sábado, 29 de julho de 2017

ELOGIO FÚNEBRE DE MARIA DAS MERCÊS BRAGA LOVATTO


Por Francisco José dos Santos Braga



Aqui estamos para devolver o corpo de Maria das Mercês Braga Lovatto (⭐︎ 26/09/1930-✞ 27/07/2017) à Mãe Terra, — corpo santo que foi batizado e que se benzeu tantas vezes para a glória de Deus. Neste momento de transe e de dor, é com pesar e coração partido que aqui comparecemos à sua volta para a última despedida neste cemitério são-joanense de Nossa Senhora das Mercês. Em nome de seus diletos filhos Antônio Sérgio, Luiz Cláudio e Ana Josefina, carinhosamente chamada de "Anete", e de seus seis netos, venho proferir umas poucas palavras de gratidão por sua existência tão próxima, tão simples e tão afável para com as pessoas que tiveram a felicidade de compartilhar seus bons e maus momentos com tia Maria.
Tia Maria rodeada por seus netos e um bisneto (entre as duas meninas) na residência do filho Antônio Sérgio, o primeiro da esq. p/ dir. - Crédito pela imagem: Valéria N. dos Reis Lovatto
Anete e sua mãe Maria
Logo após a sua internação no hospital há uns doze dias atrás, visitei tia Maria em companhia de minha amada esposa, Rute Pardini Braga. Encontrei-a sentada, tomando sol, ao lado de sua secretária Cida. Depois de uma conversa animada e amena, preparamo-nos para nos despedir da tia querida. Neste momento, prontos para deixar o quarto, ouvi-a chamar-me e dizer-me a seguinte frase em tom divertido, mas de caráter profético: "Volte aqui. Deixe-me beijá-lo, porque pode ser a última vez." Voltei para abraçá-la e beijá-la e percebi um quê de fatalidade no seu beijo carinhoso. Rute, porém, emendou: "Tia Maria, não se preocupe. Nós viremos aqui todos os dias para a Sra. ver que esta não será a última vez que nos beija."
 Aniversário de tia Maria em 26/09/2016, comemorado na residência de Luiz Cláudio Braga Lovatto: tia Maria e Rute Pardini

Com esse gesto acompanhado de uma expressão carinhosa, podemos perceber que ela queria ser lembrada com muita leveza e não com a gravidade que inspiram pessoas falecidas. Por isso, vou ter que recorrer a alguns flashbacks para mostrar sua personalidade extrovertida e cativante e para que todos tenham uma visão do que ela representou para tantos de nós.

Quando tia Maria tinha sete anos, portanto em 1937, seu irmão Zezé comunicou-lhe sua intenção de fazer dela um membro da Venerável Arquiconfraria de Nossa Senhora das Mercês, na ocasião, da Arquidiocese de Mariana; para tanto, ele lhe comprou um vestido cor-de-rosa rodado. Ela sempre se lembrava do deslumbramento que a tomou quando, de mãos dadas com o irmão Zezé, subiu as escadarias da igreja de Nossa Senhora das Mercês, no dia de Sua festa religiosa (24 de setembro), e na sacristia do templo foi solenemente admitida como irmã do Sodalício religioso. Pois bem; essas lembranças ficaram indelevelmente em sua memória sobretudo porque, menos de quatro meses depois, morria Zezé (06/10/1913-✞ 20/12/1937), seu belo e amado irmão, com vinte e quatro anos de idade, vitimado por tuberculose, quadro que foi agravado por subsequente meningite.

Quando adolescente, tia Maria foi para Barbacena como aluna interna do Colégio Nossa Senhora da Conceição, por recomendação do Dr. José Reis, médico de família do Nhonhô Braga, o qual a indicou à irmã dele, a prioresa da casa religiosa e do educandário. Tia Maria fez amizade com a irmã do Dr. José Reis, tornando-se imediatamente sua assistente e pessoa de sua estrita confiança para compras e outras tarefas, por ser muito responsável. Destacou-se nos esportes, fazendo-se campeã de vôlei daquele educandário. Da mesma ocasião falava tia Maria com orgulho do são-joanense Pe. Almir de Resende Aquino, seu professor de Latim no Colégio Nossa Senhora da Conceição, de Barbacena.

Maria menina,
Menina tia moça...
Moça que nos dedicou, especialmente a seus sobrinhos hoje com idade beirando 60 anos, horas importantes de sua vida, ensinando-nos a brincar e descobrir oportunidades de folguedo na casa de seu pai Nhonhô Braga, principalmente quando este se ausentava. Era hora do pique de esconder, da guerra de travesseiros e outras brincadeiras e folguedos infantis. A gente sentia-a tão próxima, apesar de já não ser criança como nós... Por ser uma tia mais nova, ela se permitia estar mais próxima da gente, não só pela idade mas também pelo seu humor característico. Conquanto inspirasse respeito a nós sobrinhos, netos e outros, ela conseguia ser uma pessoa próxima a outras gerações, razão por que deve aqui ser lembrada com muita leveza.
Da esq. p/ dir.: Dolores, Rosana, Valéria e Luiz Cláudio.

