terça-feira, 2 de abril de 2024

CONDUÇÃO E MALHAÇÃO DO “JUDAS TRAIDOR”


Por Jiří Skácel *
 
O costume popular ocorre em algumas aldeias da Boêmia  mas ninguém sabe realmente o porquê.
O BEIJO DE JUDAS por Caravaggio (1602)

A velha tradição de "conduzir o Judas" tem lugar em apenas 28 aldeias da região de Pardubice no Norte da Boêmia (República Checa ou Chéquia). Esse ritual incomum acontece sempre na Páscoa, mais precisamente no Sábado da Aleluia. A tradição é conhecida como "Vodění Jidáše" e é traduzida livremente como "Judas marchando". A primeira menção a este desfile consta de uma crônica local de 1893, quando um professor local escreveu a canção que ainda hoje é cantada", explica um aldeão.

"Por trair o teu mestre, deves arder no inferno com o diabo", assim reza a canção que os jovens participantes entoam durante o percurso.

São precisas quase duas horas para enrolar um terno (ou fato, em Portugal) de palha à volta do adolescente Miloslav Hašek e transformá-lo num Judas de palha. O terno, que pesa mais de 15 quilos, demora vários dias a preparar.

"É uma sensação estranha. Consigo mexer a maior parte do meu corpo, mas de uma forma limitada", diz o jovem.

"Condução de Judas" nas aldeias da Boêmia



Participantes são jovens de menos de 15 anos

Os participantes conduzem o Judas de porta em porta na aldeia. São, tal como o Judas de palha, jovens rapazes com menos de 15 anos. O cortejo é conduzido através da aldeia, sempre acompanhado por cânticos, e liderado por um "cobrador" que pede ovos, doces ou dinheiro.

"É o seu castigo. Por ter traído Jesus, Judas é conduzido envergonhado pela aldeia e é queimado no final da peregrinação", explica David Bačina, membro do cortejo.

Após a queima simbólica de Judas 
ou seja, do terno de palha  os participantes partilham a recompensa.

Para finalizar, o correspondente da EURONEWS dá a sua opinião de que a queima está relacionada com a magia e uma compreensão religiosa da natureza. “É uma espécie de purificação pessoal primaveril”, acrescenta, dando a entender que é uma forma de expurgar o mal daquela estação do ano europeu.

Em 2015, a casa da moeda da República Checa emitiu uma moeda de ouro para comemorar esse costume popular, que foi nomeado para proteção da UNESCO como parte do patrimônio cultural daquela nação. 

* Correspondente da EURONEWS na Chéquia

Links: https://pt.euronews.com/2024/03/31/conduzir-o-judas-uma-velha-tradicao-que-se-mantem-na-chequia e https://www.euronews.com/2024/04/01/rare-marching-judas-procession-kicks-off-in-czechia  👈

 



II. Malhação de Judas? Veja origem e significado

Tradição secular chegou ao Brasil por influência de portugueses e espanhóis 

Por Eduarda Hillebrandt

A malhação de Judas é uma tradição popular ligada aos ritos da Páscoa cristã e amplamente difundida em diversos países, principalmente na América Latina e na Europa. No rito secular, comunidades se unem para confeccionar, pendurar em postes e queimar bonecos em alusão a figura bíblica de Judas Iscariotes. 

No Brasil, o rito acontece entre a madrugada da Sexta-Feira Santa e a manhã de Sábado de Aleluia. Já em Portugal, o boneco é malhado na passagem do Sábado de Aleluia para o Domingo de Páscoa. Embora a malhação seja um dos ritos da Paixão de Cristo reencenados por fiéis, não faz parte da liturgia católica. 

Segundo a Bíblia, Judas Iscariotes foi um dos doze apóstolos de Jesus Cristo. O discípulo teria traído Jesus ao entregá-lo para a crucificação em Jerusalém em troca de pagamento. O relato bíblico é de que Judas entrou em desespero: “E ele, atirando para o templo as moedas de prata, retirou-se e foi-se enforcar” (Mateus, 27:5). 

A tradição da malhação de Judas chegou ao Brasil por influência da Península Ibérica e foi incorporada ainda na época colonial. A tradição foi, inclusive, pintada por Jean-Baptiste Debret, em 1823, e retratada na peça O Judas em Sábado de Aleluia do escritor Martins Pena, em 1840. 

O pintor francês Jean Baptiste Debret retratou a tradição em 1823
 

Segundo o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, os bonecos eram feitos de palha ou panos e queimados entre sexta e o Sábado de Aleluia, em uma prática que foi alvo de repressão e acabou afastado para as periferias. 

Uma pesquisa da antropóloga Andreia Regina Moura Mendes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), identificou que a tradição tem diferentes significados na cultura brasileira, para além da referência ao discípulo traidor. 

