sábado, 28 de agosto de 2021

UMA PARIS NOS TRÓPICOS


Por Anna JAMROZEK-SOWA *

Droga do Rio. Historie polskich emigrantów, em polonês
(Caminho para o Rio. Histórias dos emigrantes poloneses, em português)

 

Caminho para o Rio¹ (em polonês: Droga do Rio ²) é o quinto livro de autoria de Aleksandra Pluta. A jovem autora, formada em jornalismo pela Università La Sapienza, em Roma, doutoranda no Instituto de Teoria Literária da Universidade de Brasília, reside em Brasília e visita regularmente a Polônia. Escreve livros em língua polonesa. 

Caminho para o Rio” consta de catorze entrevistas realizadas pela autora no Rio de Janeiro. Seus interlocutores são personalidades significativas no ambiente da emigração polonesa. O livro contém igualmente as fotos dos heróis e cópias de documentos migratórios. Na introdução, a autora apresenta o contexto cultural e histórico. Faz uma breve revista da história da colonização polonesa no Brasil. Aludindo ao caráter predominantemente camponês dessa emigração, aponta para a excepcionalidade dos seus catorzeinterlocutores: pessoas bem educadas, artistas, empresários. Pela primeira vez introduz no livro os seus próprios comentários. Nas publicações anteriores, cita opiniões de outras pessoas. 

Como no caso dos livros precedentes , a autora se deixa conduzir pelos narradores dos relatos autobiográficos. Não espera deles um relato detalhado. Dá-lhes o direito de apresentar a verdade particular. A analogia de situações, a repetição das reações, a unidade do lugar de fixação (Rio de Janeiro) conferem aos destinos dos narradores individuais as marcas da tipicidade. Eles viajavam à América do Sul tendo apenas escassas informações a respeito do país que se tornaria o lugar de destino da sua jornada. 

Aleksandra Pluta escolhe para heróis de todos os seus livros os emigrantes do pós-guerra que realizam pela sua vida os valores intelectuais neles incutidos pelas famílias, pelas escolas de antes da guerra e pelo escotismo 
“Durante esses vinte anos educou-se uma geração realmente maravilhosa. Naturalmente, sempre em alguma parte há alguns defeitos, mas de maneira geral essa foi uma geração maravilhosa” − dirá um dos interlocutores, Cristóvão Gluchowski (p. 91). 
Esses valores modelavam a forma de funcionar no mundo. Resultavam em honestidade interior, postura pró-social, prontidão a sacrifícios pessoais, ativismo em prol da comunidade. Os emigrantes transportaram esses valores interiorizados para uma outra dimensão geográfica e cultural. O legado deles é especialmente importante no contexto da degradação dos intelectuais na Polônia depois da guerra. 
 
Os heróis dos livros de Pluta são indivíduos que se salvaram e que o vento da história encaminhou ao continente sul-americano. A salvação da vida na borrasca da guerra era uma questão de acaso e de milagre ao mesmo tempo. Liliana Syrkis, cujo pai foi assassinado em 1940 em Kharkov, relata: 
“Quando eu ia de casa para a escola, a NKVD ³ já havia ido para pegar minha mãe [...]. Em Pinsk todos os judeus foram mortos, talvez uns três se tenham salvado. De maneira que foi um milagre termos podido viajar à Sibéria, onde, apesar da fome e do frio, conseguimos sobreviver” (p. 45). 
Os interlocutores de Pluta fugiam da Europa envolvida pela guerra ou, suspensos no vazio do pós-guerra, conscientemente escolhiam a vida no Novo Mundo. As suas narrativas se interligam pela aceitação do fato da própria emigração. O país em que se estabeleceram − Chile, Argentina e sobretudo Brasil − é avaliado por eles positivamente, como o lugar onde lhes foi permitido viver, onde, expulsos do dia a dia de antes da guerra, encontraram um porto seguro. Os recém-chegados encontravam ali a aceitação. Danuta Haczynska da Nóbrega, que após a vinda ao Rio de Janeiro ganhou uma bolsa que lhe possibilitou estudar na respeitada escola particular Colégio Sagrado Coração de Maria, recorda: 
“Tanto as colegas como as irmãs [...] eram muito carinhosas, porque sabiam que eu tinha vindo de um país em guerra” (p. 78-79). 
Ladislau Dzieciolowski dirá: 
“E quanto à minha vida de emigrado, estou satisfeito, não me posso queixar. Eu seria muito ingrato se me queixasse. [...] Os brasileiros me receberam muito bem, desde o início o nosso relacionamento foi muito amigável. Todos me tratavam com gentileza, não havia preconceitos” (p. 40-41). 
Ana Dzieciolowska recorda que no Rio os poloneses não se fechavam num gueto étnico: 
“Os brasileiros nos aceitaram e por isso rapidamente ingressamos nessa sociedade. [...] Sempre nos convidavam para suas casas, para passarmos juntos as festas do Natal [...], sempre eram amistosos e hospitaleiros” (p. 232). 
Os emigrados da Polônia eram tratados como componentes daquela multidão de imigrantes que a partir do século XVII começaram a estabelecer-se na América do Sul. Tinham a oportunidade do desenvolvimento pessoal e a possibilidade da realização profissional. Visto que haviam sobrevivido às agruras da guerra, a muitas situações que ameaçavam a vida, após a vinda ao Novo Mundo, envolvidos pela benevolência geral do ambiente e granjeando a sua aceitação, foram capazes de mais uma vez encontrar um espaço para a vida. Não se sentiam estigmatizados pela etiqueta da “estranheza”. Não foram reduzidos ao papel de “estrangeiros”. Os que tinham a maior consciência da perda, não somente das fontes psicológicas e culturais da identidade, mas também de quase todos os parentes, eram os judeus poloneses salvos do Holocausto. O Brasil lhes deu a oportunidade para uma recuperação pós-traumática. 
Os que chegavam sentiam-se fascinados pela beleza da capital: 
“[O Rio] era limpo e tão belo como Paris... [...] Havia muita elegância. Uma Paris nos trópicos(Danuta Haczynska da Nóbrega, p. 78);
“A viagem foi horrível. Nós a fizemos de navio, na terceira classe, no porão, onde os passageiros sentiam fortemente o balanço, as crianças choravam, as pessoas vomitavam. Em toda a parte o mau cheiro e a sujeira. Isso era horrível. Mas chegamos ao Rio. Quando começamos a nos aproximar, quando vi essa bela cidade, essas montanhas, esse mar!... Faltam-me palavras” (Liliana Syrkis, p. 51); 
“Apaixonei-me por esta cidade à primeira vista. Até hoje estou muito satisfeito por aqui morar” (Alexandre Laks, p. 64). 
Como resulta dos pronunciamentos das personagens, os brasileiros contaminavam os emigrados com a sua alegria. Naturalmente, a respeito do que lembra a pintora Alícia Sikorska-Glass, ao chegarem eles se defrontavam com costumes que lhes eram estranhos. Por exemplo, era comumente aceito que as moças fossem a festas, ao cinema ou ao teatro exclusivamente em companhia masculina. 

Os relatos dos protagonistas de Pluta são histórias de sobrevivência, de salvações milagrosas, de instinto de vida que fornece forças para superar sucessivos obstáculos. Coerentemente a autora constrói a narrativa sobre imigrantes poloneses espalhados pelo mundo como pessoas de sucesso. O Brasil, o Chile ou a Argentina que a envolvem são lugares mentalmente distantes da Polônia. Situam-se à margem da nossa percepção, acostumada a captar informações provenientes do círculo da cultura anglo-saxônica. Os imigrantes residentes nos Estados Unidos estão mais presentes na nossa reflexão do que aqueles que se fixaram sob o Cruzeiro do Sul. Basicamente, influenciaram essa exclusão os rigores introduzidos pelos regimes militares sul-americanos e a interrupção dos laços com o país de origem, também governado autoritariamente. Os livros de Pluta devolvem a lembrança dos Ausentes. 

