sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

EROS e PSIQUÊ - Conferência 1 por Junito Brandão


Por JUNITO DE SOUZA BRANDÃO *
 
Esta é a primeira ** de 16 Conferências realizadas por Junito de Souza Brandão entre 1985 e 1988 em São Paulo e Rio de Janeiro, publicadas em "Mito e Tragédia Grega", São Paulo: Rima Editorial, 1989, 147 p.
Psiquê revivida pelo beijo de Eros, por Antonio Canova (1793) - Estátua em mármore (1,55 x 1,68 m) - Localização: Museu do Louvre, Paris / Crédito: Raphaël Chipault


Psyché ranimée par le baiser de l'Amour / Crédito: Raphaël Chipault

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Mito e Tragédia Grega, São Paulo: Rima Editorial, 1989, 147 p.
 
Em o Banquete, Platão (✰ 430 - ✞ 348 a.C.) conceitua o deus Eros através da dicotomia entre Afrodite Urânia que representa o amor maior, o amor celeste, "aquela que conduz ao amor" e que se desvincula da beleza física, e a Afrodite Pandêmia que significa a "popular", a "de todos" e representa o amor "vulgar", o amor "carnal". Platão denomina a Afrodite Pandêmia a "prostituta sagrada" ¹. Esta deusa nos revela a beleza física, em contraponto com a beleza em si que, para Platão, representa o mundo das ideias. 
O filósofo afirma que há também um Eros maior e um menor. Em o Banquete, Platão diz que Eros não é sequer um deus, mas sim um demônio. No sentido grego, a palavra demônio (daimon) significa "intermediário". Eros, para Platão, era um mero intermediário entre os deuses e os homens. 
Eros é filho de Poros, em grego, "saída", "aquele que tem expediente" e de Penia, a "pobreza" ². Pela sua própria natureza Eros é carente. Na realidade, diz Platão, ele não é um deus, pois "desconheço um que seja carente". No mito de Eros e Psiquê, apesar de carente, Eros é um deus. 
Veremos que tanto Eros quanto Psiquê terão que traçar seus uróboros ³. Ambos descem e só depois dessa descida é que vão se unir no hierós gámos, o casamento sagrado. Até então, sem esse uróboro, essa união seria totalmente impossível. 
 
Uróboro: conceito simbolizado por uma serpente ou por um dragão que morde a própria cauda, indicando a autofecundação e o eterno retorno. / Crédito: Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ouroboros  👈

