quarta-feira, 9 de setembro de 2020

NO JARDIM BOTÂNICO

 

Por Danilo Gomes

“Breve é o tempo de estarmos juntos.” (Du-Fu, 712-770, “O rio sinuoso”, in Poemas Clássicos Chineses.)

 


Por essas alamedas de azaleias do meu outono, passeio antigas lembranças amáveis, como que ouvindo, ainda, o “Requiem” de Johannes Brahms – com o Coro da Filarmônica de Praga – e o “Requiem” de Mozart ou de Fauré, este pesado como a morte. Caminho para a longínqua Thule, entre brumas. Pítias, Estrabão, Virgílio. Thule, terra de fogo e gelo, confinando com a Hiperbória e a Finlândia. Fim do mundo, fim da vida. Memento mori

Vivi, outrora; meu coração ardeu nas chamas do mundo. Depois, as águas o serenaram – as águas lustrais que descem, lentamente, da estação do outono. Breves foram os dias idílicos. 

Caminho para a longínqua Thule, a última Thule. Hoje passeio antigas lembranças amáveis, à sombra dos flamboyants, nesse Jardim Botânico, nesse distante horto florestal. As casuarinas e as amendoeiras deitam folhas secas, que estalam sob meus pés. Folhas secas são como corações exauridos de todos os tormentos da paixão. Sinto no ar uma serenidade quase paradisíaca; deve ser esse fim de tarde. E nem falei dos pássaros nesse paraíso terminal. E nem do som das águas. 

Ao final das azaleias, há um muro de hera e musgo, brumal. Lá deve ser Thule, a última Thule. Além do muro de musgo e hera. Entre as brumas, entre o brumado… 

As lembranças, como buganvílias escarlates, aquecem a friagem desse outono de Vivaldi, por essas alamedas de azaleias, por esse bosque de melancolia, onde, lentamente, passeio antigas lembranças amáveis…