quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

VOZES DE CULTURA CLÁSSICA NA LIRA DE MANUEL BANDEIRA: II – DA SUA FORMAÇÃO LATINA AOS RITMOS “INUMERÁVEIS”


Por Sebastião Tavares de Pinho 
Universidade de Coimbra, PT



1. Em outra ocasião e lugar tive a oportunidade de escrever acerca da formação helenística do extraordinário poeta que foi Manuel Bandeira e de quanto a cultura e a literatura helénicas, e mesmo a língua grega, estão presentes na sua produção literária. ¹ O pretexto da minha pesquisa fora então uma crónica do poeta, que assim começa: 
"Na última de suas interessantíssimas reportagens dominicais para o Diário de Notícias, a nossa querida Eneida tomou para assunto aquêles versos que “adormeceram dentro de nós mas estão sempre prontos a acudir-nos, na rua, em casa, em noites ou dias, a qualquer momento”. Perguntou a meio mundo: “Você tem algum verso que o persiga?  ²
Bandeira resolveu aceitar o desafio, entrou no jogo e respondeu à jornalista Eneida dizendo-lhe que eram tantos os versos que, em variadas línguas, o perseguiam, que não caberiam no espaço das colunas daquele jornal. Relativamente à língua de Homero, escrevia ele: “Só me ficou na lembrança um sorriso no meio de lágrimas, não chega a ser um verso, é apenas um fragmento do mesmo Homero: dacrúoen [sic] gelásasa”. Esta metade de um verso transcrito em grego, que é afinal um hemistíquio do canto VI (verso 484) da Ilíada, resume os sentimentos de Andrómaca no momento da despedida de seu marido Heitor a caminho do fatal duelo, e da morte que se adivinhava mas que o herói tentava afastar da imaginação da esposa com palavras de consolação e de esperança. A nobre dama respondeu com o seu silêncio e “sorrindo por entre lágrimas”: dacruóen gelásasa. ³
  
Foi este meio-verso que, em tempos, como disse, me levou a proceder à leitura da obra de Bandeira, para concluir que ela está profundamente impregnada de uma forte influência da cultura grega, adquirida a partir dos tempos da sua formação escolar. 

Mas, na referida resposta à jornalista Eneida, do Diário de Notícias, Manuel Bandeira pouco depois acrescentava: “Do latim guardei mais coisas”. Ora, é justamente das suas coisas de latim que agora pretendo ocupar-me. 

De facto, o nosso poeta apresenta de seguida, de entre as influências e memórias latinas que guardou, alguns exemplos daquelas que mais o marcaram: 
"As que verdadeiramente me “perseguem” são um verso da primeira bucólica de Virgílio: Formosam resonare doces Amaryllida silvas (“Ensinas os bosques a repetir o nome da formosa Amarílis”) e os dois primeiros tercetos do poema “Franciscae meae laudes”, de Baudelaire:
Novis te cantabo chordis,
O novelletum quod ludis
In solitudine cordis.

Esto sertis implicata,
O femina delicata,
Per quam solvuntur peccata!
Não admira que o poeta Bandeira se tenha enamorado de um dos versos mais belos do bucolismo virgiliano, que exprime de maneira particularmente concisa e poética, ao mesmo tempo, o grito apaixonado do jovem pastor pela sua amada Amarílis quando ele chama pelo nome dela, e também a total comunhão da natureza com os sentimentos humanos, quando esta repete por meio do eco o som do mesmo nome. 

Quanto aos seis versos do poema latino que o famoso poeta francês compôs “para uma modista erudita e devota” , pode parecer mais estranho que Bandeira os tenha fixado na memória e sobretudo que lhes tenha concedido particular relevo ao reevocá-los por várias vezes na sua obra. 

Com efeito, já em crónica de 30/XI/1926, a propósito de um “Soneto em latim” de Mendes de Aguiar (tradução de parte do soneto “A viola” de Sílvio Romero), e falando da “incompossibilidade da rima e da medida silábica com o gênio do idioma do Lácio”, Bandeira recorda e transcreve o primeiro terceto daqueles versos de Baudelaire, que pertencem, efectivamente, ao poema “Franciscae meae laudes”, incluído em Les fleurs du mal.

E mais tarde, em “O Fauno” da colecção da Estrela da Tarde, enquadra na imagem crepuscular e evasiva do tema amor/morte envolto no espaço hortense da ninfa fugidia, um dístico latino que a identifica com o pequeno jardim de plantas noviças (talvez conduzido pela etimologia de novelletum) que brinca na solidão do seu peito, e que, embora o poeta aqui o não diga, coincide com dois versos do primeiro terceto do referido poema latino de Baudelaire, uma das fontes preferidas da sua inspiração: 
O novelletum quod ludis
In solitudine cordis!
Enfim, o facto de Bandeira conservar sempre viva na sua memória a recordação de uma boa parte do poema latino baudelairiano, prova a particular familiaridade do poeta brasileiro com a língua do Lácio. E é essa familiaridade que explica como ele utiliza e maneja, com notável à-vontade, vocabulário latino em frases e citações ou em expressões adaptadas a variadas circunstâncias, ao longo da sua obra.

2. Em Estrela da Tarde, por exemplo, escolhe mesmo para título de um poema a expressão latina “Ad instar Delphini” para traduzir o seu propósito de o compor “À maneira de Delfim”, isto é, ao jeito do poeta parnasiano Luís Delfino dos Santos, em cuja composição “Capricho de Sardanapalo” se inspirara o nosso poeta, chegando a glosar até o último verso desse texto.  

Outro título de formação greco-latina é o da poesia “Ariesphinx” do mesmo livro Estrela da Tarde, nome composto de aries (carneiro) e sphinx (esfinge), que Bandeira escolhera para seu ex-libris. A razão da presença de aries nesta combinatória deve-se ao facto de o nome completo do poeta incluir o sobrenome Carneiro – Manuel Carneiro de Sousa Bandeira –, como ele próprio explica em Itinerário de Pasárgada ¹. Só o conhecimento não apenas da cultura e da mitologia clássica, mas também das línguas grega e latina, poderia ter levado o autor a formar este composto híbrido substituindo o habitual corpo do leão da esfinge da Antiguidade pelo de um carneiro, resultando numa ariesfinge com o intuito de simbolizar, segundo palavras suas, “A força da doçura / A força da poesia, / A força das mulheres e das crianças, / A força de Jesus – o cordeiro de Deus”. ¹¹

 O poeta mostra claras influências clássicas na sua poesia mesmo ao nível do vulgar vocabulário português, em que, com frequência, se surpreendem evidentes latinismos lexicais. Há exemplos disso também na escolha de títulos, designadamente no livro intitulado Ritmo Dissoluto, em que o particípio “dissoluto” parte do sentido inicial do verbo latino dissolvere (desligar, dissolver; desprender, soltar, livrar, etc.) e se adequa perfeitamente à ideia de “ritmo livre”, fora dos preceitos da poética tradicional. ¹²

A presença do mesmo léxico latino em Manuel Bandeira verifica-se também no interior de muitas das suas composições, em termos ou expressões de carácter literário como, por exemplo, em ‘fero’ no soneto “A Camões” ¹³, em‘ricto’ no poema em prosa “Epígrafe” ¹, em ‘glabro’ a rimar com ‘volutabro’ no soneto “A ceia” ¹, em ‘atro’, ‘suplicemente’ e ‘palmas’ isto é ‘palmas das mãos’ no soneto “Menipo” ¹, em ‘almo’, ‘ledo’, ‘rudo’ e ‘coreas’ no soneto “A morte de Pã” ¹, no adjectivo ‘insontes’ em “Mensagem do Além” ¹, em ‘sicofantas’ nos versos dedicados a “Thiago de Mello” ¹, etc, etc. 

