quinta-feira, 21 de maio de 2015

Projeto da "SOCIEDADE PHYLOPOLYTECHNICA" em 1827, em São João del-Rei


Por Francisco José dos Santos Braga



I.  INTRODUÇÃO



O confrade Acadêmico Francisco Oliveira, da Academia Barbacenense de Letras, fez chegar a meu conhecimento a descoberta que fez na Revista do Archivo Publico Mineiro, Anno IV, 1899, da existência de um projeto de uma Sociedade Phylopolytechnica em São João del-Rei, apresentado nas páginas de nº 815 a 842 da referida Revista, datado de 1827. É desse documento, de inegável valor histórico, que vai tratar o presente artigo.

Será rigorosamente preservada a grafia original do documento, conforme consta na Revista do Arquivo Público Mineiro. 


II.  DADOS BIOGRÁFICOS DE AURELIANO DE SOUSA E OLIVEIRA COUTINHO, VISCONDE DE SEPETIBA (☆ Niterói, 21/07/1800 ✞ Niterói, 25/09/1855)


Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, 1º e único Visconde de Sepetiba, nascido em Niterói a 21 de julho de 1800, foi um juiz de fora, juiz de órfãos e político brasileiro.

Filho de Aureliano de Sousa e Oliveira, coronel do Imperial Corpo de engenheiros de mesmo nome, e de sua esposa Francisca Flávia de Proença Coutinho, matriculou-se na academia militar, depois recebeu, em atenção aos serviços de seu pai, bolsa de Dom João VI, para ir estudar Ciências Naturais na Universidade de Coimbra, para onde seguiu em 21/07/1820. Preferiu estudar Direito, abrindo mão da bolsa. Retornou ao Brasil em 1825, sendo enviado pelo primeiro imperador para São João del-Rei, como juiz de fora e ouvidor. Tendo bem desempenhado suas funções públicas em Minas Gerais, foi recompensado pelo povo mineiro, que lhe conferiu o primeiro mandato parlamentar: deputado à Assembleia Geral na segunda legislatura (1830-1833). Mudou-se então para o Rio de Janeiro.

Foi presidente da província de São Paulo (1831), Ministro dos Negócios do Império do Brasil e Administrador do Rio de Janeiro (1833), Ministro da Justiça (1833-1835), Ministro dos Negócios Estrangeiros (1834-1835 e 1840-1843), senador (1843-1855) e presidente da província do Rio de Janeiro (1844-1845 e 1845-1848). No Rio de Janeiro foi responsável pela construção do canal de Magé e por uma nova estrada da Serra da Estrela, para a qual trouxe 500 famílias de alemães da Europa, que depois se instalaram em uma colônia, depois denominada Petrópolis.

Foi membro e 1º e 2º vice-presidente do IHGB-Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tendo sido agraciado com várias honrarias como Dignitário da Imperial Ordem do Cruzeiro e Cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa, bem como membro de Sociedades científicas e culturais europeias, entre outras.

Faleceu precocemente em 25 de setembro de 1855, em Niterói, capital então da província que presidiu.

Fonte: Wikipedia

Conforme [IPANEMA, 2000], em seu testamento (no Cartório Tobias Barreto, de Niterói, exumado pela pesquisadora Thalita de Oliveira Casadei e divulgado em 1975), declarou ter sido pai em solteiro, em São João del-Rei, de um filho, natural portanto, para quem custeou os estudos na França e por cuja formação em Medicina no Rio de Janeiro se responsabilizou (Dr. Ernesto de Sousa e Oliveira Coutinho).



III.  INFORMAÇÕES SOBRE O DOCUMENTO OBJETO DO PRESENTE ENSAIO


Tais informações foram dadas por Carlos Honorio de Figueiredo pela missiva abaixo que encaminhou os documentos ao 1º Secretário do IHGB, Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, informando que os referidos documentos lhe tinham sido fornecidos pelo Visconde de Sepetiba, com os seguintes dizeres:
"Illmº. e Exmº. Senr.
O nosso prestimoso consocio e digno terceiro Vice-Presidente desta asssociação na busca rigorosa que deo na organização do Archivo da Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio, confiado ao seo zello e cuidado, encontrou curiosos e importantes documentos que dão muita luz à historia e geographia patria; teve o nosso collega a bondade de mostrar-me estes documentos, que são realmente muito valiosos, e não tendo tido tempo para extrahir copias de todos elles a fim de offerecel-os ao Instituto Historico, comecei por tirar a do projecto da Sociedade Philopolytechica, emprehendida em S. João de ElRey na Provincia de Minas Geraes sob os Principios do fallecido Visconde de Sepetiba, quando ali servio como Juiz de Fora em 1828.
Apresento estas copias ao Instituto e protesto quando me sobrar tempo enviar copias dos outros documentos prevalecendo-me da benevolencia do illustrado Chefe de Secção do Archivo da dita Secretaria, nosso laborioso companheiro.
Deus Guarde a V. Exª.
Rio de Janeiro, 14 de Junho de 1861.
Illmo. e Exmo. Senr. Dr. Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, D. 1º Secretario do Instituto Historico e Geographico Brazileiro.
Carlos Honorio de Figueiredo"

Após essa carta de encaminhamento seguem-se os "Projectos d'Estatutos para a Organização da Sociedade Phylopolytechica emprehendida em a Villa de São João d' ElRei", documento este "offerecido à Meza Administrativa da Bibliotheca Publica d'esta Villa pelo seu Director Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, Bacharel, Formado em Leis pela Universidade de Coimbra, actualmente Juiz de Fora da mesma Villa".

Após a data do documento (1827), é apresentada no Projeto da Sociedade Phylopolytechnica (como, a partir de agora, passarei a nomear o documento) uma seção com a Idéa Preliminar, a saber: 
"Esta Sociedade existe, e constitue-se por hum pacto spontanêo de Litteratos associados para promoverem a prosperidade Litteraria de cada Socio, da Sociedade, e da Nação Braziliense. Consta de Socios effectivos rezidentes no local da sua installação, e de Socios livres, ou correspondentes de todas as Provincias, e de todo o Orbe culto, e Litterario, ingressos por hum acto de matricula.
Esta sociedade he livre, litterariamente fallando; isto he, proffessa-se nella a liberdade de pensamento, e de expressão.
As Leis sociaes, e religiozas são a unica coacção externa, a pluralidade de suffragios da Assembléa a unica coacção interna, que marca os limites d'esta liberdade. Não será admittida de pessôa, ou corpo algum extrinseco, se não coadjuvante, e indirecta. Esta sociedade he igual, isto he todos os socios terão iguaes direitos, e deveres essencialmente, e só accidental, e temporariamente estes podem accumular-se por delegação spontanêa nos funcionarios, que serão ellegiveis, e amoviveis por seu turno: todos os Socios pois concorrem à celebração de seus actos, e sessõens e à administração de suas economias; e todos vice-versa tem o cargo respectivamente todos os onus e deveres da Sociedade. A sociedade consta de trez corpos, ou Institutos, e suas respectivas commissõens, e funcionarios — 1º Hum Instituto de Exercicio de Doutrina, e palavra com o fim de aperfeiçoar nossas faculdades pela deliberação, e pelo conflicto das Luzes em todos os assmptos dos conhecimentos humanos; o qual como theatro d'ensaios, e exercicios poderá intitular-se — Gymnasio Litterario — 2º Hum Instituto estudioso, a fim de nos enriquecer, e pôr ao nivel das luzes da Europa culta pela leitura das peças periodicas de varias Nações, e de repartir este thezouro com nossos Compatriotas por huma folha d'extractos por nós redegida: este corpo por intitular-se Gabinete d'Estudos — 3º Hum Instituto economico, que pela ordem das coizas deve fazer sempre huma parte integrante de todas as Sociedades, que involvem e suppoem especies de administração, execução, economia, e policia: este Instituto, mais administrativo que litterario, e que encorpóra em si muitos elementos, que interpolados aos outros dous, cortarião a sua belleza, e integridade, pode intitular-se Directoria —"

A seguir, o documento trata do "primeiro corpo", o Gymnasio Litterario, e como "idéa preliminar" entende que "este Instituto he huma escolla de perfeição, huma assembléa de ensaios: seu fim he exercer o espirito na variedade dos assumptos, rectificar nosso saber, e apurar nossa expressão: aqui ganha o espirito em susceptibilidade, a erudição em amplitude, a elocução em pureza, e concisão. A sua indole he pois parte scientifica, parte erudita, parte instructiva; d'onde tem naturalmente trez grandes objectos: Sciencias, Artes, e Letras — segundo a distribuição ideologica do saber humano."

