sexta-feira, 26 de novembro de 2021

AS AVENTURAS DE UM BRASILEIRO NASCIDO NA NORUEGA


Por Per Christian Braathen 
 
"O presente livro é de natureza completamente diferente. É uma espécie de autobiografia. Faz muitos anos que estou planejando escrever este livro. É que minha história de vida é verdadeiramente extraordinária. Ao invés de titulado como "as aventuras  de um brasileiro nascido na Noruega", poderia também se chamar: COMO VENCER NA VIDA FAZENDO FORÇA"

 
“No dia 9 de abril de 1940 os alemães invadiram a Noruega e a Dinamarca. A Dinamarca caiu em um único dia, com pouca resistência. Isto porque a Dinamarca é um país pequeno e plano, e impossível de defender diante de uma força militar esmagadoramente superior. 
A Noruega, por outro lado, é um país montanhoso, e lá os alemães tiveram muito mais trabalho, para finalmente subjugar o país. 
Levou vários meses. 
Meu pai, Sverre, era um dos soldados que participou da batalha da Noruega. 
Um detalhe importante e interessante: Meu pai era um soldado veterano, pois fora voluntário na Finlândia, na guerra daquele país contra a então União Soviética, assim como muitos outros noruegueses, dinamarqueses e suecos, que achavam uma grande covardia um país enorme, como a União Soviética, atacar um país pequeno como a Finlândia. 
E olha que deu empate nas duas tentativas da União Soviética tomar a Finlândia. 
De, Oslo, no extremo sul do país, as forças norueguesas foram recuando para o norte, resistindo como podiam, contra as forças alemãs. 
Um detalhe interessante, e que teve profundas implicações na vida do meu pai no Brasil, como veremos mais adiante: Meu pai tinha um treinamento de enfermeiro militar ou seja, era um tipo de paramédico. 
Perto da cidade do Bodø, meu pai foi ferido por estilhaços de granadas. 
 