Os interlocutores de Pluta refazem e interpretam a própria experiência. Dirigindo o pensamento à sua existência que se desenvolveu no tempo, elaboram a própria identidade. A construção do próprio destino no relato é uma expressão do desejo de penetrar aquilo que 
“é inexplicável e imprevisível, que, subtraindo-se ao conhecimento e à clara compreensão, ao mesmo tempo não deixa de inquietar a mente” (Buczyńska-Garewicz 2010, 7). 
Fazem uso dos modelos de autonarrativas que funcionam na cultura. Os seus pronunciamentos são realizados por esquemas de narrativas migratórias: o relato sobre a “base” (país de nascimento, cidade, família, peripécias dos primeiros anos de vida), o realce da importância do impulso exterior que determina a migração, o momento da vinda ao país de fixação e a descrição do processo do estabelecimento na nova realidade (busca de trabalho, fundação de uma família) e − finalmente − a visão da vida no contexto do significado das escolhas feitas. A autoanálise conduz à autodeclaração. Os heróis dos livros de Pluta não fazem isso ad hoc. A autodeclaração resulta da reflexão, com a qual envolvem várias dezenas de anos de uma vida em geral significativamente longa. A perspectiva intercultural os induz a um pensamento relativo, enriquece-os cognitivamente. Graças à realização desse trabalho mental, as narrativas por eles relatadas transformam-se em tratados sobre a memória e o esquecimento. Não podendo fazer um relato do transcurso de toda a vida, eles escolhem “pontos de orientação”, acontecimentos cruciais. Apontam para momentos dolorosos, mas os comentam com uma ou algumas frases apenas. De acordo com a intenção da autora, destacam os papéis por eles cumpridos de emigrantes e imigrantes. Levam em conta as diversas formas possíveis de interpretar a sua situação existencial: 
“Não sou emigrante − estou entre os emigrados” (p. 86) 
− dirá Cristóvão Gluchowski, antigo soldado polonês que até 1970 residiu em Londres, e a partir de 1988 no Rio de Janeiro, autor de dois volumes de memórias: Polacy w Londynie: 1947-1970 (“Os poloneses em Londres: 1947-1970”) e Śladami pradziadów (“Na trilha dos antepassados”). Os sobrinhos de Mieczysław Lepecki, um conhecido repórter de antes da guerra, ajudante de campo de Józef Piłsudski, afirmam que  
“ser ao mesmo tempo brasileiro e polonês não encerra em si nenhuma contradição.” 
Jorge Lepecki diz: 
“Na minha situação [...], sou uma coisa e outra. [...] Aqui sou tratado como um local. No Brasil há tantas pessoas de origem estrangeira que ninguém nem sabe se alguém é um imigrante recente ou antigo [...]. Eu não trato a minha emigração como uma perda. Para as pessoas mais velhas a emigração certamente pode ser uma perda, mas pra mim não foi” (p. 140-141).
Seu irmão, Vitoldo Lepecki, confirma: 
“Sou meio polonês, meio brasileiro. Há pouco obtive a cidadania polonesa. Sou meio a meio, um pouco dividido, mas basicamente me sinto um cidadão brasileiro de origem polonesa” (p. 141).
Alexandre Laks constata: 
“Eu me senti bem no Brasil e assim me sinto até hoje. [...] Não sentia que era judeu ou polonês, ninguém me perguntava isso. O Brasil é para mim uma nova pátria, embora não me tenha esquecido de que nasci na Polônia. Sou também membro da Sociedade ‘Polonia’ no Rio de Janeiro. Sou judeu e sou hoje muito respeitado no Brasil. Fui nomeado cidadão honorário da cidade do Rio de Janeiro. Não me sinto estrangeiro, visto que os brasileiros aceitam a todos, não têm quaisquer preconceitos” (p. 65).
Contrariamente aos emigrantes do pós-guerra, tem uma grande dificuldade para definir a sua identidade Igor Cwajgenberg, de vinte anos de idade, neto de uma moradora do Rio salva do Holocausto: 
“Sou brasileiro, mas não pareço brasileiro. Sou um judeu. Meu pai casou-se com uma judia de origem polonesa, de maneira que tanto meu pai como minha mãe são judeus poloneses. No Brasil não me tratam como brasileiro, na Polônia não sou polonês. [...] Não tenho um país” (p. 221).
Um elemento constante abordado nas entrevistas é o projeto no final não realizado de uma eventual volta dos emigrantes à Polônia. As tentativas empreendidas resultaram em insucessos, porquanto 
“o que é difícil na figura da volta é a continuidade. A falta de continuidade na experiência de permanecer não permite [...] reencontrar plenamente o que se abandonou, reassumir as coisas onde foram deixadas, reencontrar a si mesmo ainda não mudado” (Augé 2009, 73).
A história da partida da família à Polônia nos anos 70, dos dramáticos efeitos dessa decisão e − no final − da reemigração ao Brasil é relatada por Aldona Kozlowski: 
“Tínhamos muita dificuldade, porque não falávamos em polonês. As crianças nos chamavam de imperialistas, porque havíamos vindo da América. Elas tinham incutido na cabeça que a América é terra de imperialistas” (p. 183).

Aleksandra Pluta olha para os seus protagonistas de uma perspectiva especial. Há catorze anos reside fora da Polônia, sucessivamente: na Itália, no Chile e no Brasil. Ao formular perguntas a compatriotas que há setenta anos aportaram no litoral da América do Sul, a respeito do que lhes ofereceu o país de fixação e a respeito da sua autoidentificação − adquire conhecimentos e perspectivas que lhe possibilitam olhar para as escolhas próprias e as da sua geração. Em Caminho para o Rio inscreve-se a tensão que existe entre a emigração imaginada e o seu formato real. Encontra-se também o elogio do multiculturalismo e da tolerância, o respeito às pessoas de mente aberta e energia inesgotável. As biografias dos protagonistas de Pluta testemunham que, residindo a milhares de quilômetros da pátria, alguém pode continuar a sentir-se polonês, que o ser brasileiro não apaga o primitivo “eu” e que a consciente aceitação dos condicionamentos do país de fixação resulta num sentimento de realização. Como declaram os interlocutores, o duplo enraizamento não é um obstáculo, mas um estímulo ao seu desenvolvimento. A autora destaca a posição deles, de emigrantes e imigrantes, bem como as consequências que resultam do cumprimento desses dois papéis. Os livros precedentes de Pluta são o registro de histórias faladas ou assumem a forma de relatos autobiográficos e biográficos. Em seu último livro, ela reúne entrevistas realizadas com decanos da imigração polonesa no Rio de Janeiro. 

Resenha do livro "Caminho para o Rio", intitulada
"Uma Paris nos trópicos". (Também se encontra 
  na língua polonesa com o título "Taki Paryż w tropikach")

  

* Universidade de Rzeszów, Polônia

 

II. NOTAS EXPLICATIVAS 

 

¹  O livro resenhado por Anna Jamrozek-Sowa foi publicado no Brasil pela Verve Editora em 2018 com o título Caminho para o Rio

²  O texto da resenha aqui reproduzido foi extraído de:   
Polonicus-Revista de reflexão Brasil-Polônia 
Edição semestral Ano IX-2/2018 pp. 182-191 
Curitiba - PR (Publicação da Missão Católica Polonesa no Brasil) 
 
O texto original desta resenha, em polonês, foi publicado em Postscriptum polonistyczne, 2018, n. 1 (21), pp. 275-281. 

³  Na União Soviética, o serviço secreto NKVD (sigla para Comissariado Popular para Assuntos Internos, em português) teve duração de 1930 até 1954, antecedendo a KGB (1954 até 1991), órgão ligado ao Partido Comunista.


 

III. BIBLIOGRAFIA

 

AUGÉ, M. Formy zapomnienia, trad. A. Turczyn, introd. J. Mikułowski-Pomorski. Kraków, 2009 

BUCZYŃSKA-GAREWICZ, H. Człowiek wobec losu. Kraków, 2010.

sábado, 21 de agosto de 2021

DISCURSO DE POSSE DE ASTROGILDO MIAG NA ATL-Academia Taguatinguense de Letras


Por Francisco José dos Santos Braga

Discurso pronunciado pelo empossando Astrogildo Miag na sede da ATL, tendo sido saudado pelo Acadêmico Ronaldo Alves Mousinho (cadeira nº 15)

 
Senhor Presidente da Academia Taguatinguense de Letras, Escritor J. Simões; 
Senhores acadêmicos que compõem esta mesa; escritores e confrades; acadêmico Ronaldo Mousinho, pela mão do qual cheguei a esta Academia; 
Senhores professores e diretores de colégios; 
Autoridades presentes. 
Querida esposa, Célia; querido filho, Ciro; Rafael, sobrinho com quem divido o pão. Querido irmão, Inocêncio Regis, esposa e filhos, que representam, neste evento de rara felicidade, minha família ausente, sobretudo nossa idolatrada mãe, que ainda mora em Remanso, nos confins da Bahia. Amigos conterrâneos da Bahia, que aqui labutam pela vida, e agora testemunham uma página importante da minha vida; cumprimento-os na pessoa do doutor Manuel Bonfim Ribeiro. 
Colegas e amigos da Subsecretaria da Receita do Distrito Federal, minha acolhedora casa desde 2001, que aqui comparecem para ratificar uma amizade. 
Não menos queridos, vizinhos da QNL, nesta cidade, lugar que escolhi para deitar meu domicílio. Caríssimos novos amigos, que tive a felicidade de angariar aqui, no Distrito Federal, especialmente em Taguatinga, onde, conscientemente, escolhi viver meu dia a dia — ato do qual não me arrependo. 
Por fim, senhoras e senhores, queridos jovens estudantes. 

É praxe em eventos e solenidades desta natureza o empossando dirigir palavras para enaltecer as qualidades do Patrono da Cadeira que está a assumir. Peço permissão para quebrar um pouco o protocolo e iniciar esta manifestação mostrando aos senhores o significado desta data e deste evento para a minha pessoa. 

Quando me vejo criança, menino, em Remanso, lá no final da Bahia, depois de Pernambuco e ao lado do Piauí, sonhando, estudando, testemunhando as dificuldades que meu pai enfrentava para manutenção digna da nossa família. 

A cidade onde nasci, hoje, só existe no fundo da minha alma, no sentido mesmo das palavras. Isto porque Remanso foi engolida, inundada pelas águas da grande barragem de Sobradinho. Hoje, só existe na saudade e na memória de todos que lá nascemos. 

