sexta-feira, 27 de outubro de 2017

SÃO JOÃO DEL-REI AO TEMPO DA ADOLESCÊNCIA DE FAUSTO MOURÃO


Por Fábio Nelson Guimarães




(...) Salvo melhor juízo, era São João del-Rei a cidade mineira que apresentava melhor índice de progresso, excetuando Ouro Preto, sede do governo de Minas até o dia 12 de dezembro de 1897, além de cidades do Triângulo Mineiro e mesmo Juiz de Fora.



Desde 1881, gozava São João del-Rei da comunicação ferroviária que a ligava a Sítio, polo central da Estrada de Ferro Oeste de Minas, com capital levantado pelos seus próprios habitantes. Constantemente visitada por empresas teatrais e conjuntos musicais, seus artistas quase nada ficavam a dever aos valores alienígenas.



No final de 1888, chegaram as primeiras levas de colonos italianos, que se fixaram na Várzea do Marçal, a mesma que seria escolhida como candidata para futura capital de Minas, cortada pelo caudaloso Rio das Mortes.



Desde 1860, funcionava o primeiro banco mineiro, a Casa Bancária Almeida Magalhães, aqui instalado.



Na fase sobredita, que encima este capítulo, circularam jornais conservadores, liberais e um republicano ¹, denotando o grande espírito político que reinava na formação dos são-joanenses.



Afamados estabelecimentos de ensino e renomados mestres recebiam alunos dos mais variados pontos da Província. Citaria, apenas, a título de ilustração, o Colégio da Conceição, do decantado cônego Antônio José da Costa Machado. Já eram famosas as bibliotecas: a Baptista Caetano de Almeida, a da família Cunha e a da viúva do senador Gabriel Mendes dos Santos, que morava na Rua da Prata.



O espírito religioso de sua gente se reflete na música, acentuadamente a sacra, onde perlustram um sem número de compositores e prestigiosas entidades, a Orquestra Lira Sanjoanense e a Orquestra Ribeiro Bastos, que já se sublimavam nos ofícios da Semana Santa.



Fausto Mourão ²  foi contemporâneo do padre José Maria Xavier e de Martiniano Ribeiro Bastos, falecidos, respectivamente, em 1887 e 1912, sendo que ambos moravam na Rua da Prata, vizinhos, portanto, do poeta Fausto.



Foi, também, época em que viveram oradores sacros notáveis, tais como o padre Francisco de Paula da Rocha Nunan, o padre João Pereira Pimentel e o padre José Pedro da Costa Guimarães.



Desde agosto de 1889, gozavam os são-joanenses de uma agência telegráfica; a 5 de fevereiro de 1891, instalava-se a Cia. Industrial Sanjoanense, fábrica de tecidos, ao lado da linha ferroviária que seguia para o Sertão. Surgiam fábricas de cigarros e bebidas.



Foi época de visitas de pessoas importantes a esta cidade: o conde d’ Eu e a princesa Isabel, em novembro de 1882; o visconde de Ouro Preto, em fevereiro de 1889; Carlos de Laet, de outubro de 1893 a setembro de 1894, por conveniência política; D. Antônio de Macedo Costa, bispo do Pará, por motivos de saúde; Olavo Bilac, em 1894; o visconde de Taunay, em agosto de 1889 e Silva Jardim, em seu famoso apedrejamento ao Grande Hotel, onde se hospedara. ³



Também naquela época, havia sido inaugurado o Hotel Oeste de Minas, nos inícios de 1891, como forma de incrementar o turismo, de propriedade da Estrada de Ferro Oeste de Minas (imóvel hoje pertencente à União), cujo primeiro diretor foi João Carlos Vieira Ferraz.



Matosinhos, para Carlos de Laet, que aqui chegara nos fins de 1893, tinha como principal atrativo as jabuticabeiras e, como tal, seus frutos. Gameleiras, Águas Férreas, Água Limpa, Rio Acima, Cala-Boca, Casa da Pedra, Senhor dos Montes e Beta do Cipó eram atrações que convidavam para piqueniques aos domingos, na certeza de retorno dos visitantes, ocorrências incrementadas pela ausência da luz elétrica. A música e a poesia constituíam inspiração para um sem número de criações.



Em 1888, foi criado o Clube Atlético, entidade que promovia corridas. No ano de 1893, os colonos italianos instituíram corridas de cavalo, na Várzea do Marçal, com páreos de 600, 850 e 1000 metros, com inscrições até duas horas antes de seu início.



Basílio de Magalhães, em seu Manual de História do Brasil, afirma que a terra de Tiradentes, com os “seminários de Mariana e Diamantina, o Colégio Copsey, o Externato Dale e a Escola João dos Santos (estes três funcionando em São João del-Rei), foi o maior centro de estudos humanísticos do império, uma espécie de colônia latina, no dizer de Pedro Calmon”. O Colégio São Francisco, com aula inaugural ministrada aos 12 de janeiro de 1891, contava em seu corpo docente notável com a inteligência do professor Aureliano Pereira Corrêa Pimentel, citado por D. Pedro II, em seu diário de viagem e por Richard F. Burton, em sua obra maior. Já no Externato e Escola Normal, mantido pelo governo da Província desde 1883, funcionando no Largo da Câmara, logo após a alvorada republicana, tinha como mestra de desenho e calígrafa, Alexina de Magalhães Pinto, primeira folclorista brasileira. Anexo à Escola Normal, criou-se um curso de Agrimensura, com a nomeação, inicialmente, do agrimensor Augusto Franco Lima e do Dr. Luiz Afonso Braga.



