sábado, 19 de dezembro de 2020

O ESCRITOR QUE NÃO CONSEGUI ENTREVISTAR

 

Por Danilo Gomes

Acabo de reler um livro sobre Porto Seguro, o paradisíaco rincão da Bahia onde, em 1500, aportou o almirante Pedro Álvares Cabral com sua frota de 13 embarcações, uma das quais (provavelmente a Santa Cruz) comandada por um tal Aires Gomes da Silva, que morreu num naufrágio, na viagem de regresso a Lisboa. 

Refiro-me ao volume, de elegante capa dura, intitulado “Porto Seguro”, com reproduções de quadros a óleo e gravuras do grande pintor Sérgio Telles, também diplomata, embaixador aposentado, globe-trotter, nascido no Rio de Janeiro em 1936 e há anos morando na cidade de São Paulo. 

O livro traz textos do próprio Sérgio Telles, de sua senhora, Vera Telles (também carioca e diplomata, tradutora e pesquisadora de temas históricos), de Jorge Amado, de Gaston Diehl (crítico de arte francês), de Josué Montello e de Luís Vianna Filho (sic). 

Aqui quero chegar ao assunto nuclear deste artigo. 

Em 1979, quatro anos depois de minha chegada a Brasília, publiquei o livro “Escritores brasileiros ao vivo”, pela Editora Comunicação/MEC-INL, volume 1. Em 1980 saiu o volume 2, pelo mesmo selo editorial, com apresentação de Ary Quintella e prefácio de Wilson Castelo Branco. 

Esses dois volumes contêm 67 entrevistas com escritores moradores de Brasília ou que aqui moraram ou por aqui estiveram de passagem. Foram publicadas antes no Suplemento Literário do jornal Minas Gerais (SLMG), fundado por Murilo Rubião e então dirigido por Wilson Castelo Branco. 

Dentre os entrevistados, menciono apenas os que já partiram deste mundo: Altimar Pimentel, Ary Quintella, Vianna Moog, Cassiano Nunes, Carlos Castelo Branco (o Castelinho), Domingos Carvalho da Silva, Almeida Fischer, Joanyr de Oliveira, Samuel Rawet, Dinah Silveira de Queiroz, Fernando Mendes Vianna, Herberto Sales, Antonio Carlos Villaça, Josué Montello, Adonias Filho, Alphonsus de Guimaraens Filho, Anderson de Araújo Horta e Maria Braga Horta, Curt Meyer-Clason (tradutor de Guimarães Rosa para o alemão), Cyro dos Anjos, Edson Nery da Fonseca, Guilherme Figueiredo, H. Dobal (Hindemburgo Dobal Teixeira), Jorge Amado, José Geraldo Pires de Melo, Aluízio Valle, José Santiago Naud, Nilto Maciel, Paulo Rónai, Olga Savary, Yolanda Jordão, Altino Caixeta de Castro, Octávio de Faria.  

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Tentei, algumas vezes, entrevistar Luís Viana Filho, escritor, biógrafo, político, historiador, memorialista, acadêmico. Creio que lhe dirigi carta, como de costume. Conversei com ele algumas vezes, uma delas na presença do então presidente José Sarney, de quem era muito amigo. Tudo em vão. Não consegui a concordância dele para uma entrevista futura. Era um homem com tempo escasso e cronometrado, um político realmente muito importante. Acostumado ao relacionamento com jornalistas políticos de expressão, como Carlos Castelo Banco (o famoso Castelinho), Sebastião Nery, Augusto Nunes, Leonardo Mota Neto, Pedro Rogério Moreira, Oliveira Bastos, Paulo Cotta, Rubem Azevedo Lima, Silvestre Gorgulho, Luiz Gutemberg e outros, ele por certo não queria perder o precioso tempo com um jovem repórter desconhecido de sua alta roda. Até entendo. Respeito sua biografia e sua bagagem literária. Continuo seu admirador e leitor. Mas eu realmente gostaria de ter feito aquela entrevista, ainda que por escrito. Mas a vida continuou, continua. E o que não aconteceu virou assunto deste artigo de reminiscências brasilienses. 