3. Em muitos casos trata-se de simples termos ou expressões consagrados pelo uso comum das pessoas cultas. Mas Bandeira sempre as utiliza com clara consciência do seu significado e com oportuna e adequada propriedade, o que nem sempre acontece com outros autores. 

São exemplo disso o vocábulo facies, para designar o aspecto ou aparência, referido ao poeta Augusto Frederico Schmidt, cujos inimigos o chamavam tubarão “o que” – observa o poeta – “não vai nada com o facies de sua gordura”. ²

Entre as expressões latinas dispersas pela sua obra encontram-se as famosas palavras Nec plus ultra, adaptação da frase Non plus ultra que é tradução da grega ouketi prosw usada por Píndaro (Nemeias, 3, 21) e que, segundo a tradição mitológica, fora gravada nas chamadas Colunas de Hércules, erigidas sobre os rochedos de Calpe e Ábila, que definem o Estreito de Gibraltar, como sinal do limite ocidental do mundo, e como advertência sobretudo aos navegantes para que não ousassem o sacrilégio de as ultrapassar e penetrar no tenebroso Oceano povoado de monstros. Como é sabido, Carlos V rompeu com essa interdição quando usou a expressão positiva Plus ultra para seu lema e para afirmação do seu império sem limites. Em Manuel Bandeira a forma adaptada Nec plus ultra, usada depois no sentido do mais alto grau de perfeição possível, assume um velado tom satírico, quando, numa crónica acerca da Academia Brasileira de Letras, o poeta afirma que esta “para muita gente dentro e fora dela, [...] representa o nec plus ultra da glória, o máximo expoente da vida intelectual brasileira”. ²¹

Outras vezes, de mistura com várias línguas que bem conhecia – inglês, francês, alemão –, assume e utiliza frases ou expressões latinas, originais ou adaptadas, como Pauca, sed bene parata! em “Golpe do Chapéu” ²², paralela à conhecida locução proverbial pauca, sed bona

Aparecem, ainda, expressões como pro forma, a respeito de Gonçalves Dias preocupado em salvaguardar as aparências do seu casamento em crise ²³; post mortem, referida às sucessivas edições da obra de Raul de Leoni ²; ad infinitum, num belo comentário a “Um poema de Castro Alves” cujos decassílabos assumem um ritmo “como se” – diz Bandeira – “o silêncio da meia-noite em que foram concebidos aqueles versos os tivesse prolongado, além da medida, ad infinitum ²; e as vulgares expressões ad litteram, ad libitum e mutatis mutandis, a primeira referida à tradução “para moderno” de um soneto de Bocage ², a segunda a propósito do livre critério de selecção de cenas de reportagem seguido por um camera man ², e a última a respeito de umas palavras de crítica feita ao poeta por Agripino Grieco. ² 

Podemos, ainda, registar fórmulas da linguagem jurídica e contabilística, como capitis diminutio enquadrada no conselho dado pelo poeta a um pretenso candidato à Academia de Letras, cujo primeiro dever, em sua opinião, “é não temer a derrota, não encará-la como uma capitis diminutio², isto é, uma perda de autoridade; a fórmula per capita integrada num elogio ao poeta e economista Augusto Schmidt, defensor de determinado plano económico nacional ³ ; e também a expressão vir bonus, de sabor ciceroniano com que ele classifica o seu amigo Milton Campos como um homem honesto. ³¹ 

Muitos destes sintagmas são herança de autores latinos, ou gregos nalguns casos, a quem Manuel Bandeira presta homenagem de modo por vezes implícito, outras vezes expresso. É o caso da famosa frase de Plauto “O homem é lobo do homem” que o nosso poeta usa, com acento satírico, num comentário ao filme “Pane em Caxias”, em que, ao descrever a pronta solidariedade e o “impulso de cooperar” dos transeuntes perante um acidente de viação, faz o seguinte comentário: “se [o impulso de cooperar] existisse em todas as atividades da vida tão espontâneo e desinteressado como o vemos nas ‘panes’ de automóveis, acabaria com a estafada citação de Plauto: “Homo homini lupus”. ³² 

Expressão virgiliana é ad astra, usada com particular humor no comentário ao lema Ad immortalitatem finalmente adoptado pela Academia Brasileira de Letras ³³ e sobre a qual Manuel Bandeira havia de tecer novas considerações críticas, cheias de ironia e humor em “Duas coisas não me agradam”, deste modo: 
"[...] A segunda é esse aurisplendente fardão, que só me vestiu uma vez e sob o qual me senti não como glorioso itinerante ad immortalitatem, mas como um daqueles batráquios chamarrés de pustules do Chantecler de Rostand. ³
E quando, nos inícios de 57, resolveu tomar posição pública acerca dos poetas concretistas, cujo movimento se impusera nos meios literários brasileiros de então e em cuja estética ele próprio ensaiou algumas composições ³, Bandeira assumia, de alguma maneira, a defesa da poesia concreta como uma arte difícil que, acima de tudo, “exige o poeta de gênio”, e termina o seu comentário usando, com segurança e inteira propriedade, parte da conhecida frase virgiliana “hoc opus, hic labor est”, ³ como quem diz: “É aqui que reside toda a dificuldade”. 

E importa, ainda, relembrar que o maior testemunho de admiração do nosso poeta pela obra do Mantuano reside no facto de ele ter retido para sempre na memória, como ideia poética fixa que o perseguia sem cessar, um dos versos mais líricos da primeira Bucólica virgiliana, ao qual nos referimos atrás, isto é, aquele que fala da amada de Títiro, a formosa Amarílis, e que Bandeira traduz, num casamento feliz de rigor e beleza. 

Um outro autor latino dos mais presentes neste tipo de testemunho é claramente Horácio, a quem o poeta brasileiro evoca em citações muito expressivas, colhidas nas Epístolas, nas Sátiras e, sobretudo, nas Odes. Algumas, em que o nome do Venusino aparece expresso, são feitas em segunda mão, se bem que Bandeira as adopte com inteira propriedade e certeza. Estão neste caso expressões como avis rara, referida ao advogado João Maximiano de Figueiredo, que, segundo sua opinião “foi avis rara no Brasil” ³; e o conhecido conselho horaciano de fruir o dia presente, o carpe diem da Ode I, 11, muito provavelmente citado em “O coração inumerável”. ³

Um caso especial é o epíteto de “raça irritável” – genus irritabile – com que Horácio definiu o escritor em geral e o poeta em particular e de que Bandeira se socorre pelo menos por duas vezes. Efectivamente, o maior lírico latino, na sua Carta a Floro, famosa pelo interesse que representa para a teoria poética, lamenta-se de ter de suportar muitas baixezas para poder andar de bem com os seus confrades, a quem apodou de “raça irritável”. São dele, com efeito, estas palavras: “Muita coisa eu suporto para poder agradar à raça irritável dos vates” (Multa fero ut placem genus irritabile uatum). ³

É este pensamento que se vê expresso na obra bandeirina em duas ocasiões. Uma na crónica sobre “O mercador de Livros” Carlos Ribeiro, em cujo “conjunto de lojinhas da Rua de São José” pairava “o espírito do santo das famílias ocupado em promover a união da família dos plumitivos, da genus irritabile”; a outra, em “Poetas bissextos, II” ¹, a propósito da questão de incluir Afonso Arinos de Melo Franco entre os poetas bissextos ou entre os contumazes: 
"[...] colocar Arinos na categoria dos contumazes é tirar-lhe um pouco do vago encanto que encontro nos bissextos. O bissexto, na sua relativa importância criadora, tem às vezes achados que enchem de inveja todo o genus irritabile. "
3. A oportunidade e flexibilidade da fraseologia latina de que Bandeira se serve está patente de um modo particular na intenção pessoal e na carga semântica de ordem, por assim dizer, modal que o poeta lhes imprime para variados fins específicos: o texto latino pode servir claros intuitos de sátira, de humor e de ironia conforme o modo como o poeta encara a matéria tratada, como acontece em exemplos já referidos. Uma atitude de desdém, por exemplo, pode ver-se na expressão et reliqua com que o poeta reúne e classifica os protagonistas do existencialismo sartriano, quando, muito em segredo, confidencia aos seus leitores que só muito tarde (em 1956) entra em contacto com Sartre. Ele explica: “É que a propaganda existencialista, St. Germain des Près e seu pitoresco de encomenda, Juliette Greco et reliqua me punham de pé atrás” ². Não podemos deixar de ver nesteneutro latino do plural um acento profundamente despicativo. 

