FRONTEIRIÇA
Por Hilma Ranauro
Roupa na corda e cheiro de feijão queimado
Ferro amarelando a roupa e leite que entorna.
Poemas brotando, querendo fluir.
Livros na estante, cobrando leitura.
Filhos que chegam e espalham calçados.
E brigam por nada, disputando afeto.
Sexo urgente a ser satisfeito.
Cabeça carente de ombro e afago.
Máquina de escrever intrusa entre os pratos, na mesa posta.
Pano-de-prato esquecido entre os livros, na desarrumada estante.
A receita, as compras, a louça na pia.
E os poemas teimosos logrando ter forma.
O gás escapa, o carteiro chama.
E tudo clama por mim.
E eu aqui.
(In Descompasso, p. 21)
POEMAS EVANGÉLICOS (inéditos)
1) PRESENÇA
Por Hilma Ranauro
Quantas vezes me acordastes, no meio da noite,
e me vinham ideias aparentemente descabidas,
soluções para situações até então sem solução,
lembrando-me do que nem sabia que sabia,
na resposta que estava lá, desde sempre,
e que eu não via, na conquista do que, embora
sem condições, sonhara. Quantas e quantas vezes!
Chamam-te intuição, premonição, vidência,
mediunidade até. Só não vêem que nada disso
justificaria os livramentos por atitudes tomadas
sem mais aquela, sem razão alguma, na certeza
absurda e louca de que vai dar certo, apesar de tudo,
contra as evidências todas, contra a própria razão
às vezes, num impulso santo que explica tudo.
Nas pequenas grandes coisas da vida,
que nem percebera decisivas, estavas lá,
refletindo o não visto, revelando o oculto
concretizando o sonho que julgava perdido,
vencendo a luta que pensara vã, premiando
o esforço e empenho até então inúteis, secando
as lágrimas ante a dor da injustiça e do abandono,
da desilusão ante o amor traído, ante a palavra
que doera tanto. Ante a confiança perdida
que fere, coração e alma, e mina a esperança,
estavas lá, consolo e refrigério, na lembrança
de que o perdão liberta e cicatriza feridas.
2) O Senhor descansou
O Senhor descansou
no sétimo dia, após a criação dos céus
e da Terra, e de tudo que neles há.
Também Seus filhos por adoção em Cristo,
persistindo na fé em Suas promessas,
haveremos de ter nosso descanso sabático.
* Escritora com vários livros publicados, poeta, cronista, ensaísta e jornalista, membro da ABRAFIL-Academia Brasileira de Filologia, biógrafa do filólogo Sílvio Elia, e da Academia Virtual Mageense de Letras.
3 comentários:
Caro professor Braga
Nessa talentosa poetisa a Fé uma vez mais se encontra com a Arte, elementos transcendentes da nossa Existência humana.
Saudações!
Cupertino
Caro amigo Braga
Agradecemos pelo envio.
Dela, Hilma Ranaro, conhecemos também o poema: ANÁRQUICA
Sem governo
desgoverno
e encaro
o ermo
do deserto
quente
e árido
de devastadas
selvas
de falsas
águas
límpidas
e decantadas
riquezas
em solo
fértil.
E me faço jus
já que contemplo
alheia
o desespero
morno
de um país
que é sempre
o amanhã
de um futuro
incerto.
Cordial abraço, dos amigos e admiradores,
Mario e Beth Cupello
Um comentário que recomenda a obra, pois de quem entende. Abraço.
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