimental do movimento desencadeado pela Semana de 1922 e representada por autores preocupados em buscar uma nova expressão literária, por meio da experimentação e inovações estéticas, temáticas e linguísticas, do que resultaram mais intimistas sua poesia e sua prosa urbana e regionalista).
Em 2006, doa seu arquivo pessoal, reunindo correspondências, manuscritos, recortes de jornais e fotografias, ao Instituto Moreira Salles - IMS, de São Paulo. Merece destaque a correspondência do autor, que reúne cartas que lhe foram enviadas pelas personalidades mais importantes de sua geração. Em 2007, o IMS publicou E agora adeus, seleção dessas cartas.
Cronologicamente, com o título de Calima foi sua última obra de poemas editada inicialmente em solo espanhol pela Vaso Roto Ediciones que ganhou versão em português com o título de Mormaço pouco depois da morte do autor (Rio de Janeiro: Contracapa, 2013). A morte, a “indesejada das gentes”, conforme famosa expressão de Manuel Bandeira, entendida como dissolução inarredável da natureza humana, é a temática principal dos poemas de Mormaço, de Lêdo Ivo. A visão do sujeito poético é desalentadora e irredutível, desde as reminiscências poéticas que remetem à terra natal (Alagoas) até as passagens pela Europa e Estados Unidos, atravessando toda a trajetória pessoal de longos 70 anos de ininterrupta e intensa carreira literária.
A publicação de um livro fora de seu país natal sugere uma enormidade de questionamentos, que vão desde a inexpressiva presença do poeta alagoano no cenário acadêmico até a posição do autor no cenário editorial e literário brasileiro, pautada por seu tom cáustico na crítica e nos comentários, às vezes reiterativo e mordaz em relação ao cânone modernista brasileiro e seus influxos, isto é, à literatura que se sente tributária da Semana de 1922.
Janela aberta
A multiplicidade, uma das seis propostas de Italo Calvino para o milênio, parece ter sido a grande marca da atividade literária de Lêdo Ivo, cujos “versos longos”, mais abundantes nos primeiros dez anos de escrita, continuariam ocorrentes, porém convivendo com formas curtas, medidas ou não, do sonetilho ao haicai, e até os aforismos espalhados em obras de enquadramento difícil (memorialismo? ensaísmo?), como O aluno relapso e Confissões de um poeta.
É essa variedade formal que se vê em seu último volume de poesia, Mormaço, publicado originalmente na Espanha, aonde Lêdo Ivo ia com freqüência nos últimos anos, conhecendo ali uma recepção literária mais intensa e entusiasmada que no Brasil. Em solo espanhol o poeta partiu para o desconhecido, deixando inacabada a última viagem, o que talvez agradasse (ou agrade) à sua consciência, já que celebra a incompletude no primeiro poema de Mormaço:
O dia inacabado
sexta-feira, 24 de dezembro de 2021
ADEUS A FRANCISCO RODRIGUES DE OLIVEIRA (1932-2021)
"O meu xará, historiador Francisco Oliveira, cognominado "Francisco Teoria", foi meu parceiro inconfundível desde o momento em que fui admitido como sócio correspondente da Academia Barbacenense de Letras em 2013, sob a presidência do Prof. Mário Celso Rios. Inesquecível foi ainda a participação dele nas várias edições de Encontros de Pesquisadores do Caminho Novo, proferindo palestras e divulgando estudos de elevada significação histórica. Impossível seria esquecer aqui de citar a sua coautoria do livro "Padre-Mestre Correia de Almeida" (2003), feito a quatro mãos e obra indispensável para constar de toda bibliografia respeitável sobre o Padre-Mestre. Numa grata oportunidade, tive a alegria de ter seu aplauso no Centro de Memória Belisário Pena, onde fiz uma palestra sobre a vida e obra de Lincoln de Souza. Ele teve o mérito de "garimpar" muitas informações sobre São João del-Rei na ACAHMPAS e, mais tarde quando se mudou para Belo Horizonte, no APM-Arquivo Público Mineiro, municiando-me dentro do melhor espírito de amigável cooperação por e-mail. Sempre teve o cuidado de atender-me com desprendimento, numa atitude típica de "homem de boa vontade". Fará falta a todos nós, seus amigos, confrades e familiares."