Algumas páginas à frente, o documento trata do "segundo corpo", o Gabinete d'Estudos, e como "idéa preliminar" faz saber que consiste em "hum corpo que segregado do resto do Orbe litterario se illustrasse de idéas proprias, que myrantrope no meio do imperio das letras tirasse de si proprias luzes para as concentrar em si mesmo, cahiria na nullidade, e se conteria avaramente n'um circulo innutil; seria hum instituto solitario, insufficiente à si mesmo, e indifferente à Sociedade. Hum foco de luz para espalhar a illustração com uniformidade precisa concentrar os raios disperços, e diffundir de novo os concentrados aos pontos obscuros. Nosso Instituto pois para gozar de huma vida de relação preciza hum outro Instituto, que abra huma porta ao ingresso das luzes, e outra ao derramamento d'ellas; preciza h'huma palavra hum Gabinete d'Estudos, e de redacção. O 1º nutrirá o nosso Instituto do espirito das Nações cultas da Europa; o 2º diffundirá esse mesmo espirito sobre as bellas, e remottas Provincias da nossa infante Nação. Separados, e tão distantes dos paizes civilizados da Europa, no meio de hum apenas nascente, e ainda obscuro, abramos a porta à illustração que se nos offerece; acceitemos, e demos; estudemos e publiquemos, e será perfeito o nosso Instituto."

O documento ainda se estende sobre o Gabinete d'Estudos, no Artigo I, que trata da Forma Moral deste Corpo, nos seguintes termos: "Haverá hum Gabinete d'Estudos, que formará a segunda parte integrante do nosso Instituto, que terá por fim o estudo, e o ensino, assim como o 1º o exercicio, e a discussão; e que em quanto o 1º trata de exercitar, e produzir, este se occupe em recolher, e transmittir."

Digna de nota é ainda a existência de uma Comissão de Censura no âmbito deste Gabinete d'Estudos. O Artigo 14, que trata dos Trabalhos da referida Comissão, reza: "Haverá uma commissão de censura, affecta à este Gabinete, ellectiva, e amovivel, a qual receberá o autographo do periodico mensal da mão do redactor oito dias antes do fim do mez, e fará nesses oito dias a sua censura: 1º relativamente às Leis de liberdade de Imprensa: 2º relativamente à orthographia contexto, e elocução; 3º relativamente a certo decoro para com individuos, e personalidades, decoro mesmo que as Leis não protejão, mas cuja manutenção fará o nosso tymbre ¹. Quanto à doutrina nos outros respeitos, não cabendo no tempo, nem sendo possivel censural-a, deve correr por conta do seu Author, ou extractor."

Também o Artigo 15 ainda contempla uma Secção Geral de Censura, certamente ligada hierarquicamente à dita Comissão de Censura, verbis: "A commissão expirando os oito dias convocará no ultimo do mez uma secção geral com os precisos funccionarios ad-hoc; a qual na presença da censura que acaba de consumar a Commissão, deliberará, e corrigirá diffinitivamente o autographo do periodico, que assim apurado será remettido à Directoria para q. a commissão d'Imprensa o faça imprimir, correr e exportar."

Quanto ao Terceiro Corpo, sob o título de Directoria, o documento assim descreve a Idéa Preliminar: "Este corpo he uma parte não integrante, mas annexa ao nosso Instituto, a sua indole não he litteraria, mas puramente administrativa; he como um systema de todas as especies mecanicas, que este Instituto suppõem, e que não podem fazer corpo nas scenas litterarias. Suppõem pois a existencia d'uma Caixa, e de um corpo de fazenda: todos os socios são igualmente aqui contribuintes para um contingente primario para as prestações certas, e para as derramas eventuaes depois de approvadas por todos; todos os Socios tem igual jus a administracção por turno; e todos os funccionarios tem por principal dever a responsabilidade perante a sociedade."

No Artigo 1º intitulado Forma Moral deste Corpo, é feita a seguinte descrição da Directoria: "He este corpo chamado Directoria um Gabinete que faz parte annexa da Sociedade, e por isso composto de todos os socios effectivos, os quaes se entendem matriculados nesta parte administrativa, logo que o são na Sociedade. Consta de quatro commissões, e outros tantos funccionarios affectos, e illegiveis todos os mezes, e de um Director Geral."

Finalmente no Artigo 2º é descrita a Forma Material da Directoria: "Haverá um Escriptorio com quatro escrevaninhas, ou carteiras correspondentes às quatro Commissões, uma de Escripturação, outra de Contadoria, outra de Imprensa, outra de Policia, ou conservatoria; e bem assim os utencilios necessarios, e proprios de um escriptorio. Na carteira d'Escripturação deverá haver um livro de matrícula, um de actas, e um de memorandos, um de caixa, um Borrador, e um diario. Na da administração de Imprensa um de correspondencias, e assignaturas, e outro de memorandos, e ordens relativas aos trabalhos da Imprensa; e finalmente na de Policia deverá haver um em que se lancem as actas economicas da Sociedade."

Após o "Artigo ultimo", são mencionadas a localidade e a data: São João d' El-Rei, 30 de novembro de 1827.



IV.  APÊNDICE


A seguir, são disponibilizadas as seguintes correspondências (cópias):
1) De Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, Juiz de Fora da Villa de S. João de ElRey, e Director da Mesa Administrativa da Bibliotheca Publica, a Pedro de Araujo Lima, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio:
"Illmº e Exmº Senr.
Tendo hum cidadão d'esta Villa offerecido ao publico d'ella huma Livraria ², e tendo-se na occasião da sua installação eleito huma Meza Administrativa da mesma, tive eu a honra de ser nomeado seo Director, em cuja qualidade reconhecendo que o meio de fazer prosperar e florecer hum tão util estabelecimento em huma das mais bellas Villas do Imperio, onde a mocidade appresenta excellentes dispozições para as letras, era sem duvida a organização de huma Sociedade Litteraria, que tivesse o duplicado fim de augmentar e proteger a Livraria Publica, e fazer ao mesmo tempo dezenvolver por meio da emulação aquellas excellentes dispozições; offerece a sobredita Meza o Projecto de Estatutos que incluzo tenho a honra de submetter a judiciosa censura de V. Exª rogando encarecidamente a V. Exª em quem brilhão talentos e lettras não vulgares, que se os achar dignos da Imperial Approvação, fazendo-me V. Exª a graça de beijar por mim a Augusta mão de S. M. I., se digne de a pedir em meo nome, e no da Meza, de que tenho a satisfação de ser o Director. O benigno acolhimento que V. Exª  por amante da litteratura, tem sempre prestado a qualquer producção litteraria faz-me gosto no augurar a mesma sorte ao referido Projecto. Deus Guarde a V. Exª por muitos annos.
S. João de El-Rey em 9 de Fevereiro de 1828.
Illmº e Exmº Snr. Pedro de Araujo Lima. Ministro e Secretario de Estado dos Negocios do Imperio — Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho — Juiz de Fora da Villa de S. João de ElRey, e Director da Mesa Administrativa da Bibliotheca Publica."

2) De Visconde de Cayrú a Pedro de Araujo Lima (cópia):
"Sua Magestade o Imperador Manda remetter a V. Sª o officio incluso de Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, Juiz de Fóra da Villa de S. João d'El-Rey; acompanhando hum Projecto de Estatutos para a organização da Sociedade Philopolytechnica, emprehendida na dita Villa, com o fim de augmentar e proteger a Livraria Publica, que ali se acha estabelecida; pedindo para esse effeito a Imperial Approvação; E Ha por bem que V. Sª informe, com o seo parecer, sobre o merito dos mesmos Estatutos, e utilidades, que delles possão resultar.
Deos Guarde a V. Sª Paço em 5 de Março de 1828 - Pedro de Araujo Lima. Senr. Visconde de Cayrú."
 