Outros casos de modalidade conotativa podem sentir-se na ironia com que Manuel Bandeira usa a expressão persona grata a respeito da preferência dada por certa empresa jornalística a um segundo cronista, quando o poeta fora proposto pela Direcção do respectivo jornal para nele manter uma crónicade cinema. ³ Ou no sentimento de inconformado desgosto com que Bandeira, no poema “Recife”, recorda com saudade os tempos da sua infância e lamenta as transformações operadas pela máquina moderna sobre a sua terra natal deixando-a transfigurada, a ponto de ele ter de se resignar a não poder revisitar aquela cidade, nem mesmo como depositária de seus ossos. “Ah Recife, Recife, non possidebis ossa mea”, diz o poeta usando a frase latina, habilmente adaptada, do conhecido epitáfio que o cônsul Cipião, o Africano, mandara gravar no seu próprio túmulo depois do exílio voluntário que precedeu a sua morte, como denúncia da ingratidão sofrida da parte de Roma: “Ingrata pátria, que nem sequer meus ossos haverás de possuir”.

O mesmo carácter funcional do latim está ao serviço do próprio humor, como no caso do “Retruque a Guimarães Rosa”, em que o nosso poeta se serve dos seus conhecimentos da ortografia e da morfologia nominal da língua latina para construir um jogo de palavras à volta do nome desse outro “monstro” da literatura brasileira, brincando, até ao requinte, com as várias hipótesesde grafia – arcaica, clássica e falsa – do ditongo ae, no verso “Rosa, Rosai, Rosae, Rosoe” evocativo do paradigma dos nomes da primeira declinação de uma grande parte dos compêndios de gramática latina.

O latim está, em Bandeira, também ao serviço da linguagem técnica, como se vê no uso recorrente da frase Vbi sunt com que ficou conhecido, desde certos poemas da Idade Média, o tema da evocação do passado perdido, como diria Emílio Moura no seu Cancioneiro
"Os que deixei no caminho,
Sôbolos rios que vão ...
Onde é que estão?
Onde é que estão
Os que deixei no caminho?"
Bandeira aplica, com toda a justeza, esta fórmula retórico-poética, por exemplo, ao apreciar, em “Bilu, acadêmico”, o discurso de posse de Augusto Meyer na Academia: “E Meyer ainda achou jeito de evocar a pequena Academia que era a sala do diretor da Biblioteca Nacional ao tempo da administração do saudoso Rodolfo Garcia, glosa do tema Ubi sunt, a parte comovida da oração”.

A mesma expressão aparece no poema “Antônia”, dedicado ao mesmo amigo Meyer, em que, por entre reminiscências de um tempo irremediavelmente perdido, sugere e rebusca, na memória, a vivência de um amor antigo, e em que, por outro lado, previne o leitor de que não se trata de “crônica nem poema./ É apenas, / Uma nova versão, a mais recente, do tema ubi sunt”.

 Mas é sobretudo no “Passeio em São Paulo” que esta frase da nomenclatura poética latina melhor demonstra o excelente aproveitamento funcional que Bandeira faz da sua preparação humanística, quando procura, de volta ao hotel, nas ruas paulistas, os testemunhos já desfeitos de seu passado de amor, com uma emoção que faz lembrar o refrão dionisino “Ay Deus, e hu é?”. Diz o nosso poeta: 
"Volto ao hotel pelo Anhangabaú.
Onde as Juvenilidades auriverdes? Onde
A passiflora? o espanto? a loucura? o desejo?
Ubi sunt?
Ubi sunt?"
4. O conhecimento que Manuel Bandeira revela da língua do Lácio reflecte-se, naturalmente, no interesse pela própria literatura latina. Assim, aparecem referências explícitas a obras e autores latinos como já vimos, designadamente Plauto, Cícero, Catulo, Virgílio, Horácio e, mesmo, à literatura latina cristã. Bandeira considera que o conhecimento da poesia latina é um excelente requisito, por exemplo, para a teorização da própria poética portuguesa. E assim o exprime acerca de Said Ali, por ocasião de uma nota crítica que lhe fez ao compêndio Versificação Portuguesa
"O prof. Said Ali” [...] “não é um poeta. Mas o seu íntimo conhecimento da poesia latina e da poesia das grandes literaturas ocidentais dá-lhe competência para versar o assunto com uma autoridade que não terá talvez atualmente nenhum poeta de língua portuguesa."

E, uma vez que falamos de poética, podemos lembrar que Bandeira não desconhecia a literatura latina cristã, da qual evocou, por duas vezes pelo menos, o famoso hino ou sequência “Veni, Sancte Spiritus”, como exemplificação quer de poesia rimada em sílabas finais átonas, quer de rima toante, transcrevendo para o efeito as quatro primeiras estrofes do mesmo poema, num caso ¹, e apenas a primeira, no outro. ²

É também no mesmo estudo, e a propósito da definição de verso livre, que o poeta mais uma vez recorre ao latim para completa clareza de ideias. Assim: 
"Mas esse verso livre cem por cento é aquele que não se socorre de nenhum sinal exterior senão o da volta ao ponto de partida à esquerda da folha do papel: verso derivado de vertere, voltar. À primeira vista, parece mais fácil de fazer do que o verso metrificado. Mas é engano." ³
Voltando aos autores latinos da Antiguidade Clássica, para além das citações transcritas de Plauto, Virgílio, Horácio e de outros, Bandeira evoca e aprecia a própria obra desses autores de forma expressa. De Cícero, fala, por exemplo, a propósito do pintor e poeta brasileiro Cícero dos Santos Dias em “Notícias de Cícero”, prevenindo logo no começo da crónica: “Não se trata do Cícero de Arpino, do Cícero das Catilinárias e das Filípicas, mas do Cícero de Cajazeiras, Estado de Pernambuco. Cícero dos Santos Dias, pintor e poeta. E, em crónica acerca da fundação, em São Paulo, de uma Associação Cristã de Veteranos, “que é eufemismo de Velhos” e “vai ensinar os homens de idade provecta a serem felizes”, o poeta não esquece de recomendar, sobre esta matéria, a leitura de um dos diálogos mais famosos do Arpinate: “Lede o diálogo ‘Da Velhice’, de Cícero, e convencei-vos de que ela nada tem de temível”.