Reproduzo aqui a Nota de Pesar da ACAHMPAS, repassada gentilmente por Edna Resende:
NOTA DE PESAR DA ACAHMPAS
Nesta quarta-feira, dia 22 de dezembro de 2021, o Sr. Francisco Rodrigues de Oliveira nos deixou. Aos 89 anos. Sr. Francisco dedicou grande parte da sua vida ao estudo da história de Barbacena e região. Nascido em 1932, em Alfredo Vasconcelos, Sr. Francisco estudou Agronomia e foi professor de Matemática e apaixonado pela História. Do seu interesse pela área nasceram livros como “História da estrada de rodagem Barbacena-Ibertioga” (2002) e “Godofredo Rodrigues de Oliveira, seus ancestrais e sua vida” (2005). Sr. Francisco também participou da fundação da Associação Cultural do Arquivo Histórico Municipal Professor Altair Savassi (ACAHMPAS), em 2009. Ele foi presidente da ACAHMPAS entre 2009 e 2012. O Arquivo, a ACAHMPAS e toda a cidade de Barbacena perdem muito com a partida do Sr. Francisco. Que ele descanse em paz e que sua família e amigos encontrem conforto neste momento difícil.
domingo, 19 de dezembro de 2021
Rute Pardini - ÁRIA DAS PALMEIRAS DA GRANDE ÓPERA O SERTÃO DE FERNAND JOUTEUX
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Rute Pardini canta "Ária das Palmeiras" da grande ópera O Sertão de Fernand Jouteux - Crédito pela foto: Antônio Élber |
quinta-feira, 9 de dezembro de 2021
O BAR DO CADETE DURO
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Amaro Luiz Alves |
domingo, 28 de novembro de 2021
CARLOS GOMES DO MUNDO, NHÔ TONICO DO BRASIL!
No dia 9 de novembro de 1996, há exatos 25 anos, na capital dos Estados Unidos, o tenor espanhol Plácido Domingo fez sua estreia como diretor artístico da Ópera de Washington.
Dias antes de seu debut consagrador, na condução de uma das mais prestigiadas casas musicais do mundo, Domingo havia interpretado trechos de "Carmen", de Georges Bizet, no emblemático Metropolitan, em Nova York. Mas seu coração e sua magnífica voz estavam reservados para um momento ainda maior...
A obra que o grande tenor escolheu para marcar o início da empreitada como diretor artístico de um grandioso centro cultural poderia ser de qualquer um dos mestres europeus do gênero, mas para a surpresa geral a ópera "Il Guarany", do brasileiro Carlos Gomes, com o próprio tenor espanhol no papel do índio Peri e a direção do cineasta alemão Werner Herzog foi a escolhida. Sinal de que os planos de Plácido eram ambiciosos e um deles era, pela primeira vez no século passado, tirar do silêncio e do esquecimento a partitura original escrita por Gomes em 1870.
Naquela temporada, a "Revista da Ópera de Washington", em texto, Mary Jane Phillips-Matz, diretora do Instituto Americano dos Estudos sobre Verdi, na Universidade de Nova York, chamava o compositor brasileiro de "gênio" e dizia que ele poderia ser considerado um legítimo herdeiro de Giuseppe Verdi, tido por muitos como o maior compositor de óperas de todos os tempos.
Foi emblemático que em 1996, uma instituição cultural norte-americana e um grande intérprete europeu rendessem a um artista sul-americano uma justa homenagem no centenário de sua morte. Gênio, sucessor de Verdi, gravado por lendas como Caruso e Francesco Marconi, Antônio Carlos Gomes, fez e faz o mundo se render ante ao seu talento, mas tal como um triste registro destes tempos, segue relegado ao quase esquecimento, senão ao desconhecimento de boa parcela de seus compatriotas.