No livro “Porto Seguro”, de e sobre Sérgio Telles, o magnífico pintor, leio os dados biográficos de um dos autores, Luís Viana Filho. Nestes termos: 

 

 

“Luís Vianna Filho é baiano e nascido em Paris; político, jurista, escritor, é professor catedrático de História do Brasil e Direito Internacional Público, e Senador pela Bahia, Estado do qual foi Governador. Deputado Federal , ex-Ministro de Estado da Justiça, Chefe do Gabinete Civil, Presidente do Senado, o mais importante memorialista brasileiro e membro da Academia Brasileira de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, das Academias portuguesas de Cultura, Ciências e História. Condecorado no Brasil e em diversos países estrangeiros, Luís Vianna Filho tem cerca de trinta obras publicadas, entre as quais A Vida de Rui Barbosa, A Vida do Barão do Rio Branco, A Vida de José de Alencar, A Vida de Eça de Queiroz, Três Estadistas: Rui, Nabuco, Rio Branco, A Vida de Joaquim Nabuco.” 

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Luís Viana Filho, que hoje dá nome à Biblioteca do Senado Federal, nasceu, como foi dito, em Paris, em 28-3-1908. Diplomou-se em Direito na Bahia. Foi jornalista, jurista, político, professor universitário. Ministro-Chefe da Casa Civil do Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco. Governador do Estado da Bahia. Presidente do Senado Federal. Membro da Academia Brasileira de Letras, da Academia de Letras da Bahia, da Academia Brasiliense de Letras e de outras instituições, já mencionadas. Além das já citadas, publicou também as seguintes obras: A Língua do Brasil, A Sabinada, A Verdade na Biografia, O Negro no Brasil, Afrânio Peixoto, O Último Ano de Rui na Bahia e A Vida de Machado de Assis e Castelo Branco: Testemunhos de Uma Época. Faleceu em 5-6-1990. 

Biógrafo seguro e minucioso, Luís Viana Filho deixou vasta e valiosa bibliografia e merece todo o respeito do mundo cultural de língua portuguesa. Uma vida honrada e admirável, acima das paixões políticas e das preferências ideológicas. 

Não tive a honra de incluí-lo entre meus entrevistados, embora tenha tentado algumas vezes, até em curtos diálogos com ele. Não me lembro se pedi o adjutório do nosso comum amigo Almeida Fischer. De qualquer maneira, não atingi meu objetivo. 

Nosso autor consta, em bem informativo verbete, do sempre útil e apreciado “Dicionário de Escritores de Brasília”, de Napoleão Valadares, já correndo para a 4ª edição. 

Na Academia Brasileira de Letras, Luís Viana Filho ocupou a cadeira nº XXII. Seu sucessor imediato foi Ivo Pitanguy. A cadeira é agora ocupada pelo grande romancista João Almino, atual embaixador do Brasil no Equador. 

Na Academia Brasiliense de Letras, Luís Viana Filho ocupou a cadeira XXIX, de que é patrono o contista goiano Hugo de Carvalho Ramos. O atual titular da cadeira é o escritor, também goiano, Alaor Barbosa. 

Para rematar estas notas de um velho repórter, aqui vai um trecho do notável livro “Paisagens portuguesas – Uma viagem literária”, de Luís Forjaz Trigueiros (1915-2000), uma edição da Nova Fronteira, 1985: 

“Não fui nesse passeio colectivo a Tormes e, portanto, apenas o imagino. E não fui, porque por ocaso na semana seguinte ali teria de ir, compromisso de há muito tomado com o meu amigo Luís Viana Filho e que não podia antecipar. Recebi, porém, os ecos imediatos ou quase dessa iniciativa e, sobretudo, pude ver Tormes pela primeira vez, porque, afinal, também eu nunca lá tinha ido.” 
Assim, os dois amigos e xarás, profundos conhecedores da obra de Eça de Queiroz, subiram juntos a Serra de Tormes, onde se situava a Quinta de Santa Cruz do Douro (que Eça de Queiroz crismou de Quinta de Tormes), inspiração para o esplêndido romance que é “A cidade e as serras”, onde o romancista diplomata escreveu: 
“… serra tão acolhedora, serra de fartura e de paz, serra bendita entre as serras…” 
Brasília, 23-9-2020.


