segunda-feira, 28 de maio de 2018

CORRESPONDÊNCIA DO DR. LEITE E OITICICA PROVENIENTE DE MACEIÓ DATADA DE 03/12/1887


Por Dr. Francisco de Paula Leite e Oiticica



I.  INTRODUÇÃO, por Francisco José dos Santos Braga

Dando continuidade à divulgação de textos de autoria do alagoano DR. FRANCISCO DE PAULA LEITE E OITICICA, publicados pelo jornal semanal Gazeta de Oliveira, tenho o prazer de informar ao leitor que localizei no "Acervo Histórico Digital" ¹ da então Gazeta de Oliveira ² uma correspondência do meu biografado, dirigida a alguém da redação da referida folha. 

Além de fornecer informações preciosas acerca de sua família, a correspondência traz ainda notícias de seus esforços para o bom êxito da "construcção da Estrada de ferro da Oliveira", sendo ele próprio o autor do projeto.

Na edição nº 18, datada de 1º de janeiro de 1888, Anno I, p. 3, encontra-se publicada tal carta preciosa, que acredito seja ainda desconhecida do meu leitor, devidamente antecedida pela seguinte nota explicativa da redação do jornal: 
"Um dos nossos companheiros de redacção ³ recebeu do nosso amigo, o illustrado Dr. Francisco de Paula Leite e Oiticica, a carta que em seguida vai publicada, cuja transcripção ousamos fazer, não porque fosse ella escripta para a imprensa mas porque vem avivar, si é possivel, as saudades que sentimos pela ausencia de tão prestimoso e dedicado amigo. 


II.  A CORRESPONDÊNCIA 
 
Maceió, 3 de Dezembro de 1887. 

Meo muito caro e presadissimo amigo. 

Sua carta, ditada mais pela amizade do que pelos deveres de redactor de jornal, veio lembrar-me que eu tinha um dever a cumprir, o que não havia feito já, não por querer fugir a elle, mas por effeito das muitas occupações que me roubão o tempo: quero fallar-lhe da resposta à amavel gentileza com que a redacção da "Gazeta de Oliveira" lembrou-se do meo nome para remetter-me os numeros já publicados da mesma Gazeta

Eu estava cercado de innumeros afazeres quando, na minha mesa de trabalho, surgio inesperadamente um jornal, tendo por titulo o nome d’essa bella terra, à qual me prendem tantos e tão apreciados laços; poderá comprehender o afan com que abri e li a sua preciosissima remessa; não julgará com certeza do sentimento que se me apossou d’alma quando encontrei, ali, os nomes carissimos dos amigos que ahi deixei, dos quaes não me esqueço nunca, ao mesmo tempo em que tinha noticia dos progressos do torrãosinho mineiro que é o berço de quatro dos meos filhos

O alvoroço com que transmitti à minha mulher a grande noticia – de já haver jornal em Oliveira – dava uma ideia do quanto eu apreciava o bellissimo presente que me faziam os meos bons e sempre caros amigos. 

Um progresso mais da minha cara Oliveira!... comprehende-se lá como isto me foi agradavel? 

E quando, pela leitura dos jornaes da Côrte sabia eu que vingára a ideia da construcção da Estrada de ferro da Oliveira que, não sei se ainda se lembrarão d’isto, foi iniciada por mim, dando-lhe eu os primeiros carinhos quando começou a ter vida, passando de projecto a principio de execução! 

Ter assim, perto de mim, na minha mesa do trabalho affanoso do mestre, do politico, do advogado, do jornalista, os meos carissimos amigos e companheiros de hontem, com os quaes convivi por quasi oito annos, dos quaes conservo as mais gratas e preciosas recordações! Ouvil-os quasi a repetir-me phrazes d’aquella prosa tão amavel, tão apreciada ainda hoje, quando a auzencia lembra-me que eu os estremecia mais mesmo do que suppunha! 

Fui ver tudo, tudo adivinhar no movel da remessa que me faziam e foi para mim causa da maior satisfação descobrir na lettra do remettente o meu caro e sempre presado discipulo, feito redactor e illustrando as columnas d’aquelle jornalsinho com o pouco que eu pude transmittir à sua muito lucida intelligencia de criança!

Bem sei que não me encontrou indifferente a joia que me mandaram de presente; desde logo resolvi escrever-lhes, não agradecendo a cortezia, mas dando-lhes mil apertos de mão em retribuição ao prazer immenso que me causaram. 

Entretanto não lhes respondi logo; sua carta provou-me que estranharam o meo silencio, que eu sou o primeiro a condemnar, achando que tiveram a mais subida razão para queixar-se do meo supposto indifferentismo causa sua deixe-me dizer antes – pela nossa: o progresso d’essa terra. 