Se de Antônio Carlos Gomes o mundo fala e o Brasil se cala, melhor então falar do Nhô Tonico, campineiro, filho do mulato Maneco Músico. O Tonico que saiu em lombo de burro do interior do estado de São Paulo, para tentar a vida na capital, a exemplo da maioria dos outros Tonicos brasileiros.
O Tonico sonhador que, se dependesse de estado, escola e diploma estaria fadado ao fracasso ou ao destino singelo destinado aos despossuídos do poder econômico e do protagonismo social.
Até hoje, quando os Tonicos pagadores de impostos que nada retornam para suas vidas operárias ligam o rádio e ouvem: “em Brasília são dezenove horas”, logo após, escutam os acordes de uma música que todos conhecem, mas quase ninguém sabe o nome... tampouco quem seria o autor.
Muitos Tonicos e Tonicas das antigas já ouviram cantores populares como Agnaldo Timóteo ou Francisco Petrônio cantarem: “Tão longe, de mim distante, / onde irá, onde irá teu pensamento...” mas nem de longe sabem da história de amor do caipira campineiro e a jovem musa Ambrosina a quem a modinha foi dedicada...
Ainda que não saibam nada sobre Tonico, ou o Maestro Carlos Gomes, quantos brasileiros e brasileiras não se encantariam com uma história de vida tão parecida como a da maioria dos mortais: nela cabendo os dramas da luta contra a pobreza, os descaminhos da vida, as linhas tênues que separam o triunfo da tragédia, as esperanças do desalento. A exaltação e o silêncio !
Por isso, esqueçamos Carlos Gomes, afinal, ele hoje pertence ao Scala de Milão, ao Metropolitan, de Nova York, ao Royal Opera House, de Londres, e coloquemos sentido na vida do Tonico de Campinas. Talvez ele, no seu trajeto humano, nos diga mais ao coração do que a triunfante mística de um grande gênio da música...
* Edson Brandão é historiador, membro da Academia Barbacenense de Letras, cadeira nº 32, Membro fundador da Academia Brasileira Rotária de Letras, MG-Leste, cadeira nº12, membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei.
II. FONTES
https://carlosgomes.campinas.sp.gov.br/historia/vida-de-carlos-gomes
https://www.comciencia.br/maneco-musico-pai-e-mestre-de-carlos-gomes/
https://www.otempo.com.br/diversao/magazine/negro-artista-e-injusticado-1.1396446
Colaborador: EDSON Carlo BRANDÃO Silva
EDSON Carlo BRANDÃO Silva nasceu em Barbacena (MG) no ano de 1967. É desenhista artístico, chargista, caricaturista, designer gráfico, pesquisador de história regional e gestor público.
sexta-feira, 26 de novembro de 2021
AS AVENTURAS DE UM BRASILEIRO NASCIDO NA NORUEGA
Fonte: BRAATHEN, Per Christian: As Aventuras de um Brasileiro nascido na Noruega, 2017, edição do autor, pp. 19-30
Colaborador: PER CHRISTIAN BRAATHEN
Fonte: BRAATHEN, Per Christian: As Aventuras de um Brasileiro nascido na Noruega, 2017, edição do autor, pp. 11-18
quarta-feira, 24 de novembro de 2021
NA LUZ DO SER: INVESTIGAÇÕES DE ONTOANTROPOLOGIA, POR JOSÉ CIMINO
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A proposta deste livro é colocar o leitor em contato com uma visão de mundo e de homem assentada sobre fundamentos que a razão postula. Nele, o cosmos e o homem são pensados à luz do ser. |
Abaixo é apresentada uma síntese das principais teses do livro supracitado através dos seguintes itens:
1º) A questão do ser e do ente
Na obra, o ser é entendido como sendo o pensamento divino, infinito e infinitamente eficaz, objetivado. É o Absoluto fora de si mesmo. Por isso, um infinito. Não infinito actu, mas um infinito de possibilidades, que se irrompe e se manifesta de infinitos modos. Nessa visão, o ser é causa sui (causa do seu próprio agir). Um agir espontâneo e autocriativo. Ente é o ser revelado na face das coisas. O ser, tal qual é concebido nesta obra, fundamenta todos os problemas nela abordados. Num clima niilista que contamina todo o acontecer histórico da vida contemporânea, é preciso ousar uma ontologia forte, isto é, com fundamento no real. Esse fundamento é o ser. Não um ser abstrato, mas objetivo, que rege o mundo por dentro e que não é uma coisa: o PENSAMENTO DIVINO OBJETIVADO.
