sábado, 27 de abril de 2024

A Linguagem dos Sinos de São João del-Rei


Por João Paulo Guimarães * e pesquisador Aluízio José Viegas
 
Transcrevemos matéria publicada no JE-Jornal dos Estudantes, edição nº 17 de 31/03/1987, p. 11.
Sino da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar - Crédito: foto do portal São João del-Rei Transparente - Link: https://saojoaodelreitransparente.com.br/works/view/249

 

Os Sinos que Falam 

São João del-Rei, século XVIII. Começava na cidade um hábito trazido de Portugal, já adquirido em diversas cidades do Brasil; um verdadeiro noticiário ativo durante 24 horas sem interrupção, uma comunicação feita através de sons, de variados toques, através de uma linguagem falada por sinos. 

Atualmente este hábito virou tradição e orgulho de São João del-Rei, única cidade no Brasil onde os sinos ainda são ouvidos de dia e de noite com tantas variedades de toques. Muitos desses toques vieram de Portugal trazidos pelos colonos; em 1740 foi trazido um toque do Vaticano criado pelo Papa Bento XIV e colocado em vigor pelo Bispo de Mariana em 1757, o toque que relembra a morte do Senhor, toque ainda executado nos dias de hoje e muitos outros toques foram criados pelos próprios sineiros. 

Uma tradição passada de pai para filho. Através das gerações os sineiros ainda pequenos iam para as torres observar, executar seus primeiros toques e aprender a amar os sinos para mais tarde, passar tudo isso fortificado pela experiência aos seus filhos, a outros pequeninos, aos "moleques da torre". 

Uma tradição que virou arte. A arte de fazer os sinos falarem, uma arte aprendida sem escola, sem papel. Uma arte que está para sempre gravada na alma de São João del-Rei.

 


 

Sinos. Cada um com um nome, uma história, um som. Vidas sustentadas por vidas que se doam. Sorrisos e lágrimas que surgem graças a braços que executam uma linguagem feita através de variadas modalidades de toques. 
Dentre estas modalidades destacam-se o dobre simples, que ocorre quando o sino cai pelo lado em que está encostado o badalo, ocasionando uma só pancada em cada movimento, o dobre duplo, quando o sino cai pelo lado contrário ao que está encostado o badalo provocando duas pancadas em cada movimento e os repiques, que são o movimento feito somente pelo bater dos badalos, com o sino parado.
 
Entendendo as modalidades dos toques, podemos entender a Linguagem dos sinos, abaixo registradas:
 
1) AVISO DE MISSAS 
a) 1/2 hora e 15 minutos antes da hora marcada para a celebração, é dado o sinal no sino pequeno, em pancadas seguidas. No final do toque de entrada, as pancadas espaçadas indicam quem será o celebrante: 
3 pancadas - o coadjutor 
4 pancadas - o vigário 
5 pancadas - o bispo 
7 pancadas - o arcebispo metropolitano 
b) Se for missa festiva, repique depois da entrada e, no final, a indicação do celebrante. Se houver sermão em missa cantada, há dobre do sino grande. 
c) Na hora da consagração, 1 pancada em cada sino; 
d) na hora da elevação, depois da consagração, repique ligeiro; 
e) no final da missa, repique; 
f) havendo Bênção do Santíssimo, em qualquer situação, haverá repique ligeiro e baixo durante a Bênção.
 
2) Em qualquer ato haverá o toque de "entrada" referido na letra "a" (18 ou mais pancadas). 
 
3) NOVENAS E MÊS DE MAIO 
a) repique às 12, 15 e 18 horas. Terminado o ato, repique e depois o toque de "Almas", no sino grande (9 pancadas separadas). 
 
4) CHAMADAS DE IRMÃOS 
a) para enterros ou procissões: 18 pancadas ou mais no sino grande; 
b) para eleições ou definitórios - 9 pancadas no sino grande 1 hora, 30 minutos e 15 minutos antes do horário estabelecido. 
 
5) FESTA EM HOMENAGEM AOS SANTOS 
a) na véspera de festa de um santo que vai ser homenageado: repique às 20 horas, no sino grande, com dobre na igreja onde vai ser realizada a festa. 
 