A respeito de Virgílio, além do que já vimos em matéria de citações, há ainda pelo menos uma referência ao Mantuano em carta de Bandeira dirigida a seu tio Raymundo Bandeira, em janeiro de 1910, na qual se trocam ideias sobre o conceito de “clássico” e sobre arte poética, e em que o nosso poeta escreve: 
"A propósito do alexandrino de Corneille, pergunta-me se porventura acho monótono o metro de Virgílio, Dante e Camões. De modo nenhum! O caso é diferente. Virgílio escreveu em hexâmetros, os outros dois decassílabos (endecassílabos, pela velha métrica). São medidas de muitos recursos, que eles variaram com infinita arte."  
E, dentro do mesmo epistolário bandeirino, numa carta deliciosa de resposta a Zila Mamede, jovem poetisa “até debaixo da água” nas palavras e na opinião do poeta, mas que, pelo visto, tinha aversão ao latim, Manuel Bandeira dá-lhe o seguinte conselho de amigo, que é, ao mesmo tempo, um exemplo de realismo didáctico para a situação em causa e um notável testemunho da sua própria admiração pela poesia clássica latina: 
"Mas olhe, deixe de bobagem, e trate de estudar bem latim. Não se importe muito com a gramática rosa, rosae, amo, amas, amat, etc. Compre os livros de tradução justalinear que chamam “burro” e leia os poetas latinos. Comece pelo Catulo, que é uma delícia”. 
E a seguir Bandeira transcreve os próprios versos latinos da segunda parte do famoso poema dos beijos, do poeta de Verona: 
"Da mi basia mille, deinde centum;
Dein mille altera, dein secunda centum;
Dein usque altera mille, deinde centum;
Dein, quum millia multa fecerimus,
Conturbabimus illa, ne sciamus,
Aut ne quis malus invidere possit,
Quum tantum sciat esse basiorum.”
Manuel Bandeira não fez acompanhar esta transcrição do texto latino catuliano com o tal burro justalinear, que agora ajudaria ao leitor menos afeito à língua do Lácio e madre directa do português; mas ousaremos nós apresentar uma tentativa de tradução, a fim de todos podermos ver do que tratam estes sete hexâmetros dirigidos pelo poeta neotérico à sua idolatrada Lésbia: 
"Me dá mil beijos, e depois um cento;
E depois outros mil, e a seguir mais duzentos;
E depois mais outros mil e mais cem;
E depois, quando tivermos trocado muitos milhares,
Vamos baralhá-los, para lhes perder a conta,
Ou para que nenhum malvado possa invejar-nos
Quando vier a saber que tanto beijo trocámos. "
E o poeta Bandeira, embalado neste delírio dos beijos, não deixou de aproveitar o momento para se despedir da sua amiga Zila, com este remate epistolar: “Depois de tanto beijo, mais um para você do amigo M. B.”

5. O seu conhecimento do latim e da literatura latina estendia-se também aos textos da escritura sagrada. Quando, em 15 de maio de 1957, mais uma vez a propósito da poesia concreta, explicava em “A chave do poema” o modo de ler o seu “Poema de Amor” a que deu o nome de “Rosa tumultuada” , dizendo que era uma espécie de palavras cruzadas, um “puro diagrama de um grito passional”, admitiu que pudessem seus leitores entender tudo aquilo como uma verdadeira puerilidade. E o poeta Bandeira responde, muito a calhar: “Então me deixem ir para junto de Jesus, que disse 
"Sinite parvulos venire ad me." ¹
Tem particular ironia a conhecida expressão neotestamentária in illo tempore na boca de Manuel Bandeira acerca da mudança de atitude do pintor Portinari no que toca às relações entre pintura e poesia: 
"Portinari in illo tempore não admitia que se falasse de pintura em termos de poesia: pintura eram linhas, cores, volumes, nada mais. Eis que um dia Portinari, pintor e poeta, pintor-poeta, sentiu necessidade de se exprimir por meio de palavras [...]" ² 
Em crónica literária de 6 de novembro de 1960 acerca da publicação das obras poéticas da Madre Maria José de Jesus, de seu nome secular Honorina de Abreu – a filha de Capistrano de Abreu –, e ao apreciar a inspiração cristocêntrica de vários dos seus sonetos, Manuel Bandeira recorre ao texto salmódico da sagrada escritura para encontrar a razão de ser das características dos poemas de Madre Maria José: 
"Sua poesia sempre estivera instaurada em Cristo, e outra coisa nunca mostrou senão a face de Cristo. Os sonetos “Cristo, vida da alma”, “O Sacrário”, “Caridade”, “Quem é Jesus ou que é Jesus”, e tantos outros atestam essa constante sede de Cristo, que ela sabia só saciável na outra vida, como lhe ensinara o salmo: Satiabor cum apparuerit gloria tua." ³ 
6. Mesmo em citações latinas de segunda mão, incluídas em extractos de contexto mais amplo, Bandeira demonstra um pleno domínio linguístico do locus clássico em causa, tanto pelo modo como o enfoca, como pelo novo enquadramento em que o acolhe. Podemos considerar como exemplos deste tipo expressões como jus et norma loquendi e a parte rei, de textos de Júlio Ribeiro citados pelo poeta no seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras , e o termo processus, de Machado de Assis, a respeito de Olavo Bilac.  

Revela particular segurança no conhecimento do latim a justa oportunidade com que Bandeira transcreve, na sua conferência sobre “Poesia e verso”, um texto de Quitard traduzido por Bilac e Guimaraens Passos no seu tratado de versificação e que apresenta, a partir da etimologia, a definição de “prosa” (da expressão latina oratio prosa – discurso contínuo, prorsus) e o conceito de “verso” (de versus, do verbo vertere – tornar, voltar, volver).

E não deixa de ser singularmente elucidativo o modo como Manuel Bandeira, em uma “Impressão literária” de extremo elogio à obra “admiravelmente adorável” de José de Anchieta, assim comenta o estilo dos sermões do famoso jesuíta: 
"O latim que cita sai sem o menor ressábio de pedantismo. Ele diz ubi nulla est redemptio e logo traduz foríssima da letra, encantadoramente, onde não há mezinha nem remédio."
Como é evidente, só um bom conhecedor da língua latina poderia fazer este comentário, sabendo distinguir o que é tradução à letra da tradução livre ou muito fora da letra, “foríssima da letra” como ele afirma. E, logo depois, a comprovar as suas habilitações de filólogo latino, acrescenta: 
"No sermão de 67 o desenvolvimento do tema incipiebam mori está feito de maneira magistral e pode-se dizer que nêle a eloquência sagrada atingiu as suas maiores alturas em língua portuguesa."
Em apontamento crítico ao “livro lindíssimo – o Pequeno Oratório de Santa Clara, poema de nossa grande Cecília Meireles”, Bandeira começa por elogiar o requinte tipográfico da edição e, a propósito, traduz e transcreve um texto latino de Tomás de Celano a respeito de Santa Clara, sua contemporânea,“ ‘clara pelo nome, mais clara ainda pela sua vida, claríssima pelos seus costumes’, ou seja, no latim de intraduzível beleza: clara nomine, vita clarior, clarissima moribus.” 68 