Com o apagar dos lampiões das vias públicas, em horários que variavam, relativamente diminuía-se o movimento das pessoas pelas ruas. No entanto, as igrejas recebiam os fiéis, onde havia boa música e a luz de muitas velas. A luz elétrica, aqui instalada em 1900, foi, no entanto, antecedida pelas luzes da intelectualidade ática que grassava nestes sítios encantados do vale do Lenheiro.



Esse foi o proscênio de uma fase áurea da história são-joanense, onde se locomoviam as mais variadas figuras da cidade e, por coincidência, havia três poetas com o nome de Fausto: o Mourão, o Gonzaga e o Maia. (...)

Fonte: Fausto Mourão, Um poeta Esquecido, Revista da Academia de Letras de São João del-Rei. Ano VI, nº 6 – 2012/ Ano VII. nº 7 – 2013, p. 49-71
Link: http://www.academialetrassjdelrei.org.br/files/uploads/pdf/d230a23b71454f7fd4bb3b70cbb854d5ef45e59852d5816dece9d.pdf



NOTAS  EXPLICATIVAS por Francisco José dos Santos Braga




¹   Os partidos políticos da cidade, partidos conservador e liberal, se faziam em especial representar respectivamente por dois periódicos: o Arauto de Minas, que apoiava a Monaraquia e circulou de 1877 a 1889, sendo seu proprietário o político Aureliano Mourão, e a Tribuna do Povo, que era favorável à República e circulou de 1881 a 1882, sendo seu proprietário Alberto Besouchet.
[VIEGAS, 1969: 75-80] trata mais amplamente desse período efervescente na seção dedicada à Imprensa (são-joanense) do seu livro "Notícia de São João del-Rei", a saber:

"(...) De 1877 a 1888, entre grande número de jornais, a experimentada pena de Severiano de Resende aqui editou o Arauto de Minas, denodado órgão do partido conservador, que, ao lado de outros, tinha como colaborador literário o poeta são-joanense Modesto de Paiva. De 1884 a 1894, nesta cidade, na mesma corrente política, se publicou a Gazeta Mineira, de que foram redatores os Drs. João Salustiano Moreira Mourão e Francisco de Paula Moreira Mourão.
O Domingo, de 1885 e A Alvorada, de 1886, são órgãos essencialmente literários com os quais a jovialidade do poeta Jorge Rodrigues e do jornalista José Braga, no primeiro, assim como do estudante Paulo Teixeira, no segundo, alvoroçava a socialíssima cidade de então.
N'A Verdade Política se revela o talento jornalístico de Carlos Sanzio, que a edita em 1888, como n'A Pátria Mineira, publicada de 1889 a 1894, se admiram o são idealismo de Sebastião Sete, seu redator, e o pendor literário de Altivo Sete, seu filho (o primeiro dêste nome) e de Basílio de Magalhães, seus auxiliares nessa valorosa fôlha da propaganda republicana.
Em janeiro de 1890, resultante da fusão do Arauto de Minas com A Verdade Política, sob a direção de Carlos Sanzio, escritor notável e orador fluente, surge A Renascença, em 1895, com o mesmo diretor e com a mesma orientação, substituída pelo O Resistente, que se publicou até 1906.
Nestes dois últimos tiveram destacada atuação Sinfrônio Reis e o Dr. Caetano Furquim Werneck de Almeida. Nêles, bem como no Arauto de Minas e nos jornais literários de seu tempo, brilhou também a fidalga pena de José Severiano de Resende, inspirado poeta e prosador primoroso, que em 1897 recebeu ordens sacras no Seminário de Mariana.
Em apurado estilo literário, redigido por Antônio Afonso de Morais, José Gonçalves de Melo e Fausto Mourão, aqui, em 1891, se publicou O Prego, de feição acentuadamente humorística. (...)"
 
