Por Agostinho Azevedo ("Bude")
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Agostinho Azevedo ("Bude") ✰ São João del-Rei, 02/12/1910 ✞ Belo Horizonte, 14/10/1963 - Acervo da família
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Crônica: O Culto do Trabalho
A homenagem de S. João del-Rei aos fundadores da Oeste de Minas
O intercâmbio comercial, fator desse desenvolvimento vertiginoso que coloca a "Manchester mineira" ¹ no primeiro plano industrial, comercial e financeiro do país, foi a cogitação dos pioneiros da Oeste de Minas naquele fim do Segundo Império.
São João del-Rei, com largas possibilidades e com um desenvolvimento pouco natural nas cidades da época, ressentia-se do isolamento em que vivia, de penoso acesso para quem viesse de qualquer das quatro bandas do país.
José Rodrigues da Costa, Aureliano de Carvalho Mourão e Antônio José Dias Bastos, incorporadores da Companhia de Estrada de Ferro Oeste de Minas, com larga visão iniciaram a organização dela, para dotar São João del-Rei de um caminho férreo que lhe permitisse a expansão.
A 28 de agosto de 1881, com a presença de Sua Majestade D. Pedro II, dos ministros Conselheiro José Rodrigues de Lima Duarte, Ministro da Marinha, e Conselheiro Manoel Buarque de Macedo, Ministro da Agricultura e dos engenheiros Rademaker, Ewbank da Câmara e Niemeyer, era para ser feita, com as festas ao acontecimento devidas, a inauguração da Oeste de Minas.
O inesperado falecimento, nesta cidade, do Conselheiro Buarque de Macedo, determinou que todas as festas fossem suspensas, fazendo Sua Majestade Imperial a inauguração despida de solenidade.
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Agora, que transcorre o cinquentenário da inauguração dessa estrada de ferro que São João del-Rei construiu, os sanjoanenses vão celebrar a vitória do empreendimento de seus antepassados com festas solenes.
A Feira de Amostras de São João del-Rei, que por iniciativa do governo municipal terá realização naquele dia e nos dois subsequentes, será a melhor afirmação do resultado daquela iniciativa dos nossos antepassados. A indústria de São João del-Rei cresceu, desenvolveu-se, aprimorou-se.
A nossa Feira de Amostras dirá que São João del-Rei não é apenas a cidade que dorme sobre as tradições de seu passado glorioso. A Feira de Amostras dirá que a par do religiosismo, da arte e das relíquias, o monumento do progresso eleva-se para as alturas circundado do fumo das máquinas, tocado pelo ritmo do modernismo contemporâneo.
A visita de todos os que se interessam pelas coisas de indústria a São João del-Rei por ocasião das festas com que a cidade comemorará o cinquentenário da Oeste de Minas terá um proveito duplo: o aconchego com aqueles monumentos de arte do Brasil passado e a verificação da atividade de um povo que se integrou nas conquistas da moderna civilização.
Particularmente aos homens de Juiz de Fora as festas de São João del-Rei devem interessar, práticos que são eles e aptos a colher nas exposições da Feira de Amostras dados e conhecimentos para melhor intercâmbio entre as duas cidades, ambas legítimos orgulhos da Minas moderna, da Minas realizadora e progressista.
A cooperação de todos os sanjoanenses para o desenvolvimento, para a expansão e para o reclame da terra é que me leva a ocupar as colunas deste órgão a fim de que vós, leitor, possais conhecer um pouco da história de como a Oeste se fez e saber o que vai pela "Princesa do Oeste" ² agora, neste cinquentenário em que ela comemora, cultuando o empreendimento de seus filhos, a inauguração dessa estrada de ferro feita para servir-lhe de veículo de expansão e que é hoje o caminho que abre a Minas Gerais as portas do mundo.
Agosto de 1931
Fonte: AZEVEDO, Agostinho (Bude): São João del-Rei: Histórias de antanho e suas gentes, 2021, edição do autor, pp. 17-9
Obituário: O Velho Marchetti
Manquitolando, Felipe Marchetti, se os mortos conservam na sua apresentação diante da eternidade a mesma figura com que se vão deste mundo, deu, anteontem, entrada no Paraíso.