No aniversário de tia Maria em 26/09/2016: da esq. p/ dir. Valéria, Fátima, Marina, Ana Maria (sentadas); em pé, Rute Pardini, Rosana e Laura
Encontro em 2016 na residência de tia Maria (da esq. p/ direita em pé): Elizabeth, Laura e Marina. Detalhe: pilha de livros de colorir.
No aniversário de tia Maria em 26/09/2016 (da esq. p/ dir. em pé): Edson, Francisco, José Alvim, o autor, Sérgio e Gilson
Da esq. p/ dir.: Cida, Anete, tia Maria, Carlos Fernando e Maria do Carmo, Valéria e Marina, na residência de Carlos Fernando
Beatriz e tia Maria, rodeadas de muitos, muitos livros de colorir
Tia Maria e seu neto Diego em 24/09/2005

Mas eis que apareceu um rapaz muito elegante e forte que lhe arrebatou o coração. Ele chegava de "vespa", uma espécie de moto, e cativou nossa tia: Antônio Lovatto Filho. Ficamos sabendo que seus avós eram bolonheses. A moça folgazã, que até ali tia Maria tinha sido, se retraiu e seus deveres de namorada se sobrepuseram aos de parceira de folguedos e de tia próxima e descompromissada. 

Foi quando ela conseguiu o emprego de escriturária na Cooperativa Popular de Consumo de S. João del-Rei Ltda., sob a direção do Sr. Ubaldo, exercendo essa profissão até uma data próxima a seu casamento. (Tal entidade, fundada em dezembro de 1946 sob a presidência de José de Assis Sobrinho e estabelecida na rua Hermilo Alves, 224, trouxe inúmeros benefícios aos associados e à nossa cidade.)

Como todos sabem, neste ano mariano de 2017, comemora-se o centenário de Pe. Almir, vigário da Matriz de Nossa Senhora do Pilar de sua terra natal durante o período de 4/4/1948 a 13/1/1967. Pois bem. Pe. Almir teve a honra de oficiar o matrimônio de sua dileta aluna com Antônio Lovatto Filho, em 8 de janeiro de 1958. 
José da Silva Braga ou "Nhonhô Braga" (atrás dos noivos), Júlio Teixeira e Olga Braga Teixeira (à esquerda dos noivos)
Noivos: Maria das Mercês Braga Lovatto e Antônio Lovatto Filho

Sobre esse casamento cabe ainda lembrar que foi celebrado na casa de seu pai, na rua Santo Antônio, 136. Outra curiosidade sobre seu casamento é que meu irmão Roque César e eu fomos garçons para servir os convidados durante a festa, sob a orientação de um irmão de tia Maria, o saudoso tio Sebastião (⭐︎ 21/08/1922-✞ 07/08/1981).

O começo de sua nova vida de casada foi muito duro. Para complementar o orçamento doméstico, foi preciso fazer uso de suas habilidades adquiridas ainda na adolescência e no Colégio de Nossa Senhora da Conceição, trabalhando para fora, como então se dizia, nas áreas de corte e costura e tricô. 

Tia Maria sofreu ainda dor muito atroz quando faleceu inesperadamente seu esposo em 03/07/1997. A companhia que lhe fez tia Anita, sua irmã mais velha, neste momento doloroso, trouxe-lhe um valioso e inesquecível consolo.

Também tia Maria viu partirem desta vida seus pais Nhonhô Braga e Josefina da Fonseca Braga, além de outros seis irmãos (em ordem de nascimento: Anita, Zezé, Roque — meu saudoso pai , Sebastião, Olga e Roberto), mas ela soube suportar essa perda sem amargor, com resignação e muita coragem, tendo conseguido, da mesma forma, superar as dificuldades daí decorrentes.

Durante a Missa de corpo presente, ouvimos, quando da leitura do Evangelho, o sacerdote ensinar-nos a doutrina cristã emanada de Jo. 11, 25-6: "Declarou-lhe (à Marta) Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que crê em mim, não morrerá eternamente. Tu crês nisso?..." Também, durante o ritual de encomendação da alma de tia Maria, logo após a Missa de corpo presente, ouvimos o sacerdote invocar os anjos do Senhor para que conduzam a alma de Maria das Mercês Braga Lovatto à presença do Altíssimo, para que ela O louve por todos os séculos dos séculos. Esta é a fé católica que professamos. Por isso mesmo, é que pedimos ao piíssimo Jesus que lhe conceda o descanso eterno.

