Por DANILO GOMES *
Crônica publicada originalmente pela Academia Mineira de Letras no seu site, em 7 de junho de 2021
Há 37 anos morria em Brasília, dramaticamente, o escritor Samuel Rawet. Mais especificamente em Sobradinho. Solitário, de ataque cardíaco, aos 55 anos de idade.
Ele nasceu em 23 de julho de 1929, na aldeia de Klimontów, na Polônia, de pais judeus. Nome completo: Samuel Urys Rawet. Chegou ao Rio de Janeiro aos 7 anos de idade e foi morar com a família nos subúrbios (Ramos e depois Olaria), passando infância pobre. “Aprendeu português como poucos brasileiros”, escreveu Napoleão Valadares no seu Dicionário de Escritores de Brasília, já em 4ª edição. Formou-se em Engenharia. Integrou a equipe de Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Joaquim Cardozo (também poeta, e dos bons), Carlos Magalhães da Silveira (recentementre falecido em Brasília, aos 88 anos, ex-genro de Oscar Niemeyer). Trabalhando com o pernambucano Joaquim Cardozo, Samuel Rawet fez inúmeros cálculos para edifícios de Brasília. Assim, o engenheiro e já contista famoso ajudou a construir a nova capital do Brasil, saga comandada pelo Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira.
Foi contista, novelista, teatrólogo e ensaísta.
Em 1956, Rawet publicou seu livro de maior sucesso, Contos do imigrante. Livro doloroso, angustiante, como foi e como seria a vida do autor, que rompeu com o judaísmo e a família. Há um clima de Dostoiévski e um travo de angústia de Kafka em seus contos e novelas. Aqui em Brasília ele se tornou “O Solitário Caminhante do Planalto”, título de uma entrevista que fiz com ele para o “Suplemento Literário do Minas Gerais” (então dirigido pelo saudoso Wilson Castelo Branco) e que depois publiquei no meu livro Escritores brasileiros ao vivo, entrevistas, vol. 1, Ed.Comunicação/ INL, 1979. Essa entrevista de 1976 está mencionada na bibliografia sobre o escritor, no livro Contos e novelas reunidos, de Samuel Rawet, editado e prefaciado por André Seffrin, com “orelhas” de Flávio Moreira da Costa.
Tive a honra de escrever um longo prefácio para o volume Dez contos escolhidos de Samuel Rawet, da Editora Horizonte, de Brasília, por recomendação do crítico literário Almeida Fischer. Esse volume é de 1982. Em 1997, Ézio Flavio Bazzo publicou um livro sobre o autor polaco-brasileiro, Rapsódia a Samel Rawet.
Samuel Rawet foi um escritor criativo, inovador, sensível, culto, eu diria mesmo genial, como o atestam os que se debruçaram sobre sua sofrida obra de “judeu errante”, sempre exilado, irrequieto. Flávio Moreira da Costa o incluiu na antologia Os 100 melhores contos de crime e mistério da literatura universal e Ronaldo Cagiano deu-lhe destaque na sua Antologia do conto brasiliense.
***
Conheci-o em Brasília quando aqui cheguei, em março de 1975, vindo de Belo Horizonte. Em 1976, meu filho mais velho, Rodrigo, tinha quatro anos de idade e frequentava o jardim de infância na SQS 303. Eu o levava à escola quando minha mulher não podia fazer isso. Ali, nas imediações, algumas vezes me encontrei com o escritor, naquelas claras manhãs, pois ele, de bermuda, passeava pelas quadras próximas, morador que era de uma delas, acho que a 105 Sul. Batíamos um rápido papo. Estava sempre alegre, risonho. E passava a mão, num gesto paternal, na cabeça do menino Rodrigo.
Eu encontrava Rawet também nas reuniões da Associação Nacional de Escritores-ANE, então sediada na 415 Sul. Ele era associado. Cordiais conversas. Entrava na roda da cerveja. Em geral, Rawet não demonstrava amargura, tristeza aguda, isolamento. Ele tinha momentos de alegria, confraternização, convivência.Mas nós o sabíamos um prisioneiro da melancolia e mesmo da revolta. Ele devia sentir-se, talvez, um “poète maudit”, na sombria linha de Baudelaire, Mallarmé, Verlaine, Rimbaud. Gostava, sim, da solidão. No extinto caderno “Pensar”, do “Correio Braziliense”, de quase 20 anos atrás, li um ótimo ensaio que sobre o ficcionista escreveu Stefania Chiarelli, então doutoranda em Estudos de Literatura na PUC-Rio. Ela assim sintetizava a vida do famoso prosador: “errância, exílio, isolamento.”
Num almoço na casa da escritora Branca Bakaj e seu marido, o arquiteto Mário Bakaj, em 2004, o poeta Cassiano Nunes nos disse: “Samuel Rawet foi uma figura trágica, vangoghiana.” Os dois eram muito amigos. E já não pertencem a este mundo.
Ele buscou a solidão para morrer. Nos últimos anos de vida, apresentava sinais de distúrbios mentais, acentuados desequilíbrios de comportamento, mania de perseguição, procura de imaginários culpados para umas tantas mazelas. Entrou num mundo de paranóias. O “judeu errante”, o ser humano cheio de conflitos, o autor “maldito” e automarginalizado, rebelde, neurótico. Morreu em 25 de agosto de 1984. Foi encontrado depois de vários dias da ocorrência do óbito, em Sobradinho, DF.