3) Parecer de Visconde de Cayrú:
"Em observancia da Portaria desta Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio, em data de 5 do Corrente, li os Estatutos, offerecidos em Projecto, pelo Juiz de Fora da Villa de S. João d'El-Rey, para huma Sociedade Philopolytechica, que se propõe estabelecer na mesma Villa, na Casa da Bibliotheca Publica, alli proximamente erecta, para o seu auxilio, pertendendo a Approvação e Sancção Imperial. Declara-se que a Sociedade será de Sciencias, Artes, e Letras, com tres Repartições, de Gymnasio Gabinete de Estudos, — e Directoria.
Ainda que sejão uteis as Sociedades puramente Litterarias, comtudo submetto à Superior Consideração de V. Exª as seguintes ponderações.
No theor dos Estatutos se altera o titulo da Sociedade, mudando-se no de Assemblea, que se repete, fazendo-se parodia dos processos da Assemblea Geral Legislativa. Alem disto dá-se indefinida latitude aos objectos das Indicações, Moções, e Discussões, qual a Constituição não faculta aos Conselhos de Provincia, que são coarctados com a Inhibitoria do Art. 85 do Capitulo respectivo. Demás: declara-se, que a Sociedade he livre, e professa liberdade de pensamento e expressão, em todos os assumptos de conhecimentos humanos. Isto póde implicar com a Religião e Politica. O Author do Projecto tanto previo o perigo do abuso desta vaga generalidade, e illimitada licença, que no Art. 25 propoz o seguinte correctivo insufficiente — Poder-se-ha interromper e rejeitar a leitura, quando escandalizar o systema politico e religioso, ou o decoro civil.
Accresce que para a Sociedade se admittem Correspondentes de todo o Orbe culto e litterario. Esta clausula, ainda que de recta intenção, póde eventualmente ser perigosa, por dar facilidade à correspondencias sinistras com Estrangeiros, estando a Sociedade tão remota da Corte, e sem Inspecção de Authoridade.
Taes Estabelecimentos Litterarios só se authorizão nas Capitaes, ou maiores Cidades, onde tambem só podem haver os elementos, meios, e recursos proporcionados, estando aos olhos do Governo.
A Sociedade he proposta sem Fundo e sem Socios Fundadores de reconhecida litteratura e constitucionalidade como he mister: e portanto arrisca-se o decoro do Governo na Sua Authorização; e verosimilmente semelhante Estabelecimento será tão vão e illusorio, como já se experimentou não só na Sociedade Economica de S. Paulo em 1821, mas até no Instituto Academico das Sciencias e Bellas Artes, offerecido pelos Negociantes do Rio de Janeiro, e acceito pelo Ministro dos Negocios do Reino por Aviso de 5 de Março de 1816. Que se pode esperar de hum Estabelecimento excentrico, e sem base! Parece-me pois ser conveniente haver-se Informação sobre o — Projecto e seus Estatutos, do Presidente de Minas, e ser tudo remettido depois à Assemblea Geral Legislativa, attentas as providencias da Constituição do Imperio Tit. IV Cap. V Art. 80 e 81, e Tit. VIII Art. 179. Nºs XXXI e XXXIII.
Rio de Janeiro 8 de Março de 1828.
Visconde de Cayrú." ³

4) De Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, Juiz de Fora da Villa de S. João de ElRey, e Director da Mesa Administrativa da Bibliotheca Publica a S. M. I. Dom Pedro I
"Senhor 
A convicção de que só por meio da propagação das luzes se consegue o progresso das Artes, e Sciencias, e com estas a grandeza, e florescimento dos Estados, bazes fundamentaes da felicidade dos homens reunidos em Sociedade, fez com que um cidadão desta Villa offerecesse aos seus honrados habitantes uma Bibliotheca Publica, onde seus concidadãos pudessem ir beber os necessarios conhecimentos a sua illustração.
A necessidade de uma administração para um tão util corpo fez que no acto de sua installação fosse nomeada por acclamação do immenso concurso que à elle assistiu uma Meza composta dos Membros abaixo assignados, incumbida de organizar um regimento, ou Estatutos para a mesma Bibliotheca. E reconhecendo o Director da Meza que um tão util estabellecimento não poderia prosperar e florecer sem ser animado por uma sociedade litteraria, que procurando instruir-se a si propria convidasse, e estimulasse a Mocidade d'esta bella Villa à leitura e estudo, offereceo à Meza os inclusos Estatutos, que sendo por ella approvados, só precizão da Imperial confirmação para terem o seu devido effeito na forma do penultimo Artigo dos mesmos. Por elles, e pelo discurso tambem incluzo dirigido à Meza pelo Director na occazião em que os offereceo, e no qual motiva a offerta, se vê, Senhor, de quanta utilidade para o progresso, e derramamento das luzes n'este bello Paiz pode vir a ser um tal Estabellecimento litterario.
He por isso: Senhor, que a Meza Administrativa desejoza de promover quanto em si couber o estudo, e cultura das letras, tendo a subida honra de beijar a Augusta Mão de V. M. I., vem submissa, e respeitoza supplicar a V. M. I. a graça de Approvar e Confirmar os prezentes Estatutos da Sociedade Phylopolytechnica, Dignando-se Permittir a sua installação. A Meza ouza asseverar a V. M. I. que a mais bella parte da Mocidade Brazileira, habitante desta Villa, e que com enthusiasmo subscreveo voluntaria para a manutenção da sua Bibliotheca, só espera ancioza pela Imperial Approvação a fim de começar seus trabalhos, e entretimentos litterarios. Certa emfim do quanto V. M. I. tem sempre animado e protegido o progresso das Artes, e Sciencias, fonte infalliveis do seu gloriozo Imperio, a Meza se antecipa a beijar em agradecimento a Augusta Mão de V. M. I., a Quem Deos Guarde muitos e felizes annos como todos havemos Mister.
S. João d'El-Rei aos 30 de Abril de 1828.

5) Discurso de Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho recitado na abertura da secção, em que foi oferecido o Projecto que se segue.
Snres.
Louvar  a força e a bravura, louvar o poder, a riqueza, e a dependência, he quasi sempre um effeito do medo, da ambição, e de uma stulta admiração, e he além disto um argumento da baixeza daquelles que suffocão com indigno incenso os que erão mais dignos de compaixão e castigo do que de louvor. Porém tecer o elogio aos beneficos protectores das sciencias e das artes he offerecer-lhes um incenso puro, e sem suspeita, he uma homenagem devida de justiça à virtude para a ver augmentar, porque a virtude louvada cresce: e o louvor sincero, e verdadeiro, he tão poderozo, e tão efficaz, que por sua intervenção o gênio se apura, a alma se eleva, e então se emprehendem magestozos trabalhos, dezenvolvem-se sublimes meditações, e executão-se árduas emprezas.
Será por tanto Snres, um puro incenso, será uma devida homenagem, e nem serão mirrados, e infructiferos os encomios q.' com mão prodiga se liberalizarem sobre o benefico Cidadão, que por amor das letras, e sciencias, e à custa dos sacrificios pessoaes acaba de offertar ao Publico desta Villa dous tão úteis estabellecimentos quaes uma Typographia, e uma Bibliotheca Publica , estabellecimentos devidos sem duvida ao progresso do espirito humano, e a quem o espirito humano deve sem duvida o seu progresso. Não basta porém, Snres, tão generosa oferta: ella ficaria condemnada ao pó, e ao esquecimento, se o mesmo honrado cidadão, se todos nós, animados de um igual zelo pelo progresso das lettras não cooperassemos da nossa parte, e quanto em nós coubesse para por em acção, e dar alma, e vida a estes dous tão úteis como interessantes corpos. He por isso que deslembrado de minhas apoucadas forças e grato a honra que me fizesteis de de nomear me vosso Director, eu tomo a de offertar-vos um projecto de estatutos para a organização d'uma Sociedade Litteraria, unico meio que me parece efficaz para a animação, protecção, e augmento daquelles dous corpos, e com elles do espirito, e amor das letras. Os homens Snres, como diz Pope, querem ser ensinados, porém de modo que não pareça que o são  men must be taught, as if you taught them not (ensaio sobre a critica V. 574); he portanto sempre o meio indirecto o mais efficaz para obter tal fim; e eu me lizongeo de que este meio se acha empregado em toda a sua extensão na organização da Sociedade ora emprehendida. A sua instituição tem pois por fim trez objectos de nenhum modo indifferentes para a propagação das luzes: 1º accender por meio da emulação o amortecido espirito de litteratura; 2º obrigar pelo meio indirecto à leitura dos Periodicos Nacionais e Estrangeiros, e de outras peças, não só os socios, mas ainda os que o não são, os quaes sendo assignantes do nosso periodico mensal, movidos sem duvida da curiosidade serão levados à sua leitura, na qual deverão achar os extractos desses periodicos, e as mais peças n'elle inseridas; 3º finalmente buscar aos dous uteis estabelecimentos da Bibliotheca Publica e a Imprensa nesta Villa uma dezinteressada, e constante administração, e protecção. Exhortar-vos Snres, para q.' de vossa parte não dezanimeis nessa protecção, já por vós começada, seria seguramente fazer offensa ao vosso patriotismo, e luzes. Vós sabeis q.' a idade d'ouro de cada Nação foi sempre aquella em q.' as artes e sciencias obtiverão uma decidida protecção já de seus Principes, e já mesmo de Instituições particulares; sabeis q.' nenhuma Nação pode ser grande e respeitada entre as outras sem q.' nella floresçam as artes e sciencias; sabeis finalmente q.' os mesmos protectores das artes e sciencias são pagos com uzura de suas protecções: os elogios dos Sabios, as suas obras sabem grangear-lhes um nome immortal. O grande Alexandre esmorecia muitas vezes depois de grandes victorias, porque não havia (dizia elle) um Homero para lhás cantar. E com effeito, serão baldados todos esforços da vaidade humana, quando solicita busca immortalizar seus heroes, se um Poeta, se um orador sensivel, se um sabio philosopho não accederem com a sua voz. As estatuas, as piramides, os obeliscos, que tem solidas bases, que parecem eternas, q.' querem disputar a duração com o mesmo tempo, desaparecerão um dia, bem como o heroe ali representado; o tempo, q.' tudo destroe, lançando por terra esses marmores fará que o viandante não encontrando já nem as ruinas desconheça até o lugar do monumento; mas quão differente he a sorte do heroe que foi immortalizado pelos elogios dos Sabios! O mausulêo, e o cenothaphio de um Catão, de um Aristides já não existem; mas as suas acções são perpetuadas pelo philosopho de Cheronéa; o lugar em que jaz a urna de Agricola he hoje desconhecido, mas as suas virtudes são eternizadas em Tacito.
Por estas razões pois, Snres, por esta nobre ambição quando não fosse só pelo vosso descidido patriotismo, e desinteressado amor das letras, he sem duvida que continuareis a cooperar para a elevada e subida empreza do nosso estabelecimento litterario, he sem duvida que vos prestareis gostozos a quanto vos he marcado nos prezentes Estatutos que tenho a honra de vos offerecer, e que espero de vós me fareis a duplicada de acceitar — Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho"



