 
O mito em questão é grego, mas foi relatado pelo escritor latino Lúcio Apuleio  um africano (nascido em Madauro) que fala fluentemente grego , em sua obra que nos chegou inteira, intitulada Metamorfoses. São onze tomos que alguns chamam indevidamente de Asno de Ouro. Nessas obras constam historietas e entre elas há o relato do mito de Eros e Psiquê. 
Lúcio Apuleio, séc. II d.C. narra, como num conto de fadas , que havia um rei e uma rainha. E onde estava esse casal? Não sabemos. E como se chamava? Ignoramos. Sabemos que o casal possuía três filhas. Duas delas, diz o autor, podiam ser perfeitamente louvadas, pela voz humana, apesar de belíssimas. Mas da terceira, que se chama Alma ou Psiquê ninguém poderia jamais descrever tamanha beleza. 
As duas primeiras filhas se casaram, ou melhor, "foram casadas" pelo pai, mas a terceira não, pois todos que se aproximavam em lugar de pedi-la em casamento adoravam-na como se ela fosse a própria Afrodite. 
Deus grego não admite competição; recordemo-nos de Aracne, por exemplo, que competiu em beleza com Atená e foi transformada em aranha . No caso de Psiquê, a competição é da parte da inveja de Afrodite, pois Psiquê estava, sem o desejar, sendo confundida com a deusa do amor. Resultado: em lugar de se adorar Afrodite, em lugar de se lhe frequentarem os templos, todos passaram a frequentar Psiquê. 
Afrodite, diante deste cortejo, chamou seu filho Eros e, diz o texto, ela própria, "após beijá-lo com os lábios entrebertos" (simbolicamente a mãe castradora), deu-lhe uma missão: conseguir para Psiquê um noivo que fosse monstruoso. E aqui temos o início da trama. Após dar a missão, Afrodite, "a grande mãe", voltou tranquila para o "bojo macio do mar" (o inconsciente). 
Eros, por sua vez, possuía duas setas que nunca falhavam: uma, que atirada não havia recurso, era-se obrigado a ceder, e outra, a seta do afastamento, ou traduzindo do grego, a "flecha da repulsa". Como a que ele usou com Dafne em relação a Apolo 
Dada a missão, Eros passa a executá-la. 
O pai de Psiquê, preocupado com a filha solteira, resolveu consultar o principal Oráculo de Apolo que ficava em Mileto. Apolo é um deus tipicamente oriental que ocupou a Hélade durante um grande movimento cultural do Oriente para a Grécia. Na Ilíada, ele é um deus provinciano, um deus de santuário, que lança a peste contra os aqueus. 
A resposta do Oráculo à consulta do pai de Psiquê foi clara: sua filha deveria ser coberta por uma indumentária funérea, "como se tivesse morrido", desfilar à luz das tochas e ser levada ao alto de um penhasco onde se casaria com um monstro. Na Grécia e em Roma, os casamentos e os funerais se faziam à noite e não durante o dia, pois são um rito de morte e separação. Os casamentos tinham de se realizar à luz das tochas. 
Fez-se, então, o desfile funéreo  o desfile de casamento  e Psiquê foi colocada no alto de um rochedo onde deveria desposar um monstro. Este monstro era Eros, que estava profundamente apaixonado por ela. Ele pede a seu grande aliado, o vento Zéfiro, que transportasse Psiquê para um vale abaixo daquele penhasco. Eros é descrito aqui como um menino levado, de maus costumes e corruptor da juventude. 
Vamos ter agora um dado muito significativo: no mito, Psiquê vai ter dois sonos profundos. O primeiro acontece no momento em que ela é levada pelo vento Zéfiro para um vale descrito como "verde e macio". Ao acordar, Psiquê percebe que estava em um palácio de ouro e marfim  mágico e encantado , onde é servida por vozes. Só à noite aparece um ser humano que é Eros e a torna sua mulher. No dia seguinte, antes do sol nascer, ele parte e Psiquê não mais viu o amante. Ela tornara-se sua esposa e Eros irá retornar todas as noites. 
Existe na Grécia uma divindade que se chama Fama e que não admite segredo. A palavra que vem do grego phéme, significa "eu digo", ou seja, "aquela que diz". Fama vai espalhar a notícia para as irmãs de Psiquê de que ela fora levada para o alto de um rochedo e que, certamente, teria desposado um monstro. As irmãs vão até a casa dos pais, ansiosas para saber notícias de Psiquê e depois se dirigem ao penhasco. A esta altura, Eros já havia pedido à esposa para que jamais tentasse vê-lo e também a preveniu que tentações se aproximariam. As duas irmãs de Psiquê no mito simbolizam o seu inconsciente. 
Psiquê consegue, com muito carinho, que Eros permitisse a descida das irmãs até o palácio. As duas, a princípio, ficaram deslumbradas, mas logo começaram a sentir inveja. Uma delas era casada com um homem mais baixo do que um anão, barrigudo e careca como uma abóbora, e a outra, com um estafermo a quem servia de enfermeira. 
As duas, morrendo de ciúmes, diante da felicidade da irmã, perguntam a ela quem é o seu marido. Psiquê mente, dizendo que estava casada com um jovem que naquele momento estava viajando. As irmãs voltam aos seus lares, invejosas e começam a arquitetar um plano para destronar a felicidade de Psiquê. Eros, por sua vez, previne novamente a esposa de que as tentações voltariam. 
Psiquê espera uma filha de Eros e esta menina vai ser muito importante no fecho do mito, pois, para Apuleio, o amor está na mulher. 
Depois de arquitetarem o plano, as irmãs se lançam no abismo e o vento Zéfiro transporta-as à casa de Psiquê, recomeçando o novo drama da inveja e do ódio. 
Coagida a revelar a identidade do marido, Psiquê se contradiz. Afirma que o marido era um próspero comerciante  antes ela dissera que era um jovem. Diante disso, as irmãs deduzem que Psiquê mentiu ou que talvez nunca tivesse visto o marido, ou ainda que ela estaria casada com um deus. 
Geralmente, um deus aparece aos humanos sob forma diferente, como aconteceu com Zeus e Sêmele, por exemplo. No dia em que ela pediu a Zeus que aparecesse como realmente era, o palácio pegou fogo e Sêmele morreu carbonizada . Um deus não pode aparecer a nós sob forma epifânica, ou seja, tal como ele é. Deus só pode aparecer sob forma hierofânica, vale dizer, "disfarçado em". 
As irmãs de Psiquê tornam a visitá-la e, desta vez, com um plano já preparado. (Elas a visitam por três vezes). Convencem Psiquê de que seu marido é um monstro, pois o Oráculo predissera que ela seria levada para o alto de um monte e que se casaria com um monstro. Psiquê, que agora está esperando um filho, supõe então que o monstro estaria prestes a ambos devorar. E então suas irmãs dizem a ela como agir. Quando Eros adormecesse ao seu lado, Psiquê deveria iluminar-lhe o rosto e cortar-lhe a cabeça temos aqui o signo da "luz". 
Então, quando Eros adormece, Psiquê, muito confusa, ilumina o rosto do deus e vê tamanha beleza que jamais poderia ter imaginado. Por infelicidade ela o abraça e beija e, ao inclinar-se, sem perceber, deixa cair azeite quente do candeeiro no ombro do marido. (Os deuses também são feridos, vemos isto na Ilíada. Mas os deuses não têm sangue nem alma e sim algo chamado cerum). 
Eros, que possui asas, ao ser ferido, levanta voo na mesma hora. O que significa ter asas? No mito, significa a transposição de um nível  pois temos os três níveis: ctônio, telúrico e olímpico. 
Psiquê consegue apenas segurar-lhe as pernas, mas logo cai de cansaço. Eros se manifesta sob forma hierofânica, transformado. Assim, pousa num cipreste, que na doutrina órfica simboliza a morte. 
Agora, Psiquê será castigada pela ausência do marido. 
No mito grego, existe uma palavra que o autor latino traduziu mal. É a palavra pothos que significa deus, mas, como substantivo comum, significa também o "desejo ardente da presença da ausência". É algo que se quer possuir porque não se aguenta viver sem. Então, esse desejo da presença da ausência é o maior castigo que Eros poderia infligir a Psiqué. Neste momento, Psiquê se joga no rio, mas o rio, a purificação, a recolhe às margens. Ela mantém, então, o primeiro encontro com um velho sábio, o deus Pan, que lhe dá o seguinte conselho: que ela evoque Eros, que procure o seu amor. Psiquê inicia, assim, o seu longo percurso que chamamos "rito iniciático". Se há uma incompletude, tem de de haver uma completude e ela está exatamente no fecho do rito iniciático, por isso todo rito implica uma morte simbólica. 
Psiquê inicia, então, seu itinerário de dor e ninguém quer ajudá-la, pois todos temem Afrodite. Psiquê então decide se entregar à deusa na esperança de encontrar Eros. 
E Eros, onde estará? Eros está ferido e trancado no quarto de sua mãe. 
No palácio de Afrodite, Psiquê é açoitada de todas as maneiras pelas escravas e pela própria deusa, que lhe rasga as roupas e lhe confia as célebres quatro tarefas. Notem o quaternário. Ela vai ter que realizar quatro tarefas, temos aqui o número quatro. As tarefas são progressivas até que se dê a katábasis, a descida, para se formar o uróboro, o quarteto. 
A primeira tarefa consiste em Psiquê separar durante uma noite, por espécie, a mistura de todos os grãos de sementes do mundo. Claro que seria impossível para Psiquê realizar sozinha esta tarefa, mas aí vem o auxílio  notem que os auxílios são femininos. Vamos ter o resgate da anima e do animus porque tem de haver a sizígia. Uma formiga (o feminino de novo) ajuda a penalizada Psiquê ao convocar um batalhão de sua espécie. Num instante, todas as sementes estavam separadas por espécie. Afrodite atribui essa proeza a Eros, apesar de saber que ele estava trancado em seu quarto. Ela usa o não-argumento, o argumento contrário, e passa para a segunda tarefa, mais difícil. 
A segunda tarefa consiste em Psiquê se dirigir a um prado, onde há ovelhas e carneiros bravios, e trazer a lã de ouro, na alquimia, símbolo da integração e da individuação. Mais uma vez, Psiquê tenta se lançar no rio e morrer, pois a tarefa é totalmente impossível e, mais uma vez, encontra o feminino. A palavra caniço, em grego, é feminina, que é chamado no mito de "o cabelo da terra". Psiquê encontra um Caniço muito frágil e bom conselheiro que lhe diz para não enfrentar os carneiros enquanto o sol estiver quente, pois este é o momento em que eles são bravios. 
O Caniço a aconselhou a ter calma, e mais, que depois que o sol se pusesse e quando tudo estivesse calmo, ela veria que os carneiros iriam deixar o próprio pelo, o velo de ouro, nos arbustos por onde passassem. Psiquê precisaria apenas levá-los a Afrodite. E assim aconteceu. 
A deusa atribuiu novamente a tarefa a Eros e passou-lhe a terceira tarefa, muito mais difícil ainda. Ela deveria escalar um rochedo em que havia uma fonte urobórica  e colher desta água que alimenta os rios da morte. Esta fonte está guardada por dragões e Psiquê não tenta escalar o rochedo, pois considera esta tarefa impossível de ser realizada. Mas, novamente, vem o auxílio. Zeus deve favores sérios a Eros e ele sabe de seu sofrimento e da saudade de Psiquê. Zeus envia sua águia que toma o vaso das mãos de Psiquê e voando muito rápido, por entre os dentes dos dragões ferozes, colhe a água da morte, a água urobórica. Psiquê entrega a água a Afrodite que desta vez não atribui a façanha a Eros, mas sim à magia e feitiçaria. 
A quarta e última tarefa faz Psiquê desanimar mais uma vez. Ela deveria fazer aquilo que os gregos chamam de kathodós, ou katábasis que significa "caminho por baixo". Ela deveria descer para a outra vida e de lá trazer a caixinha que continha a beleza imortal  com a qual Afrodite se recomporia, já que ela se desgastara cuidando do filho doente. 
Psiqué tenta novamente o suicídio, subindo a uma torre que lhe dá sérios conselhos. Ela deveria descer numa viagem através do cabo Tênaro  levar em cada mão um bolo de mel e cevada para apaziguar o cão Cérbero e, na boca, duas moedas para pagar a passagem a Caronte. Por que dois bolos e duas moedas? Simbolizam a ida e o retorno. 
Quero chamar atenção para este simbolismo das moedas em boca de morto. No que se refere a funerais, os gregos importaram quase tudo do Egito, inclusive a pesagem das almas. As moedas não significam apenas o pagamento pela passagem a Caronte, essas moedas simbolizam a salvação, ou seja, saio daqui para lá, é a minha sizígia, meu encontro. Na Grécia, os mortos eram cremados, e essas moedas existem às centenas nos museus de Atenas e todas têm mais ou menos a mesma forma. Primeiro, não há moeda anterior ao século V e isto significa que até o século V não existia o célebre barqueiro infernal, Caronte. Este barqueiro talvez seja uma influência da religião egípcia sobre a grega. 
Psiquê leva então as duas moedas e os dois bolos e a Torre vai lhe instruir sobre o que irá acontecer no caminho. Ela deverá vencer várias ciladas que Afrodite lhe preparou. Irá encontrar um velho chamado Ocno (Oknos) que puxa um burro carregado de pedaços de madeira que vão caindo à medida que vai andando. O velho vai pedir a ela que o ajude a recuperar as madeiras para recolocá-las sobre o burrico, mas Psiquê deverá negar-lhe o pedido. Na travessia do rio um morto levantará a mão pedindo que ela o socorra e que o leve para dentro da barca de Caronte, mas a Torre a instrui para que não tenha piedade. Ao chegar junto a Perséfone vem a tentação maior, pois a deusa vai convidadá-la para sentar-se e, quem no Hades senta, lá há de ficar para sempre, e mais, na outra vida só se pode comer pão duro e sentar somente no chão, em contato com a terra. O sentar-se e o alimentar-se cria intimidade e a intimidade aqui é com a morte. 
Psiquê pega a caixinha pensando, como disse Afrodite, que ela continha a beleza imortal. Psiquê, não resistindo, abre a mesma caixinha que continha não a beleza e sim o sono letárgico da morte e cai prostrada por terra. Nesse momento, Eros que já estava curado, vem em socorro da esposa e a desperta com a seta do amor, a mesma seta com a qual ela se feriu ao iluminar-lhe o rosto e queimá-lo com o azeite quente. Com um pequeno toque, ele a desperta e aprisiona na caixinha o sono letárgico, mandando-a para que cumpra a tarefa e entregue a caixinha à deusa Afrodite. Eros se dirige a Zeus que ainda lhe deve favores e, segundo Apuleio, num relato muito bonito, Zeus faz um lindo discurso. 
Vamos nos lembrar de que Eros era chamado de "o menino de maus costumes", "corruptor da juventude" e, segundo Zeus, só havia um jeito de acabar com essa corrupção e costumes: casá-lo. Zeus então convence Afrodite de que aquilo não seria humilhante para ela e acontece o que denominamos "casamento morganático" que é quando um príncipe se casa com uma plebeia. Se ele constatasse que na primeira noite de núpcias ela, realmente, era virgem, somente no outro dia de manhã dava o seu presente nupcial. Morgen, "manhã", Gabe, "presente" e o casamento se fixava através desse presente. Quer dizer, o casamento em si era no dia seguinte de manhã, após a primeira noite de núpcias, desde que a mulher fosse virgem. Por isso se chamava Morgengabe a lei da Idade Média bárbara. 
Então, Zeus diz a Afrodite que aceite esse casamento e recebe Psiquê no Olimpo lhe oferecendo uma taça da chamada bebida da imortalidade, a ambrosia. Em grego, tanto ambrosia como néctar significam "imortalidade". Psiquê é levada ao Olimpo por Hermes, o deus psicopompo. Ao recebê-la, Zeus diz:
Bebe, Psiquê, e sê imortal; Eros jamais a abandonará, pois vosso casamento morganático será perpétuo.
Observem que quem vai nos abrir a porta do paraíso é uma mulher que está grávida e que vai ter uma filha que se chamará Volúpia, que significa "desejo", "bem-aventurança", ou seja, desejo de felicidade e amor, sempre representado, no mito grego, pela mulher.
 