Nesse sentido, Judas pode ser representação do mal ou de alguma figura odiada na comunidade, como em locais em que o boneco recebe um "testamento" — ou até placas em referência a políticos, por exemplo. 

No Brasil, especificamente, haveria influência de uma prática da Inquisição portuguesa na qual a figura de um condenado era pendurada e queimada antes da pena de morte. 

Antissemitismo 

Embora no Brasil não haja associação com antissemitismo, segundo o estudo da UFRN, há países em que o rito faz referência ao povo judaico. O jornal The Washington Post noticiou, em 2019, um ritual na Polônia em que a efígie de Judas tinha elementos característicos de judeus ortodoxos (por exemplo, usando um kipá)  ação fortemente repudiada pelo Congresso Judaico Mundial. 

Em cidades gregas, a queima de Judas atrai milhares de moradores e turistas. Em partes do país, segundo o jornal The Times of Israel, a tradição é referenciada como "Queima do Judeu" e carrega elementos ofensivos ao grupo étnico. Por isso, a prática é condenada pelo povo judaico: "Grupos judaicos afirmam que a prática encoraja a crença de que judeus mataram Jesus, uma das fontes do antissemitismo".

Link: https://www.nsctotal.com.br/noticias/malhacao-de-judas-origem-e-significado  👈

 

III. BIBLIOGRAFIA


DEUTSCHE WELLE: Congresso Judaico condena "malhação de Judas" na Polônia, edição de 22/04/2019
Link: https://www.dw.com/pt-br/congresso-judaico-condena-malha%C3%A7%C3%A3o-de-judas-na-pol%C3%B4nia/a-48434183  👈

MENDES, Andreia Regina Moura: A Malhação do Judas: Rito e Identidade, dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social), para obtenção do grau de Mestre; 126 p.

The Washington Post: Children beat effigy of Judas in Poland, amid persistence of 'medieval anti-Semitism', edição de 04/03/2019 


8 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
Basicamente o texto intitulado CONDUÇÃO E MALHAÇÃO DO “JUDAS TRAIDOR”, publicado no Blog de São João del-Rei, é composto de materiais folclóricos distintos: um, conhecido por Condução do Judas Traidor originário da Boêmia (região da República Checa ou Chéquia) e outro, uma tradição secular que chegou ao Brasil por influência de portugueses e espanhóis, conhecida por Malhação de Judas.
Este segundo texto levanta a hipótese do antissemitismo cristão poder estar contido no costume da malhação de Judas, que dificulta ainda mais uma reabilitação da figura de Judas, o que poderia contribuir para o diálogo entre católicos e judeus.

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/04/conducao-e-malhacao-do-judas-traidor.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Mario Pellegrini Cupello, Arquiteto, Diplomado em Direito, Escritor, Presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto, Membro Correspondente do IHG de Minas Gerais, entre outras importantes instituições culturais de Minas. Membro Efetivo da Academia Valencia de Letras, onde participou da diretoria por mais de 12 anos sucessivos. Disse: disse...

Caro amigo Braga
Muito interessante esta tradição! Agradecemos pelo envio.
Abraços, meus de de Beth.
Mario P. Cupello

Dr. Leonardo Almeida (advogado e membro da AFL-Academia Formiguense de Letras) disse...

Prezado Confrade Francisco!

Tudo bem?

Obrigado pelo envio habitual de informações interessantes e culturais que muito me engrandecem.

José Geraldo Heleno (escritor, autor de "Hércules no Eta: uma tragédia estóica", e membro da Academia Barbacenense de Letras) disse...

Muito obrigado.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga!

Interessantíssimo tema! Os autores nos mostram as possíveis origens ligadas a cultos e rituais antiquíssimos no Ocidente, bem como as bárbaras e sádicas formas de justiça popular. Inevitavelmente, as eternas polêmicas entre cristianismo e judaísmo ganham nele alguma relevância, ainda mais agora, e mesmo entre nós, com o aparente progressivo e lamentável processo de fundamentalismo e intolerância.
Saudações!

Cupertino

Fernando de Oliveira Teixeira (poeta e professor universitário, decano da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Uma tradição que se esvai. Abraço.

Paulo Roberto Sousa Lima (escritor, gestor cultural e membro e secretário do IHG de São João del-Rei ) disse...

Obrigado pelo envio. No grupo do IHG-SJDR - Oficial conversávamos sobre este momento bem popular da Semana Santa e eu falava que em Montes Claros, norte de Minas, na minha infância, o "Judas" vinha recheado de palha e guloseimas, como balas e doces, e fogos de artifício, como bombinhas e traques, que eram distribuídas às crianças na malhação e que animavam os grupos brincantes nos momentos que antecedia a queimação: era uma imensa farra pública que envolvia de crianças a idosos. Saudades!
Paulo Sousa Lima