IV.  NOTAS EXPLICATIVAS



¹   A palavra "timbre", em heráldica, significa a insígnia que se põe sobre um escudo de armas para marcar os graus de nobreza. Por extensão, pode tomar a acepção de divisa, sinal, cifra ou iniciais com que se marca papel ou sobrescritos. Também todas as lojas maçônicas têm o seu timbre, ou seja, brasão.

²  O vocábulo "livraria" aqui usado como sinônimo de biblioteca (local que reúne livros que podem ser consultados para fins de estudo, pesquisa ou mera curiosidade e não raro podem ser emprestados temporariamente). [BARBOSA, 1930, 15] informou que veio a lume, "a 20 de setembro de 1824, uma portaria ministerial aprovando o plano para o estabelecimento de uma bibliotheca publica oferecida à villa de S. João d' El-Rey por Baptista Caetano de Almeida."

³    Há evidência de que prevaleceu o parecer do Visconde de Cayru sobre todos os esforços  e razões expendidas pelo ouvidor são-joanense. Assis se referiu [WALSH, 1985, 78, v. 2]: "Esse projeto foi enviado ao governo, para aprovação, mas não houve resposta. A impressão geral era que não só a sociedade como também a biblioteca não iriam ser incentivadas."

⁴  Trata-se do ilustre benfeitor de São João del-Rei, Batista Caetano de Almeida, cujo nome coroa a biblioteca pública municipal, além de ser lembrado por todos os grandes historiadores desta cidade. Nascido em Camanducaia (MG) a 3 de maio de 1797, veio para São João del-Rei aos 15 anos de idade, a fim de trabalhar na casa comercial de um tio paterno. Mais tarde, fundou importante casa comercial em sociedade com seu primo, comendador Francisco de Paula de Almeida Magalhães.

[CINTRA, 1994, 60] fez a seguinte apreciação das qualidades empresariais de Batista Caetano: "Pioneiro e progressista, fundou a 1º tipografia de São João del-Rei, na qual imprimiu o 1º jornal sanjoanense O Astro de Minas, que circulou de 20/11/1827 a 06/06/1839. (...)
Na tipografia mencionada o Deputado Bernardo Pereira de Vasconcelos imprimiu em 1828 — A Carta aos Senhores Eleitores da Provincia de Minas Gerais. Também na mesma tipografia em 1829 foi impresso o livreto A Vítima da Inquisição em Sevilha ou a Infeliz Cornélia Bororquia, traduzido do Espanhol para Desengano da Nação.
Só a criação do citado órgão da imprensa sanjoanense bastaria para lhe consagrar o nome na história de São João del-Rei. Doou o terreno para a edificação do Paço Municipal, atual prédio da Prefeitura Municipal, avaliado na época em quatrocentos mil réis. Também concorreu com 100 mil réis para a construção, em 1822, do chafariz que existiu nas proximidades da igreja de São Francisco de Assis.
Contratou o imigrado português Padre Francisco Freire de Carvalho, que lecionava História e Antiguidades em Coimbra, para manter em São João del-Rei um Curso Público de literatura, que funcionou de 1830 a 1833. Foi grande benfeitor da Santa Casa (da Misericórdia) de São João del-Rei.
Deve-se a Batista Caetano a fundação da Biblioteca Pública de São João del-Rei que tem o seu nome. Enquanto viveu pagou até o ordenado do bibliotecário."

Também [ALVARENGA, 2009, 43-44] observa a respeito da fundação da supracitada Biblioteca: "A Biblioteca Municipal, fundada por Batista de Almeida, em 1827, foi instalada em uma das salas da Santa Casa, a pedido do fundador e Escrivão da Mesa Administrativa. Um ano depois, em setembro de 1828, a Mesa resolveu transladar a biblioteca para um dos salões da Casa da Câmara Municipal, à sua custa."
Cabe lembrar adicionalmente que, conforme [ALVARENGA, 2009, 89-90], da 13ª Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia de São João del-Rei (Ano 1827/1828) participavam, como provedor, Dr. Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho (mais tarde Visconde de Sepetiba) e, como escrivão, Batista Caetano de Almeida. Da 14ª Mesa Administrativa da referida entidade são-joanense ainda participaram como provedor, Dr. Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho até o dia 3 de junho de 1829 e o escrivão Sargento-mor José Joaquim Corrêa. Ainda esclarece que "foi eleito Provedor, na vaga do Dr. Aureliano, que se mudou para Ouro Preto, o Comendador Francisco Izidoro Batista da Silva, no dia 10 de junho, mas não aceitou. Deliberou então a Mesa continuar o atual Escrivão como Provedor, como já vinha exercendo interinamente o cargo. (...)"

[VIEGAS, 1969, 73], falando sobre a imprensa no Brasil, tece os seguintes comentários úteis para contextualizar-se a imprensa local: "Só em 1808 foi instalada no palácio do Conde da Barca a imprensa régia e editada a "Gazeta do Rio de Janeiro" (saída a 10 de setembro de 1808), pelo que há quem considere "a imprensa do Brasil um dom do Príncipe Regente D. João à Colônia, tornada sede da Monarquia. 
Entretanto só na época da Independência, a imprensa periódica entre nós experimentou verdadeiro progresso (...).
Não é pois para se admirar que, mesmo em Minas, onde já tinha florescido uma verdadeira escola literária, não houvesse então surgido a imprensa, por isso mesmo que essa escola, alimentada pela chama do patriotismo, devia velar-se sob as imprescindíveis cautelas da 'Conjuração'.
Com grande atraso, foi, todavia, S. João del-Rei a segunda localidade mineira que teve imprensa periódica.
Já em Ouro Prêto haviam sido publicados, além do 'Compilador Mineiro' — primeiro jornal de Minas, vindo a lume em 13 de outubro de 1823, a 'Abelha do Itacolomy', a 14 de outubro de 1824 e quatro outros pequenos periódicos, quando, a 20 de novembro de 1827 (ano em que, a 1º de outubro, apareceu o 'Jornal do Comercio' do Rio), uma terça-feira, o patriótico descortino de Batista Caetano de Almeida editou nesta cidade o 'Astro de Minas', que êle fundou e manteve durante quase doze anos ininterruptos.
Saindo às têrças, quintas e sábados, êsse pequeno jornal, cuja publicação cessou a 6 de junho de 1839 com o número 1.769, prestou relevantes serviços a S. João del-Rei e à Província, principalmente no período que se seguiu à abdicação e em 1833, em que foi incansável paladino da legalidade, a êsse tempo, tão fundamente ferida em Minas."