* JUNITO DE SOUZA BRANDÃO (1924-1995) foi um grande classicista brasileiro, especialista em mitologia greco-latina, tendo sido bacharel em Letras Clássicas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Estado da Guanabara em 1948 e concluído o curso de Arqueologia, Epigrafia e História da Grécia na Universidade de Atenas; mais tarde também fez o curso de Direito; exerceu o magistério por 45 anos em instituições como PUC-Rio, Un. Gama Filho, Un. Santa Úrsula e UERJ. Foi membro da ABRAFIL-Academia Brasileira de Filologia (Cadeira nº 35, por patrono João Ribeiro) e de diversas outras instituições culturais.
 
O Prof. Junito de Souza Brandão na Grécia. Acervo do pesquisador Eduardo Gonçalves do Núcleo de Memória da PUC-Rio. Link: http://nucleodememoria.vrac.puc-rio.br/perfil/saudade/junito-souza-brandao-1924-1995 👈
 
NOTAS EXPLICATIVAS
 
** NOTA DO GERENTE DO BLOG: Para maiores informações sobre o tema desta 1ª Conferência de Junito de Souza Brandão, recomendo consultar  adicionalmente "Mitologia Grega", vol. II, Petrópolis: Editora Vozes, pp. 209 ad finem. Para maior ilustração do mitologema, [BRANDÃO, 1987, 250-251] insere no vol. II da sua "Mitologia Grega" o poema "Eros e Psique" de Fernando Pessoa no vol. II da sua "Mitologia Grega", de forma que nós sugerimos que se faça essa leitura.
Link: https://www.academia.edu/40466826/Mitologia_Grega_Vol_2_Junito_de_Souza_Brand%C3%A3o  👈
 
¹ O discurso de Pausânias (um dos personagens no Banquete de Platão): "Poder-se-ia duvidar que existam duas deusas? Há uma, Afrodite, a mais velha, que não tem mãe e é filha de Urano e a ela damos o nome de Urânia; e há outra, a mais moça, que é filha de Zeus e Dione, e a ela chamamos Pandêmia, a Popular... A Afrodite popular faz jus a seu nome; é verdadeiramente vulgar e se realiza como que por acaso; é o amor com que os homens inferiores amam."
 
²  O mito do nascimento de Sócrates: Mas de quem nasceu ele? Quem é o pai, quem é a mãe? Através do discurso de Sócrates no Banquete, ele relata que em sua juventude foi instruído na "filosofia do amor" por Diotima, profetiza ou sacerdotiza: "Para isso precisaria contar-te uma longa história. Vou contar-te essa história. Ouve: Por ocasião do nascimento de Afrodite, os deuses deram um grande banquete comemorativo, a que compareceram também Poros,o Esperto, o filho de Métis, a Prudência. Enquanto se banqueteavam, aproximou-se Penia, a Pobreza para mendigar as sobras da festa, e sentou-se à porta. Embriagado pelo néctar, pois o vinho ainda não existia, Poros se encaminhou para os jardins de Zeus, e lá adormeceu, dominado pela embriaguez. Foi então que Penia, em sua miséria, desejou ter um filho de Poros. Deitou-se ao seu lado e concebeu a Eros. Por esse motivo é que Eros se tornou mais tarde companheiro e servidor de Afrodite, pois foi concebido no dia em que esta nasceu. Além disto, Eros, devido à sua natureza, ama o que é belo e, como sabemos, Afrodite é bela. E por ser filho de Poros e Penia, Eros tem o seguinte fado: é pobre, de muito longe está de ser delicado e belo, como todos vulgarmente pensam. Eros, na realidade, é rude, é sujo, anda descalço, não tem lar, dorme no chão duro, junto aos umbrais das portas, ou nas ruas, sem leito nem conforto. Segue nisso a natureza de sua mãe que vive na miséria. Por influência da natureza que recebeu do pai, Eros dirige a atenção para tudo o que é belo e gracioso; é bravo, audaz, constante e grande caçador; está sempre a deliberar e a urdir maquinações, a desejar e a adquirir conhecimentos, filosofa durante toda a sua vida; e vive, ora morre e renasce, se tem sorte, graças aos dons recebidos pela herança paterna. Rapidamente passam por suas mãos os proveitos que lhe traz a sua esperteza. Assim, nunca se encontra em completo estado de miséria, nem, tampouco, na opulência. Oscila, igualmente entre a sabedoria e a tolice; devido ao seguinte motivo: nenhum dos deuses, como é claro, exerce a filosofia, ou deseja ser sábio, pois que como deus já o é; quem é sábio não filosofa; não filosofa nem deseja ser sábio, também, quem é tolo, e aí reside o maior defeito da tolice: em considerar-se como alguma coisa de perfeito, conquanto, na realidade, não seja nem justa, nem inteligente. E quem não se considera incompleto e insuficiente, não deseja aquilo cuja falta não pode notar." (PLATÃO: Banquete, Coleção Universidade, p. 109) 
 
³  Uróboro  Expressão de Bachelard: "Uróboro é a dialética material da vida e da morte, a morte que brota da vida e a vida que brota da morte". Cf. [BRANDÃO, 1987, 201] 
 
  FRANZ, Marie Louise von Franz: Interpretação dos Contos de Fadas, Rio de Janeiro: ed. Achiamé, 1981. 
 
  "Aracne, filha de Idmão, da cidade de Cólofon, sabia bordar com tal perfeição que superou a própria Atená, igualmente habilíssima neste mister. A deusa, envergonhada de ser derrotada por uma mortal, quebrou-lhe os utensílios de bordar. Aracne enforcou-se de pesar e Atená transformou-a em aranha." Cf. SPALDING, Tassilo Orpheu: Dicionário de Mitologia Greco-Latina, Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1965, p. 25. 
 
  "Dafne, famosa Oréade, filha da Terra e de Peneu, deus-rio da Tessália. Apolo, que então se achava exilado, em Feres, guardando, após a morte dos Cíclopes, os rebanhos do bom rei Admeto, viu-a, achou-a bela e logo a desejou. A virgem Dafne, porém não correspondeu aos arroubos ardorosos do deus. Amava Leucipo, simples mortal. Apolo, por amor ou por força, queria possuí-la. Esperou, pois, até o dia em que viu a Oréade passeando sozinha, às margens do rio paterno. Bruscamente, lançou-se em sua perseguição. Dafne, pálida de temor, foge como bem pode. Já o deus ia estreitá-la em seus braços, Dafne suplica aos deuses imortais que se apiedem dela. Foi ouvida: a Terra abriu seu seio e recebeu-a." Cf. [SPALDING, ibidem, 68]
 
  "Sêmele, filha de Cadmo e de Harmonia. Mulher de radiosa beleza, tornou-se amante de Zeus. Quando estava grávida, Hera resolveu puni-la. Introduziu-se no palácio de Sêmele sob a forma e o aspecto de Béroe, sua ama, e aconselhou-a vivamente de exigir de seu divino amante uma prova de seu amor, isto é, que se apresentasse diante dela em toda a sua grandiosidade e magnificência de sua glória divina. Sêmele, ingenuamente, seguiu tão pérfido conselho; fez Zeus jurar pelo Estige que atenderia ao que lhe ia pedir. O deus, ligado pelo juramento, ainda que cheio de dor e mágoa, concedeu-lhe o que pedia e apareceu-lhe como deus do raio, no brilho fulgurante de toda a sua glória. Sêmele foi logo consumida pelo fogo; mas o menino que trazia em seu seio foi salvo por Hermes. Como ainda faltassem alguns meses para que o menino nascesse, Zeus colocou-o na sua coxa, e ali esperou o término da gravidez. Assim nasceu Dioniso (Baco), filho de Sêmele e de Zeus." Cf. [SPALDING, ibidem, 232]
 
  Essa fonte, no alto do penhasco, alimentava os dois rios de baixo, dois rios infernais. Sabemos que os gregos acreditavam que haviam quatro rios de ida para o mundo de baixo, e um de volta: o Estige, Cocito, Piriflegetonte, Aqueronte; e Lete  que, ao atravessá-lo, perdia-se a memória do que lá se passou (a nossa vida, para os gregos, reside na memória). Então, essa fonte é urobórica porque ela alimenta esses rios e retorna.