Vejo-me aos dezesseis anos, concluindo o curso ginasial, momento da grande inflexão, da grande passagem da minha vida. Lá, na minha pequena cidade, só dispunha do curso normal-pedagógico e eu queria ir um pouco além do curso pedagógico. Queria galgar a Universidade e sonhava até em ser um Advogado, Médico, Engenheiro; o que não seria possível lá, na minha cidade. 

Fazendo das tripas coração, meu pai, homem pobre, com ajuda da tia Ana e Sebastião Alves, conseguiu me manter, a duras penas, em uma cidade maior, Petrolina, no Estado de Pernambuco, onde fui cursar o antigo curso Científico. Foi o primeiro passo importante da minha vida. Arribei da minha cidade. E nunca mais voltei para morar. Voltei, e volto ainda, como visitante, para matar saudades. 

Após, imaginem os senhores, fui morar em um pensionato, ainda em Petrolina, onde obtive a complacência da senhora Zita, que me fez um abatimento de cinquenta por cento. Vejam os senhores, fui morar em uma praça, cujo nome popular era Praça da Biblioteca. Exatamente naquela praça estava instalada a Biblioteca Municipal da cidade! 

E ali, em contato com os livros e com os maiores autores infantis e juvenis de todo o mundo, abriu-se-me um universo sem tamanho! 

A leitura transporta-nos aonde queremos ir, através da seleção dos livros que lemos. Devorei tudo que podia em termos de leitura: literatura, história, geografia… Eu era um ávido leitor cotidiano, todos os dias pela manhã e à tarde, um universo sem tamanho à minha disposição. A leitura foi o instrumento que pavimentou minha estrada, referencial e passaporte para a vida, enfim, que me transformou em Escritor. 

Estou muito emocionado; mas, não me sinto plenamente realizado, pois não me vejo no porto final. Nunca haverá o último porto. Qualquer porto que nós cheguemos é, só provisoriamente, o porto final. Dali, partiremos para outros voos, outras viagens. E minha viagem continuará através da produção literária. 

Senhores acadêmicos, colegas, amigos, utilizei estas palavras e fatos para fazer referência à figura do meu querido pai, maior exemplo que tive na vida. Nasceu do nada, de família do interior do interior da Bahia, era um homem de bem. Com muita luta conseguiu um lugar ao sol… Já não está aqui. Partiu jovem, aos 58 anos de idade! 

A meu pai, que tanto se sacrificou para atender uma reivindicação daquele menino renitente, ofereço este momento. À sua memória, meu pai! Onde você estiver, veja que a semente que ajudou a germinar e fertilizar eclodiu e gerou frutos. O fruto não é esta Cadeira que ora assumo na ATL, mas, a vida digna que me legou, pautada na responsabilidade e respeito à dignidade de todos que partilham nossa vida. Obrigado, meu pai, por tudo… (pausa) Obrigado, aos senhores, por ouvir este desabafo. É momento de muita emoção... 

Segunda parte do discurso de posse. Panegírico a Eudoro de Souza: 

Eudoro de Souza, patrono da cadeira 27 da Academia Taguatinguense de Letras, que ora assumo, nasceu em Lisboa, Portugal, em 27 de dezembro de 1911. Cursou a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Especializou-se em Filologia Clássica e História Antiga, na Universidade de Heidelberger, na Alemanha. Desenvolveu atividades docentes e de pesquisas na Europa, destacando-se seus trabalhos realizados em Portugal, França e Alemanha. 

Em Portugal, iniciou a vida de escritor, que o transformaria num dos maiores expoentes da filosofia universal. Traduziu, direto do grego, a Poética de Aristóteles, publicado em Portugal, e que seria reeditado no Brasil, em 1966. 

Em 1953 chega a São Paulo. Integra-se ao chamado “Grupo de São Paulo” — formado por intelectuais que vão se unir em torno da revista Diálogo e do Instituto Brasileiro de Filosofia. Exerce, ainda, atividades docentes na Universidade de São Paulo, na Pontifícia Universidade Católica, no Instituto Brasileiro de Filosofia e na Faculdade de Filosofia de Campinas. 

Em 1955, muda-se para Santa Catarina, onde é um dos fundadores da Faculdade de Filosofia daquele Estado. Sete anos depois, por indicação de Agostinho da Silva, Darcy Ribeiro consegue trazer o mestre Eudoro de Souza para Brasília. Ou seja, em 1962, vem para a nova capital Federal, tornando-se um dos fundadores da Universidade de Brasília. Aqui, lecionou Língua e Literatura Clássica, História Antiga, Filosofia Antiga e Arqueologia Clássica, em cursos de graduação e pós-graduação. Sua especialidade em cultura clássica o transformou no estudioso helenista vivo mais citado do mundo. Contudo, mais do que isso, sua formação universalista permitiu-lhe percorrer as vicissitudes do ser, desde o pensamento pré-socrático até as indagações da atualidade. 

Em 1965 fundou o Centro de Estudos Clássicos da UnB. Publicou Dionísio em Creta e outros ensaios, em 1973. Traduziu direto do grego As Bacantes de Eurípides, com introdução e comentários. Publicou em 1975 Horizontes e Complementaridade: Ensaios sobre a Relação entre Mito e Metafísica, nos Primeiros Filósofos Gregos. Um dos seus trabalhos mais conhecidos. Em 1978, publicou o livro Filosofia Grega. Em 1980, trouxe ao mundo acadêmico o livro Mitologia

"Filosofia Grega" faz parte de Horizonte e Complementaridade (pp. 251-385), Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2002

 

Já de algum tempo com a saúde debilitada, faleceu em setembro de 1987, aqui, em Brasília, deixando seu grande legado cultural ao Brasil. 

Mas, como disse o próprio Eudoro de Souza: 

“Morre primeiro o homem humano, para renascer no desumano ou transumano e, depois, a morte deste desumano, para renascer no divino, no mito e na tradição, que é a sua subjetividade irredutível”. 
Ou seja, vai-se o homem, o elemento material; mas, permanece a sua subjetividade, o seu legado intelectual, a sua produção artística, filosófica e literária. 

O próprio Eudoro de Souza informou-nos que o mito é a narrativa de um tempo, um fato ancestral exemplar ou paradigmático, que precisa ser lembrado e atualizado pelo rito. Os ritos são os lugares e tempos de reificação, de recriação de mitos. Exatamente o que realizamos neste momento. Esta solenidade é um rito que nos remete a um filósofo grandioso, para que seu exemplo de sabedoria e clarividência permaneça e frutifique entre nós. Frutos, refiro-me a algo que nascerá, crescerá e amadurecerá depois em novas gerações, através dos jovens sucessores da nossa sociedade. E estes reproduzirão, amanhã, parte do que agora realizamos para manutenção de tradições e realizações culturais daqueles a quem sucedemos. Ou seja, senhores e senhoras, a vida é um vai-vem ininterrupto de fatos, de experiências e de coisas boas e ruins. É o passar inelutável do tempo, deixando-nos com a sensação de vazio na mente ao descobrirmos que poderíamos ter feito, mas não o fizemos. 

Ai de quem pensar que teremos nova chance para realizar o que não realizamos por medo, indecisão ou apego a coisas meramente materiais e do momento. A vida é um caminhar ininterrupto, cujo objetivo final é a partida eterna, o além. O homem quer viver mais; a criança, crescer, tornar-se adulto. Vivem, contabilizam com alegria o passar do tempo, festejam aniversários. Paradoxalmente, brindam a própria destruição — desculpem-me o mórbido pessimismo. 

Então, senhoras e senhores, este é o perfil do escritor que nos serve de patrono e exemplo. O merecedor maior desta cadeira 27 da Academia Taguatinguense de Letras, porque a recebeu por merecimento mesmo depois da sua morte. Assumo, com a responsabilidade de honrá-lo no exercício do mister de Acadêmico. E um dia, também, com a minha partida (pois todos iremos um dia), será assumida, quem sabe, por algum desses jovens aqui presentes. Que reviverá feitos culturais dos ancestrais, como estímulo para prosseguir no ônus de dedicar-se à atividade cultural, num país em que os olhares públicos são pragmáticos e só se voltam para a concretude dos lucros e da geração de saldo positivo no balanço de pagamentos do país. Mas haverá, sempre, o reduto dos obstinados portadores da chama da leitura, da cultura e das artes, como meio de levar à compreensão da sociedade sua condição de vilipendiada pelas classes políticas descompromissadas, cujo objetivo maior tem sido se locupletarem das riquezas do próprio Estado; riquezas que construímos com trabalho e muito sofrimento. Se não, como nos referimos a um ex-ministro do Estado Federal, que, fora do comando do executivo e cassado pelo Legislativo, continua desfilando pelos gabinetes públicos ou a bordo de jatinhos particulares, oferecendo mundo afora as benesses do Brasil, como se nada tivesse ocorrido e permanecesse o mesmo Ministro de Estado? 

Mas, senhoras e senhores, voltemos ao nosso patrono. 

Eudoro de Souza foi muito mais que essa biografia lida no início da exposição, embora rica e vasta por si mesma. Conhecendo, de perto e ao vivo, o berço do pensamento clássico da Grécia antiga, tornou-se o maior helenista, ou seja, o maior conhecedor da cultura clássica grega em todo o mundo! 