[CINTRA, 1994, 60] ainda informou que Batista Caetano, "filiado ao Partido Liberal, representou Minas Gerais na Câmara dos Deputados nas Legislaturas de 1830 a 1838. Reeleito para a Legislatura de 1838 a 1841, por motivo de saúde não chegou a tomar posse, sendo substituído pelo Cônego José Antônio Marinho. (...)
Batista Caetano de Almeida faleceu em São João del-Rei a 24 de junho de 1838, sendo sepultado no cemitério da Ordem de Nossa Senhora do Carmo. Sua memória glorifica a história de São João del-Rei e patrocina a presença do nome do Deputado Batista Caetano de Almeida na galeria das mais meritórias personalidades de São João del-Rei."

[WALSH, 1985, 77-79, v. 2], viajante e reverendo inglês que visitou São João del-Rei em 1828, vindo do Rio de Janeiro, fez as seguintes observações sobre a biblioteca pública, a tipografia e seu proprietário Batista Caetano. Também teceu comentários sobre o ouvidor Dr. Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho, bem como sobre seu projeto de uma Sociedade "Politécnica": "Após essa visita (à casa de fundição), fomos até a biblioteca da cidade, recentemente organizada. Ela se acha instalada numa sala da Câmara, ficando aberta das nove da manhã a uma da tarde. O bibliotecário é um padre mulato, de aparência bastante curiosa — baixo, gordo, com um vasto chapéu colocado de banda e o rosto afundado no peito. Além de bibliotecário, ele é editor do 'Astro de Minas', um jornal de São João fundado fazia um ano. Como se trata de um periódico destemeroso e de tendências ferozmente constitucionalistas, ele está sempre em atrito com o 'Analista' e outros jornais do governo. Em um número do 'Analista' que li no Rio havia uma curiosa descrição de um animal fantástico achado em São João, da mesma espécie do tatu, tendo o padre sido apresentado, tanto moral como fisicamente, e com muito humor e espírito, sob a forma desse animal. Fiquei curioso para conhecer o original, tendo chegado à conclusão de que a comparação fora excelente, pois de fato o bibliotecário se assemelhava, sob todos os aspectos, a 'um porco de armadura'. Trata-se, contudo, de um homem de talento, que soube dar ao adversário a réplica merecida. Ele falava um pouco de francês e nos forneceu, gentilmente, todas as informações ao seu alcance.
Os livros desse incipiente estabelecimento fundado nas montanhas do Brasil, onde, até há bem pouco tempo, era interdita a difusão de qualquer tipo de conhecimento, somavam cerca de 1.000 volumes dispostos ao longo das paredes, numa sala bem arrumada, com uma mesa de leitura no centro. Além de obras em português e espanhol, havia muitas outras em francês: a 'Encyclopédie', obras de Voltaire, Rousseau e Raynel, juntamente com outras que apareceram na fase inicial da Revolução Francesa. Ficamos surpresos, porém, ao encontrarmos num lugar tão remoto alguns livros ingleses, entre os quais 'O Revolucionário Plutarco', 'Riqueza das Nações', de Smith, Geografia, de Pinkerton, O Paraíso Perdido, Viagem Sentimental e Trials for Adultery, ao lado de alguns periódicos, entre eles o 'Times' e o 'Chronicle'. Descobrimos que havia três pessoas na cidade que falavam inglês e eram membros da biblioteca, além de algumas outras que conseguiam ler a língua e estavam fazendo progressos na conversação. Além desses periódicos, todos os jornais publicados no Brasil são recebidos ali e colocados na sala de leitura.
Essa biblioteca é apenas uma parte de um programa mais vasto proposto por uma Sociedade Politécnica (sic) que se pretende estabelecer na cidade. Nosso amigo, o ouvidor, é o seu idealizador, sendo dois os objetivos do seu projeto — a criação de um ginásio literário, onde as pessoas poderão obter conhecimentos através de estudos e debates ou do choque de ideias e de inteligências, e de um gabinete de estudos, cuja finalidade seria extrair das várias publicações literárias de outros países as informações que constituiriam novidade para o Brasil, divulgando todas as variadas descobertas feitas na Europa após reduzi-las a uma linguagem acessível ao povo do lugar. Esse projeto foi enviado ao governo, para aprovação, mas não houve resposta. A impressão geral era que não só a sociedade como também a biblioteca não iriam ser incentivadas.
Seus membros incluem todas as pessoas importantes e inteligentes da região, contando-se entre eles Batista Caetano, um homem moço e de espírito ativo que conhecemos durante a viagem. Fora ele que havia trazido para São João a primeira impressora (sic) instalada em Minas, sendo o fundador do 'Astro de Minas'.
Fac-simile da 1ª página da 1ª edição do Astro de Minas, em 20 de novembro de 1827

Fonte: VIEGAS, Augusto: Notícia de São João del-Rei, p. 66-A




Voltamos à casa do ouvidor para almoçar (...) Tendo sido eleito deputado naquela ocasião, ele me declarou que gostaria de poder visitar a Inglaterra, a fim de observar a nossa Câmara dos Comuns e aprender como se conduzir na de seu país. (...)
Ao retornar ao Rio, aproveitei a primeira oportunidade para enviar alguns livros ingleses para a sua biblioteca em São João, acompanhados de uma carta em que eu fazia algumas observações despretensiosas sobre a situação do país. Ele aceitou-as de tão boa mente que traduziu a carta para o português e enviou-a ao 'Astro de Minas', que a fez circular por todo o Brasil." (grifo nosso)

[BURTON, 1976, 113-114] observou, ao visitar a mesma biblioteca pública em 1868, e com sua argúcia e crítica acerba relatou que "na Rua Municipal, encontramos a sede da municipalidade, um grande prédio, cujo andar térreo exibe janelas gradeadas e sobre cuja fachada, em cima da porta, há as armas imperiais e da Justiça em relevo; além do mais, não é acompanhado de uma loja. (...) Esta, a Câmara Municipal tem, como acompanhamento, a cadeia — outra 'instituição' . É um tanto bárbaro, tem um sabor do (sic) ciumento (sic) Begum Sombre, realizar sessões legislativas sobre a cabeça dos enterrados vivos (...) No lado norte, fica a Biblioteca Pública, aberta diariamente, e severamente decorada com o retrato de um benfeitor local, Batista Caetano, o 'sujeito compenetrado' de Mr. Walsh, morreu. O bibliotecário atual é surdo como uma porta, e ignora quantos volumes tem sob sua responsabilidade. Calculamos em 3.200 e fomos corrigidos pelo 'Almanaque', que afirma irem eles a mais de 4.000. O alimento intelectual consiste, principalmente, de fólios antigos e hoje dificilmente legíveis e atarracados in quarto, que alimentaram o espírito dos clérigos e o corpo das traças. Aqui, como na velha Roma, o bibliotecário poderia cantar:
Constrictos nisi das mihi libellos
Admittam tineas trucesque blattas.
São João tem razão de lembrar seus homens de letras. Um dos seus filhos, Manuel Ignácio de Alvarenga,  escreveu a 'Gruta Americana' e, com o pseudônimo de Alcindo Palmireno, foi membro da Arcádia Mineira. A segunda notabilidade foi João Antônio Ferreira da Costa e a terceira o satírico Padre Manoel Joaquim de Castro Viana. Acrescente-se a esses três poetas um certo número de 'oradores sacros', os 'terrores do pecado' e eloquentes 'ecos do Evangelho'. Além desses, um arquiteto, um pintor e um escultor são mencionados pelos estudiosos. Há, na cidade, dois coros e quatro professores de piano. Toda pessoa de certa educação é, mais ou menos, um músico."