7. Mas o latim de Manuel Bandeira não se limita à transcrição de textos originais ou ao recurso a citações mais ou menos consagradas pelo uso comum e conhecidas mesmo de um escritor sem preparação clássica. Pelo contrário, o poeta prova possuir, nesta área, conhecimentos que lhe permitem usá-las para fins de crítica linguística e literária. E, para isso, não esquecera as lições de filologia e de gramática histórica da língua portuguesa herdeira do latim, quando um dia, em crónica a que deu o título de “Gramatiquice e gramática”, fez certas observações críticas ao livro Estudinhos de Português de José Patrício de Assis, no qual este autor, louvando-se em José Feliciano de Castilho, pretendia que a conjunção condicional se, porquanto vem do latim si, como tal se deveria escrever. E, a esse propósito, transcreve as seguintes palavras do próprio Castilho: “Ora, a nossa condicional descende do latim, onde se escreve si; para escrever si temos, pois, a regra etimológica; para escrever se qual teremos?” Bandeira toma a palavra e diz: 
"Respondo eu: nos monossílabos átonos o i final longo passa a e; o latim si deu o português se, o latim qui deu o português que, que ninguém escreve qui, embora num como noutro caso a pronúncia brasileira identifique o e reduzido com o i átono. Assim aprendi com os mestres brasileiros Silva Ramos, Sousa da Silveira, Antenor Nascentes..." 69 
Em comentário ao livro História do Mundo para Crianças, de Monteiro Lobato, sobre o qual, de resto, tece considerações de grande elogio, Bandeira não deixa de “chicanar um pouco a respeito das imperfeições desta edição” designadamente acerca da tradução para latim dos onomásticos Narizinho e Pedrinho daquela obra de literatura infantil. Diz o nosso poeta: 
"Toda vez que Hillyer ou Monteiro Lobato – deve ser Monteiro Lobato – se mete em latim, sai o livro errado: Tu quoque, Brutus, Annus Dominum. As palavras de todas as línguas vão mudando sempre. No tempo dos romanos nariz era nasus e Pedro era Petrus. Mudaram ou foram mudando lentamente. Aqui era preciso tomar por exemplo outra palavra que não nariz, que não é transformação de nasus, mas de naricae." 70 
A preparação clássica de Bandeira, associada a uma agudíssima sensibilidade estética no domínio do ritmo poético, leva-o por vezes a encontrar na raiz etimológica da língua latina opções insuspeitas de interpretação para o próprio português. É o caso da crónica acerca de um passo do hino “O mar” de Gonçalves Dias – do seu “velho Dias” como ele o designa. Trata-se da acentuação do adjectivo “flóridas”, que o poeta prefere à forma paroxítona “floridas” encontrada em algumas edições daquele poema, que assim começa: 
"Oceano terrível, mar imenso
De vagas procelosas que se enrolam
Floridas rebentando em branca espuma... "
Ao reler e saborear de novo a beleza destes versos, Bandeira conclui: 
"A análise do contexto faz-me sentir que, se pronuncio flóridas, o ritmo assume de golpe mais movimento, admiravelmente expressivo do tumulto das águas encapeladas, a tônica deslocando-se da vogal i para a vogal ó, mais cheia, mais ecoante, mais, digamos assim, oceânica. Inegavelmente flóridas faz mais imagem do que floridas." 71 
Esta era a opinião do nosso vate, baseada na sua imediata sensibilidade rítmica e musical. Mas, depois, vêm ao de cima também o seu saber linguístico e curiosidade científica, que o levam a confirmar por meio da filologia latina aquilo que o seu ouvido estético lhe impunha. E assim, para corroborar a sua intuição literária, o poeta continua, recorrendo ao seguinte testemunho de filólogos, lexicógrafos e literatos: 
"Constato em mestre Nascentes que flórido tem o mesmo significado que florido: “FLORIDO – Do lat. Flóridu, coberto de flores”. O dicionário de Saraiva diz “Flóridus, a, um, florido, que está em flor”. Mas acrescenta: “Brilhante, vivo. Flóridi colores (Plínio), cores brilhantes, vistosas”. Penso comigo que as vagas quando rebentam em branca espuma não se tornam apenas floridas: tornam-se brilhantemente floridas: flóridas. Estarei sutilizando demais? Apelo para os exegetas literários. Mestre Sousa da Silveira, mestre Aurélio, falai: vosso discípulo vos escuta." 72 
Manuel Bandeira mostra preocupação e capacidade de verdadeiro filólogo na forma como recorre à etimologia latina para explicar termos portugueses cuja semântica assumiu ou privilegiou, com o tempo, significados ausentes ou irrelevantes na sua origem. É assim que ele, com argúcia filológica, fala acerca do sentido e da etimologia do adjectivo “delirante” a propósito de um artigo de Sousa da Silveira sobre o livro O Idioma Nacional, de Antenor Nascentes. Silveira entendia que “Um lingüista como êle [Nascentes] o é, não podia absolutamente usar daquela denominação [Idioma Nacional] [...] nem entrar na corrente delirante dos que pretendem [...] criar uma língua nova, uma língua que querem não seja portuguêsa [...].” 

Bandeira quis intervir para evidenciar o sentido técnico do termo “delirar”, do latim de+lira (rego, sulco), e evitar assim, em favor dos dois amigos, o vulgar entendimento depreciativo daquele vocábulo. E fê-lo deste modo: 
"Nesse período empregou Sousa da Silveira o adjectivo “delirante” no sentido etimológico, para significar “o que sai do sulco”, não tendo, portanto, a palavra nenhuma intenção menos delicada para os adeptos daquela corrente." 73 
É, ainda, o bom conhecimento da língua dos romanos que leva o poeta a associar os vocábulos portugueses à sua fonte latina, por vezes de modo algo jocoso, algo intencionalmente ambíguo. Assim procedeu, por exemplo, na crónica sobre o garoto da rua chamado “Lenine”, donde parte para irónicas considerações acerca da figura do político russo, de cujo nome assim fala: 
"A pujante virilidade do vocábulo lhe vinha daquela líquida inicial, rica de associações com o felino formidável: Le...Leo, Leonis. E toda essa força se abrandava de súbito na aliteração da doce dental nasal e com o “i” claro, infantil e corajoso." 74 
Num outro tom, mas de novo com a mesma renovada força da etimologia latina, o nosso poeta-filólogo procura na palavra latina cor (coração) o rigor e o vigor de sentido que deseja restituir aos conceitos de coragem, cordialidade, cordura, qualidade que mais admira em dois amigos seus: Múcio Leão e Santa Rosa. Quanto ao primeiro, fala 
"de certa cordura – vejam que estou me valendo de nomes derivados de cor, coração – de uma certa modalidade de modéstia, que os torna tão irresistivelmente simpáticos e donos de nossos corações." 75 
A respeito de Santa Rosa e da sua relação com os pintores, afirma em outra crónica justamente intitulada “Santa”: 
"Sabemos todos como os pintores são uma classe desunida. Sempre admirei a habilidade – mas não era habilidade, era cordura, cordialidade ou qualquer outro atributo de nome derivado de cor, cordis, coração – com que ele evoluía serenamente entre esses “lobos de estepe” (vi esta imagem em Drummond e passo a adotá-la), sem jamais despertar em nenhum deles a alergia do ciúme. Santa compreendia a pintura e compreendia os pintores..." 76 
Um exemplo particularmente elucidativo quanto ao domínio da base linguística latina por parte de Manuel Bandeira está, sem dúvida, no comentário que se pode ler em Flauta de Papel acerca do adjectivo “almo” e a propósito das malfadadas gralhas em que os tipógrafos sistematicamente caem. O poeta revela, neste caso, além de um conhecimento seguro do latim, um interesse crítico pela renovação e rigor da sua própria linguagem poética. Diz ele: 
"Há um outro adjetivo – “almo, alma” – de que usei e abusei nos meus tempos de iniciação parnasiana, porque no seu vago significado de bom, agradável, favorável é um calço comodíssimo para travar um verso na justa medida. Depois matutei comigo que o recurso era indecente, e jurei que no futuro só empregaria a palavra no seu sentido primeiro que é “nutriente, criador” (em latim “almus” vem do verbo “alere”, que quer dizer “fazer aumentar, crescer, nutrir, fortalecer”). Fiquei fiel ao meu juramento e só uns quarenta anos depois me surgiu a oportunidade única de me socorrer do poético vocábulo para exprimir com exatidão o meu pensamento: numa crônica para este jornal sobre a exposição de cartazes de propaganda do Banco do Sangue chamei de ‘alma riqueza’ o estoque do precioso líquido (com perdão da irmã água!). Mas ao entregar o artiguinho ao meu querido amigo Barros Vidal, secretário de A Manhã, propus-lhe apostarmos que no dia seguinte sairia impresso ‘alta riqueza’ em vez de ‘alma riqueza’. Riu-se o Barros, prometeu-me olhar pela revisão, não sei se olhou mesmo, a verdade é que saiu, como eu previra matematicamente, ‘alta’ e não ‘alma’. 77 
Nesta série de exemplos do interesse filológico do poeta Bandeira com base directa na língua latina, evocaremos mais um caso, que envolve não apenas o latim mas a própria fonte primeira, que é o grego. Trata-se da etimologia de “plagiário”, de que ele próprio fora acoimado e sobre cuja acusação ironiza deste modo: 
"Da pecha de plágio não me defenderei. Sou realmente um plagiário. Tomar um verso alheio para epígrafe e mote de umas glosas é realmente incidir na palavra que já entre os romanos Marcial empregava para designar o ladrão literário. Esta nota erudita aprendi com o professor Nascentes, e mais, que plagiarius era o que desencaminhava escravos alheios por meios oblíquos (do grego plágios), indirectos, astuciosos. Dou a mão à palmatória do leitor de Antônio Olinto." 78 
O poema de Bandeira intitulado “Poética”, incluído do livro Libertinagem, tem um verso que, a meu ver, só se compreende se entendermos um dos seus vocábulos como um latinismo ou termo erudito que aqui conserva vivo um dos seus valores semânticos hoje menos conhecidos. Trata-se do adjectivo “inumeráveis” qualificativo do substantivo “ritmos”. 