De sua bibliografia, constam estes livros: Contos do imigrante, Diálogo, Abama, Os sete sonhos, O terreno de uma polegada quadrada, Consciência e valor, Viagens de Ahasverus à terra alheia, Devaneios de um solitário aprendiz de ironia, Alienação e realidade, Eu, tu e ele, Angústia e conhecimento e, ainda, Que os mortos enterrem seus mortos.
Prefiro me lembrar dele nas nossas animadas conversas regadas a cerveja, na então sede da ANE. Prefiro me lembrar dele de bermuda, alegre sob o sol brasiliano, nas manhãs daquele ano de 1976, afagando a cabeça do meu filho, hoje com 49 anos. Carinho que ele talvez não tivesse tido quando menino na sua Polônia natal. E no Rio. O que talvez tenha ajudado a marcar sua dolorosa angústia pela vida afora…
* Jornalista, escritor e membro da Academia Mineira de Letras, ocupante da Cadeira nº 1. Igualmente, pertence às seguintes instituições: Associação Nacional de Escritores, Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, Academia Marianense de Letras, Academia Divinopolitana de Letras, Academia Mineira de Letras, Academia de Letras do Brasil, Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal e Academia Brasiliense de Letras. Finalmente, mas não menos importante, é Cidadão Honorário de Belo Horizonte.
II. BIBLIOGRAFIA
ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS: Samuel Rawet no seu Labirinto por Danilo Gomes, 07/06/2021
JORNAL DAS LETRAS: Samuel Rawet no seu Labirinto por Danilo Gomes, edição nº 269 de julho de 2021.
6 comentários:
Prezad@,
SAMUEL RAWET, escritor judeu-polonês naturalizado brasileiro, que imigrou na infância para o subúrbio do Rio de Janeiro e mais tarde, como engenheiro, acompanhou Juscelino Kubitschek em Brasília, passou a ser muito estudado ultimamente, tornando-se fonte de diversos estudos acadêmicos no presente.
Foi contista, novelista, teatrólogo e ensaísta. Os temas mais recorrentes nas obras de estudiosos de Rawet são: a presença do judaísmo através do movimento hassídico, em suas diversas representações na obra do escritor, e a imigração, abordando a condição imigrante e errante dos seus personagens.
O autor da presente crônica e colaborador do Blog de São João del-Rei, DANILO GOMES, entrevistou-no como "O Solitário Caminhante do Planalto", característica do entrevistado e título de uma entrevista que fez com Rawet para o Suplemento Literário do Minas Gerais, publicada no seu livro Escritores Brasileiros ao Vivo: Entrevistas, vol. I, de 1979. Gomes é, portanto, com justa razão um escritor que reconheceu o valor de seu par e deu-lhe voz enquanto vivo.
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/03/samuel-rawet-no-seu-labirinto.html 👈
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Meu prezado amigo, FJSBRAGA, gostei muito dos seus comentários sobre o judeu errante Samuel Rawet. Sair de uma pequena aldeia na Polônia, chegar no Rio de Janeiro, conseguindo fugir do holocausto, e conseguiu sobreviver e se formar em engenharia e trabalhar nos melhores escritórios de engenharia e também de arquitetura do seu tempo. Andou ao lado de Juscelino e tantos outros pioneiros que ergueram Brasília, orgulho de nossa geração. Quando eu visitei aquela cidade pela 1ª vez em 1970, fiquei maravilhado. Mineiro que sou, frequentador das vetustas igrejas barrocas, chorei quando me ajoelhei diante do altar da Catedral de Brasília, a mais bela obra de Niemayer. Meus parabéns!
Abs do Lúcio Flávio.
Meu prezado amigo, FJSBRAGA, gostei muito dos seus comentários sobre o judeu errante Samuel Rawet. Sair de uma pequena aldeia na Polônia, chegar no Rio de Janeiro, conseguindo fugir do holocausto, e conseguiu sobreviver e se formar em engenharia e trabalhar nos melhores escritórios de engenharia e também de arquitetura do seu tempo. Andou ao lado de Juscelino e tantos outros pioneiros que ergueram Brasília, orgulho de nossa geração. Quando eu visitei aquela cidade pela 1a vez em 1970, fiquei maravilhado. Mineiro que sou, frequentador das vetustas igrejas barrocas, chorei quando me ajoelhei diante do altar da Catedral de Brasília, a mais bela obra de Niemayer. Meus parabéns!
Abs do Lúcio Flávio.
Bela lembrança. Samuel Rawet foi um fos grandes.
Um abraço.
Ivan.
Caro professor Braga
Bela homenagem ao escritor e engenheiro! Fica a curiosidade em saber dos porquês de sua condição de "judeu errante", ou seja, de seu rompimento com o judaísmo e a família, bem como a de escritor "maldito". À primeira vista, para quem não conhece o escritor, as circunstâncias seriam aquelas determinadas pelas perseguições nazistas.
Cumprimentos,
Cupertino
Grato pelo envio, amigo Braga. Meu abraço.
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