V.  OBRAS CONSULTADAS


ALVARENGA, Luís de Melo: História da Santa Casa da Misericórdia de São João del-Rei (1783-1983), Belo Horizonte: Gráfica Formato, 2009, 443 p. (edição patrocinada pelo BDMG Cultural)

AURELIANO DE SOUSA E OLIVEIRA COUTINHO. In Wikipedia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Aureliano_de_Sousa_e_Oliveira_Coutinho. Acesso em 18/05/2015.

                                     —  Projectos d'Estatutos para a Organização da Sociedade Phylopolytechica 
emprehendida em a Villa de São João d' ElRei. São João del-Rei: 30 de novembro de 1827.

BARBOSA, José Victor: S. João d'El-Rey atravez suas Ephemerides, São João del-Rei: Typographia da Casa Assis, 1930, 46 p.

BURTON, Robert Francis: Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. São Paulo: EDUSP; Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1976, 366 p. 

CINTRA, Sebastião de Oliveira: Galeria das Personalidades Notáveis de São João del-Rei, São João del-Rei: editora desconhecida, 1994, 270 p. (edição patrocinada pela FAPEP-Fundação de Apoio à Pesquisa, Educação e Cultura)

IPANEMA, Cybelle: Aureliano de Sousa e Oliveira Coutinho - Do monólito de fundadores como o Instituto mereceu, nos seus duzentos anos, Tribuna de Petrópolis, 24/12/2000. http://www.ihp.org.br/lib_ihp/docs/ci20001224t.htm. Acesso em 18/05/2015.

VIEGAS, Augusto: Notícia de São João del-Rei, Belo Horizonte: editora desconhecida, 1969, 273 p.

XAVIER DA VEIGA, José Pedro: Projectos d'Estatutos para a Organização da Sociedade Phylopolytechica emprehendida em a Villa de São João d' ElRei. Revista do Archivo Publico Mineiro, Bello Horisonte: Imprensa Official de Minas Gerais, Anno IV, p. 815-842, 1899

WALSH, Robert: Notícias do Brasil (1828-1829). São Paulo: EDUSP; Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1985, 2 volumes, com respectivamente 222 p. e 237 p.





 

* O autor tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Participa ativamente como membro de diversas instituições de cultura no País e no exterior, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, Academia Divinopolitana de Letras, Instituto Histórico e Geográfico do DF, Academia Taguatinguense de Letras, Academia Barbacenense de Letras e Academia Formiguense de Letras. Possui ainda o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com.br) e é um dos colaboradores e gerente do Blog de São João del-Rei. Escreve artigos e ensaios para revistas, sites, portais e periódicos.

sábado, 16 de maio de 2015

Tempos felizes no GINÁSIO SANTO ANTÔNIO de São João del-Rei


Por Lúcio Flávio Baioneta


Li com o coração (e não com os olhos) as páginas do Blog do Braga, homenageando o transcurso dos 105 Anos da Presença Franciscana em São João del-Rei, da autoria de Francisco José dos Santos Braga.

Vi-me no início do ano de 1953, atravessando, com meus pais, uma ponte metálica para pedestres sobre o córrego do Lenheiro, numa manhã de domingo em que éramos guiados pelo som dos sinos em busca de uma igreja.

Extasiados nos quedamos frente aos trabalhos em pedra-sabão que adornam a porta principal da maravilhosa Igreja de São Francisco de Assis. Finda a missa, perguntamos a alguém, onde ficava o Ginásio Santo Antonio e ele disse, apontando com o dedo: " É ali, naquele portão."


Começava, exatamente naquele momento, a mais emocionante, fantástica e proveitosa aventura de minha vida. Tinha 11 anos de idade.



Ginásio Santo Antônio de São João del-Rei

Ao ler aquele texto, sentei-me novamente nas carteiras daquele educandário, onde vivi durante cinco anos como aluno interno, e relembrei carinhosamente cada um de meus mestres.

A eles, Profª Da. Carmita, Prof. Thomaz Perilli, Prof.Geraldo Silva, Prof. Domingos Horta, Prof. Elpídio Antonio Ramalho, meu paraninfo, Frei Conrado Goumans, Frei Seráfico Schluter, Frei Salésio Heskes, Frei Feliciano van Sambeek, Frei Metelo Geeve, Frei Beno van Buijtenen, Frei Jordano Noordemeer, Frei Jaime Steneker, Frei Geraldo de Reuver, Frei Felicíssimo Mattens, meu diretor, devo os pilares de minha humilde sabedoria. Àqueles educadores devo os pilares da moral, da honra, da dignidade e da humildade sem subserviência.

Aprendi a ter orgulho sem ser prepotente: ser homem e respeitar outros homens dignos; lutar pela liberdade e pela democracia; defender os humildes e os esquecidos; ser justo, sendo juiz de mim mesmo; ver os bens materiais como forma de poder ajudar alguém. Jamais a cobiça.

Quando, no princípio de dezembro de 1957, na noite de minha formatura, desci as escadas do palco do nosso cine-teatro, ladeado pelos meus orgulhosos pais, tinha no peito a medalha de ouro daquele educandário e trazia na alma a vontade e o preparo para enfrentar a vida.

Quadro de fomatura da turma de 1957 - Curso Ginasial do 
Ginásio Santo Antônio - São João del-Rei

Guardei aquela medalha por 57 anos e dentro das paredes sagradas do Instituto Histórico e Geográfico de São João Del Rey, na frente de seus ilustres membros, entreguei-a ao meu filho, para que ele um dia a ofertasse ao meu neto. Não lhe passava uma medalha, repassava-lhe o simbolismo de como se deve educar um cidadão, e disse as seguintes palavras, a todos os presentes naquela inesquecível reunião : 
"Nós só nos tornaremos uma nação, quando elegermos a educação de nossos filhos, de todos os brasileiros,  como a mais importante missão de nossas vidas. Deixaremos de aparecer nas páginas policiais dos noticiários estrangeiros e apareceremos nas cerimonias de entrega do Prêmio Nobel. Transformaremos os risos do deboche em aplausos pela estatura intelectual que alcançarmos."

Obrigado, amigo Braga, por ter me levado de volta a um passado que nunca irei esquecer até o final de meus dias, e do qual muito me orgulho.

Não posso encerrar, sem antes agradecer ao povo de São João Del Rey, que durante cinco anos me acolheu e que, durante toda a minha vida, sempre que lá retornei, fui recebido de braços abertos. 

São João Del Rey é a minha segunda terra natal.

Colaborador: LÚCIO FLÁVIO BAIONETA

Nasci em Curvelo-MG, em 31 de outubro de 1941, filho de Milton Baioneta da Silva Maia, brasileiro, comerciante, e de Lígia Rezende Maia, brasileira, professora. Casei-me, em 18.04.1964, com Vilma Canabrava Baioneta, com quem tive 2 filhos: Lúcio Flavio Baioneta Junior, nascido em 01.04.1971, e Tatiana Canabrava Baioneta, nascida em 01.02.1984. Permanecemos casados até hoje.

Cursei o primário, de 1949 a 1952, em Curvelo-MG, no Grupo Escolar Alcides Lins, tendo como única professora a senhora Isabel Santarém.

Em 1953, fiz o exame de admissão e ingressei no internato do Ginásio Santo Antônio, em São João Del Rey-MG,  onde me formei em 1957, em primeiro lugar geral da turma, recebendo a Medalha de Ouro, daquele educandário e da qual tanto me orgulho.

Em 1958, mudei para Belo Horizonte-MG, ingressei no Colégio Santo Antônio, onde cursei os três anos do curso científico até 1960.

Em 1961, aprovado no vestibular, entrei para Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais, onde em 1966 colei grau como engenheiro civil, Crea 4944/D.

Durante o curso de engenharia e para custeá-lo, trabalhei desde 1962, no setor de cadastro do Banco de Crédito Real de Minas Gerais S.A., onde ingressei por concurso público e lá permanecendo até 1967, quando solicitei exoneração do cargo que ocupava.

Fui aprovado, em 1967,  por concurso público para engenheiro civil da Secretaria de Viação e Obras do Estado de Minas Gerais, e em 1968 enderecei carta ao Secretário de Obras, onde optei por não tomar posse no serviço público.