A composição reflecte as opções estéticas e técnicas de Manuel Bandeira em certa fase da sua produção literária, sob a influência do movimento modernista. O próprio título Libertinagem, da colecção de poemas escritos de 1924 a 1930, entre os quais se encontra a “Poética”, traduz, de forma expressiva e jocosa, a ideia de liberdade preconizada pelo Modernismo na escolha do conteúdo e sobretudo da forma na criação poética, no seguimento de outra colecção anterior, intitulada Ritmo Dissoluto, cujo latinismo, isto é, “ritmo inteiramente solto, ou livre”, apontava do mesmo caminho, e em que Bandeira exprime a sua libertinagem (o sublinhado é meu) em matéria de 
POÉTICA
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
[protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar
[no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo
Abaixo os puristas
Tôdas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Tôdas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
[...]
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. 79 
Através de uma sucessão de imagens, o poeta rejeita toda a espécie de regras sobre vários dos aspectos da expressão da poesia lírica, preconizando total liberdade no que respeita a contenção e a vernaculidade vocabular, e recusando-se a fazer discriminação entre pureza e barbárie em matéria lexical, e sobretudo no campo da sintaxe e das normas da versificação métrica. No que toca a estas últimas, Bandeira exprime a sua rejeição, deitando abaixo “Todos os ritmos, sobretudo os inumeráveis”. 

O adjectivo “inumerável” assenta no substantivo latino numerus, cuja semântica original se aplicava, com muita frequência, justamente à linguagem da métrica na poesia, e mesmo na retórica clássica em geral, no sentido de cadência, ritmo, regularidade, modulação e mesmo de harmonia, resultantes da disposição das palavras e da quantidade longa ou breve das suas sílabas, e do número de unidades métricas no caso do verso. 80 

Daí o adjectivo numerosus aplicado a uma composição de boa cadência e harmoniosa, como verificamos repetidamente nos clássicos latinos 81 e como também se observa na língua portuguesa, em autores como Camões, Os Lusíadas, 1, 9, 8, “Em versos devulgado numerosos”; e 5, 93, 3-4, “Quanto de quem o canta, os numerosos / Versos, isso só louva, isso deseja”. 82 

A mesma semântica se passa com o adjectivo latino innumerus, isto é, “sem ritmo, sem harmonia”, como se lê em Ausónio, Idílios 4, 47: “Innumeros numeros doctis accentibus effer”, isto é, “Os versos sem cadência, compõe-nos com sábios acentos”. 

Manuel Bandeira, ao cantar “Abaixo [...] / Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis”, teve em conta todo este campo semântico e pretendeu exprimir a sua rejeição de qualquer noção de cadência ou não-cadência, de “ritmia” ou “arritmia” poéticas, de cumprimento ou de transgressão métrica, simplesmente porque a criatividade poética que ele preconizava pretendia estar fora de qualquer imposição métrica.  83 

Para terminar este catálogo parcial da presença e importância do latim na obra de Manuel Bandeira, não poderia deixar de referir um pequeno poema em que o autor exprime o encontro e o desfecho amoroso mais íntimo entre o amado e a amada, com uma forma de expressividade e delicadeza supremas, a ponto de lhe conceder o mesmo título do diálogo bíblico entre o esposo e a esposa do Cântico dos Cânticos
CÂNTICO DOS CÂNTICOS
– Quem me busca a esta hora tardia?
– Alguém que treme de desejo.
– Sou teu vale, zéfiro, e aguardo
Teu hálito... A noite é tão fria!
– Meu hálito não, meu bafejo,
Meu calor, meu túrgido dardo.
– Quando por mais assegurada
Contra os golpes de Amor me tinha,
Eis que irrompes por mim deiscente...
– Cântico! Púrpura! Alvorada
– Eis que me entras profundamente
Como um deus em sua morada!
– Como a espada em sua bainha. 84 
Além de vários tópicos que reflectem a intertextualidade deste poema com o referido texto bíblico e com outros, como a lírica camoniana (designadamente os dois primeiros versos da segunda estância 85), há nele algumas ideias e imagens cujo pleno entendimento passa pelo recurso à semântica latina original do seu vocabulário e à cultura antiga a que este anda ligado. Está neste caso a metáfora do último verso da primeira estrofe, contida na expressão “túrgido dardo” como sinónimo do sexo masculino, bem como o símile que paralelisticamente preenche o último verso da segunda estrofe, assente na palavra “bainha” para significar o sexo feminino. 

De facto esta linguagem figurada só se entende em toda a sua dimensão depois de recordarmos que o vocábulo “bainha” vem, por meio da evolução histórica popular, do termo latino vagina, que foi recuperado por via erudita para a linguagem ginecológica moderna. Por outro lado, a imagem militar do dardo, com sua configuração física e qualificado pelo latinismo “túrgido”, fica reforçada pela sua equivalente da “espada” associada à bainha. 

Finalmente, o adjectivo “deiscente”, do terceiro verso da segunda estrofe, constitui também, neste contexto literário, um outro latinismo, porquanto o seu uso corrente moderno pertence propriamente ao domínio técnico da botânica, que o aplica às cápsulas de sementes que se abrem espontaneamente quando maduras, por exemplo vários tipos de vagens. De resto convém recordar que “vagem” também deriva do mesmo termo vagina

Manuel Bandeira, que conhecia muito bem as etimologias latinas, não podia, ao compor este poema, como em muitos outros, deixar de ter presentes todos estes dados da filologia da língua do Lácio.

De resto, a sua vasta obra oferece um abundante repositório de influência cultural e linguística greco-latina que não pode ser esquecida numa completa e rigorosa análise da génese da sua produção escrita, tanto em verso como em prosa. Os inúmeros passos que se recolhem em toda ela, e mesmo o número limitado daqueles que o espaço aqui nos permitiu abordar, mostram que tal influência não se reduz apenas ao campo da crítica literária ou da teoria poética, mas também, em grande medida, ao âmbito da filologia e dos estudos linguísticos. Este facto aponta Manuel Bandeira como um bom exemplo, talvez dos mais significativos entre os prosadores e poetas de língua portuguesa dos últimos tempos, de que existe perfeita compatibilidade e “compossibilidade” – para utilizar um vocábulo dele – entre literatura, poética e lingüística. 



NOTAS EXPLICATIVAS 


1 Vd. Sebastião Tavares de Pinho, “Vozes de cultura clássica na lira de Manuel Bandeira: I – Da cidade de Ciro à utopia de Pasárgada”, Máthesis 5 (Viseu, 1996) 417- 435. 