Mapa da Noruega
 
Foi internado no hospital municipal da cidade, onde minha mãe trabalhava como secretária. Apesar de o hospital ter no teto uma cruz vermelha, indicando que o prédio era um hospital, os aviões alemães bombardearam o hospital. 
O hospital foi sendo destruído, entrando em rápido colapso. As pessoas médicos, enfermeiras, funcionários em geral, e pacientes, foram abandonando o hospital em chamas, aos trancos e barrancos, num clima de salve-se quem puder. 
Meu pai, saindo da enfermaria, encontrou minha mãe, Else, tentando escapar pela escada, a agarrou e carregou-a escadaria abaixo até a saída do prédio, sãos e salvos. 
Uma semana depois estavam casados. 
As coisas acontecem rapidamente na guerra. 
Em 11 de março de 1941, eu nasci. Fruto da guerra. Não tenho motivo, portanto, de ter raiva dos invasores do meu país de origem. Na verdade, talvez eu até deva agradecer a Hitler por eu existir. Após a capitulação da Noruega, a mesma passou a ser um dos países ocupados pelo III Reich. 
Um detalhe interessante: O rei da Noruega, rei Haakon VII, e sua família, conseguiram escapar para a Inglaterra, levando consigo o tesouro nacional (principalmente ouro), onde estabeleceram um governo norueguês provisório. Vários campos de treinamento militar foram criados na Inglaterra e na Escócia, para treinamento militar de noruegueses que conseguiram escapar da Noruega, formando companhias e batalhões de soldados e oficiais noruegueses, que lutaram ao lado das forças aliadas. Além disto, a grande frota comercial de navios noruegueses teve importante papel no transporte marítimo, em grandes comboios, entre os Estados Unidos e a Inglaterra, e entre a Rússia e a Inglaterra. Muitos navios noruegueses foram torpedeados por submarinos alemães com enorme perda de vidas. 
Meus pais me contavam histórias interessantes que vivemos nos primeiros anos da ocupação pelos alemães. Segundo me contaram, eu costumava fugir de casa para visitar os soldados alemães em suas casernas, perto do lugar onde vivíamos, e frequentemente trazia presentes na forma de alimentos, como pão, por exemplo, e meus pais, que bem que precisavam, jogavam no lixo, pois não queriam nenhum favor do inimigo, e falavam para não socializar com os inimigos. Eu tinha 2 a 3 anos de idade. 
Meu pai fazia parte das forças de resistências dos patriotas noruegueses, que infernizavam a vida das forças de ocupação, principalmente por ações de sabotagem. Muitos destes guerrilheiros foram presos e fuzilados. (Tem um filme norueguês que conta parte desta história Max Manus, disponível inclusive na Netflix.) 
Em 1944 meu pai estava na iminência de ser descoberto pela polícia política dos alemães a famigerada Gestapo e a família teve que fugir para a Suécia, que era neutra. Meus pais, eu e meu irmãozinho Jan, com um ano, ou pouco mais, de idade. 
Meus pais me contavam como fora a fuga. Ao nos aproximarmos da fronteira, os alemães quase nos alcançaram e eu me lembro (ou talvez me lembre apenas do que meus pais me contavam), do barulho de tiros e de nossa desesperada corrida para dentro da Suécia. 
Na Suécia nasceu meu irmão caçula, Ola. 
Em 1946 voltamos para a Noruega, e fomos morar na cidade de Trondheim, a terceira maior cidade da Noruega. O que, diga-se de passagem, não quer dizer muita coisa. Tinha na época por volta de 100.000 habitantes e mesmo hoje não é muito maior do que isto. 
Em Trondheim tive uma infância muito feliz. Eu e meus irmãos, Jan e Ela, brincávamos na rua com os nossos amigos todos os dias. 
Íamos passear na floresta vizinha, catando frutas silvestres, tais como o mirtilo, e nas praias, para nadar (verdade!!), no verão, e esquiar nos morros e patinar nos lagos congelados, no inverno. 
Eu com 9-10 anos de idade descia morros abaixo, de esqui, a altas velocidades. Dizem, de brincadeira, que os noruegueses nascem com esquis nas pernas. 
Outra coisa que a gente gostava muito de fazer no inverno: construir casas de gelo. Iglus. Minha mãe, Else, era uma exímia nadadora e me ensinou a nadar quando eu tinha algo como 6-7 anos de idade. Perto da cidade tinha duas praias muito boas e a água, por incrível que pareça, ficava bem quente no verão. Algo como 20 graus centígrados, ou até um pouco mais. 
É importante salientar que o clima na Noruega é bem mais ameno do que faz crer a sua posição geográfica. Isto é devido ao fato de que na costa da Noruega passa a corrente do golfo do México. 
No verão a gente gostava também de construir tendas de índios, e brincar de índios e mocinhos na floresta. 
Perto de uma das praias tinha um aeroporto construído pelos alemães. E bem perto de casa tinha um cemitério de aviões. Muitos, mas muitos, aviões, que tinham sido abatidos em combates aéreos durante a guerra. 
Destas carcaças, a gente retirava mangueiras, pedaços de alumínio, e outros materiais, para usarmos em nossas brincadeiras. 
Tudo isto está bem claro na minha já desgastada lembrança. 
Também lembro que desde cedo eu virei um devorador de livros, sem dúvida influenciado por meus pais, também ávidos leitores, embora tanto meu pai quanto minha mãe tivessem apenas o ensino médio. Mas a nossa casa tinha estantes cheias de livros. 
Com 9-10 anos de idade eu vivia na biblioteca municipal, lendo livros de adultos, tais como biografias dos exploradores árticos, e heróis noruegueses, Fridjof Nansen e Roald Amundsen (o primeiro a chegar ao polo sul em 1912). 
O hábito da leitura nunca me abandonou, havendo ocasiões em que me encontro lendo três livros ao mesmo tempo, um em português, outro em norueguês e outro em inglês. Entrei na escola primária aos sete anos. Idade normal na Noruega naquela época. Não existiam ainda pré-escolas. 
Estudei na "Trondheim Folkeskole" (escola pública de Trondheim). Lembro que, entre outras matérias, tínhamos aulas práticas de marcenaria. 
O povo norueguês é muito patriótico. A comemoração do dia nacional 17 de maio, dia da consolidação da constituição do país, é uma grande festa cívica, quando as crianças das escolas continuem importante componente dos desfiles nas ruas das cidades, todos portando bandeiras do país. 
Em Trondheim meu pai trabalhava numa oficina de carros, e completava a sua renda comprando e vendendo carros usados. A gente sempre tinha um carro diferente, entre uma venda e outra. (...) 
 
Além de trabalhar com compra e venda de automóveis, e numa oficina, meu pai era certificado como perito de tráfego, chamado sempre que acontecia um acidente de trânsito. (...) 
 