Por tudo aqui exposto, sou grato pela existência bondosa  de Maria das Mercês Braga Lovatto em nosso meio, razão por que peço uma salva de palmas para ela. Que Deus a acompanhe nesta sua última jornada! 
 

Crédito pelas imagens do casamento: Marina Jussara D'Aparecida Dias Braga
Crédito pelas imagens do aniversário: Rute Pardini Braga

domingo, 16 de julho de 2017

CARTAS DA CÂMARA DE S. JOÃO DEL-REI A DOM JOÃO V E A DOM JOSÉ I


Por Francisco José dos Santos Braga



I.  INTRODUÇÃO

 
No período colonial, uma vila tinha a mesma importância que hoje têm as cidades. Entretanto, algumas vilas requisitavam com uma exposição de motivos o título honorífico de cidade.

O título de honra de cidade era  atribuído necessariamente às vilas escolhidas para sede de bispado, porque, sendo o bispo membro do clero, classe equiparada à nobreza, não ficava bem residir numa vila, como um "vilão" qualquer.

Algumas vilas coloniais pleitearam e conseguiram o foral de cidade. Em 1709, Dom João V criou a Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, desmembrando-a da Capitania do Rio de Janeiro. Pela Carta Régia de 11 de julho de 1711, a Vila de São Paulo foi elevada à categoria de cidade, tornando-se portanto a sétima cidade criada no Brasil. Observe que São Paulo obteve o título honorífico de cidade bem antes de se tornar sede episcopal, o que se deu pela Bula Candor Lucis Æternæ, de 6/12/1745, do Papa Bento XIV, que instituiu as dioceses paulistana e marianense. Mariana é o outro caso que importa citar, já que a Bula fez de Mariana a sede do primeiro bispado de Minas Gerais, desmembrado da diocese do Rio de Janeiro. Em 1711 se deu a elevação de arraial em Vila do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo (primeira vila das futuras Minas Gerais, onde se estabeleceu a capital da então Capitania de São Paulo e Minas de Ouro, criada em 1709, mas cuja sede administrativa permanecia em São Paulo). Embora em 1720 Minas tenha sido desmembrada de São Paulo, e Vila Rica (de Albuquerque) estabelecida capital da nova capitania de Minas Gerais, Mariana continuou gozando de enorme prestígio, eis que a 23 de abril de 1745 (antes, portanto, da Bula) teve seu nome modificado para (cidade) Mariana, homenagem do rei Dom João V de Portugal a sua esposa D. Maria Ana de Áustria, sua esposa. Mariana acumula então a primazia de ter sido a primeira vila, bem como a primeira capital e a primeira cidade da Capitania de Minas Gerais.

Em 1749, a Câmara de São João del-Rei, justificando o pedido do título honorífico de cidade com base na sua fidelidade ao Rei, mas consciente da sua enorme contribuição em ouro ao custeio da Coroa portuguesa, fez chegar ao rei D. João V o seu pleito, respaldado em promessa do Conde de Assumar ¹ em nome do próprio rei.

Sobre essa carta expedida pela Câmara da Vila de São João del-Rei a D. João V, Xavier da Veiga, ilustre diretor e redator da Revista do Arquivo Público Mineiro, esclareceu que se tratava de "extracto de um original existente no Archivo Publico Mineiro" e só foi publicado após a correção da cópia feita por Carvalho Brandão. Ou seja, o que se lerá abaixo é uma reprodução literal de documento oficial, existente no Arquivo Público Mineiro.
 
Em seguimento à morte do rei em fins de 1750, fez nova petição agora ao sucessor D. José I, em 1751. ²


II.  CARTAS DA CÂMARA DE S. JOÃO DEL-REI A D. JOÃO V E A SEU SUCESSOR D. JOSÉ I 


Dando sequência ao que se firmou no primeiro parágrafo, que algumas vilas requisitavam com uma exposição de motivos o título de honra de cidade, a própria Vila de São João del-Rei, em 1749, dirigiu ao rei Dom João V, acompanhada de um Alvará de Lembranças, a sua petição de foral de cidade, que, contudo, nem resposta mereceu daquele rei, morto no ano seguinte. E baldadas foram, igualmente, as novas instâncias junto a seu sucessor Dom José I.

Assim, numa reunião da Câmara em 1749, conforme lavrado no 3º Livro de Acórdãos da Câmara de São João del-Rei, ficou acordado em remeter as cartas seguintes para Sua Majestade: uma, em que pedem o foral e título de cidade para esta Vila e mais privilégios que hão de constar no Livro do Registro cuja ³ foi remetida por mão do Secretário do Estado (ACOR 03, p. 14, em 08 de março de 1749; e p. 16 do mesmo livro, em 18 do mesmo mês e ano). Vejamos a primeira delas. Por ilegíveis, muitos acórdãos constantes do 3º Livro de Acórdãos da Câmara são-joanense, abaixo utilizaremos a transcrição feita pelo Arquivo Público Mineiro do ACOR 03, p. 14, em 05 (sic) de março de 1749.