6) FINADOS 
a) Na véspera de "finados", às 12 e 20 horas, dobre de defuntos (1 pancada em todos os sinos); 
b) no dia de "finados", dobre duplo na hora da celebração da Missa; 
c) ao meio-dia, 15 e 18 horas, dobre em todas as igrejas; 
d) nas vésperas de aniversários dos mortos de cada Ordem ou Irmandade, haverá dobre de defuntos (duas pancadas) às 20 horas; e) na hora da Missa e do Libera me, dobre. 
 
7) ENTERRO DE IRMÃOS 
a) homens - 3 dobres e 1 pancada; 
b) mulheres - 2 dobres e 1 pancada; 
c) crianças (de menos de sete anos) - repique festivo na hora do enterro; 
d) Se o homem foi mesário, dobre na hora em que se tomou conhecimento do falecimento e na hora do enterro (3 dobres duplos); 
e) se a mulher foi mesário, idem, idem, dois dobres duplos; 
f) se o irmão prestou grandes serviços à Ordem ou Irmandade, dobre de 1 em 1 hora, a critério da Mesa; g) falecimento do Papa, dobre de hora em hora em todas as igrejas; 
h) idem do Bispo, dobres de 3 em 3 horas; 
i) idem do vigário, dobres de 4 em 4 horas; 
j) idem de Padre, 5 dobres comuns. 
NOTA: os dobres de Papa, Bispo, Vigário e Padre são feitos em sentido contrário, ou seja, começam pelo sino grande, seguem pelo médio e terminam no pequeno. 
 
8) AGONIA 
a) no sino da Ordem ou Irmandade onde o moribundo é irmão: 9 pancadas no sino médio, bem espaçadas de 15 em 15 minutos (Praticamente não se usa mais este toque hoje em dia). 
 
9) INCÊNDIO 
a) rebate - pancadas no sino grande, seguido do médio, ligeiras com pequenos intervalos. 
 
10) NATAL 
a) dia 24, às 22 horas, dobres. Às 23 e 23h 30 min, entrada. Finda a Missa, repique.
 
11) PASSAGEM DE ANO 
a) Havendo Missa, obedece-se às mesmas disposições do dia de Natal. 
 
12) QUARESMA 
a) na igreja onde houver "via-sacra", dobre às 15 e 18 horas, a pancada no sino médio; 
b) durante a "via-sacra", uma pancada no sino médio cada vez que mudar de estação; 
c) na décima estação, três dobres, indicando a morte de Cristo. 
 
13) FESTA DE PASSOS 
a) na sexta-feira das Dores, às 5h 15 min, matinas (9 pancadas nos sinos grandes dos Passos e do Carmo, seguidas de dobres); ao meio-dia, 15 e 18 horas na hora da procissão, dobre; no momento em que a imagem sai da igreja, o sino dobra mais rapidamente; 
b) no sábado de "Passos", repetem-se os dobres, porém os sinos de São Francisco substituem os do Carmo que ficam em silêncio; 
c) no domingo do "Encontro", repete-se tudo nas três igrejas (Pilar, Carmo e São Francisco); 
d) ao meio-dia, dobre nas três igrejas; 
e) às 16 h 30 min, toque de chamada de irmãos, para a procissão das 17 h; 
f) na saída da procissão, dobres nas igrejas do Carmo e São Francisco; 
g) quando a procissão de N. Sr. dos Passos atinge o "passo" da rua da Prata, os dobre param. Terminados o Responsório e o Moteto, reiniciam os dobres até que o cortejo atinga a Ponte do Rosário, descaindo; volta a dobrar, a passar pela igreja do Rosário, descaindo; volta a dobrar, a passar pela igreja do Rosário, até o Passo daquela praça; terminada a cerimônia, dobres até atingir a Catedral. Nesse ponto, entram os sinos dos Passos e Sacramento que tocam até a procissão passar ao lado da Catedral. Ao atingir a Praça Barão de Também, entra o sino das Mercês que toca até a chegada ao Passo daquela praça. Terminado o "Encontro"(sermão do Encontro), toca novamente até chegar ao Largo da Cruz, entra em funcionamento o sino do Carmo, até que a procissão atinja o "Passo" da Rua Direita. Terminado o ato ali, toca novamente até as proximidades do sobradão de D. Amélia Ferreira, quando descai para a entrada dos sinos dos Passos e Sacramento, até a entrada da procissão. 
 