Outra lembrança marcante da minha infância na Noruega era o racionamento de alimentos que existia nos anos pós-guerra. Uma das consequências disto era que apenas na época das festas natalinas, devido a problemas de balança comercial, é que os noruegueses podiam comprar laranjas e bananas, importados, principalmente, da Espanha. 
A chegada destas iguarias era aguardada com muita ansiedade. 
Em 1953 meu pai resolveu emigrar para o Brasil. Nunca soube por que motivo. É difícil imaginar um, tendo em vista que apesar dos problemas criados pela guerra, e pela ocupação nazista, não havia grandes problemas sociais e econômicos na Noruega, mesmo tendo passado por uma ocupação desgastante. 
Só sei de uma coisa: Foi a maior besteira que meu pai fez na vida. Muito pouco deu certo para ele no Brasil, fato que afetou toda nossa família profunda e dramaticamente, como veremos adiante. 
Meu pai viajou antes do resto da família para acertar emprego e residência. Foi num navio norueguês. Minha mãe, eu e meus dois irmãos viajamos alguns meses depois. (...) 
 
Inicialmente fomos morar de favor na casa do patrão do meu pai, Didrik Sonstervold, um compatriota, no edifício Moema em Niterói. 
A família toda dois adultos e três crianças num só quarto. 
A firma onde meu pai trabalhava chamava-se Fornecedora a Navios Dick, W. Dyb, uma firma norueguesa, que fornecia tudo para navios. Alimentos, ferramentas e outros utensílios. 
A firma trabalhava quase que exclusivamente com navios noruegueses. Na época, a Noruega, apesar de ter apenas 3 milhões e pouco de habitantes (na época, hoje um pouco mais) tinha a terceira maior frota comercial do mundo e entrava no porto do Rio de Janeiro uma média de um navio norueguês por dia.”
(Capítulo 2: Da Noruega para o Brasil - Algumas lembranças

Fonte: BRAATHEN, Per Christian: As Aventuras de um Brasileiro nascido na Noruega, 2017, edição do autor, pp. 19-30

 

5 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
Tive o prazer de conhecer o Dr. PER CHRISTIAN BRAATHEN, norueguês que teima em ser brasileiro, com muito orgulho, tal o seu grande amor de filho adotivo ao nosso Brasil.
Conheci-o quando me apresentei perante a Assembleia Magna da ABROL-Academia Brasileira Rotária de Letras-MG Leste, em Barbacena, em 20/11/2021.
Após o evento, fui presenteado com dois exemplares de seu livro (um para minha esposa, Rute Pardini) e logo lhe manifestei meu interesse de ler seu livro, dada minha curiosidade de conhecer a experiência de ser imigrante no Brasil.
Além disso, percebi que o autor não precisava de minha apresentação como colaborador do Blog de São João del-Rei, uma vez que seu livro já é uma verdadeira autobiografia. Por isso, seus dados biográficos foram extraídos do Capítulo 1 de seu livro em epígrafe.
Da minha parte, dou ao Dr. Braathen as boas vindas por trazer ao Blog de São João del-Rei seu entusiasmo e amor à nossa Pátria.

Texto: Excertos do Capítulo 2 de "As Aventuras de um Brasileiro nascido na Noruega"
https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2021/11/as-aventuras-de-um-brasileiro-nascido.html

Autobiografia: Capítulo 1 do livro supracitado
https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2021/11/colaborador-per-christian-braathen.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

João Carlos Ramos (poeta, escritor, membro e ex-presidente da Academia Divinopolitana de Letras e sócio correspondente da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Lavrense de Letras) disse...

Parabéns, Professor Francisco Braga!

Anizabel Nunes Rodrigues de Lucas (flautista, professora de música e regente são-joanense) disse...

Fantástica a história desse norueguês. Parece roteiro de um filme.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga.

Interessante pessoa e também interessante exemplo da mentalidade de imigrantes que adotaram o Brasil como sua pátria e amam de modo sincero esta terra. Infelizmente este país é muito complexo para ser compreendido e muito polêmico para ser social e politicamente unido, para poder viver naquela paz advinda da justiça.
Saudações.
Cupertino

Joana Brauer (Assessora de Educação, Cultura e Direitos Humanos da Embaixada Real da Noruega) disse...

Prezado Francisco,
Agradecemos o contato e por compartilhar conosco essas histórias.
Atenciosamente,
Joana Brauer