Entretanto, no que pese a dedicação aos estudos de uma sociedade do passado, nosso patrono sempre teve compreensão precisa do seu tempo. Sua interpretação da realidade sócio-cultural, empreendida na segunda metade do século passado, permanece nítida, e com validade estendida ao nosso século 21. Assim, dizia o patrono desta cadeira 27: 

“Vivemos uma situação kafkiana, na qual somos possuídos pelos objetos que julgamos possuir. É o objeto que possui o sujeito e não o contrário!”. (Vejam, senhores, o que nos dizia Eudoro de Souza). “Estamos possessos das coisas que possuímos. As pessoas querem cada vez mais ter coisas. E cada vez, as coisas mais os têm. Nós somos muito mais possuídos que possessores ou possuidores das coisas que possuímos. Basta que ponham à venda um novo produto de consumo para que este se torne necessário, e nós fiquemos presos a ele. É o objeto que possui o sujeito, e não o contrário. Assim, nós estamos possessos das coisas que possuímos”. 
É uma afirmação atualíssima, capaz de demonstrar a submissão do homem às coisas materiais, momento vivido pela sociedade, onde o ter suplanta o ser. Infelizmente e com tristeza, afirmo, mas não defendo, o homem vale pelo que tem e não pelo que é. Esta é a ótica predominante. Mas, se aceitarmos que o ter suplanta o ser a sociedade estará irremediavelmente condenada à coisificação, ao embrutecimento, à luta incessante pela busca de bens e objetos suntuosos. Simplesmente, porque o paradigma maior será o ter! A consequência danosa e irreversível (que inclusive estamos a ver) será o sepultamento da ética e das boas práticas morais. Será a mistura do privado com o público, com boa parte dos administradores públicos achando-se no direito, e até no dever, de apossar-se das riquezas da sociedade, acobertados na impunidade que nos acompanha desde tempos imemoriais. 

Senhoras e senhores, prezados acadêmicos, 

as sábias palavras de Eudoro de Souza permanecem no nosso cotidiano. Extrapolam a realidade da época e permanecem atuais. Ele próprio nos dizia, em outra passagem do seu legado filosófico, que não se corrigia um erro com outro erro; mas, com reflexão, porque só tendo conhecimento da realidade é que poderíamos extirpar o que existe de negativo. Só podemos negar, conhecendo a realidade. 

Este é o desafio que se apresenta para a sociedade brasileira. O desafio de buscar a educação como meio de libertação. A educação como instrumento da realidade e formação para a vida. Educação, como elemento de libertação das amarras de um sistema econômico e social ultrajante, onde poucos se assoberbam da maior parte das riquezas. O Brasil, nação rica, admirada como depositária das maiores riquezas naturais da humanidade, tem um povo miserável, faminto; e forte ao mesmo tempo, por conseguir sobreviver em situações inóspitas, auferindo renda inconcebível para manutenção da própria vida humana. 

Senhoras e senhores, 

presenciamos um momento ímpar na América Latina, e no Brasil, com o ressurgimento do populismo. Que escraviza politicamente as classes menos esclarecidas em troca de uma sensação, puramente psicológica, de que tudo está bem e melhorará ainda, com fé em Deus! Enquanto isso, servem, inocente e ingenuamente, a projetos individualistas e inescrupulosos dos controladores do poder. 

Um dia, perguntaram a Eudoro de Souza para que servia a filosofia. E Ele respondeu: 

“Não serve para nada. Ela é que é servida! A filosofia não é qualquer coisa que se transmita do professor ao aluno, como os demais conhecimentos. Um professor de filosofia, continuou Eudoro, não ensina ao aluno; faz com que ele aprenda. E alertava: É preciso abrir os olhos para a verdadeira cultura e ela se expressa na palavra”. 
Em relação à realidade humana, Eudoro de Souza afirmava que os tempos atuais eram diabólicos. E explicou: 
“Chamo diabólico dentro do significado da palavra em grego, que quer dizer separar. O que separa é o diabólico, o que une é o simbólico. E nós estamos vivendo uma época diabólica, onde tudo está separado de tudo. Ninguém está unido a nada. É uma época de atomização. Cada um vive cheio de si, o que significa um oco completo”. 
E continuou o mestre: 
“No cotidiano se vê uma vontade muito maior de separar, de dividir que de unir. A maior parte das pessoas não sabe o que diz ou diz o que não sabe. Conhecer muitas coisas não significa saber”. (Pausa). 
Deixo estas palavras para reflexão dos senhores. 

Caros confrades, senhoras e senhores, 

uma questão sempre abordada pelos filósofos é acerca do conhecimento, em si, e da extensão deste conhecimento para além do seu detentor. Para nosso patrono, educar é trazer para fora. E nas suas palavras, disse-nos o seguinte: 

“Nós vemos tudo como construção e não como criação. Quando uma pessoa julga estar dizendo algo novo não faz mais que um novo arranjo dos produtos da destruição de uma coisa que já existia. Para mim, a única solução para a Universidade em geral, é que ela não dê o diploma; porque os alunos querem é o diploma; tendo o diploma eles estarão satisfeitos. Quando houver universidade que não tenha diplomas, aí eu acreditarei que seja uma universidade séria. Por que a esta altura, quem for às aulas é por interesse em ser e não em ter”. 
Apresentamos uma síntese do pensamento e da vida de Eudoro de Souza, um dos filósofos mais cultuados e versados na cultura grega; mas, com incursões no estudo geral da condição humana, como sujeito do seu destino, numa sociedade pragmática e movida pelo ter, pelo isolamento dos indivíduos que a compõem, e que não interpreta a educação como uma forma de libertação, mas, ao contrário, como forma de controle do homem em prol de interesses dos detentores do poder político. À primeira vista, parece-nos referir-se diretamente ao Brasil, mas esta é a grande capacidade da filosofia: ser universal e total em suas elucubrações. 

Encerro estas palavras; ínfimas, considerando o teor da importante obra do patrono da cadeira 27 desta Academia de Letras, que ora assumo. Que o legado do professor Eudoro de Souza seja o farol na minha escuridão intelectual. Que esta assunção como acadêmico se concretize como uma forma de contribuir com a sociedade do Distrito Federal e do Brasil. 

Peço permissão para externar duas passagens dos livros, Memórias de um Coroinha, e do próximo, Era uma vez um Comunista, ambos de nossa autoria: 
 – Nada na vida é o porto final. Ao ser alcançado, passará a se constituir em porto intermediário, passagem para outro porto que será, transitoriamente, o final. A insatisfação natural do homem só termina com a morte. Lute pelos seus sonhos! 
– Na minha pobre percepção, Felicidade é o viver. É beber água, a substância mais simples do universo. Não tem cheiro, cor nem sabor, mas imprescindível ao ser vivo. A felicidade pode vir das coisas simples. Pode estar aos olhos e diante das mãos, mas nem sempre percebemos. Quantos já confessaram que eram felizes e não sabiam? 

Neste momento, caros acadêmicos, querida esposa e filho, prezados amigos, senhores e senhoras, neste momento, para mim, Felicidade é a posse na cadeira 27 da Academia Taguatinguense de Letras!

Discurso pronunciado em junho de 2006
na Academia Taguatinguense de Letras

Colaborador: ASTROGILDO MIAG


Por Francisco José dos Santos Braga

 

ASTROGILDO MIAG, epíteto literário do escritor e poeta Astrogildo Regis Barbosa, é baiano da velha Remanso, que desapareceu em decorrência da Barragem de Sobradinho. Na Escola Dom Bosco, professora Florinda Castelo Branco, consolidou o apego aos estudos. Dali, ao Ginásio Rui Barbosa, de onde, como o povo diz, arribou em busca da formação educacional não possível em sua terra. Passou pelo Colégio Estadual Antonio Alves Filho/CEMAAF, em Petrolina, PE, e fixou-se em Salvador, BA, onde se diplomou em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia. Em 2001, mudou-se para Brasília, onde concluiu o curso de Direito pela Universidade Católica de Brasília. É Servidor Público. Ocupa a Cadeira 27 da Academia Taguatinguense de Letras e Cadeira 26 da Academia Inclusiva de Autores Brasilienses – AIAB. 

Iniciou-se na Poesia aos dezesseis anos. Escreveu contos e crônicas até abraçar o gênero literário Romance. Nesse novo gênero literário escreveu as seguintes obras: 

2003: A Santa do Pau Oco
2004: O Purgatório de Eduardo 
2005: Memórias de um Coroinha 
2007: Era uma vez um comunista 
2008: O Legado da Loucura 
2009: Lampião, Governador de Brasília 
2013: O Homem que Morreu Cinco Vezes 
2017: A curva do vento (contos).