11 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
Ao publicar o volume II da Mitologia Grega pela Editora Vozes, JUNITO BRANDÃO encerrou sua Breve Introdução em 27/11/1986, agradecendo "aos seus incansáveis incentivadores, particularmente Psiquiatras, Analistas, Psicólogos e estudiosos do mito, de São Paulo e do Rio de Janeiro". Noutra parte de sua Breve Introdução, Brandão explica que "do mito se ocuparam e se ocupam  psicólogos, teólogos, filósofos, antropólogos, folcloristas e historiadores das religiões."
Foi a esses mesmos personagens que Junito Brandão proferiu 16 palestras sob o título geral de Mito e Tragédia Grega entre 1985 e 1988 em São Paulo e Rio de Janeiro.
O Blog de São João del-Rei tem o prazer de enviar-lhe o texto da Conferência nº 1 intitulada EROS e PSIQUÊ.

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/01/eros-e-psique-conferencia-1-por-junito.html  👈

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Ana Maria de Oliveira Cintra (vice-presidente da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Sensacional, caro amigo e confrade,
Este texto é uma leitura obrigatória no curso de psicologia. Para quem vai se especializar em clínica terapêutica a leitura e estudo aprofundado é indispensável. Grata por compartilhar.
Forte e fraterno abraço.
Ana Cintra

Heitor Garcia de Carvalho (pós-doutorado em Políticas de Ensino Superior na Faculdade de Psciologia e Ciências da Informação na Universidade do Porto, Portugal (2008) disse...

Obrigado!

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

O Mito com as observações sobre suas simbologias. Excelente palestra do professor Junito !
Cumprimentos,
Cupertino

Salomea Gandelman (Especialista em Piano - UFRJ (1951), Bacharel em Piano e Licenciatura em Música - UFRJ (1949). Fundadora dos Seminários de Música PRO-ARTE, Diretora do Instituto Villa-Lobos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO, Decana do Centro de Letras e Artes e uma das fundadoras do Programa de Pós-Graduação em Música da UNIRIO (PPGM-UNIRIO). Foi também vice-presidente da ANPPOM) disse...

Muito obrigada pelo envio da Conferência nº 1 EROS e PSIQUÊ. Um abraço, Salomea

Agostinho Carneiro (lexicógrafo que está trabalhando na feitura de um novo dicionário da língua portuguesa) disse...

Junito foi meu professor e amigo na PUC-Rio. Foi um prazer lembrar dele! Abs!

Elizabeth dos Santos Braga disse...

Querido Franz,
excelente leitura para esta manhã de domingo! Adoro mitologia grega e esse mito de Eros e Psique é especial! Não sabia de muitos detalhes apresentados nas ótimas conferência e notas. Sempre bom ler sobre mitos para o autoconhecimento!
Abraços saudosos,
Petete

Raquel Naveira (membro da Academia Matogrossense de Letras e, como poetisa publicou, entre outras obras, Jardim Fechado, antologia poética em comemoração aos seus 30 anos dedicados à poesia) disse...

Caro Francisco Braga,
Sou apaixonada pelo mito Eros e Psiquê, afinal, o amor não vive sem a confiança.
Tenho toda coleção do Junito Brandão, desvendando os segredos e as faces ocultas dos mitos.
Obrigada por enviar esse tesouro.
Abraço fraterno,
Raquel Naveira

Hilma Pereira Ranauro (escritora, autora de "Descompasso" e "O Falar do Rio de Janeiro" e membro efetivo da Academia Brasileira de Filologia e da Academia Virtual Mageense de Letras) disse...

Excelente!

Hilma

Prof. José Cimino (escritor, poeta, filósofo e referência intelectual em Barbacena, membro da ABL-Academia Barbacenense de Letras e presidente da AMEF-Academia Mantiqueira de Estudos Filosóficos e da ABROL-Academia Brasileira Rotária de Letras (MG Leste)) disse...

Fiz uma reflexão, provando que o mito tem fundamento na estrutura metafísica do ser humano.

Ou seja: o homem é naturalmente mítico.

Pe. Sílvio Firmo do Nascimento (professor, escritor e editor da Revista Saberes Interdisciplinares da UNIPTAN e membro da Academia de Letras de SJDR) disse...

Caro Confrade Francisco Braga
Gratidão pela remessa do link acima, falando sobre eros e psique
Abraços,
Pe. Sílvio