2 Vd. Manuel Bandeira, “Resposta a Eneida”, Flauta de Papel, in Poesia e Prosa, vol. II, Rio de Janeiro, Editôra José Aguilar, Ltda., 1958, p. 489. 

3 Vd. Idem, ibidem. A edição da Aguilar, de que aqui nos servimos, apresenta, como se vê, um duplo erro ortográfico: dracúoen por dacruóen

4 Vd. Idem, p. 490. 

5 Vd. Baudelaire, Oeuvres completes. Préface, présentation et notes de Marcel A. Ruff, Paris, Éditions du Seuil, 1970, p. 77. Eis uma tentativa de tradução para português: 
"Cantar-te-ei com renovada lira,
Ó pequenina que brincas
Na solidão do meu peito.

Sê de grinaldas envolvida,
Ó delicada mulher,
Por quem absoltos ficam meus pecados! 
6 Vd. Manuel Bandeira, “Soneto em latim”, Andorinha, Andorinha, Edição Comemorativa do Centenário de Nascimento do Bardo (1886-1986). Seleção e coordenação de textos de Carlos Drummond de Andrade, 2ª edição, Rio de Janeiro, José Olympo Editôra, 1986, p. 187-188. Cfr. Baudelaire, op. cit., p. 77. 

7 Vd. Manuel Bandeira, “O Fauno”, Estrela da Tarde, in Poesia Completa e Prosa, em um volume, Rio de Janeiro, Cia. José Aguilar Editôra, 2ª edição, 1967, p. 386-387. 

8 Vd. Manuel Bandeira, “Ad instar Delphini”, Estrela da Manhã, op. cit., p. 375-376. Cf. Luís Delfino dos Santos, Algas e Musgos, Vol. I, Rio de Janeiro, Pimenta de Melo, s.d. [1927], p.151. Bandeira repete a mesma expressão, mas em português, “À maneira de ...” como título genérico de cinco poemas inspirados em outros poetas (Vd. Manuel Bandeira, Mafuá do Malungo, op. cit., p. 559-565). 

9 Vd. Manuel Bandeira, op. cit., p. 392. 

10 Vd. Manuel Bandeira, op. cit., p. 95. 

11 Vd. idem, ibidem. 

12 Sobre o carácter deste livro, veja-se o que diz o próprio autor em Itinerário de Pasárgada, op. cit., p. 82-85. 

13 Vd. Manuel Bandeira, “A Camões”, Cinza das Horas, op. cit., p. 154. 

14 Vd. Manuel Bandeira, “Epígrafe”, Carnaval, op. cit., p. 191. 

15 Vd. Manuel Bandeira, “A ceia”, ibidem, p. 207. 

16 Vd. Manuel Bandeira, “Menipo”, ibidem, p. 208. 

17 Vd. Manuel Bandeira, “A morte de Pã”, ibidem, p. 208. 

18 Vd. Manuel Bandeira, “Mensagem do Além”, Estrela da Tarde, op. cit., p. 387. 

19 Vd. Manuel Bandeira, “Thiago de Mello”, Mafuá do Malungo, op. cit., p. 442. 

20 Vd. Manuel Bandeira, “Gordos e Gordos”, Flauta de Papel, in Poesia e Prosa, Vol. II, Rio de Janeiro, Editôra José Aguilar, Ltda., p. 371. 