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

O LUTO PELA MORTE PRECOCE DE JOSÉ DA FONSECA BRAGA


Por Francisco José dos Santos Braga

José da Fonseca Braga (☆ 06/10/1913-✞ 20/12/1937)-Crédito por duas fotos: Ana Josefina Braga Lovatto

 

A Tribuna, periódico são-joanense, no Ano XXIII, edição de 26/12/1937, nº 1409, pág. 3, noticiou a seguinte nota de falecimento na coluna "Sociaes": 

"Falleceu, no dia 20 do corrente, o jovem José da Fonseca Braga, commerciario muito relacionado e estimado nesta cidade. O seu fallecimento causou dolorosa repercussão nos nossos meios sociaes pelas aprimoradas virtudes e sympathias que gosava o extincto. Foi sepultado no Cemiterio das Mercês, e, ao seu enterramento compareceu elevado numero de pessoas." 
Da mesma forma e mais diretamente, causou enorme comoção dentro da minha família paterna a partida inesperada deste meu tio, carinhosamente chamado de "Zezé", que infelizmente não conheci em razão de sua morte ter ocorrido 12 anos antes de meu nascimento. Minha avó Josefina da Fonseca Braga, sobretudo, sofreu demais com a partida de seu amado primeiro filho varão. A partir de então e até a morte dela em 11/12/1967, a infeliz observou luto completo por 30 anos. Eu evitava conversar com ela sobre o trespasse que lhe trouxe tamanho pesar pelo resto de sua vida. 
 
Josefina da Fonseca Braga (☆ 17/03/1893- 11/12/1967)

 

De acordo com as diferentes versões para essa morte prematura, uns costumavam dizer que o jovem José fora vítima de febre tifóide, outros queriam que fosse de tuberculose pulmonar, reconhecidamente uma enfermidade de difícil tratamento na época. Havia também quem atribuísse sua enfermidade à vida boêmia que levava, a exemplo do famoso compositor popular brasileiro, Noel Rosa, que encontrou a morte quase oito meses antes, no mesmo ano fatídico de 1937, apesar de todos os recursos médicos colocados à sua disposição para salvá-lo. 

Sabemos que a penicilina foi descoberta, por acaso, por Alexander Fleming em 1928. Esse pesquisador estava estudando bactérias do gênero Staphylococcus e percebeu que sua amostra tinha sido contaminada por algum tipo de fungo. Após analisar o bolor, ele descobriu que se tratava do gênero Penicillium. Além disso, ficou comprovado que a substância produzida por esse fungo era capaz de inibir o crescimento bacteriano. Surgia nesse momento o mais famoso antibiótico da história. 

A penicilina foi descrita na literatura na década de 1940 e, em meados de 1942, foi relatada a primeira experiência no tratamento de um paciente com esse antibiótico. Apesar de ser um fármaco extremamente eficaz contra diversas doenças, e a primeira defesa real contra infecções causadas por bactérias, mostrou-se curiosamente ineficaz contra a tuberculose. Hoje, com o avanço da medicina, sabemos que o seu tratamento dura no mínimo seis meses, é gratuito e está disponível no SUS, devendo ser realizado, preferencialmente, em regime de Tratamento Diretamente Observado (TDO). São utilizados basicamente dois fármacos para o tratamento dos casos de tuberculose, para os quais se utiliza o esquema básico: rifampicina e isoniazida. 

As irmãs do jovem José, minhas tias Anna Braga Lopes (30/10/1912-18/03/2004) e Olga Braga Teixeira (09/04/1924-06/08/2013), costumavam dizer que ele fora internado num sanatório em Belo Horizonte, por recomendação dos seus primos médicos, Dr. Orestes Braga e Dr. José Braga. Os cuidados médicos prescritos pelo sanatório, apesar de eficazes no tratamento da doença, não foram suficientes para preservar-lhe a vida, porque uma sequela da doença, meningite meningocócica, o vitimou para tristeza da família e da cidade. 

A sua irmã mais jovem, minha tia Maria das Mercês Braga Lovatto (26/09/1930-27/07/2017), tinha recordação muito grata de seu saudoso irmão José. Quando Maria tinha sete anos, portanto em 1937, seu irmão "Zezé" comunicou-lhe sua intenção de fazer dela um membro da Venerável Arquiconfraria de Nossa Senhora das Mercês, à qual ele já pertencia com muito orgulho, na ocasião vinculada à Arquidiocese de Mariana; para tanto, ele lhe comprou um vestido cor-de-rosa rodado. Ela sempre se lembrava do deslumbramento que a tomou, quando, de mãos dadas com o irmão "Zezé", subiu as escadarias da igreja de Nossa Senhora das Mercês, no dia de Sua festa religiosa (24 de setembro), e na sacristia do templo foi solenemente admitida como irmã do Sodalício religioso. Pois bem; essas lembranças ficaram indelevelmente em sua memória, sobretudo porque, menos de quatro meses depois, morria "Zezé" (☆ 06/10/1913-✞ 20/12/1937), seu belo e amado irmão, com vinte e quatro anos de idade, tendo sido enterrado no Cemitério das Mercês. 

Da esq. p/ dir.: Anna, Maria e Olga
 

Como comerciário conhecido e estimado por todos os são-joanenses, obviamente "Zezé" estava ciente da preparação das grandiosas festas de Centenário da Cidade de São João del-Rei, o que ocorreriam três meses depois, em 06 de março de 1938, quando era prefeito Antônio das Chagas Viegas. Digno de nota foi que, no próprio dia do centenário, começou a circular o jornal O Diário do Comércio, órgão da Associação Comercial, que durante 25 anos prestaria, junto com O Correio, relevantes serviços à história são-joanense. A Tribuna, cuja notícia de falecimento usamos na abertura da crônica, durou ainda pouco tempo, após a morte de "Zezé": sua última edição nº 1414 saiu em 30/01/1938 (Anno XXIV). 

Em 17 de agosto do mesmo ano, a cidade receberia a visita ilustre do governador do Estado, Benedito Valadares, e de sua comitiva, composta de outras autoridades, inclusive representações das cidades irmãs gêmeas: Sabará, Serro e Diamantina. Entre outras coisas, o governador mineiro inauguraria a ponte chamada Benedito Valadares em sua homenagem, sobre o Córrego do Lenheiro, a qual liga a Avenida Presidente Tancredo Neves, nas proximidades do Coreto Maestro João Cavalcante, à Estação Ferroviária.  

Como meu saudoso pai Roque da Fonseca Braga (15/04/1918-26/09/1984) habitualmente velava o sono do irmão moribundo, ficou indelevelmente marcado pelos incidentes dos últimos dias de vida de "Zezé". Assim, tomou cuidados até exagerados na educação de seus oito filhos para evitar que lhes ocorresse o destino de seu irmão. Pelo menos os mais velhos fomos criados com excessivo rigor: o picolé e sorvetes estavam proibidos em nossa casa; deveríamos recolher-nos até 8 horas da noite por temor do efeito do "sereno da noite" sobre os pulmões e éramos frequentemente atendidos localmente pelo pediatra Dr. Roosevelt de Andrade e nosso tratamento dentário era acompanhado pelo dentista Dr. Antônio Pimenta. Quando a questão de nossa saúde requeria maior cuidado, nosso pai recorria a especialistas de Belo Horizonte, o que era mais raro e caro. Especialmente quanto à restrição dos nossos folguedos infantis, limitados até 8 horas da noite, não percebíamos de forma alguma o porquê, justamente no instante de nosso maior aquecimento e participação nas brincadeiras de roda.  Graças a essa austeridade de nosso pai, a quem devemos nossas ótimas condições de higidez física, até hoje somos oito irmãos vivos e relativamente saudáveis, apesar da idade já avançada de alguns, pertencentes ao grupo de risco ameaçado de contrair o coronavírus.

Crédito pela montagem: historiador Silvério Parada

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

COM HEBE RÔLA, EM MARIANA


Por Danilo Gomes *
 
HEBE RÔLA, homenageada no seu 90º aniversário

 
Mas, como o humano é frágil e perecível, teremos sempre de buscar ao redor de nós pessoas que amaremos e por quem seremos amados: privada de afeição e de simpatia, a vida não tem qualquer alegria.
Cícero, na obra "Lélio ou A Amizade"

 

Já não estou mais em Brasília, no ano de 2021, esperando a vacina contra a Covid-19 para os idosos, como eu. Já não sou mais o pai de um filho, uma filha, e o avô de dois netos e duas netas. Entro numa nave do tempo, imaginada por Leonardo da Vinci ou Júlio Verne e volto à minha infância. Regresso ao ano de 1948 e essa nave fabulosa me deixa em Mariana. Estou novamente na minha cidade natal, na aurora casimiriana da minha vida. Volto a ter 6 anos de idade. Sou um menino de calça curta, pasta escolar na mão, e saio de casa, na Avenida Salvador Furtado, perto da torrefação e da Pensão Souza, de D. Ritinha e Sô Altivo. Vou para a aula particular da jovem professora Nívia Maria Santos, na Rua Direita, nº 1, no solar dos pais dela, colado à Sé Catedral. 