2º) Concepção de Deus
Deus é concebido como Princípio in-principiado, ser de natureza infinitamente pensante. No pensar, objetiva o próprio pensado. Na obra, faz-se distinção entre ser e Ser. Ser, maiúscula, refere-se a Deus. À luz da ciência contemporânea, sobretudo, da física quântica, passam-se em revista crítica as cinco vias da prova da existência de Deus de Tomás de Aquino, de Leibniz e a prova moral de Kant.
3º) Conceito de criação
Defende-se a tese de que o universo não pode ter tido um instante zero ou um começo físico e que a criação não pode ser ex nihilo (do nada). A tese desenvolvida a respeito da criação é coerente com a concepção de ser. Faz-se distinção entre começo físico e começo metafisico. Na obra, isso significa: O trânsito do pensamento criador divino para sua objetivação é imediato, simultâneo. Deus é o PRIUS. A objetivação do pensamento criador é o ANTES DE TUDO. Por ser imediato o trânsito do pensamento divino para a sua conseqüente objetivação, diz-se que o criado ou o universo teve um começo metafísico ou não físico.
4º) Superação das dicotomias: vida-matéria e corpo-espírito
O autor defende o ponto de vista de que a vida não pode advir da não-vida e de que o pensamento não pode advir do não-pensamento. Algo pensante – e que não é uma coisa – rege o mundo por dentro. Há, no cosmos, uma continuidade ôntica, sem saltos. Esse algo, que não é uma coisa, é o ser. O ser humano é entendido como um ser cósmico e uma uni-totalidade-corpo espírito. Por ser também espírito e, por isso, dotado de consciência, enquanto espírito está destinado a sempre existir, a saber: destinado a uma vida eviterna ou para sempre.
5º) Espaço e tempo
O autor não entende o espaço como sendo um ente. Quanto ao tempo, contrapõe a eternidade à temporaneidade. Distingue o tempo humano, resultante da visão que se tem do devir cósmico e o tempo objetivo, que é o devir criativo do ser, em que não há um antes, por ser fruto da espontaneidade criativa do ser. Nesse particular, seguem-se as pegadas de Schelling. O devir cósmico é a autorrevelação do ser. A ideia daquilo que é o tempo brota do interior da concepção do ser. Na visão do autor, tempo e espaço não são coisas, não são entes.
6°) Repensando as leis do ser
Coerentemente com a visão metafísica da obra, o autor passa em revista as leis do ser, dando-lhes formulação de acordo com a visão ontológica proposta. À luz do ser, tenta-se refundar a ontologia, restituindo-lhe o fundamento do ser, agora entendido como PENSAMENTO DIVINO OBJETIVADO.
7º) Conhecimento sensitivo e intelectivo
As reflexões em torno de tão complexo problema partem do conhecimento sensitivo. Apresenta-se este, não como simples espelhamento, mas como uma visão exclusivamente humana da realidade. Pergunta-se: em que consiste a verdade do conhecimento sensitivo?