Ingressei, por convite, em 1966 no Grupo Financeiro Ipiranga, na filial de Belo Horizonte~MG, como cadastrista e ali galguei todos os cargos funcionais. De cadastrista, fui promovido a gerente de seção. Ainda em Belo Horizonte, fui promovido a gerente de filial e transferido para Curitiba-PR. Depois em 1969, fui promovido a superintendente da região nordeste do Brasil, ocasião em que fui transferido para  Recife-PE, onde ficava a sede operacional do Grupo, abrangendo os estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.  Em 1970, ainda no Recife, em função destas filiais nordestinas terem alcançado um desenvolvimento extraordinário, fui promovido a diretor-adjunto. Em seguida, fui transferido para a matriz do grupo financeiro no Rio de Janeiro-RJ como diretor da área de crédito. Devido a meu empenho em introduzir novas modalidades de crédito direto ao consumidor, novas tabelas de riscos de crédito  e inovações nos cálculos atuariais na área de seguros de vida,  fui promovido a diretor de vendas e marketing da financeira, da distribuidora, da corretora e do banco de investimentos. Nesta nova função, introduzi novos conceitos de trabalho em equipe, criando equipes internas e externas de vendas com gerências próprias, e novas modalidades de remuneração por desempenho e promoções por destaque e alcance de metas. Lancei novas modalidades de investimentos, com novos papéis e  consegui aumentar as vendas de tal forma que fui dobrando-as por 3 anos consecutivos. 

O grupo financeiro saltou no ranking do bancos na época de 14º lugar para o 4º lugar. À época, ganhamos do Bradesco. Foi um marco fantástico.

Simultaneamente, patrocinei a edição de livros, discos, inclusive o "Vox Omnis", em São João Del Rey,  cds, etc. e, em maio de 1972, numa ousada iniciativa e correndo todos os riscos possíveis, patrocinei a primeira transmissão internacional das corridas de Fórmula 1, para o Brasil, junto com a TV Globo e a agência de propaganda Esquire. Essas transmissões de corridas permanecem até hoje, 42 anos depois na TV Globo.

Fui então, em 1973, promovido ao cargo máximo na carreira, o de vice-presidente de vendas e marketing de todas as 33 empresas que compunham naquela época o Grupo Financeiro Ipiranga.

Deixei o grupo financeiro, em 1975, por divergir das orientações superiores, emanadas do acionista majoritário, para as funções executivas do GFI. Resolvi caminhar com minhas próprias pernas e ideias.

Fundei então as empresas: Palma Engenharia e Comércio Ltda., com negócios na área de engenharia civil; Palmares Agropecuária Ltda., na área reflorestamentos e agronegócios; Palmares Transportes Ltda., na área de logística; Ferrocal Mineração Ltda., na área de mineração e produtos para tratamento de águas brutas e usadas. Consegui, com o crescimento ordenado e metas pré- estabelecidas, chegar aos  713 funcionários com carteiras de trabalho assinadas.

Em 1990, vendi todas as empresas e passei a me dedicar às atividades de engenharia e agropecuária na administração de várias fazendas agropecuárias próprias.

Em 2007, atendendo a um desafio feito por um grupo de criadores de cavalos mangalarga marchadores, em assembleia pública, cuja ata se encontra na Internet, idealizei e coordenei o projeto "Caminhos Gerais", uma parceria entre a ABCCMM (Associação Brasileira dos Criadores do Cavalo Mangalarga Marchador), o Governo Federal (representado pelo Ministério do Turismo), empresas jurídicas e entidades sociais e também diversas universidades federais, tais como a Universidade Federal de Uberlândia, Universidade Federal de Goiás, e universidades particulares como a Unimontes e diversas outras universidades de várias partes do  Brasil, visando levar cavaleiros de todo o Brasil, bem como estudantes da áreas médica, jurídica, veterinária, literária, artes cênicas e outros estudantes voluntários para atender as comunidades carentes por onde iriam passar as  cavalgadas na Estrada Real, dentro de preceitos rígidos de respeito ambiental e responsabilidade social, visando ajudar as pessoas carentes das regiões do Vale do Jequitinhonha e do São Francisco, tanto adultos como crianças mais necessitados, com consultas médicas, assistência jurídica, teatro, jogos esportivos, etc. Praticamos o que chamamos de Turismo Solidário, ou seja, ficávamos hospedados em casas de pessoas carentes e pagávamos a eles as mesmas diárias que iríamos pagar em hotéis. Foi espetacular. Foram atendidas mais de 50.000 adultos e crianças carentes.

O projeto Caminhos Gerais obteve um grande  destaque na mídia televisiva (TV Globo, Band, TV Minas, RBS, etc.), nos jornais e revistas de todo Brasil. Foi classificado em 2007, 2008 e 2009 como o melhor projeto do Ministério do Turismo, no Brasil.

Em 2010 organizei na cidade de  Heidelberg na Alemanha, em parceria com a Associação Europeia do Mangalarga Marchador, a primeira prova internacional daquela raça de cavalos, tendo sido convidado pela Universidade de Heidelberg para editar o projeto Caminhos Gerais na Alemanha.

Fui eleito em concurso do Jornal Hoje em Dia, intitulado "Cidadãos do Mundo", como o líder na área de projetos sócio-ambientais. Em cerimônia pública, recebi o troféu que guardo, com destaque, entre tantos outros recebidos pelo projeto.

Em 2011, exonerei-me do projeto Caminhos Gerais,  que passou então a ser tocado unicamente pela ABCCMM.

Participei de centenas de conferências, palestras e cursos por todo o Brasil durante minha vida profissional.

Em 2011, aos 70 anos, vendi todas as fazendas e propriedades rurais, afastando-me totalmente das atividades agropecuárias. Nunca requeri nenhum tipo de aposentadoria.

Plantei mais de 8 milhões de árvores.

Agora vou escrever um livro, cujo título será: "De banqueiro a carvoeiro".

domingo, 3 de maio de 2015

MÉDICO E ESCRITOR GOIANO BRILHOU EM SÃO JOÃO DEL-REI POR 15 ANOS


Por Francisco José dos Santos Braga *


Este artigo apareceu originalmente no JORNAL DE MINAS, publicado em São João del-Rei, Ano XV, nº 253, 10 a 16/04/2015, p. 4. 



Cidade de Goiás (31/07/1868) - Rio de Janeiro (02/09/1928)


Nos dias 19  (dia de São José) e 20 de março de 2012, tive a honra de representar o presidente da Academia de Letras de São João del-Rei, escritor José Cláudio Henriques, nas comemorações do 30º aniversário da ALB-Academia de Letras de Brasília, realizadas em auditórios do Parlamundi, sede da LBV, em Brasília. Após a cerimônia protocolar na noite daquele memorável dia, iniciada às 19 horas (com recepção solene pelos Dragões da Independência-DF e sua Banda Musical tocando o Hino Nacional, cerimônia de abertura, outorga de medalha comemorativa a personalidades de destaque, lançamento de livro comemorativo da ALB e obliteração de selo comemorativo pela ECT), fui convidado a participar das comemorações que continuaram no dia seguinte. Às 9 horas do dia 20/3, quando da formação da Mesa, fui convidado a ocupar uma das cadeiras, tendo em vista a histórica cidade de São João del-Rei gozar de excelente e merecida reputação de urbe de elevada cultura e terra natal dos heróis Tiradentes e Tancredo Neves. Naquela reunião oficial foi cumprido o seguinte programa: apresentação do Coral Alegria, execução do Hino Nacional por excelente saxofonista, conferência do pioneiro de Brasília, Dr. Murilo Melo Filho, membro da Academia Brasileira de Letras, outorga da medalha comemorativa aos Acadêmicos da ALB e a outras personalidades do mundo literário e cultural e "in memoriam", cerimônias estas seguidas de um banquete de confraternização.



Tendo comparecido à lauta refeição na hora aprazada, minha esposa Rute Pardini e eu tivemos a grata satisfação de sentar-nos ao lado do Acadêmico Dr. Ático Vilas Boas, de Macaúbas-BA. Apresentamo-nos e, quando me indagou sobre a minha procedência, informei-lhe que viera de São João del-Rei.



Essa informação o impressionou vivamente e ele me perguntou se já tinha pesquisado, nos periódicos da cidade mineira, a obra do goiano Dr. (Antônio Ferreira) Ribeiro da Silva, literato e médico que tinha residido ali por 15 anos. Diante daquela pergunta constrangedora para mim, respondi-lhe que não.