Subo a rua onde moram José Dias e família, Canuto Muzzi e família, Wilson Petrillo e família, Celestino e Didina e família. Passo pela sede do Guarany Futebol Clube, num sobrado que foi dos meus avós maternos, Pedro e Sinhá Motta. Em frente ao Guarany, o sobrado de Paulo Muzzi e família. Ali perto é o solar de Benjamin Lemos e família. Dobro à esquerda e entro na Rua Direita, famosa pelo comércio. É a nossa Rua do Ouvidor (Rio de Janeiro). É a nossa Rue Saint Honoré ou a nossa Rue Vivienne (Paris). O movimento ali é intenso. É uma rua alegre. O menino caminha sozinho para a aula particular de D. Nívia. Passa em frente ao solar da família de Waldemar de Moura Santos. Passa na venda de Nico “Fidirico” e compra uma deliciosa cocada preta, que vai saboreando rua afora. Comprou-a com uma moedinha com a efígie de Getúlio Vargas. Como eu disse, corre o ano feliz de 1948. A guerra acabou desde maio de 1945. As bandas de música marianenses, União XV de Novembro e São José, sempre tocam dobrados marciais que lembram as vitórias dos Aliados sobre os países totalitários do Eixo Berlim-Roma-Tóquio. 

O menino chega ao sobrado do dentista Américo Vespúcio dos Santos e D. Lili, pais da jovem professora Nívia, que estudou no Colégio Providência, fundado em 1849. Sobe as escadas e vai para o salão das aulas particulares, para aprender o abecedário, as primeiras letras e frases, a tabuada e noções de coisas. 

No trajeto, o menino se encontrou por acaso, naquela rua mágica e animada, com a jovem professora Hebe Maria Rôla, também formada no Colégio Providência. Todos se encontravam, se cruzavam naquela rua onde se ouvia o piano da professora D. Tereza Braga – um compasso, uma polonaise de Chopin, uma valsa dolente de Eduardo Souto. Era naquela rua o sobrado de Celso Arinos Motta, com suas quatro sacadas de pedra sabão rendada, onde morou, no século XIX, o Barão de Pontal. Era naquela rua o solar onde morou o poeta Alphonsus de Guimaraens, por 15 anos, até sua morte em 1921. Era naquela rua que ficavam a farmácia de Amâncio Arinos de Queiroz e a padaria de José Eufrásio do Nascimento. 

A aula terminou. Desço as escadas do sobrado das irmãs Nívia e Vera, ponho os pés novamente na Rua Direita. São 4 horas de uma alegre tarde solar. Ouço os sinos da Sé, de onde vem um olor de incenso – o Cabido dos Cônegos deve estar reunido. São os sinos que também encantam a moça professora Hebe Rôla, que vejo entrando na gráfica e papelaria dos irmãos Queiroz. Sô Abdo Nahim, na porta de sua loja, acena e sorri para os transeuntes. Sai de seu sobrado, com seu chapéu preto, o grave e venerável Sô Leandro Mol. De repente me deparo com o amável e festejado professor de latim, de apelido Punô (Lauro Moraes, na água do batismo). 

Tietié Gambá passa vendendo suas verduras no grande balaio e canta que “comprador é manga de colete”. Sô Ivo passa, dando altas, estridentes e sonoras gargalhadas. Lá embaixo, à beira do Ribeirão do Carmo, a seriema encantada de D. Ritinha Souza canta esganiçada e, lá do alto das igrejas de São Francisco e Carmo, a famosa e ruidosa araponga da casa de Monsenhor Alípio dá suas marteladas na bigorna. A araponga passa o dia na varanda, que tem quatro janelas anteriores pintadas de um azul colonial. 

O tempo vai passando. Na ampulheta da eternidade a areia vai escoando lenta e inexoravelmente. A jovem professora Hebe começa a lecionar. Um dia, por volta de 1949, ela recebe um chamado. Um portador de confiança diz que seu parente Geraldo Rôla Carneiro, jovem fazendeiro viúvo, solicita que ela dê aulas particulares para suas filhas Elizabeth (Betty) e Jeanete, lá em Dom Silvério, na Fazenda da Vargem. A esposa de Geraldo (Inhô), Maria Mol Soares Carneiro, faleceu aos 27 anos, vítima de eclampsia, por ocasião do parto do quarto filho (o terceiro é José Geraldo, muito pequeno ainda). 

Hebe, um dia, faz a mala e vai para a Estação Ferroviária, inaugurada em 1914. Ei-la agora dentro do velho trem de ferro, a caminho da Fazenda da Vargem. Vai ensinar as primeiras letras a Betty e a Jeanete, com quem, muitos anos depois, me casei em Belo Horizonte, na igreja do Carmo, em 12-12-1970. O pai quer preparar as meninas para o internato do Colégio Maria Auxiliadora, em Ponte Nova. A professora se hospeda na fazenda. Nos fins de semana, vai para a fazenda de um tio, Caetano Rôla; é a Fazenda do Caeté, perto de Barra Longa. Desfruta o delicioso ambiente rural, pastoril. Além das cavalgadas e dos passeios de charrete, há também os bolos, broas, biscoitos, rapaduras, garapas, lombos de porco com tutu de feijão, leitões assados, linguiças e chouriços, queijos e doces. E o cheiro acre e bom de curral, perto do paiol e do monjolo. 

Onde ficou o menino marianense, que gostava de cocada baiana preta e picolé de coco? Ele agora completou 10 anos e foi mandado para estudar interno no Colégio Dom Bosco, em Cachoeira do Campo, onde permanecerá em 1953 e 1954. Depois, por dois anos, estudará interno em Ouro Preto, no Colégio Arquidiocesano. 

O tempo continuou passando. O antigo menino Danilo e a jovem professora Hebe tornaram-se amigos. Pertencem à mesma geração. A família do antigo menino era do PSD (Partido Social Democrático) e frequentava o clube e o campo de futebol do Guarany. A família da jovem professora era da UDN (União Democrática Nacional) e frequentava o clube e o campo de futebol do Marianense. Entretanto, as rivalidades, as animosidades, os entreveros, as quizílias políticas nunca abalaram a crescente amizade. O amor a Mariana era maior que a acirrada luta política. Era e é um amor apaixonado. 

Assim, Hebe Rôla e eu construímos uma sólida e maravilhosa amizade, que o gosto pela literatura e pela história de nossa terra reforçou. Tenho acompanhado com alegria sua vitoriosa trajetória como professora, educadora, acadêmica e escritora. Sou muito grato pela “graça do seu convívio e de sua afeição”, como escreveu Rachel de Queiroz referindo-se ao colega escritor (e grande escritor) Gustavo Corção (Rio, 1896-1978). 

Esta modesta e singela crônica não comporta um enfoque biobibliográfico da nossa poetisa, contista, cronista, pesquisadora, folclorista e professora, atual Presidente da Casa de Cultura − Academia Marianense de Letras, Ciências e Artes e titular de outras entidades culturais. Seu incessante trabalho cultural nosso povo conhece bem. Quero apenas registrar que ela se integrou ao grupo poético Aldravia, ao lado de Gabriel Bicalho, J. B. Donadon-Leal, Andreia Donadon Leal e J.S. Ferreira. E que participa do livro “Crônicas e contos de escritoras marianenses”. Neste livro, estão, além de Hebe Rôla, Andreia Donadon Leal e Magna Campos. Nos seus contos e crônicas, Hebe Rôla evoca figuras que marcaram nossa infância e mocidade, como Ritota, China, Fanci Caiau, Chiringa, e ainda conta casos estudantis, nos leva numa inesquecível viagem de trem até Congonhas do Campo e conta a história da parturiente Branca e de seu briguento filho Noezim, criado com “leite de cobra”… Eu diria que são casos da nossa “aldeia”, palavra que aqui não tem o sentido pretensamente pejorativo de arraial ou lugarejo sem importância. Fernando Pessoa chamava sua Lisboa natal, carinhosamente, de “minha aldeia”. 

A propósito, lembro-me aqui de um dos muitos livros do escritor Napoleão Valadares, mineiro nascido no ano de 1946 em Arinos, que não é nenhuma aldeia. Esse livro de deliciosas crônicas intitula-se “Passagens da minha aldeia” (Goiânia, Editora Kelps, 2007) e dele destaco este trecho, que abre a crônica “Minha aldeia”: 

“Tento recompor na memória o que foi Arinos. O tempo que focalizo é ali por 1954, quando ingressei no grupo escolar, que tinha como professor Zé de Galdino. Mas isso é outra história. Quero falar do lugar, como era naquele tempo.” 
Vou terminando. Esta é apenas uma modesta crônica memorialística, com um tanto de fantasia lírica, de um velho gaveteiro da beira do Ribeirão do Carmo e do Morro do Galego, da Ponte de Tábuas, da Ponte de Areia e da Ponte de Cimento e também do armazém de Sô Miro, do posto de gasolina de Raul Almeida e do Rancho dos Tropeiros de Sô Catinho Camêllo, pai de bela filharada. 

Na pág. 17 de seu delicioso livro de crônicas “Couves da minha horta”, publicado em 1949 pela Editora José Olympio, o cronista, memorialista e historiador carioca Vivaldo Coaracy, que morou por muitos anos na paradisíaca llha de Paquetá, escreve: 

“Sob a suave evocação dos suaves crepúsculos da ilha, sobe a maré crescente das reminiscências. Surgem do passado, para povoar a solidão, episódios e figuras que a saudade arranca ao domínio dos fantasmas. Uns suavemente melancólicos; risonhamente alegres, outros. Impressões que a vida deixou gravadas no cérebro ou no coração.”
A maré crescente das reminiscências. É o que sinto ao escrever sobre minha querida amiga Hebe Maria Rôla Santos e nossa geração. 