Ao receber o novo hóspede, o Padre Eterno, com aquela bonomia que lhe adivinhamos nos momentos de paz (porque na cólera, segundo o testemunho de Moisés no Sinai, ele ruge e troveja) há de ter murmurado: Você vem velho, Marchetti!
E Felipe Marchetti, ainda com o vício do mundo, fará a apologia da cerveja que ele aqui fabricava: Excelentíssimo, foi a cerveja, que é a base fundamental.
O Padre Eterno, diante dessa sólida velhice que as tempestades da vida não abateram, há de ter concordado: É verdade, Marchetti amigo, a cerveja, a boa cerveja!
E recolhendo-se ambos, ombro a ombro, os anjos verão dois velhos fugindo para a eternidade, um dos quais manquitola, gesticula, como se contasse aos ouvidos do próprio Deus a história de São João del-Rei nos últimos setenta anos.
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Coube a Felipe Marchetti, em 1881, quando se inaugurou a Estrada de Ferro Oeste de Minas, maquinista que ele era, conduzir o trem especial em que viajou para esse acontecimento o Sr. D. Pedro II. Estávamos ainda na infância das estradas de ferro e a inauguração da Oeste de Minas foi um grande acontecimento nacional.
Para São João del-Rei, esse trem especial conduzido pelo maquinista Felipe Marchetti representou muito mais do que o carreto de um imperador. Era a consecução de um velho sonho dos sanjoanenses, concretizava-se uma aspiração da terra, modificava-se-lhe o destino com a sua ligação rápida e eficiente ao resto do mundo.
Deixando as locomotivas da estrada de ferro, Felipe Marchetti fundou a Cervejaria Adriática ³, mas não era um industrial. A sua bonomia e o seu desapego ao lucro não permitiram que a cervejaria fosse inteiramente uma realização industrial. Era um ponto para boas palestras onde os boêmios, em grupos ou esparsos, podiam beber fresca e cantante essa levedura que o Sr. Felipe Marchetti afirmava ser a base fundamental da saúde.
Morreu Felipe Marchetti e já imaginamos como penetrou ele nesse paraíso que os homens dão seguramente aos que não bebem cerveja e nem contam anedotas, mas cujas portas também se abrem de par em par àqueles que, como Felipe Marchetti, cantaram neste mundo as suas loas e esvaziaram dignamente o seu copo.
Diário do Comércio, edição de 31 de dezembro de 1944
Fonte: AZEVEDO, Agostinho (Bude): São João del-Rei: Histórias de antanho e suas gentes, 2021, edição do autor, pp. 198-9
II. NOTAS EXPLICATIVAS por Francisco José dos Santos Braga
¹ Como passou a ser conhecida Juiz de Fora à época em que seu pioneirismo na industrialização a fez o município mais importante de Minas Gerais.
² Vide, por exemplo, Princesa do Oeste e o Mito da Decadência de Minas Gerais, livro em que o autor e historiador Afonso de Alencastro Graça Filho parte do pressuposto de que as antigas teses sobre a decadência e estagnação de Minas oitocentista são infundadas. Para isso, analisa detidamente a história econômica da Comarca do Rio das Mortes, o que empresta à obra um valor inquestionável como contribuição à historiografia mineira e brasileira acerca do século XIX. A "Princesa do Oeste" demonstra um quadro oposto, marcado, sobretudo na metade do século XIX, por prosperidade, dinamismo e uma diversidade produtiva extraordinária. No livro, desvelam-se as intrincadas redes de relações comerciais entre a elite mercantil de São João com a praça do Rio de Janeiro e, igualmente importante, com produtores e comerciantes espalhados por quase todo o território mineiro.
³ No final do século XIX, São João del-Rei propiciou a alguns empresários a oportunidade de participar do esforço desenvolvimentista na produção ou manufatura de objetos simples para consumo direto, a que damos o nome de indústrias leves (principalmente produção de alimentos, fiação e tecelagem, fabricação de calçados, impressão de jornais e produção farmacêutica). Exemplo do primeiro tipo (produção de alimentos) pode ser citado: a Destilaria Castelo, de Zuquim, Silva e Cia. (1890), as fábricas de cervejas Miller (1891) e Adriática, da Marchetti e Cia. (1892). Na minha infância, consumi o delicioso guaraná Marchetti.
III. AGRADECIMENTO
Agradeço carinhosamente à minha amada esposa Rute Pardini suas fotos bem como a sua edição e formatação para fins deste post.
IV. BIBLIOGRAFIA
AZEVEDO, Agostinho (Bude): Histórias de antanho e suas gentes, Belo Horizonte: Ed. do autor, 2021, 280 p.
10 comentários:
Prezad@,
O Blog de São João del-Rei tem a satisfação de reproduzir algo que entende de muito bom gosto no livro São João del-Rei: Histórias de antanho e suas gentes, por AGOSTINHO AZEVEDO, o "BUDE", pelo quadro leve, ameno e entusiástico que apresenta, em suas crônicas, obituários e lendas são-joanenses, da cidade e de sua gente.
Quase tudo o que escreveu foi publicado pelos periódicos locais e dos arredores, o que demonstra a boa aceitação de seus textos por parte de seus leitores.
Nossa expectativa é que os são-joanenses possam, através dos olhos de nosso colaborador homenageado, apreciar cada vez mais a cidade que habitam, e que os de outras plagas conheçam nossas idiossincrasias e, - por que não dizer?, - nossas grandezas.
Merece nosso aplauso o gesto carinhoso da família do colaborador homenageado que empreendeu o resgate do acervo precioso do seu patriarca ilustre e trouxe a lume o retrato bastante fiel de uma São João del-Rei do primeiro meado do século XX, visto através da pena arguta do valoroso jornalista autodidata.
BREVE BIOGRAFIA
https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2021/09/colaborador-agostinho-azevedo-bude.html
TEXTO
https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2021/09/a-visita-de-d-pedro-ii-sao-joao-del-rei.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Muito bem abordado. Excelente matéria.
Obrigado Francisco, abraços, Mauricio
👏👏👏👏👏👏👏 🙏🙏🙏🙏🙏🙏🙏
Caro professor Braga
Admirável cronista o Sr. "Bude"! E além da visita do Imperador à nada estagnada região mineira em pleno século XIX, temos o registro da pessoa do Sr. Marchetti. Muito bom!
Grato.
Cupertino
Sou fã de D. Pedro II.
Sempre ouvi as histórias do Sr.Felipe Marchetti, avô do meu cunhado - que tinha o mesmo nome - e bisavô dos meus sobrinhos Jonas e Ruth.
Tinha muito orgulho de ter sido o maquinista que trouxe Dom Pedro II e sua comitiva no nossa Maria Fumaça. E a história da fábrica de cerveja e guaraná Marchetti, na rua Comendador Costa - onde hoje é a Cemig - era muito famosa na cidade. Grande família Marchetti.
Abraço a todos.
Adenor Simões
Caro amigo Braga
Por motivo de viagem somente agora estamos conseguindo abrir os seus e-mails.
Agradecemos pelo envio.
Abraços de Mario e Beth.
Obrigado pelo rico compartilhamento. Parabéns pelo trabalho, o Bude é uma grande referência de antanho.
Prezado confrade Francisco Braga,
Muito boa sua alusão ao livro São João del-Rei: histórias de antanho e suas gentes, que reúne textos de Agostinho Azevedo, o Bude. Trata-se de justa homenagem de sua filha Maria de Lourdes e,segundo seu neto Fernando Stortini:
"uma ode a São João del-Rei. Que seu passado glorioso, transcrito pela pena astuta do Bude, sirva de exemplo para os sanjoanenses de hoje e para os que virão".
Agradecemos-lhe pela divulgação. Betânia.
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