²   Fábio Nelson Guimarães, no seu trabalho intitulado "Fausto Mourão, um Poeta Esquecido", na seção "A mocidade do poeta" fornece, entre outros, os seguintes dados biográficos de seu homenageado, aqui mostrados de forma resumida: 
"Fausto Mourão, filho de Caetano da Silva Mourão e de Maria Claudina da Cunha Mourão, nasceu em São João del-Rei, a 3 de junho de 1873. (...) Apenas dois filhos teve o casal Caetano e Maria Claudina: Fausto e Balbina, que se casaria com José da Silva Fonseca. (...) Aos 11 anos (Fausto) já representava em peças teatrais. (...) As atividades artísticas e intelectuais de Fausto podem ser assim classificadas: ator teatral, poeta, jornalista, orador, acadêmico de Direito, tabelião, a partir de 1896 e, no campo da política, teve uma ligeira incursão. (...) Componentes da família Cunha passavam a Semana Santa em São João del-Rei e os Mourão, aparentados, deslocavam-se para Valença, por ocasião das festividades religiosas de Nossa Senhora da Glória. Nessa circunstância, Fausto conheceu Rosa Cândida Rodrigues, vindo a se casarem a 19 de março de 1898, naquela cidade do Estado do Rio. Ela possuía a idade de 16 anos e meio, nascida a 4 de setembro de 1881, em Valença e era filha do capitão Júlio Corrêa Rodrigues e de Maria do Espírito Santo Assunção Rodrigues. (...) Da união de Fausto e Rosa nasceram 14 filhos... (...) (Fausto) chegou a completar bodas de ouro matrimoniais, a 19 de março de 1948.  Mais dois meses teve de vida, falecendo com 75 anos incompletos, a 20 de maio, exatamente no "mês querido", por ele decantado em seus versos... (...) Sua viúva, Rosa Rodrigues Mourão, ainda viveu até o dia 10 de outubro de 1971. O poeta da Rua da Prata me conheceu quando eu tinha 2 anos de idade, quando ali morei perto do Passo da Via Crucis e sei que muito me estimava. Idoso e demonstrando cansaço, sentado em confortável cadeira, permanecia longo tempo na varanda de sua residência, já em dias que prenunciavam a sua última aurora.
Casa onde residia Fausto Mourão na Rua da Prata

Outra perspectiva da casa de Fausto Mourão - 
Crédito pelas imagens: Rute Pardini





























(...) A Municipalidade prestou-lhe homenagem póstuma, batizando de Praça Fausto Mourão a então Praça da Biquinha, de conformidade com a lei nº 190, de 8 de agosto de 1951, quando prefeito Dario de Castro Monteiro. (...)" 
Na seção "Ocaso", Fábio nos faz saber que Fausto Mourão não abria seu Cartório no dia 16 de julho, pois tinha o costume de frequentar a igreja de Nossa Senhora do Carmo, embora fosse declaradamente franciscano. Outra informação fornecida pelo historiador são-joanense é que o poeta Fausto Mourão "apreciava a prática do futebol. Por volta de 1918/19, presidiu o Minas Futebol Clube, o qual surgiu de uma dissidência havida no esporte são-joanense. Gostava de andar a cavalo e de charrete, até que adquiriu um Chevrolet Pavão 1928, e, depois, um Ford 1935."
 
Na seção "Derradeiros versos", Fábio elege um soneto, como exemplificativo da fase da vida do poeta Fausto Mourão, em que "seus derradeiros versos são tristes e realistas, porém, mesmo na velhice fez-se notado pela inspiração acúlea. Um deles tem a forma de soneto, ainda que não contenha data. Chama-se":

Árvore  Seca 
Hirta, de pé, desnuda, suplicante,
Como implorando ao céu seiva e frescor,
Árvore seca, tua sombra errante,
Impressiona e causa-me pavor!

Braços torcidos para um sol flamante,
Sol de verão, sinistro, abrasador,
Lembras um negro espectro mendigante,
Na agonia cruel de eterna dor.

Davas, outrora, à Primavera olente,
O verde pálio, a fronde viridente,
E desparsias flores pelo chão...

Mísera enfim! À morte condenada,
Hoje, na própria sombra amortalhada,
És o fantasma da desilusão!...
 
E na seção "Conclusão", o historiador Fábio ainda questiona o porquê, sem chegar a uma conclusão, de seu homenageado não ter publicado um livro sequer, deixando ao leitor a dúvida derradeira: 
"O ardoroso poeta deixou de confiar às empresas tipográficas - não lhe faltavam recursos de sorte alguma - a edição de um livro, sequer. Recorreu, no entanto, ao auxílio da imprensa são-joanense, a fim de que ela publicasse os seus versos, tão elegantes e imortais. (...)" 

³   Cabe aqui lembrar que a Estrada de Ferro Oeste de Minas foi inaugurada em 28/08/1881 pelo próprio imperador Dom Pedro II, que veio a São João del-Rei para esse fim, não obstante ter dispensado todos os festejos programados tendo em vista o falecimento, na manhã de 29 de agosto, do Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Império, Conselheiro Manuel Buarque de Macedo, que fazia parte da comitiva, e, ainda, em São João del-Rei residiu o Conde Afonso Celso durante certo período, ocasião em que nasceu sua filha Maria Eugênia Celso, tendo esta portanto naturalidade são-joanense.




BIBLIOGRAFIA 




GUIMARÃES,  Fábio Nelson: Fausto Mourão, Um poeta Esquecido, Revista da Academia de Letras de São João del-Rei. Ano VI, nº 6 – 2012/ Ano VII. nº 7 – 2013 

VIEGAS, Augusto: Notícia de São João del-Rei, Belo Horizonte: s/n, 1969, 3ª edição, 273 p.