Por RONALDO CAGIANO
A presença de Anderson Braga Horta no cenário da poesia brasileira há de se comemorar com a devida dimensão que sua trajetória existencial e de produção literária merecem. Impossível esgotar neste espaço as considerações críticas que sua extensa e intensa bibliografia exige, senão perfunctórios lampejos, sobretudo pela multiplicidade de incursões que o autor vem realizando ao longo de sua vida nos circuitos intelectuais do País, a partir de Brasília, cidade que adotou ainda nas primícias de sua fundação.
Anderson integra uma geração de ouro que não se repetirá, aquela que chegou à Capital — muitos ainda durante a construção — e que se constituiu numa elite pensante e renovadora, acompanhando os ares mudancistas, de otimismo e efervescência política e cultural na esteira do projeto entusiasta e otimista de Juscelino Kubitschek — a Marcha para o Oeste —, quando milhares de funcionários públicos foram transferidos para o novo staff administrativo.
Desse grupo, destacam-se escritores, jornalistas, professores e intelectuais pioneiros que, juntamente com ABH, constituíram-se num verdadeiro paradigma das letras candangas, entre os quais Alan Viggiano, Almeida Fischer, Antonio Carlos Osório, Branca Bakaj, Cassiano Nunes, Clemente Luz, Cyro dos Anjos, Domingos Carvalho da Silva, Esmerino Magalhães Jr., Ézio Pires, Fernando Mendes Vianna, Garcia de Paiva, Joanyr de Oliveira, Joaquim Cardozo, José Hélder de Souza, José Jeronymo Rivera, Lina Tâmega del Peloso, Oswaldino Marques, Samuel Rawet, dentre outros.
Com cerca de três dezenas de livros que perfilam diversos gêneros, além de ensaios e traduções, a obra de Braga Horta há décadas vem sendo recepcionada por importantes autores e críticos nacionais e estrangeiros e conquistado prêmios, como o Amicizia Ítalo-brasiliana (1954), Jean Cocteau (de tradução, A Época, 1957), António Botto (Ipase, 1959), Olavo Bilac (1966 e 1968) e Machado de Assis (1966) da Secretaria da Cultura do antigo estado da Guanabara, Rubem Dario (OEA, 1968), Alphonsus de Guimaraens (AML, BH, 1966), Lupe Cotrim Garaude (UBE-SP, 1978) e o Jabuti (2001). Se ainda não mereceu os justos destaque e visibilidade, deve-se tão-somente aos vetos que sofrem autores que não pertencem ao hegemônico e monopolizado eixo cultural, editorial e literário Rio-São Paulo, cujo domínio se impõe avassaladoramente.
Num tempo em que a literatura brasileira foi sequestrada pelo identitarismo, em que um escritor é medido pelo contexto e não pelo texto; escrever é ser valorizado pela militância, pautas e bandeiras, não pela linguagem; em que se buscam tietes e torcida organizada e não leitores, a presença de Braga Horta é luxo em meio a tanto lixo incensado, a tanta mediocridade ganhando os altares das passarelas fashions das quermesses literárias que prosperam como eventos comerciais e não de garimpo de autores e livros de qualidade. A grande obra escrita por Anderson, sem dúvida, prevalecerá sobre os entraves e gargalos e os fetiches de um mercado editorial injusto e excludente, pela imensa carga estética e pluralidade de sentidos que empreende em um percurso construído com inteligência, rigor formal, sofisticação estilística e que, entre a tradição e a vanguarda, dialoga com tendências e vertentes, flerta com o metafísico e o onírico, transita do erudito ao popular, numa perspectiva caleidoscópica, polifônica e polissêmica.
Com Anderson Braga Horta e sua geração construiu-se um tempo vigoroso na poesia brasileira, convergindo para um espaço de diálogo, intersecções e flertes com instâncias e escolas na esfera de uma energia vital. Esse trânsito possibilitou fecunda a relação entre poetas, a vida e os posicionamentos estéticos que procuram, numa clave ética, perceber o lugar da própria arte no mundo contemporâneo. Ao mesmo tempo nas diversas fases que atravessam a produção autoral, o imaginário e o próprio escrutínio da invenção poética culminam na centralidade de uma linhagem criativa exigente, dialética, reflexiva e imersiva no inconsciente de nossas mais atribuladas e complexas questões.
Na luz de sua chama criativa há muitas nuances que merecem destaque, pois o fenômeno poético se impõe pela força de uma linguagem depurada, o esmero de uma escritura que não prescinde de uma profunda indagação pessoal e uma inflexão questionadora e filosófica que atestam, por si só, a seiva de uma dignidade e de uma ética literária, imprescindíveis a um artista cuja responsabilidade conduz a elevar a arte, acima de todos os seus signos, a uma dimensão humanista, que procura cartografar, com inteligência, simplicidade e olhar pluridimensional, a magia e o insondável da existência.
Voz singular no cenário da poesia não apenas do Brasil, mas da comunidade dos países lusófonos, Anderson Braga Horta cumpre em sua obstinada ourivesaria poética aquele compromisso atávico aos verdadeiros demiurgos, sintonizado com o que nos legou Giuseppe Ungaretti: "... poeta é o mundo, a humanidade/ a própria vida/ desabrochados pela palavra/ a límpida maravilha/ de um delirante fermento."
* Nascido em Cataguases-MG, é advogado, escritor, ensaísta e crítico, radicado em Lisboa, autor, dentre outros, de Eles não moram mais aqui (Prêmio Jabuti, 2016).
Um comentário:
Prezad@,
Embora eu esteja chegando atrasado (mas ainda esteja em tempo) para a festa de comemoração de 90 anos de ANDERSON BRAGA HORTA, não gostaria de deixar passar em branco minha homenagem ao confrade de IHG-DF, transcrevendo belo trabalho de RONALDO CAGIANO dedicado a seu colega de letras.
O poeta Anderson nasceu em Carangola em 17 de novembro de 1934, filho de poetas, e ainda criança trocou o interior de Minas por Goiás Velho.
Em seguida, transferiu-se para Goiânia, jovem capital àquela época, onde fez o curso de admissão ao ginásio para ingressar no Ateneu Salesiano Dom Bosco.
Aos 12 anos, retornou para Minas, onde ficou na casa dos avós, em Manhumirim, e concluiu o ginásio. Depois, foi para Leopoldina, onde fez o curso clássico.
Tempos depois seguiu para o Rio de Janeiro, onde, em 1959, formou-se pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil.
Advogado, mudou-se para Brasília, onde desempenhou o cargo de diretor legislativo da Câmara dos Deputados. Ao mesmo tempo, cumpriu uma vitoriosa carreira nas letras, publicando extensa obra que inclui títulos de poesia, crítica literária e ensaística.
Hoje, funcionário público aposentado, Anderson dedica-se em tempo integral à literatura.
Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/11/90-anos-de-uma-dignidade-existencial-e.html 👈
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
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