SANTA CECÍLIA, padroeira dos músicos

Por BOHUMIL MED *

Crédito: imagem ofertada por Pedro Paulo Torga para ilustrar este artigo

 

A música é uma arte das mais antigas e os registros sobres músicos profissionais são encontrados na antiga Fenícia, quase 3.000 anos antes de Cristo. A música fazia parte das cerimônias religiosas e das festas palacianas. A história nos mostra que no passado em todos os templos importantes havia músicos profissionais. Também nos castelos e palácios dos reis e da nobreza a presença dos músicos profissionais era indispensável. Lamentavelmente, os governantes atuais não dão continuação a esta importante tradição e, então, no Palácio do Planalto e em outros palácios modernos encontramos todas as profissões, menos a dos músicos. 

Todas as profissões têm seu santo que protege seus profissionais. Para os Gregos e Romanos a musa EUTERPE tinha a atribuição especial de proteger a música e os músicos. Para os católicos, a padroeira dos músicos é a SANTA CECÍLIA. 

A história nos conta que em Roma, no final do reino de Marco Aurélio, a jovem Cecília, pertencente à "gens Caecilia", converteu-se ao cristianismo e fez voto de castidade. Casou-se com um nobre romano Valeriano. O marido não somente respeitou o voto de castidade da esposa como também, junto com seu irmão Tibúrcio, converteu-se ao cristianismo. Ambos foram batizados pelo bispo Urbano. 

Delatados por terem dado sepultura a cristãos perseguidos, foram condenados e sacrificados na Via Appia. 

Após a morte de seu marido (no ano 230 d.C. aproximadamente), Cecília distribuiu para os pobres a riqueza de seu marido e assumiu publicamente a fé cristã. Foi julgada e condenada a sufocar-se, deitada em uma banheira sem água, sobre fogo forte. Como Cecília não sofresse o menor dano com tal suplício, foi ordenada a sua imediata decapitação. Os três cortes no pescoço que o verdugo lhe deu não surtiram efeito imediato, pois ela só exalou o último suspiro três dias depois, durante os quais realizou muitas conversões ao cristianismo. 

Algum tempo depois da prematura morte da santa, chegaram a atribuir-lhe muitas aptidões musicais e até mesmo a invenção do órgão. 

Não existe nenhum dado histórico que nos permita assegurar ou levar-nos a crer que a jovem Cecília cultivava a música ou que soubesse tocar algum instrumento musical. 

Somente no século XV aparecem os primeiros registros da adoção de Santa Cecília pelos músicos como sua padroeira. Ela foi escolhida para padroeira não como cultora da arte, mas pela superior harmonia de sua vida cristã. A partir do século XV, os artistas, particularmente os pintores, contribuíram largamente para a difusão e perpetuação da lenda musical de Santa Cecília, através de quadros onde aparece a santa cantando e tocando instrumentos musicais. 

 

Santa Cecília tocando o órgão com um anjo tocando um alaúde, por Jacques Blanchard (séc. XVII)

 

No século XVI é fundada em Paris uma associação de músicos profissionais sob a égide protetora de Santa Cecília e, na igreja de Santo Eustáquio, dedicada a Cecília, todo dia 23 de novembro daava-se a primeira audição de uma missa, dedicada a Cecília. Entre os autores de Missas Cecilianas constam Haydn, Haendel, Adam, Gounod, Saint-Saens, César Franck e muitos outros. Inúmeros compositores, inclusive o brasileiro Padre José Maurício, dedicaram suas obras a Santa Cecília. 

Muitas instituições musicais, escolas e faculdades de música e até as bandas de música reverenciam a santa, colocando o seu nome na denominação de sua instituição. 

A festa de Santa Cecília é celebrada pela religião católica todo 22 de novembro e por isso o dia do músico é festejado também nesta data. 

 

Oração a Santa Cecília, escrita por Heitor Villa-Lobos em 1939

"Santa Cecília! Divina Protetora da Música!

Ouve, em regozijo à tua santa imagem, em satisfação à influência sacrossanta do teu poder milagroso, em humildade pela grandiosa e eterna obra de Deus, à veneração de uma raça, à evocação de um povo, as preces ardentes, cheias de Alma e Fé dos artistas sonoros do Brasil!

Tu que deste ao Brasil o privilégio do amor pela música; que fizeste dos pássaros, rios, cachoeiras, mares, ventos e da gente desta terra, uma sinfonia incomparável, cujas melodias e harmonias têm influído na formação da inteligência e bondade brasileiras, auxiliando espiritualmente a disciplina coletiva da mocidade e dos homens para servir as funções úteis e indispensáveis da humanidade, para melhor compreensão do valor inconfundível do patriotismo, e para saber dar valor consciente ao folclore regional e sentir artisticamente a música nacional;

— Ilumina os que desejam ajudar a arte do Brasil;

— Protege os que acreditam no valor e utilidade da música;

— Ajuda os que anseiam proteger os artistas;

— Inspira aos que cantam o hino da nossa Pátria, uma execução perfeita, como prova de obediente disciplina cívica;

— Esclarece os que confundem a manifestação popular nativa, boa mas inculta, com a expressão de arte cultivada;

— Entusiasma os verdadeiros artistas que vivem desanimados pela confusão que a opinião pública estabelece entre o valor autêntico e os falsos artistas;

— Alegra os que imaginam que a música será algum dia a "Bandeira Sonora da Paz Universal";

— Encoraja os compositores que, desanimados na carreira da vida musical, vêm satisfazendo o declive do gosto popular;

— Mostra aos indiferentes, que vivem em várias camadas sociais, a felicidade de quem ama a música;

— Perdoa aos que não acreditam na cura dos anormais e na educação dos princípios da disciplina cívico-social pela música;

— Faze com que a opinião pública saiba respeitar o valor das artes e dos bons artistas brasileiros;

— Guia a mocidade pela arte do som;

— Anima os que consideram a música de interesse nacional por ser um dos fatores que educam o espírito, tal como a educação física fortalece e desenvolve o organismo.

Santa Cecília! Divina Protetora da Música!

Ouve, em regozijo à tua santa imagem, em satisfação à influência sacrossanta do teu poder milagroso, em humildade pela grandiosa e eterna obra de Deus, à veneração de uma raça, à evocação de um povo, as preces ardentes, cheias de Alma e Fé dos artistas sonoros do Brasil!

 

* Trompista de grandes orquestras, professor de trompa e matérias teóricas do Instituto Villa-Lobos, atual UniRio, e do Departamento de Música da UnB; fundador e dirigente da MusiMed.