14) SEMANA SANTA 
a) Na quinta-feira santa, depois do Glória da Missa da Instituição da Eucaristia até o Glória da Ressurreição, nenhum sino toca, seja qual for o motivo; 
b) na Ressurreição tocam os sinos de todas as igrejas (toques festivos). 
 
15) FESTA DA BOA MORTE 
a) no final da última novena (13 de agosto), toque de matinas do trânsito de Nossa Senhora (repiques: SENHORA É MORTA), esse repique é usado até no Glória de 15 de agosto (Assunção de Nossa Senhora) com repiques em todos os sinos da Catedral. 
 
16) TOQUE DO PARTO 
a) 9 pancadas no sino médio das Mercês de 1/2 em 1/2 hora até a delivrance (este toque não é mais usado atualmente). 
 
 17) ANGELUS 
a) 9 pancadas no sino do Sacramento às 18 h diariamente. 
 
18) ALMAS 
a) 9 pancadas no sino das Almas às 20 h diariamente. 
 
19) AVE-MARIA 
a) 9 pancadas no sino das Almas, às 21 h, espantadamente. NOTA: da Ressurreição até Corpus Christi, os toques de Angelus, Almas e Ave-Maria serão dados pelos sinos do Sacramento (pequeno e grande), com os dois badalos de uma vez, nos devidos horários. 
 
20) CHAMADA DE SINEIRO E SACRISTÃO 
a) 3 pancadas no sino pequeno, espaçadas, diversas vezes até ser atendido. 
 
21) RELEMBRANDO A MORTE DO SENHOR 
a) Um dos dobres que tem desafiado a ação do tempo, é o que nos faz lembrar a morte do Senhor: todas as sextas-feiras, às 3 horas da tarde, o sino dos Passos traz à lembrança a hora da morte de Jesus. 
 
* Editor do JE-Jornal dos Estudantes, que assim se manifestou a respeito da colaboração do pesquisador Aluízio José Viegas: "Agradecemos a participação de Aluízio Viegas, sem o qual seria impossível a realização desta matéria."
 
Página 11 do JE-Jornal dos Estudantes, edição nº 17 de 31/03/1987.

 
 
VIDEOGRAFIA 
 
 
TV DelRei: A Linguagem dos Sinos de São João del-Rei
 
________: Colocando o sino a pique em São João del-Rei

8 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
O Blog de São João del-Rei transcreve um artigo de JOÃO PAULO GUIMARÃES (editor) e ALUÍZIO JOSÉ VIEGAS (pesquisador) com o seguinte depoimento oral do editor:
"Em 31 de março de 1987, quando eu publicava o JE-Jornal dos Estudantes, tablóide que a gente lançava de 15 em 15 dias e fazia muito sucesso entre jovens e adultos, eu recebi uma contribuição muito valiosa do pesquisador Aluízio Viegas, que me deu uma planilha dos toques dos sinos de São João del-Rei. Comentei com ele que eu queria mesmo falar sobre isso, mostrar como são esses toques, e surpreendi-me quando fui contemplado com esse material. Então, fiz uma abertura para a matéria, denominada Os Sinos que Falam e, em seguida, usei a tal planilha para descrever o material que eu estava apresentando. Dali para a frente, acho que foi a primeira vez que alguém citou a expressão "sinos falam". Até então, era comum ouvir "linguagem dos sinos". De lá para cá, a expressão cunhada por mim começou a ser muito usada a ponto de São João del-Rei ficar conhecida como "a cidade onde os sinos falam"."
Resumindo: os toques dos sinos nas igrejas sanjoanenses fazem parte do nosso rico patrimônio imaterial e desempenham importante papel nas Piedosas e Solenes Tradições de Nossa Terra.

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/04/a-linguagem-dos-sinos-de-sao-joao-del.html 👈

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Wilma Pizza (são-joanense residente em Brasília, proprietária de Ideias e Fios) disse...

Ainda não acabei de ler, pois é muito grande, mas do que já li, vi minha total ignorância com relação aos sinos. Muito obrigada, estou amando a leitura, vou enviar para minha tia Celinha. Abs


Prof. José Lourenço Parreira (capitão do Exército da arma de Artilharia, professor de música, violinista, maestro, historiador e escritor, além de redator do "Evangelho Quotidiano") disse...

Caríssimo amigo, FRANCISCO BRAGA, com muita honra e alegria, leio mais um seu trabalho literário.
Indiscutivelmente, você é uma das glórias das letras de São João del-Rei.
Hoje, você me fez lembrar do querido e saudoso amigo, ALUÍZIO VIEGAS: um Gigante na cultura de nossa São João del-Rei, nas letras, na música!
Estava eu em sua residência, lugar onde se ouve, fortemente, o linguajar dos Sinos de São João del-Rei, quando ele me ofertou a referida obra, hoje, citada no seu riquíssimo BLOG. Até hoje, essa obra é insuperável!
Como eu recebera dois exemplares, ofertei um ao Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul.
Deus cubra de bênçãos o nobre amigo FRANCISCO BRAGA, o escritor JOÃO PAULO GUIMARÃES e tenha acolhido na Igreja Triunfante, o querido ALUÍZIO JOSÉ VIEGAS.

Mario Pellegrini Cupello, Arquiteto, Diplomado em Direito, Escritor, Presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto, Membro Correspondente do IHG de Minas Gerais, entre outras importantes instituições culturais de Minas. Membro Efetivo da Academia Valencia de Letras, onde participou da diretoria por mais de 12 anos sucessivos. disse...

Caro amigo Braga
Que excelente material você gentilmente nos envia: um presente!
Como você sabe, eu e Beth temos fortes ligações com São João del-Rei, não só pelas sólidas amizades que aí conquistamos – como a sua, por exemplo – e também pela excelente cultura municipal que aprendemos a apreciar e dela nos enriquecer, além de participarmos, honrosamente, como Membros Correspondentes de duas instituições culturais: o IHG e a Academia de Letras de São João.
Recebemos de amigos daí, um CD com a história da “Linguagem dos Sinos” (uma tradição que virou arte!) e por algumas vezes, em locais diferentes, tivemos a oportunidade de apresentá-lo aqui em Valença RJ, mostrando desde a fabricação dos sinos até o sentido de cada toque: uma preciosidade!
Agora, com o detalhamento que você nos envia, temos por escrito a valorização dessa histórica tradição, pelo que muito somos gratos.
Receba o meu abraço e o de Beth.
Mario Cupello

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

Talvez a mais expressiva tradição sineira do Brasil e de toda a América ! Saudações pela publicação desse importante roteiro.
Grato,

Cupertino

Fernando de Oliveira Teixeira (poeta e professor universitário, decano da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Os sinos falam e cantam, são mensageiros das saudades. Abraço para você e Rute.

João Paulo Guimarães (diretor de produção audiovisual e influenciador digital da TV DelRei, cobrindo muitos momentos históricos da cidade de São João del-Rei) disse...

Muito bom.
Obrigado pelo carinho, amigo.

Lúcio Flávio Baioneta (autor do livro "De banqueiro a carvoeiro", conferencista e proprietário da Análise Comercial Ltda em Belo Horizonte) disse...

Meu prezado amigo FJSBraga,
lembro me perfeitamente do dia que conheci a minha querida São João Del Rey. Era uma manhã quente e ensolarada de um Domingo, no final do mês de janeiro de 1953, eu e meus pais, queríamos assistir à missa, e na porta do Hotel Espanhol, de propriedade de um futuro professor meu, Thomaz Perilli, escutei o papai dizer para a mamãe, que deveríamos escolher a igreja pelo toque dos sinos, e assim fomos caminhando, atravessamos uma estreita ponte de ferro, sobre um córrego que depois me ensinaram que se chamava córrego do Lenheiro, e ouvindo o badalar dos sinos, chegamos a uma praça ornada de palmeiras imperiais, e ao fundo uma majestosa, belíssima igreja. Naquele momento, no átrio da Igreja de São Francisco de Assis, a minha vida mudou para sempre. Agradeço eternamente aos meus pais por terem me conduzido a esta terra abençoada e que guardo claramente, todas estas lembranças em meu coração, mesmo tendo transcorridos 71 anos.
Obrigado, muito obrigado pelo envio de seu e-mail.
Um abraço de seu amigo e parabéns pelo excelente artigo,
Lúcio Flávio Baioneta.