21 Vd. Manuel Bandeira, “A Academia”, Flauta de Papel, in Poesia e Prosa, Vol. II, p. 503. 

22 Vd. Manuel Bandeira, “Golpe do chapéu”, Crônicas da Província do Brasil, in Poesia Completa e Prosa, p. 537. 

23 Vd. Manuel Bandeira, “Gonçalves Dias, Esbôço Biográfico”, in Poesia e Prosa, Vol. II, p. 762. 

24 Vd. Manuel Bandeira, “Raul de Leoni”, De Poetas e de Prosa, op. cit., Vol. II, p. 1263. 

25 Vd. Manuel Bandeira, “Um Poema a Castro Alves”, ibidem, Vol. II, p. 1255. 

26 Vd. Manuel Bandeira, “Duas traduções para moderno”, Andorinha, Andorinha, p. 250. 

27 Vd. Manuel Bandeira, “Sabe com quem está falando?”, Andorinha, Andorinha, p. 379. 

28 Vd. Manuel Bandeira, “Mestre, contramestre”, Andorinha, Andorinha, p. 22. 

29 Vd. Manuel Bandeira, “Conselhos ao candidato”, Andorinha, Andorinha, p. 146. 30 Vd. Manuel Bandeira, “Schmidt, poeta e economista”, Andorinha, Andorinha, p. 208. 31 Vd. Manuel Bandeira, “Perfeição moral”. Andorinha, Andorinha, p. 328. Cfr. Cícero, Defesa de Célio, 5, 12. 32 Vd. Manuel Bandeira, “Pane em Caxias”. Andorinha, Andorinha, p. 137. Cfr. Plauto, Asinária, 2, 4, 88. 33 Sobre ad astra, vd. Virgílio, Eneida, 9, 641, e Bucólicas, 5, 52. Entre as divisas anteriormente propostas para a ilustre instituição, surgira a latina Litterarum vincitur pace, da autoria de Joaquim Nabuco, também registada por Bandeira em “Vida e trabalhos da Academia Brasileirade Letras” (vd. Poesia e Prosa, vol. II, p. 1137). 34 Vd. Manuel Bandeira, “Duas coisas não me agradam”, Andorinha, Andorinha, p. 159. 35 Apesar de ter negado a sua adesão à estética concretista que um jornal anunciara, Bandeira deixou-se tentar por este tipo de poesia e veio a publicar cerca de uma dezena de poemas com “uns toques de concretismo”, como ele próprio explica. Vd. “Poesia concreta, I”, Flauta de Papel, in Poesia Completa e Prosa, p. 586-587, e “Composições”, Estrela da Tarde, ibidem, p. 409-413. 36 Vd. Manuel Bandeira, “Poesia concreta, II”, Flauta de Papel, in Poesia Completa e Prosa, p.589. Cfr. Virgílio, Eneida, 6, 129. 37 Vd. Manuel Bandeira, “Diálogo”, Flauta de Papel, in Poesia e Prosa, Vol. II, p. 448. Cfr. Horácio, Sátiras, 2, 2, 26. 38 Vd. Manuel Bandeira, “O coração inumerável”, Crônicas da Província do Brasil, in Poesia e Prosa, Vol. II, p. 253. Digo que é provável citação porque no texto bandeirino o imperativo verbal aparece sob a forma parce em vez de carpe. Metátese consonância provocada pela distracção do poeta? Gralha tipográfica? Ou tratar-se-á de outra fonte? A verdade é que este pensamento horaciano quadra bem com o comentário de Manuel Bandeira a Le Coeur innombrable e a L’Ombre des jours da condessa Mathieu de Noailles. Vejamos as próprias palavras do nosso poeta: “A lição do ‘coração inumerável’ foi o mesmo parce diem antigo dada não com a serenidade risonha do poeta latino, mas com o frenesi de um condenado que não aceita a idéia de morte e que já se sente morto só porque tem de morrer.” 39 Vd. Horácio, Epístolas, 2, 2, 102. 40 Vd. Manuel Bandeira, “O mercador de livros”, Andorinha, Andorinha, p. 324. 41 Vd. Manuel Bandeira, “Poetas bissextos, II”, De poetas e poesia, in Poesia e Prosa, vol. II, p. 1299. 42 Vd. Manuel Bandeira, “Entre quatro paredes”, Andorinha, Andorinha, p. 131. 43 Vd. Manuel Bandeira, “Apresentação do cronista”, Andorinha, Andorinha, p. 133-134. 44 Vd. Manuel Bandeira, “Recife”, Estrela da Tarde, in Poesia Completa e Prosa, p. 391. Cfr. Valério Máximo, Feitos e Ditos Memoráveis, 5, 3, 2b. O texto de Valério é, de facto, mais amplo e assumia um tom de certa vingança: “Patria ingrata ne ossa quidem mea habes”. 45 Vd. Manuel Bandeira, “Retruque a Guimarães Rosa”, Mafuá do Malungo, in Poesia Completa e Prosa, p. 497. 46 Citado por Geir Campos, Pequeno Dicionário de Arte Poética, São Paulo, Editora Cultrix, 1978, p. 164. 47 Vd. Manuel Bandeira, “Bilu acadêmico”, Andorinha, Andorinha, p. 154. 48 Vd. Manuel Bandeira, “Antônia”, Estrela da Tarde, in Poesia Completa e Prosa, p. 377-378, ou in Poesia e Prosa, vol. I, 431. 49 Vd. Manuel Bandeira, “Passeio em São Paulo”, Estrela da Tarde, in Poesia Completa e Prosa, p. 378, ou Poesia e Prosa, p. 432-433. 50 Vd. Manuel Bandeira, “Prefácio”, Ensaios Literários, in Poesia e Prosa, vol. II, p. 1179. 51 Vd. Manuel Bandeira, “A rima”, op. cit., p. 1174. 52 Vd. Manuel Bandeira, “Poesia e verso”, De Poetas e de Poesia, op. cit., p. 1278. 53 Vd. ibidem, p. 1282. 54 Vd. Manuel Bandeira, “Notícias de Cícero”, Flauta de Papel, in Poesia e Prosa, vol. II, p. 269. 55 Vd. Manuel Bandeira, “De veteranos”, Andorinha, Andorinha, p. 354. 56 Vd. Manuel Bandeira, “Epistolário, 5.” in Poesia e Prosa, vol. II, p. 1382. 57 Cfr. Catulo, 5, 7-13. 58 Vd Manuel Bandeira,”Epistolário, 109", Poesia e Prosa, vol. II., p. 1459. 59 Vd. Manuel Bandeira, “A chave do poema”, Flauta de Papel, in Poesia Completa e Prosa, p. 594-596. 60 Vd. Manuel Bandeira, “Rosa tumultuada”, Estrela da Tarde, op. cit., p. 409. 61 Vd. Marcos10, 14; cfr. Mateus 19, 13-15 e Lucas 18, 15-17. 62 Vd. Manuel Bandeira, “Ouro Preto remoçada”, Andorinha, Andorinha, p. 58. 63 Vd. Manuel Bandeira, “Uma santa – III”, op. cit., p. 292; cfr. Vulgata, Salmos 16, 15. 64 Vd. Manuel Bandeira, “Discurso de posse na Academia Brasileira de Letras”, Ensaios Literários, in Poesia e Prosa, vol. II, p. 965. 65 Vd. Manuel Bandeira, “Prefácio da Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana”, Ensaios Literários, op. cit., p. 930. 66 Vd. Manuel Bandeira, “Poesia e verso”, De poetas e de poesia, in Poesia e Prosa, Vol. II, p. 1276. 67 Vd. Manuel Bandeira, “Impressões literárias – V”, Ensaios literários, in op. cit., p. 1191-92. 68 Vd. Manuel Bandeira, “Santa Clara”, Flauta de Papel, in op. cit., p. 362. 69 Vd. Manuel Bandeira, “Gramatiquice e gramática”, Andorinha, Andorinha, op. cit., p. 239-240. 70 Vd. Manuel Bandeira, “Impressões Literárias, IX”, Ensaios Literários, in Poesia e Prosa, Vol. II, p. 1200. 71 Vd. Manuel Bandeira, “Flóridas ou floridas?”, Andorinha, Andorinha, p. 259-260. Cfr. Gonçalves Dias, Poesia Completa e Prosa Escolhida, Rio de Janeiro, Editôra José de Aguilar, Ltda, 1959, p. 191. 72 Vd. idem, ibidem . 73 Vd. Manuel Bandeira, “Fala brasileira”, Crônicas da Província do Brasil, in Poesia e Prosa, vol. II, 133-134. 74 Vd. Manuel Bandeira, “Lenine”, ibidem, p. 213. 75 Vd. Manuel Bandeira, “Múcio”, Flauta de Papel, in Poesia e Prosa, vol. II, p. 372. 76 Vd. Manuel Bandeira, “Santa”, ibidem, p. 494. 77 Vd. Manuel Bandeira, “Gralhas”, ibidem, p. 263-264. 78 Vd. Manuel Bandeira, “Agora são os de Minas”, ibidem, p. 506. Cfr. Marcial, 1, 52, 9, e Antenor Nascentes, Dicionário Etimológico Resumido, Rio de Janeiro, INL, 1966, s.v. 79 Vd. Manuel Bandeira, “Poética”, Libertinagem, in Poesia Completa e Prosa, p. 188-189. 80 Sobre o substantivo “número” em Camões, vd. Afrânio Peixoto, “Ensaios Camonianos”, in Estudos Camonianos, vol, I, Rio de Janeiro, 1974, p. 209-210. Sobre o conceito poético de “numerus impendens” em Henri Monier, Dictionnaire de Poétique et de Rhétorique, Paris, Presses Universitaires de France, 4e édition revue et augmentée, 1988, s.v., p. 816-822. 81 Vd. Cícero, Or. 40, 50: numerosa oratio, “discurso de estilo harmonioso”. 82 Na écloga “À morte de D. António de Noronha[...]”, assim canta Frondélio: Por ti, aos ecos dava Acentos numerosos; enquanto Umbrano continua: Tais me foram teus versos delicados, Teu numeroso canto e melodia E inda agora o tom suave e brando Os ouvidos me fica adormentando. (Vd. Luís de Camões, Rimas, Texto estabelecido, revisto e prefaciado por Álvaro J. da Costa Pimpão. Apresentação de Aníbal Pinto de Castro, Coimbra, Livraria Almedina, 1994, p. 314-315.) 83 Talvez se possa submeter a esta semântica o título de Le Coeur Innombrable, da obra da Condessa Mathieu de Noailles, com o sentido de “Coração Arrítmico, ou Inconstante ou Rebelde”, sobre o qual Bandeira escreveu uma das suas crónicas a que chamou “O Coração Inumerável” e que terá porventura estado presente na criação do epíteto “inumerável” do mesmo Bandeira no verso aqui em causa. 84 Vd. Manuel Bandeira, “Cântico dos Cânticos”, Opus 10, in Poesia Completa e Prosa, p. 361. 85 Cfr. Camões, em Rhythmas [...], Lisboa, 1595, fol. 7v, Soneto XXV “Está o lascivo e doce passarinho”, v. 9-11: Dest’arte o coração, que livre andava, (posto que já de longe destinado) Onde menos temia foi ferido. E em Rimas[...], Acrescentadas nesta segunda impressão [...], Lisboa, 1598, fol. 19v, Soneto “O culto divinal se celebrava”, v. 5-8: Ali Amor, que o tempo m’aguardava Onde a vontade tinha mais segura, N’hua celeste e angélica figura A vista da rezão me salteava. 


BIBLIOGRAFIA 



PINHO, Sebastião Tavares de: VOZES DE CULTURA CLÁSSICA NA LIRA DE MANUEL BANDEIRA: II – DA SUA FORMAÇÃO LATINA AOS RITMOS “INUMERÁVEIS”, CONFLUÊNCIA: Revista do Instituto de Língua Portuguesa, nºs 29 e 30-1º e 2º semestres de 2005, Rio de Janeiro, p. 151-173