Snor. — Na real prezença de V. Mag. offeressemos a Copea de hua Carta em q.' por sua soberana grandeza, foi V. Mag. servido prometer premio a esta Villa e seus moradores pello Serv.º de acompanharem a sua custa o Governador Antonio de Albuq. Coelho de Carv.º ao Seccorro do R.º de Jan.º, e tambem a Copea de outra do Gov. D. Pedro de Almeida, Conde de Assumar pella qual em nome de V. Mag. prometeo remuneração de outro igoal Serv.º. O dez.º de aumentar o meressimento tem sido athegora cauza de demora, não o esquecimento porq' tão especial favor andou sempre na lembrança de todos, e como tem faltado maiz occazions de mostrar esta Villa, e seus moradores o Zello e lealdade no Serv.º de V. Mag. e em beneficio do bem publico, chegamoz a seus Reaes péz a pedir o effeito daquella graça.
A obediencia e serviços dos Vassallos he divida a q.' obriga o direito das Gentez, mas o costume de os remunerar tem tambem feito de obrigação o premio, principalmente entre os Serenissimos Monarchas Portuguezes, e Senhores nossos verdadeiros Pays de seus Vassallos, conciliando destes o mayor amor com a liberalidade, ainda antez dos rogos, como noz experimentamos na liberal promessa de Doação de V. Mag. . Os Serv.ºs desta Villa ainda que pequenos, para o q.' dez.ª meresser são dignos da real attenção de V. Mag. como tem sido outros não mayores de outras povoações p.ª Grandez premios, é então poucos annos de duração não haverá outra q.' tanto se tenha distinguido, na lealdade, Amor, e obediencia. O da expedição ao Rio de Janeiro contra o Inimigo Francez, tem já o abono de V. Mag. no Alvará de lembrança em q.' está ponderado o meressimento para o Commum e p.ª o particular, e o do adjunctorio ao Conde Governador Dom Pedro de Almeida o abona elle com tão emcarecidos termos, q.' bem mostrão ser na occazião, este hum especialissimo serviço a Coroa, sendo a Lealdade e promptidão de seccorro destes moradorez o mayor instromento para o Socego dos Povos desta Capitania e com que atterrou os dezobedientez, e soblevados aquelle Menistro, grande em por pacifica tão attendivel porção da Monarquia, e mayor pellos novos Dominios com q.' hoje o aumento na India. 
Este Serv.º Senhor não é pequeno, porq' ser fiel entre os leães he concequencia do exemplo, e talvez effeito da impossibilidade, mas conservar a lealdade, e ajudar o partido do Principe entre os que a seu entender, ainda q.' errado, procurão a liber. publica, e Commua, he mostrar purissima a fedelidade, e Amor, e antepor os proprios interesses os do Soberano, observar as leys, ainda q.' paressão duraz e obedecerlhe nas pessoas de seus Menistros ainda q.' o intendimº enganado com o proprio commodo dêle o contrario; e asim avaliou aquelle grande Menistro em quem fizerão união o valor, e as sciencias. He igoalmente attendivel a lealdade e o adjuctorio com q.' esta Villa, quando ainda o não hera, e seus moradores obedeceo, e acompanharão offeressendo o resto do poder ao Gov. D. Fernando Martins Mascarenhas de Alemcastro a quem os Povos das Minas do Ouropreto que havião arogado a sy a elleyção de Governador, negarão a obediencia, e impedirão o pasço no rodeyo da Itatiaya, sendo esta Comarca a unica que lhe obedeceo, festejou, serviço e asseitou direcções de Governo reconhecendo o Lugar Thenente de V. Mag. a que não podemos mostrar por certidão por não haver nesse tempo Archivo publico; provando por testemunhas do mesmo tempo dignas de fé. Estes mesmos Povos forão os que na sublevação geral dos Naturaes da Cidade de S. Paulo chamados vulgarmente, Paulistas, despersos por todas as Minas expuzerão as vidas primeira e segunda vez no anno de 1709 ao rigor de suas Armas deffend.º o cerco athe os fazer retirar com estrago, sendo certo q.' se vencessem este pasço crescerião em poder, e comquistarião as maiz povoaçõez destas Minas com prejuizo da Real fazenda dezobediencia dos superintendentes, e opressão dos moradores, quando não passaço o seu insulto a se negarem vassallos, como se receyou, e a percizar húa difficil, e custosa Conquista.