Sim, pacientes e amáveis leitores, vou terminando, mas voltando às origens, à primeira Capital de Minas, à Primaz de Minas (urbs mea celulla mater). Entro mais uma vez na cápsula interestelar do tempo e desço de novo em Mariana. É uma clara manhã azul. Encontro Hebe no Jardim de Cima. Convido-a a dar uma volta comigo pela cidade, da Chácara e dos altos da arquiepiscopal igreja de São Pedro até o Barro Preto e seu cruzeiro, lembrando-nos dos amigos que já partiram, como Jeronymo Athos Mol Santos, Salimzinho Mansur, Roque Camêllo, Pequetita e Pequenina Antunes, Miguel Ozanan de Almeida, João Décio Trópia, Paulo Godoy, José Raimundo Figueiredo, Luizinho Camêllo, Janete Nahim, Emanuel Muzzi, Nilo Ribeiro Leite, Roberto Carvalho, outros mais. Vamos dar uma volta pela Estação Ferroviária, para ver o trem misto chegar, apitando e bufando. Vamos até o Jardim de Cima, para contemplar o singelo coreto, entrar no Cine Theatro Central (nosso inesquecível Cinema Paradiso) para ver de novo “Casablanca” ou um bom e barulhento faroeste com Charles Starrett (o Durango Kid) ou Roy Rogers. 

Mas isso não é possível, querida amiga Hebe Rôla – só nas nossas lembranças, na evocação da nossa mitologia pessoal afetiva, nas nossas memórias de um tempo feliz que passou. 

* Membro da Academia Marianense de Letras e da Mineira de Letras


(Crônica extraída do livro HEBE RÔLA: 90 anos de vida/ 75 anos dedicados à Educação e à Cultura Marianense, organizado por Andreia Donadon Leal, Mariana: Aldrava Letras e Artes, 1ª edição, 2021, p. 25-31).
 
 

II. BIBLIOGRAFIA

 

DONADON LEAL, Andreia (org.): HEBE RÔLA: 90 anos de vida / 75 anos dedicados à Educação e à Cultura Marianense, Mariana: Aldrava Letras e Artes, 1ª edição, 2021, 128 p.

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

POSSE EM BRASÍLIA: DE UM PRÍNCIPE


Por Manoel Hygino 
 
Danilo Gomes

 Em 16 de julho, consagrado à Virgem do Carmo, em 1696, o bandeirante Salvador Fernandes Furtado de Mendonça e sua gente fundaram o arraial de Nossa Senhora, a primeira vila de Minas, a Leal Vila do Ribeirão Do Carmo. À tarde, no Mata-Cavalos, o padre Francisco Gonçalves Lopes ergueu o primeiro altar fixando a era cristã de Minas Gerais”, como disse o Cônego Trindade. Lá foi residir Antônio de Albuquerque, governador da Capitania das Minas do Ouro, formada por Minas e São Paulo. Em 1745, Dom João V elevou a Vila do Carmo à cidade, para tornar-se sede do primeiro bispado de Minas e acolher dom Frei Manuel da Cruz, o titular. 

Com todo o parágrafo inicial, queria simplesmente lembrar as origens de DANILO CARLOS GOMES, mineiro de Mariana, no último dia 13 empossado na Academia Brasiliense de Letras, presidida pelo escritor Carlos Fernando Martins de Souza, presentes o vice, ministro Roberto Rosa, o presidente da ANE, Fábio de Souza Coutinho, e Fábio René Kothe, presidente da Academia de Letras do Brasil. 

Casa cheia, família indispensavelmente no auditório da ANE, que tem o nome de Cyro do Anjos, escritor de Montes Claros. Ao saudar o novo acadêmico, Napoleão Valadares, mineiro de Arinos, brilhante autor, um dos fundadores da Associação e seu ex-presidente, lembrou que Danilo nasceu na terra natal de Cláudio Manuel da Costa, encontrado morto na Casa dos Contos, em Ouro Preto. Valadares lembra o menino Danilo pelas fazendas, como aluno do tradicional Colégio Dom Bosco, em Cachoeira do Carmo, distrito de Ouro Preto, depois em Belo horizonte, no Arnaldo e no Padre Machado, o curso e a formatura em direito na UFMG. 

Depois, Rio de Janeiro e a Brasília de JK e Israel Pinheiro, onde fez jornalismo. Redator e assessor do secretário de imprensa e divulgação da Presidência da República, cronista consagrado, ensaísta, pesquisador literário, grande leitor de história e colaborador de numerosos periódicos, do “Jornal da ANE” e do “Jornal de Letras”, membro da Academia Mineira de Letras, do IHG do DF, da Academia de Letras do Brasil e, agora, da Brasiliense. 

Sua produção literária circula por aí, prestigiada e elogiada. Ao chegar à cadeira fundada pelo poeta Domingos Carvalho da Silva, lembrou-o e a Romeu Jobim, que nascido em Campo Esperança, município de Rio Branco, no Acre. Em Brasília pois, uma festa com sabor mineiro, pois os conterrâneos foram dar seu abraço a Danilo Gomes, inclusive o poeta, ensaísta e crítico literário Anderson Braga Horta (de Carangola), vencedor do Prêmio Jabuti. 

Autor de muitos livros, o novo acadêmico publicou, em 2017, “Augusto Frederico Schmidt, Juscelino Kubitschek e Odilon Behrens”. Considerado por Edmilson Caminha “Príncipe da Crônica”, dele afirmou:
“A despretensão e o frescor do texto de Danilo Gomes, que o inscrevem na mais relevante linhagem da crônica brasileira, junte-se o interesse histórico com que se diferencia da maioria dos colegas, não fosse ele natural de Mariana, a primeira cidade de Minas, cheia de tradições e de memória, onde o passado é de tal maneira vivo que se faz um eterno presente.”
Merecedor de versos amigos do itabirano Drummond, Danilo Gomes frequenta a Toca do Chope, em Brasília, cujo proprietário, Claude Capdeville, oferece pastel de angu, procedente de sua terra natal, Viçosa, produzido com o melhor fubá de milho das alterosas.
 
Publicado no jornal Hoje em Dia, Belo Horizonte, na edição de 14/11/2017.

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

MANACÁ


Por Raquel Naveira 
 
Moro numa pequena casa, atrás de um pé de manacá...

 

Moro numa pequena casa, atrás de um pé de manacá. Essa flor dos barrancos é um pouco louca, pois muda de cor. Nasce branca, depois vai passando para o rosa, o lilás até chegar ao roxo macerado. Extravasa um aroma delicado, de mel sugado por pássaros. 

A palavra “manacá”, de lirismo popular, logo nos traz à memória versos rimados em “a”, como naquele poema do ultrarromântico poeta Fagundes Varela (1841-1875): “Pelo jasmim, pelo goivo/ Pelo agreste manacá/ Pelas gotas do sereno/ Nas folhas de gravatá/ Pela coroa de espinhos/ Da flor do maracujá.” 

Atravessando a Serra do Mar, em direção à sua fazenda de café em Santos, a pintora Tarsila do Amaral (1886-1973), deve ter visto muitos arbustos de manacá eclodindo suas copas como capelas pelas encostas. Representou a árvore num quadro intitulado “Manacá”, de 1927. São formas estranhas, livres, impossíveis de encontrar na natureza. Um tufo de pétalas desiguais, roxas e róseas; montanhas cor de lavanda ao fundo; uma base compacta de cactos verdes e rombudos. Há uma fina sensualidade nessas tonalidades místicas. E a mais pura brasilidade. 

"Manacá" (1927) de Tarsila do Amaral
 

O poeta Mário de Andrade (1893-1945), figura central da vanguarda de São Paulo, compôs letra e música do “Hino do grupo do gambá”, cantada pelos modernistas no início de suas reuniões. Esse hino foi depois gravado por Marcelo Tápia e o grupo Colher de Pau, em 2009. 

Link: https://www.youtube.com/watch?v=6Q2IrjqXYLM

Mário chama os homens de “gambás”: “Guilherme de Almeida (1890-1969) é gambá”, “Sérgio Milliet da Costa e Silva (1898-1966) é gambá”, “Oswald de Andrade (1890-1954) é gambá” e as mulheres, por sua vez, são “manacá”: “Tarsila do Amaral é manacá”, “Olívia Penteado (1872-1934) é manacá” e, excluída, mas sempre lembrada, a pintora Anita Malfatti (1889-1964), também seria “manacá”. 

Gambá: etimologicamente procede do tupi gã'bá, "seio oco", certamente para caracterizar a gambá fêmea, que carrega a bolsa marsupial cheia de filhotes.

 

Imagino uma reunião desse grupo fascinante na casa da colina de Guilherme de Almeida. Todos recostados nos sofás de palhinha cobertos de almofadas coloridas, entre objetos orientais e copos de cristal. O piano aberto com suas teclas pretas e brancas, pronto para ser tocado. A bela Tarsila do Amaral, de cabelos puxados e longos brincos, comenta sobre a antropofagia nas artes plásticas, sobre a necessidade de digerir as influências estrangeiras como no ritual canibal em que se devora o inimigo com a crença de poder absorver suas qualidades. O poeta Oswald de Andrade, seu companheiro à época, detalha como dera o nome de Abaporu, que significa em tupi “homem que come carne humana” ao intrigante quadro de Tarsila. 