A obra anda à procura do radical fundamento do conhecimento. Se o homem, enquanto inteligência não estivesse transcendentemente aberto para o ser, e o ser, enquanto cognoscível, não estivesse aberto para a inteligência, o conhecimento seria impossível. Indaga-se: qual o fundamento dessa recíproca abertura? Por que o ser é cognoscível? Nesta obra, à luz da filosofia do ser, propõe-se não um retorno ao nõus poietikós e ao nõus pathetikós de Aristóteles ou ao intelecto agente e paciente de Tomás de Aquino, nem tão pouco se adota cegamente a postura kantiana das formas a priori. Neste trabalho, apresenta-se a teoria do salto transcendental, isto é, procura-se responder à radical questão: por que, ao se ver esta árvore, de pronto se faz o salto para árvore? Trata-se de problema central da gnosiologia, que só pode encontrar solução a partir do interior da questão do ser.
8°) A questão da liberdade
No capítulo que aborda a questão da liberdade, o autor alarga o horizonte de suas reflexões, demonstrando que no universo tudo depende de tudo ao mesmo tempo em que cada categoria de entes é independente (ou livre) em relação àquelas que lhe são superiores. Ora, se as categorias de entes ao mesmo tempo em que dependem, também independem, significa que em todas elas, obviamente em graus diferentes, há um espaço de agir livre. O autor mergulha no problema, mostrando em que isso consiste. Em que sentido, no cosmos, uma categoria de entes é autárquica (independente) sem nunca ser autárcica (autossuficiente).
No plano humano, a liberdade é entendida como espontaneidade, no sentido de que o ato livre é causa de si mesmo. Assim como o conhecimento, a questão da liberdade está imbricado no problema do ser. O agir dessa espontaneidade resulta da relação dialética entre a superdeterminação da vontade humana para o BEM e sua relação de indeterminação perante os bens particulares, em sua vida concreta e histórica. A escolha entre isso ou aquilo resulta de um juízo de valor que o sujeito faz. Feita a escolha, ele se autodetermina. Liberdade é relação de indeterminação perante os bens particulares.
9°) Ética e metafísica
Por ser o homem consciente e livre, a ele pertence o ordenamento do próprio agir. É um ordenamento moral, porque livre. O ser humano é aquele que, onticamente, está vocacionado para a vida moral. Vocação moral significa: renúncia consciente a uma vida não ética. Vida não ética é a própria negação do ser, que é ordem que ordena. E não se trata de ordem abstrata, mas real e operante: ordo ordinans. No presente trabalho, a questão ética é abordada no horizonte da concepção do ser nele acolhida.
O agir humano, nas suas relações interpessoais, é a face visível da sua moralidade interior. A dimensão moral e ética de alguém vige no seu interior, mas se torna patente aos olhos de todos através da ação. A ação moral e ética é a exterioridade da moral de foro íntimo e do espírito ético do ser humano.“O homem é aquele que tem um éthos” (Heidegger). Éthos é o como do agir humano. O como do agir é o espaço de sua liberdade. Esse éthos pode ser ou conforme a ordem que ordena ou disforme com ela, instalando, nas relações interpessoais, a desordem que desordena.
10°) Dimensão escatológica do ser humano
No último capítulo desta obra, desenvolvem-se reflexões sobre a morte, agora entendida como o instante em que se dá o sobrenascimento do homem para outra dimensão fora do espaço e do tempo. O verbo sobrenascer é importado de Guimarães Rosa (1908-1967). “O senhor sobrenasceu lá?” Inspirando-se em Guimarães Rosa, a forma verbal — sobrenascer — é assumida para designar a passagem de um modo de ser para outro, sobre aquilo que se era e se quis ser. No final de sua vida terrena, o homem sobrenasce sobre aquilo que ele foi e quis ser para outro modo de existência. Sobrenascer, portanto, opõe-se à ideia de que o ser humano possa se anular, como pessoa, no instante do seu passamento. Propõe-se, aí, uma teoria da ressurreição à luz da razão.
II. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA