segunda-feira, 8 de abril de 2024

FRONTEIRIÇA E POEMAS EVANGÉLICOS


Por HILMA RANAURO *
 

 
FRONTEIRIÇA 
 
Por Hilma Ranauro 

Roupa na corda e cheiro de feijão queimado 
Ferro amarelando a roupa e leite que entorna. 
 
Poemas brotando, querendo fluir. 
Livros na estante, cobrando leitura. 
 
Filhos que chegam e espalham calçados. 
E brigam por nada, disputando afeto. 
 
Sexo urgente a ser satisfeito. 
Cabeça carente de ombro e afago. 
 
Máquina de escrever intrusa entre os pratos, na mesa posta. 
Pano-de-prato esquecido entre os livros, na desarrumada estante
 
A receita, as compras, a louça na pia. 
E os poemas teimosos logrando ter forma
 
O gás escapa, o carteiro chama. 
E tudo clama por mim.
 
                                              E eu aqui.
 
                                                        (In Descompasso, p. 21)
 
 
POEMAS EVANGÉLICOS (inéditos)
 
1) PRESENÇA 
 
Por Hilma Ranauro 

Quantas vezes me acordastes, no meio da noite, 
e me vinham ideias aparentemente descabidas, 
soluções para situações até então sem solução, 
lembrando-me do que nem sabia que sabia, 
na resposta que estava lá, desde sempre, 
e que eu não via, na conquista do que, embora 
sem condições, sonhara. Quantas e quantas vezes! 
 
Chamam-te intuição, premonição, vidência, 
mediunidade até. Só não vêem que nada disso
justificaria os livramentos por atitudes tomadas 
sem mais aquela, sem razão alguma, na certeza 
absurda e louca de que vai dar certo, apesar de tudo, 
contra as evidências todas, contra a própria razão 
às vezes, num impulso santo que explica tudo. 
 
Nas pequenas grandes coisas da vida, 
que nem percebera decisivas, estavas lá, 
refletindo o não visto, revelando o oculto 
concretizando o sonho que julgava perdido, 
vencendo a luta que pensara vã, premiando 
o esforço e empenho até então inúteis, secando 
as lágrimas ante a dor da injustiça e do abandono, 
da desilusão ante o amor traído, ante a palavra 
que doera tanto. Ante a confiança perdida 
que fere, coração e alma, e mina a esperança, 
estavas lá, consolo e refrigério, na lembrança 
de que o perdão liberta e cicatriza feridas. 
 
 
2) O Senhor descansou

O Senhor descansou
no sétimo dia, após a criação dos céus
e da Terra, e de tudo que neles há.

Também Seus filhos por adoção em Cristo,
persistindo na fé em Suas promessas,
haveremos de ter nosso descanso sabático.
 
 
*    Escritora com vários livros publicados, poeta, cronista, ensaísta e jornalista, membro da ABRAFIL-Academia Brasileira de Filologia, biógrafa do filólogo Sílvio Elia, e da Academia Virtual Mageense de Letras.

3 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
A poetisa HILMA RANAURO no seu poema FRONTEIRIÇA sugere que é difícil de incorporar numa só criatura os perfis de mulher, profissional e mãe, mas ela assume a vida como se apresenta, determinada a enfrentá-la com sua presença constante quando tudo clama por ela. Se o dever a chama, responde: "Aqui estou." Faz parte do seu ser todas essas nobres facetas.
Em PRESENÇA, ela fala da presença transcendente de Deus, trazendo, no meio da noite, solução, consolo e refrigério para sua alma atormentada. E, por fim, em O SENHOR DESCANSOU, ela confia na missão salvífica de Cristo que dará o repouso sabático merecido àqueles irmãos que O acolheram no Seu caminhar.

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/04/fronteirica-e-poemas-evangelicos.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

Nessa talentosa poetisa a Fé uma vez mais se encontra com a Arte, elementos transcendentes da nossa Existência humana.
Saudações!
Cupertino

Mario Pellegrini Cupello, Arquiteto, Diplomado em Direito, Escritor, Presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto, Membro Correspondente do IHG de Minas Gerais, entre outras importantes instituições culturais de Minas. Membro Efetivo da Academia Valencia de Letras, onde participou da diretoria por mais de 12 anos sucessivos. disse...

Caro amigo Braga
Agradecemos pelo envio.
Dela, Hilma Ranaro, conhecemos também o poema: ANÁRQUICA

Sem governo
desgoverno

e encaro
o ermo
do deserto
quente
e árido
de devastadas
selvas
de falsas
águas
límpidas
e decantadas
riquezas
em solo
fértil.

E me faço jus
já que contemplo
alheia
o desespero
morno
de um país
que é sempre
o amanhã
de um futuro
incerto.

Cordial abraço, dos amigos e admiradores,
Mario e Beth Cupello