9 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Neste post do Blog de São João del-Rei, será apreciada mais uma crônica bem humorada de Danilo Carlos Gomes, que, entre outras coisas, aqui discorre sobre a personalidade de LUÍS VIANA FILHO, que dá seu nome à Biblioteca do Senado Federal.
Político e historiador, nasceu em Paris, em 28 de março de 1908 (registrado no Distrito da Sé, Salvador, BA) e faleceu em São Paulo, SP, em 5 de junho de 1990.
Por ter escrito um grande número de biografias famosas, Alceu Amoroso Lima o chama de "Príncipe de nossos biógrafos".
Cabe lembrar que ele se iniciou no campo das letras como autor de trabalhos históricos, dentre os quais se destaca O negro na Bahia, publicado em 1946, que logo se tornou um clássico para os estudiosos dos problemas suscitados pela integração e aculturação do negro trazido para o Brasil pela escravidão.
Por seus grandes méritos literários, era membro do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia; membro da Academia de Letras da Bahia; membro benemérito do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; membro correspondente da Academia Internacional de Cultura Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Portuguesa de História, além da Academia Brasileira de Letras e muitas outras.
Diversas curiosidades sobre a sua biobibliografia podem ser lidas na bela crônica de Danilo Gomes.

https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2020/12/o-escritor-que-nao-consegui-entrevistar.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga;
Me congratulo pela divulgação da produção de mais esse autor e agradeço-lhe pela oportunidade de sua leitura.
Cumprimentos.
Cupertino.

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Um grande intelectual!
Abs

Nêudon Bosco Barbosa (escritor, redator do Jornal de Minas e da Revista Em Voga, membro da Academia de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei) disse...

Mais um belo texto para minha apreciação.
Obrigado, Amigo Braga!
Abraço!
Boa noite!

Gilberto Mendonça Teles (autor de O terra a terra da linguagem e Hora Aberta-Poemas Reunidos e é membro da Academia Goiana de Letras) disse...

Caro Francisco Braga,

Leio sempre com muita atenção o que você escreve. Gostaria de lhe dizer que gostei do seu e-mail sobre a crônica do Danilo Gomes,
que certa vez me entrevistou. Essa entrevista está no livro Memórias / Entrevistas: “O livro das 111 entrevistas” (2017), que lhe enviarei oportunamente. Não enviei um exemplar ao Danilo, por não ter conseguido o endereço quando cuidava deste assunto. Mas tenho muita simpatia pelo trabalho dele. Ele não conseguiu entrevistar o grande e simpático Luis Vianna Filho, com quem me encontrava nas reuniões do SABADOYLE. Tanto que tenho dois livros dele assim, dedicados:
o primeiro, -- A verdade na biografia, 1945 --
“Para Gilberto Mendonça Teles, prezado companheiro dos Sabadoyles, com a admiração do velho amigo Luiz”, Rio, 6 de junho de 1980.”;
o segundo, -- A Vida de José de Alencar, de 1979 --
“Gilberto Mendonça Teles: Ao pzezado confrade e amigo muito cordialmente. Luiz Viana Filho” .

É isto aí. Abraço agradecido e boa noite do Gilberto Mendonça Teles

Danilo Gomes (escritor, jornalista e cronista, membro das Academias Mineira de Letras, Marianense de Letras e Brasiliense de Letras) disse...

Mestre Francisco Braga,
fico muito honrado por participar de seu já famoso blog cultural. Meus modestos artigos e crônicas estão sempre às suas ordens. Muito grato. Feliz Natal! Abençoado Ano Novo de 2021 !
Abraço do Danilo Gomes.

Pe. Sílvio Firmo do Nascimento (professor, escritor e editor da Revista Saberes Interdisciplinares da UNIPTAN e membro da Academia de Letras de SJDR) disse...

Caro confrande Francisco Braga
Votos de Feliz e Santo Natal para o senhor e sua família.
Grato pela remessa da crônica sobre o "Príncipe de nossos biógrafos".
Pe. Sílvio

Coordenação da Biblioteca Luís Viana Filho do Senado Federal disse...

Prezado Senhor,

Agradecemos o envio das informações sobre o patrono da Biblioteca do Senado Federal que complementarão nossos arquivos.

Atenciosamente,

Serviço de Pesquisa e Recuperação de Informações Bibliográficas
Senado Federal | SGIDOC | Coordenação de Biblioteca
Anexo II, Térreo, Biblioteca
70165-900 Brasília - DF

Merania Oliveira disse...

Que bom ler a crônica do meu querido amigo-cunhado, Danilo Gomes. Como sempre, suas crônicas são informativas e dá gosto lê-lo. Obrigada por postá-la. Assim, tive a oportunidade de lê-la.