Abaporu (1928) de Tarsila do Amaral, que na etimologia tupi significa "homem que come gente" ou "homem antropófago"
 

Mário de Andrade, rindo-se do casal “tarsiwald”, lê alguns poemas de seu polêmico Pauliceia Desvairada. Guilherme de Almeida, compenetrado, ajuda a mulher, Baby, a servir licor aos convivas. Mostra um número da revista Klaxon e defende a liberdade de ritmo no sentir, no pensar, no dizer. Aponta um anúncio do chocolate Lacta, afirmando que a publicidade utiliza a linguagem da poesia e os grafismos para seduzir o consumidor. O pintor e crítico de arte, Sérgio Milliet, fala um português arrastado, com sotaque francês, pois residira tantos anos na neutra Suíça, fugindo das agruras da Primeira Guerra Mundial. Sérgio é o homem-ponte entre a cultura sedimentada da Europa e a busca de uma identidade brasileira e única. É preciso contar ao grupo sobre o valor de versos descontínuos, independentes, sobre os cubistas, os futuristas e as fases da pintura do genial Picasso. Dona Olívia Penteado, elegante, chega com novidades sobre um grande projeto: a criação de um Salão de Arte Moderna. Ela conseguirá os recursos. Quer os quadros de sua amiga Anita Malfatti em destaque: o “Homem Amarelo”, “O Farol”, “A Estudante Russa”, juntos, numa ala nobre do salão. Todos aplaudem. Há que se apoiar Anita, que está deprimida e triste, depois de duramente criticada por Monteiro Lobato, no artigo “Paranoia ou Mistificação”. O grupo se une, se aproxima, se confraterniza, enquanto fotografo a cena em minhas retinas. 

Dá para compreender. O gambá é uma espécie de rato solitário, noturno, crepuscular. Temido e dramático. Faz-se de morto quando as coisas se tornam perigosas. O manacá é planta de cerrado, de terra árida, de beleza primitiva. O grupo modernista é refinado e caipira; verde, amarelo-mamão e roxo. 

Moro distante, numa pequena casa no sul de Mato Grosso. Daqui, relembro os amigos de São Paulo, vivos e mortos, enquanto a noite desce com suas estrelas sobre o pé de manacá.

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Colaboradora: RAQUEL NAVEIRA


Por Francisco José dos Santos Braga 
 
RAQUEL NAVEIRA nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 23 de setembro de 1957. 

É formada em Direito e em Letras pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP. Doutoranda em Literatura Portuguesa na USP. Foi professora de Literaturas Brasileira, Portuguesa, Latina, por 31 anos na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), onde se aposentou. Depois disso, no período que morou em São Paulo, deu aulas de Pós-Graduação em várias Universidades e em aparelhos culturais como Casa das Rosas, Casa Mário de Andrade, Casa Guilherme de Almeida e PEN Clube do Brasil. Enfim, o Magistério foi sempre a sua profissão. 

É casada há quarenta e dois anos com Adhemar, seu amor de juventude e com quem teve três filhos e duas netas. 

Quando lhe indagam por onde começar, caso alguém deseje conhecer sua produção literária, recomenda começarem por Jardim Fechado: uma Antologia Poética (Ed. Vidráguas), um painel de todos os seus livros reunidos. 

É autora de quase 40 livros publicados. 

Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, onde ocupa a Cadeira nº 8, à Academia Cristã de Letras de São Paulo e ao PEN Clube do Brasil.

quarta-feira, 4 de agosto de 2021

DISCURSO DA Sra. EDNA FONSECA, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DO MEMORIAL PEDRO ALEIXO, EM 1º DE AGOSTO DE 2021


Por Edna Fonseca 
 
D. Edna Fonseca discursando na homenagem ao Presidente Pedro Aleixo

 
 
Boa tarde! 
Exmo. Dr. Caetano Levi Lopes, 
Exmo. Dr. Francisco Braga, 
Exmo. Prefeito Juliano Gonçalves Duarte, 
Querida Sabrina, 
Exma. Sra. Merania Aparecida Oliveira, 
Prezados membros da Associação dos Amigos do Memorial Pedro Aleixo, 
E os caros que nos acompanham pelas redes sociais, 
Senhoras e senhores, 
 
Neste 1º de agosto prestamos homenagem ao Presidente Pedro Aleixo pelo 120º aniversário de nascimento. 
 
No dia 1º de agosto de 1901, nascia aqui em Bandeirantes o menino Pedro Aleixo que mudaria a história do distrito de Bandeirantes, da cidade de Mariana e está presente na história de Minas e do Brasil. 
 
Menino este que cresceu em sabedoria, virtudes pertinentes a um cidadão que respeitou seu país e os brasileiros. 
 
Pedro Aleixo levou o nome de Mariana a diferentes lugares, ocupando cargos importantes em Belo Horizonte, em Minas e no Brasil. Foi professor, advogado, jornalista, vereador, deputado estadual e federal, presidente do Senado, ministro, vice-presidente e Presidente da República.
 
Nós, marianenses, nos orgulhamos deste ilustre filho que é exemplo de ética, dignidade e amor à pátria e ao seu povo. 
 
Hoje os membros da Associação dos Amigos do Memorial Pedro Aleixo firmam o sério compromisso de divulgar e tornar conhecido o nome do ex-Presidente Pedro Aleixo e unir forças para que no espaço ao lado seja construída a sede da Associação com o objetivo de abrigar um Centro Cultural e o mausoléu de Pedro Aleixo, que se encontra no cemitério do Bonfim em Belo Horizonte, a ser transferido para Bandeirantes.
 
Neste momento agradecemos ao Instituto Roque Camêllo na pessoa de seu Presidente de Honra Dr. Caetano Levi Lopes e da Sra. Merania Aparecida Oliveira, que muito se empenham para que o nome de Pedro Aleixo receba toda honra merecida. 
 
Aos familiares do homenageado, principalmente o Padre José Carlos Aleixo, externamos os nossos agradecimentos e os parabéns por serem descendentes e preservarem o nome de tão significativo brasileiro, CIDADÃO MARIANENSE QUE FOI PEDRO ALEIXO. 
 
Que Deus nos abençoe. 
 
 

II. AGRADECIMENTO
 

Agradeço carinhosamente à minha esposa Rute Pardini suas fotos bem como a sua edição e formatação para fins deste post. 
 
Para fins de registro histórico: o convite



OLENTZERO


Por Francisco José dos Santos Braga 
 
Papai Noel basco

 
Tenho o prazer de apresentar, neste post, mais um trabalho de Licurgo Leão Silveira, regendo o Coral Nossa Senhora de Fátima (1966-1989) de Divinópolis, numa época favorável ao desenvolvimento do canto coral polifônico. Registro a participação da menina cantora Rute Pardini neste coral desde a sua infância até a juventude. Reproduzo aqui as palavras do próprio regente sobre a canção "OLENTZERO": 
"É uma canção natalina catalã, traduzida e adaptada pela Escolania de la Abadia de Santa Cruz del valle de los Caídos (Espanha), de quem recebi várias partituras. 
O arranjo é muito rico em contrapontos; por isso a letra está, ora numa voz, ora noutra. 
Essa gravação foi feita em gravador AIKO mono com um pequeno microfone externo colocado no chão durante a apresentação do Coral Nossa Senhora de Fátima por ocasião de um Festival de Corais no ano de 1984 ou 1985 (não me recordo com precisão), no Santuário de Santo Antônio em Divinópolis, MG.  
Naquela oportunidade o Coral contava com cerca de 50 cantoras com média de idades em torno de 14 anos. 
O Coral da Abadia acima citada serviu de inspiração para todo o meu trabalho polifônico com o canto coral durante 23 anos. 
Todas as gravações que fiz do Coral foram feitas em fita K7 e passadas para CDs após mais ou menos 20 anos. 
Tendo em vista as inevitáveis distorções do som em decorrência da precariedade da gravação e do tempo que essas fitas ficaram guardadas, fui aconselhado a ouvi-las com volume baixo. 

Esclareço que Olentzero ou Olentzaro é uma personagem mítica da tradição do Natal do País Basco, representado por um carvoeiro que leva presentes no dia de Natal aos lares bascos. Trata-se de uma tradição cuja origem parece estar na vila de Lesaka.  

 

OLENTZERO – 3 vozes iguais 

Compositor: Norberto Almandoz (1893-1970) 
 
 
Letra
 
La, la... Navidad... 
Ay que buena es la Reina de casa, que calor tan rico em su hogar; 
La pollita que de polla passa puesto el huevo rompe a cantar 
Para la Navidad 
Cestos sobrantes hay, pero huevitos no hoy o olentzero. 
Y mañanas es Navidad hoy Olentzero, Olentzero. 
Hoy olentzero de ojos sangrentos al besugo cogelo bien 
Y a la bota navarra da um tinto vino 
Dulce y ulerte a la vez; 
Que gran felicidade fiestas de Navidad 
Que viva el bueno humor. Hoy Olentzero 
Todos gocen del bueno humor 
Que mañanas es Navidad.