E finalmente no anno de 1760 (sic) se puzerão promptos estes moradorez para hirem seccorrer a praça da Villa de Sanctos q.' se supunha invadida pello Inimigo Francez, por ordem q.' deo o Governador Antonio Albuq. fazendo o preparo, e expedição a sua Custa, o q.' tudo mostra o instrumento em suplemento da falta de Certidão. Estez são os meressimentos do animo, e da vontade, e proprios destes moradores com que se destinguirão na lealdade e real serviço; e como proprios tambem podem allegar a benevola Situação, e benignidade dos Astros influindo generozos e leaes spiritos nos seus habitadores para q.' a nobreza natural se habilite e concilie melhor a Civil, e politica, q.' os Monarchas conferem.
Concorreo maiz a providencia Divina para o meressimento desta Villa, porq' foy esta Comarca, e Villa a primeira escolla dos antigos discubridores destas riquezas, nella se descobrirão as p.ªs Minaz de Ouro no Sitio dos Cattaguazes de q.' todas a principio tomarão O nome, e as segundas chamadas da Itaberaba; e Suposto outras com mayor riqueza, se adiantarão na estimação, e tirarão a premazia do titulo, esta Villa hade superar a todas na duração por serem suas Minaz, e veeeiros mais perpetuoz, e a Comarca a maiz dilatada, e de mayores esperanças como mostra o instrum.º e quando as outras estão já lamentando a ruina por lhe negarem as entranhas da terra o precizo fructo, como esta a prometer izenção aos estragos do tempo, com os (sic) haverez do centro das pedraz, q.' em distancia de mais (sic) em ............, e mostra merecer maiz ao Author da Natureza aquella Povoação que tendo o primeiro principio promete maiz dilatado o fim do q.' aquellas em q.' a ruina está a vista da ellevação; confia não menos destes merittos, e tudo da real grandeza de V. Mag., de quem he maiz propria esta Villa por pedir, e alcansar ser tambem de V. Mag. no nome q.' tem; prostrados a seus reaes péz pedimos a enobreça, e honre com o titulo de Cidade, Armaz, assento em cortez, e húa legoa de terra em circuito para foral, e a seus Cidadões com o privilegio dos do Rio de Jan.º A erecção de novas Cidades he augmento da Monarquia, e firmeza e melhor defença della o augm.º da Nobreza, e sendo estas Doações, não só as menos onerozas, mas de mayor utilidade aos Dominios de V. Mag. não pode pareser excessivo o nosso requerim.º, e piditorio, e se as Cidades q.' faltão a fedelidade tem por castigo a demolição pella mesma justiça destributiva devem ter o nome e premios de Cidades as povoaçõez q.' na fedelidade, maiz se destinguirão, e a honra e titollo de Nobrez os Vassallos q.' com generozo dezinteresse, e impavida ouzadia offerecerão as vidas e as fazendas em Serv.º de seu Principe, e Senhor, e da utilidade publica. Outras povoações não mayores, e talvez com menos meritos, tem conceguido nesta America otl., e honra de Cidade, como ha muitos annos a de Cabo Frio, S. Paulo, Sergipe de El-Rey e Parahyba do Norte, e tambem aquelles privilegios ou traz não podendo ser novidade, o q.' já he habyto de grandeza na Monarchia. A povoação Snor.' desta V.ª e seuz moradorez, não desmeressem a honra, e muito q.' pedimos, porq' a V.ª  he bem assentada, e povoada com alguns edifficios Nobrez, e regulares ruas com bem ornados Templos em q' com muito aseyo grandeza, e devoção se cellebrão os Divinos off.ºs sendo os Ares os maiz puros, e saudaveiz de esta Capitania o Territorio o maiz alegre e vistozo, e o assento da Villa o melhor de todos: Há bastante n.º de Nobreza com estabelecimento e familias, de sorte q.' tem servido na republica muitos Cavlr.ºs das ordens militares, e Cidadões do R.º de Janeiro, e outras de Nobrezas hereditarias como se faz certo no instrumento. Sirva-se V. Mag. de deixar maiz este Padrão de sua memoria concedendo nos a mercê q.' pedimos e maiz obrigados estes vassallos, com a recordação de tão grande benef.º p.ª sempre terem promptas as vidas e fazendas no exercicio da fedelidade e real serv.º de V. Mag., cuja vida e saude prospere Deos por muitos annos. S. João de El Rey em Camara de 5 de Março de 1749 a. — João Roiz' S.ª — Manoel Gomez Vagado — Rafael... — Joze Pinto Ribr.º — Ant.º Moniz de Medeiros — Pedro Glz' Chavez.  (Extracto de um original existente no Archivo Publico Mineiro).
Está conforme.
Carvalho Brandão
(grifo nosso)


FonteRevista do Archivo Publico Mineiro, Bello Horisonte: Imprensa Official de Minas Geraes, Anno IV, 1899, p. 812-15.

Em 31 de julho de 1750 faleceu o rei D. João V de Portugal e reinou entre fins de 1706 a meados de 1750. Sucedeu-lhe D. José I. [SETTE CÂMARA, 1974-75, 15-32] noticia sobre as "barroquíssimas exéquias" de D. João V da seguinte forma:
"Em 1750, morre D. João V, rei durante 44 anos, desde 1706. Entre a coisa pouca que nos restara dos bons tempos do El-Dorado estava a matriz do Pilar, jóia de ouro na poeira. Ao visitá-la, em 1819, Saint-Hilaire abriu a boca: 'Fica-se deslumbrado pela profusão de dourados que ornam os altares e sobretudo a capela-mor.' O restante ouro disponível acaso foi gasto no mausoléu em honra de D. João V, nas exéquias reais celebradas na Matriz. Affonso Ávila, no folheto 'Uma encenação barroca da morte - as solenes exéquias de D. João V em S. João del-Rei', nos dá notícia do notável acontecimento. Foram as 'barroquíssimas exéquias' mandadas celebrar pela Câmara, em 28 de dezembro de 1750, sendo vigário o padre louvaminheiro Mathias Salgado. 'E determinou, por isso, de promover uma homenagem póstuma de maior vulto, que se preparou por 60 dias. Ergueu-se, para tanto, um mausoléu simbólico, um 'obelisco funeral de estupenda e majestosa arquitetura'. Um cronista da época refere-se às 'riquíssimas tarjas e folhagens douradas e prateadas', à 'abundante cópia de preciosos galões de ouro e prata', aos jarrões prateados de 7 palmos de altura, aos veludos e sedas pretas. A cúpula do régio mausoléu era de 'veludo preto, todo franjado, e agaloado de ouro e prata com um dourado florão, que coroava o todo desta arquitetura: saíam desta bem composta e rica cúpula quatro cortinas, que, indo apanhar a voluta dos capitéis das colunas, formavam 4 arcos de meia volta redonda, fazendo por dentro a figura de barrete com vários florões e tarjas de ouro: não havendo em toda essa fábrica ornato que não fosse precioso, matéria que não fosse rica', etc. Quarenta (40) sacerdotes, 'número excessivo para huma Villa das Minas', participaram da celebração da missa e mais solenidades, com o templo feericamente iluminado, gastando-se nessa iluminação 'mais de quinze arrobas de cera'. Quase 250 quilos de cera! (...)
Quanto à Música, transcrevo, ainda transladando para a ortografia corrente: 'Nos dois lados da Igreja se dividiram dois coros de Música em outros tantos coretos; em cada um dos quais estavam dois rabecões, um cravo e quatro vozes, todos tão bem ajustados que, cantando todos os Responsórios, Versos e Lições debaixo de rigoroso compasso, era tal a melodia, a consonância que se julgava fazerem todos um concerto sem faltar algum ao regulado contraponto da sua voz.' (...)
Ora, naquela 'autêntica festa de encenação da Morte, imagem residual da alma portuguesa' não poderiam faltar os esqueletos e todos os símbolos da morte, em espetacular dramatização. Diz o cronista do tempo: 'Altar-mor, mostrando nos horrores da cor a justa causa do sentimento: as negras paredes se ornavam com multiplicados esqueletos de inteiros corpos, mortes, ossadas e inumeráveis tarjas.'
Sintetiza Affonso Ávila: (...) 'O pretexto da morte de Dom João V serviu, como se conclui, para que a alma barroca da sociedade mineradora, representada pela gente da Vila de São João del-Rei, pusesse à mostra uma das naturais propensões do homem residuariamente seiscentista que era o gosto quase mórbido pelos motivos e encenações de cunho dramático, noturno, lutuoso. A igreja matriz de Nossa Senhora do Pilar foi o cenário e palco onde se desenrolou esse ato de teatro macabro, convertida pelo artifício decorativo numa réplica daqueles templos barrocos italianos, nos quais os esqueletos e caveiras são elementos funcionais de uma escultura ornamentística que busca a persuasão pelo horror.'
Sem sombra de dúvida, as barroquíssimas exéquias de D. João V foram o maior acontecimento cívico-religioso do século XVIII, em São João del-Rei." 
Fonte: Notas à margem da história antiga de São João del-Rei, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, volume II, 1974-75, Juiz de Fora: Esdeva Empresa Gráfica S.A., pp. 15-32.

Em face da morte de D. João V, não restou à Câmara são-joanense senão escrever uma nova correspondência reiterando os termos da estampada acima e datada de 18 de março de 1751. O transcritor é o historiador Antônio Gaio Sobrinho que dela deu notícia em Ata nº 488 do IHG de São João del-Rei, verbis:

Senhor. Em carta de oito de março de mil setecentos e quarenta e nove remetemos a cópia de um Alvará de Lembrança ao Fidelíssimo Senhor Dom João que Deus tem em glória o qual prometeu o prêmio aos moradores desta Vila por haverem à sua custa acompanhado o Governador Antônio de Albuquerque de Carvalho na expedição e socorro ao Rio de Janeiro e na mesma expuseram outros mais serviços em benefício da coroa e Erário Real, pedindo que esta Vila subisse à grandeza de Cidade à imitação de outras com os privilégios da do Rio de Janeiro e agora novamente suplicamos reverentemente a Vossa Majestade ponha os olhos no dito Alvará de Lembrança concedendo-nos os privilégios de que gozam e são concedidos aos cidadãos da dita cidade. Deus guarde a Real Pessoa de Vossa Majestade por muitos e dilatados anos como seus leais vassalos lhe desejamos. Vila de São João del-Rei em Câmara de doze de maio de mil setecentos e cinquenta e um anos a. — José de Lima Noronha Lobo — Manoel Gomes Vagado — Manoel Pereira Braga — Antônio Teixeira da Silva — Domingos Alves Chaves.


D. João V faleceu em 26 de dezembro de 1750, sem atender o pedido da Câmara são-joanense de obter o foral e título de Cidade para a Vila de São João del-Rei. 

[CINTRA, 1982, 532-3] dá detalhes do referido acórdão na efeméride de 26 de dezembro de 1750. Ali se lê que "os Membros da Câmara da Vila de São João del-Rei "acordaram em abrir uma carta do Sr. General destas Minas em que dá parte que é morto o nosso Rei Dom João Quinto e ordena se façam as exéquias que o Estado da Terra permitir. Autorizava o Senado da Câmara despesas na importância de 468 oitavas e 7 vinténs de ouro, sendo 80 oitavas de ouro em favor de Estêvão Andrade, artista que prepararia a essa de Sua Majestade. Foram discriminados os servidores públicos autoridades que receberiam 'propinas para botarem luto pelo Senhor Rei Dom João Quinto'. Foram beneficiados os Juízes, Ouvidor Geral (111 oitavas de ouro), Vereadores, Procurador, Alcaide e Porteiro. Os Almotacéis Drs. Antônio José de Melo e José da Silveira e Souza perceberiam, cada um, 50 oitavas de ouro; o tesour.º do senado, 25 oitavas. Também foram recompensados: Rafael Lobo Pereira de Vagas, Alferes do Estandarte do Senado, com 31 oitavas de ouro; o juiz de órfão com 101 oitavas de ouro".


III.  CIDADE DE SÃO JOÃO DEL-REI?  SIM, SÓ QUE APÓS A INDEPENDÊNCIA, EM 1838. 

 

Apesar da pressão exercida pela Câmara sobre os reis portugueses, São João del-Rei, a "mui nobre e leal Villa de Dom João V", não teve o merecido reconhecimento dos monarcas portugueses que a mantiveram na condição de Vila de 8 de dezembro de 1713 até 5 de março de 1838, quando foi elevada à categoria de Cidade por força da Lei Provincial nº 93 de 6 de março de 1838, a qual contemplou outras três vilas: foram elevadas à categoria de cidade, além da de São João del-Rei, as de Sabará, do Príncipe (com a denominação de cidade do Serro) e de Diamantina. A explicação é que, após a Independência do Brasil, em 1822, o significado e a importância dos títulos de Vila e Cidade se inverteram. No período colonial, era a Vila que tinha grande significado e importância, sendo a Cidade apenas um título honorífico, de nobreza, apenas "algo mais". Depois da Independência, a Cidade é que ganha preeminência e distinção, ficando o título de Vila reduzido a uma situação fictícia de superioridade com relação a um Arraial. Longe de corresponderem a um reconhecimento da importância das novas cidades no âmbito da Federação, o que se viu com a Lei Provincial nº 93 foi um pretexto para mudança de denominação de um topônimo (no caso de Serro), um consolo ou expediente político para ganhar eleitores. 



IV.  AGRADECIMENTOS



Venho agradecer a dois historiadores: Prof. Antônio Gaio Sobrinho e Francisco Rodrigues de Oliveira. Ao primeiro, por ter eu utilizado alguns elementos de sua palestra "Três Momentos da História de São João del-Rei", proferida no IHG local em 01/12/2013, que enriqueceram o presente trabalho; e ao segundo, historiador barbacenense, por ter-me municiado com uma cópia do extrato de um original existente no Arquivo Público Mineiro utilizado em substituição ao original, atualmente ilegível.