Resumindo, fiquei sabendo que Dr. Ático era o autor do prefácio da reedição de "O APÓSTATA", de SÉRGIO GUIDO (pseudônimo adotado por Dr. Ribeiro da Silva), portanto um especialista. Fui ainda informado que a primeira edição da obra fora incinerada pelo próprio autor, a pedido de um bispo.



Incontinênti, convidei-o para ser colaborador do Blog de São João del-Rei, pedindo-lhe que me autorizasse a publicar o seu prefácio. Para tanto, aguardei a chegada de um exemplar do livro recém-lançado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, na pessoa de seu então presidente e escritor Aidenor Aires com o prefácio assinado pelo citado Acadêmico. No referido texto, intitulado "Prefácio do Acadêmico Dr. Ático Vilas Boas à recente reedição de  O  APÓSTATA, da autoria de Sérgio Guido (pseudônimo do Dr. RIBEIRO DA SILVA)", o seu autor escreveu:



“(...) Uma valiosa informação biográfica que bem atesta o alto nível dos conhecimentos médicos do Dr. Ribeiro da Silva: o Aspirante Dilermando de Assis foi o autor, em circunstâncias dramáticas, da morte do notável escritor Euclides da Cunha, fato ocorrido a 15 de agosto de 1909, na residência do citado militar, no Rio de Janeiro.

Essa ocorrência desagradável, em que pereceu o eminente escritor, ficou logo conhecida como a Tragédia da Piedade (RJ), estigmatizando, para sempre, um bairro carioca de classe média.
Euclides da Cunha, ao tentar alvejar Dilermando, seu desafeto, não o conseguiu e a bala veio alojar-se na coluna vertebral de Dinorah de Assis, seu irmão e hóspede, deixando-o paralítico.
Na qualidade de militar, foi transferido para São João del-Rei, trazendo o irmão inválido. Atendendo ao pedido de Dilermando, Dr. Ribeiro da Silva examinou Dinorah, solicitando exames radiológicos e outros indispensáveis.

Com a aquiescência do paciente, foi feita na Santa Casa da Misericórdia local a cirurgia para a remoção da bala na espinha de Dinorah.

Dr. Ribeiro da Silva contou, no ato cirúrgico, com a cooperação dos conceituados médicos Dr. Francisco Lafaiete Rodrigues Pereira, mais tarde catedrático concursado da Faculdade Nacional de Medicina (RJ), e Dr. Alceste de Freitas Coutinho. A cirurgia alcançou êxito e Dinorah voltou a andar.¹



Tendo postado o Prefácio de O APÓSTATA, fiquei de certa forma compromissado a pesquisar a obra do meu biografado, pelo menos para dar alguma satisfação a Dr. Ático Vilas Boas sobre o que Dr. Ribeiro da Silva representava na historiografia são-joanense e deixara registrado nos periódicos locais.



É escusado dizer que o presente trabalho é fruto desse incentivo vindo da parte do Dr. Ático Vilas Boas, sendo oportuno dizer que o material que já possuo sobre o Dr. Ribeiro da Silva excedeu todas as expectativas. A sua produção poética se encontra esparsa por periódicos nacionais e nunca foi transformada em livro; mas, por outro lado, posso adiantar que já tenho em mãos poemas maravilhosos compostos por ele e ainda desconhecidos de muitos, coletados no periódico são-joanense A TRIBUNA e em outras fontes. Também posso adiantar que, em São João del-Rei, compôs ele pelo menos duas revistas teatrais, ambas em 1918 e em parceria com Oscar Gamboa:  "MEU BOI FUGIU" (revista de costumes locais, constituída de 1 prólogo, 2 atos, 3 apoteoses e 27 números musicais)  e "VER PARA CRER" (composta de 1 prólogo, 2 atos, 8 quadros e 26 números musicais) , cujo ponto alto foi respectivamente a declamação dos poemas intitulados "Jerusalém" e "Civilização Latina", ambos da autoria de Dr. Ribeiro da Silva (transcritos no mesmo Blog de São João del-Rei ² ). 



Segundo [GUERRA, 1968: 153], no mesmo ano de 1918, dirigiu os destinos do Clube Artur Azevedo (teatro em que eram encenadas as revistas) a seguinte diretoria: Presidente, Dr. Ribeiro da Silva; Vice, Verbino Parizzi; Secretário, Diógenes Melo; Tesoureiro, Adalberto Gonçalves; Procuradores, Oreste Parizzi e Luiz Nogueira. Conforme se vê, Dr. Ribeiro da Silva teve uma vida social muito intensa em São João del-Rei. Participou, por exemplo, de comissão encarregada de organizar o programa das grandes solenidades comemorativas do 1º Centenário da Independência do Brasil, realizadas em 7 de setembro de 1922. Em 30 de novembro de 1922, compareceu, na qualidade de inspetor escolar, à formatura na Escola Estadual João dos Santos e discursou, como paraninfo da turma que concluía o seu curso primário. Nessas oportunidades e em outras cerimônias deste ano de 1922, pôde apreciar os dotes oratórios de dois dos formandos: Tancredo de Almeida Neves (que discursou na cerimônia de plantação de árvores) e Belisário Leite de Andrade Neto (que saudou a Bandeira Nacional e discursou na formatura em questão).



Além disso, o nome de Dr. Ribeiro da Silva integra até hoje a galeria de sócios honorários e beneméritos do Minas Futebol Clube desta cidade.



Por oportuno, quero dizer que São João del-Rei, cidade histórica e cultural por excelência, propiciou ao Dr. Ribeiro da Silva o florescimento de inatos  dotes literários, poéticos e artísticos, que sempre gozaram da parte da crítica local e de seus admiradores os melhores encômios e apreciações.

Quero deixar claro que não sou ingênuo a ponto de não reconhecer que ele os possuísse antes de sua chegada a São João del-Rei (1907). Apenas argumento que esta cidade foi um campo fértil para sua imaginação criadora que era extremamente multifacetada e versátil, já que se tratava de uma pessoa polivalente. Prova disso é que, por exemplo, além de exímio médico (na Europa, em 1899, tomou posse como membro efetivo da conferência Internacional de Bruxelas, na Bélgica, para a profilaxia da sífilis e das doenças venéreas e, no Brasil, colaborava assiduamente para O Brazil-Medico, o que pode ser comprovado através de busca à Hemeroteca Digital Brasileira, da Fundação Biblioteca Nacional), escritor, poeta e teatrólogo. Dr. Ribeiro da Silva ainda pertenceu em 1923 ao diretório local do P.R.M. (Partido Republicano Mineiro). Cabe aqui a observação de que uma importante característica na vida de meu biografado é que ele foi alguém impressionantemente contemporâneo às manifestações e inovações científicas e artísticas no período de sua curta existência (60 anos).



Em reconhecimento aos inestimáveis serviços prestados às diversas causas aqui relatadas, a Municipalidade são-joanense decidiu homenagear o Dr. Ribeiro da Silva com a denominação de uma de suas ruas.



Também a Academia de Letras de São João del-Rei houve por bem homenagear o célebre jornalista, romancista, poeta e teatrólogo, nomeando-o patrono da Cadeira nº 10. O Acadêmico Dr. José Egídio de Carvalho ocupa a cadeira patroneada por Dr. Ribeiro da Silva.
Crédito pelas imagens: historiador Silvério Parada




II.  BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


GUERRA, Antônio Manoel de Souza: Pequena História de Teatro, Circo, Música e Variedades em São João del-Rei - 1717 a 1967, Juiz de Fora:  Sociedade Propagadora Esdeva-Lar Católico, 1968, 327 p.

VILAS BOAS, Ático: Prefácio do Acadêmico Dr. Ático Vilas Boas à recente reedição de O APÓSTATA, da autoria de Sérgio Guido (pseudônimo do Dr. RIBEIRO DA SILVA), in http://saojoaodel-rei.blogspot.com.br/2013/07/prefacio-do-academico-dr-atico-vilas.html


 

* O autor tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Participa ativamente como membro de diversas instituições de cultura no País e no exterior, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, Academia Divinopolitana de Letras, Instituto Histórico e Geográfico do DF, Academia Taguatinguense de Letras, Academia Barbacenense de Letras e Academia Formiguense de Letras. Possui ainda o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com.br) e é um dos colaboradores e gerente do Blog de São João del-Rei. Escreve artigos e ensaios para revistas, sites, portais e periódicos.