 

V.  NOTAS  EXPLICATIVAS 



¹   Há o seguinte registro da grande pompa com que o Governador D. Pedro Miguel de Almeida Portugal, o Conde de Assumar, foi recebido pelo Senado da Câmara, por pessoas gradas, por companhias de Ordenanças e pelo clero da Vila de São João del-Rei:
"O Governador Conde de Assumar, sendo recebido à entrada da Villa de S. João d'El-Rey, com todo o cerimonial da época, seguindo-se as solemnidades religiosas e profanas usuaes.
Na entrada da Villa se achava construido por ordem deste Senado da Camara um excellente pavilhão, ornado com riqueza e decencia possivel, aonde se achava o Ouvidor presidente do Senado e mais vereadores para pegarem nas varas do pallio, debaixo do qual foi conduzido o governador Conde de Assumar, precedido dos homens bons, nobreza e povo desta Villa, e seguido das companhias das Ordenanças, que marchavam ao som de uma muzica organisada pelo mestre Antonio do Carmo, à Igreja Matriz, aonde o rev. vigario da vara Manoel Cabral Camello entoou o hymno Te-Deum, que foi seguido por todo o clero e muzica; e concluida esta religiosa solemnidade se encaminharam para a residencia destinada para o Governador, aonde foi logo cumprimentado pelo Corpo do Senado da Camara, Clero e pessoas de distinção desta Villa. Houve iluminação geral por tres noites por toda a Villa."

Fonte:  transcrição de Samuel Soares de Almeida, apud Pequena História de Teatro, Circo, Música e Variedade em São João del-Rei - 1917 a 1967, por Antônio Guerra, p. 15-6, para o ano de 1717, ocasião em que "comprovadamente, o registro musical tem seu início, quando o maestro Antônio do Carmo liderou uma banda de música no tôpo do Bonfim, por motivo da chegada a então Vila de São João del-Rei do governador D. Pedro de Almeida, o Conde de Assumar.

Sobre o historiador Samuel Soares de Almeida, queira consultar a Nota Explicativa nº 1 in http://saojoaodel-rei.blogspot.com.br/2017/04/povoadores-primevos-do-rio-das-mortes-e.html


²   [SOBRINHO, 2010, 64] faz menção à dita carta, verbis: "ACOR 03 PG 14: EM 08 DE MARÇO DE 1749 — Acordaram em remeter as cartas seguintes, para Sua Majestade: uma, em que pedem o foral e título de cidade para esta Vila e mais privilégios que hão de constar no Livro de Registro cuja [sic] foi remetida por mão do Secretário do Estado (...)."

[SOBRINHO, 2010, 64-65] ainda transcreve parcialmente o ACOR 03 PG 70: EM 26 DE DEZEMBRO DE 1750, o qual trata da morte de D. João V e noticia sobre os preparativos para as Exéquias do monarca falecido, cujo funeral se deu em 29/12/1750. Por tal transcrição do documento, ficamos sabendo que "aos vinte e seis dias do mês de dezembro de mil setecentos e cincoenta nesta Vila de São João del-Rei, Minas do Rio das Mortes, em os paços do Concelho dela e nas casas da Câmara dela adonde se juntaram os Officiais da mesma a saber o Juiz Ordinário Caetano da Silva e os Vereadores e Procurador todos neste acórdão assinados e sendo aí todos juntos acordaram o seguinte de que fiz este termo, eu José de Sousa Gonçalves escrivão da Câmara que o assinei (...)"


³  Nos acórdãos e outros documentos, os escrivães costumavam utilizar o pronome relativo "cujo" em substituição a "que, o qual".


    Há uma discrepância entre as datas mencionadas no Livro de Acórdãos e a Revista do Arquivo Público Mineiro, o primeiro atribuindo a data da carta a 8 de março e o segundo, a 5 de março de 1749.



VI.  BIBLIOGRAFIA  CONSULTADA





GUERRA, Antônio Manoel de Souza: Pequena História de Teatro, Circo, Música e Variedades em São João del-Rei - 1717 a 1967, Juiz de Fora: Sociedade Propagadora Esdeva - Lar Católico, 327 p.

INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE SÃO JOÃO DEL-REI: Ata nº 488, de 1º de dezembro de 2013.

Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, volume II, 1974-75, Juiz de Fora: Esdeva Empresa Gráfica S.A., 135 p. 

SOBRINHO, Antônio Gaio: São João del-Rei Através dos Documentos, São João del-Rei: UFSJ, 2010, 257 pp.

          — Exéquias Fúnebres de D. João V em São João del-Rei in http://saojoaodel-rei.blogspot.com.br/2015/12/exequias-funebres-de-d-joao-v-em-sao.html

         — O dia da cidade de São João del-Rei in http://saojoaodel-rei.blogspot.com.br/2017/04/o-dia-da-cidade-de-sao-joao-del-rei.html