Que quer, entretanto? Ha na phaze ultima da minha vida um facto que me desculpará perante os meos amigos de hontem: a minha provincia resentio-se enormemente dos oito annos que passei ausente d’ella. Achou que devia castigar o desprendimento por mim manifestado com a longa ausencia em provincia estranha e não sei se me perdoará, já hoje, o crime enorme que commetti contra ella, indo dispensar a outra o pouco, quasi nada embora, dos meos serviços e a que ella julgava-se com mais direito. 

Para dar-me o seo perdão exigio de mim todo o meo tempo, todos os meos esforços, exigencia a que me curvei submisso, reconhecendo quão grande havia sido a minha falta e de quanta razão era assistida a condição imposta à minha absolvição. 

Durante o corrente anno de 1887, então o castigo foi enorme e só o desejo de alcançar mais depressa uma absolvição plena deo-me forças para chegar ao fim do anno de trabalho, sem ver quebrada uma das peças do meo maquinismo intellectual. 

Cheguei, felizmente e hontem pude terminar a minha tarefa annual, presidindo, como 1º Vice-Presidente, a sessão anniversaria do nosso "Instituto Archeologico e Geographico", em presença do Presidente da Provincia e das pessoas mais gradas da capital. Comprehende o que é uma festa d’estas, para o presidente, principalmente; um discurso scientifico sujeito à critica dos que entendem. Para mim, principalmente, que ia presidir pela primeira vez, em substituição ao nosso presidente, o mais distincto dos nossos consocios pela sua illustração. 

Terminada essa tarefa, honrosa mas pesada, entrei em ferias, vou descançar no engenho, para onde devo seguir depois d’amanhã, a moer canna, fazer assucar, pensar na realidade da vida, em summa.

Antes, porem, roubo algumas horas ao somno, (o relogio acaba de advertir-me que é uma hora da madrugada) e aqui deixo traçadas umas linhas mal alinhavadas para ir dizer aos meos caros amigos da "Gazeta de Oliveira" que eu lembro-me d’elles, não os esqueci ainda nem o farei jamais sentindo n’alma todos os affectos ao ler as linhas escriptas por elles ahi, onde passei uma temporada da minha vida, feliz, contente, aprasibilissimamente. 

Quando os verei? Nem eu mesmo o sei; digo-o porque é preciso cuidar da vida para os quatro que trouxe de lá  e mais os dois que a minha provincia chama seus. 

Ahi ficam quatro laudas escriptas; escolhi papel grande, de linhas bem juntas para caber mais. Ficará satisfeita a redacção e desculpar-me-ha a falta commettida em não responder-lhes logo? Se o não fizeram ainda, creio que não rezistirão às seguintes ultimas linhas. 

Desejo, ardente, profundamente, com todas as veras da minha alma que a Gazeta de Oliveira tenha os mais prosperos dias afim de me dar noticias de todos os acontecimentos d’essa Cidade ¹⁰; e que esta progrida tanto, tanto... que me obrigue a ir vel-os, abraçar estreita, fartamente os amigos a quem devo o meo coração pelo muito que são dignos d’elle, embora pequeno e cheio somente de muita amizade. 

Por ora e depois d’isto só posso mandar a todos e a cada um um apertado abraço e as recommendações de toda a minha familia. 

Ao proprietario do jornal, a quem não tenho o prazer de conhecer, os meos louvores pelo progresso realisado para essa terra e muitos agradecimentos pela remessa da folha. Escrevi até a ultima linha da 4ª pagina. 

Seo amigo sempre grato 
      LEITE E OITICICA” 



III.  NOTAS EXPLICATIVAS, por Francisco José dos Santos Braga



¹   Para se "pesquisar" no Acervo Histórico Digital da antiga Gazeta de Oliveira e da atual Gazeta de Minas, basta acessar o site http://www.gazetademinas.com.br/plus/ e é possível "localizar" as edições de 1887 a 2014, quando disponíveis, todas digitalizadas. Basta então entrar no Ano e clicar em Localizar e aparecerão todas as edições disponíveis para o ano escolhido.
Há também outras opções de acesso, tais como, por exemplo, entrando no nº da Edição e, em seguida, clicando em Localizar.

²  O jornal Gazeta de Oliveira foi fundado no dia 04/09/1887, em Oliveira, com periodicidade semanal até hoje mantida. De acordo com meus cálculos, a passagem do alagoano Dr. Leite e Oiticica por Oliveira-MG, na função de juiz municipal, deve ter ocorrido entre 1876 e 1884, ou seja, durante cerca de 8 anos. Portanto, ele já devia ter deixado Oliveira há pelo menos 3 anos, quando a Gazeta de Oliveira foi lançada. Parece que o destinatário da correspondência do Dr. Leite e Oiticica não teria sido o redator-chefe, o português Antonio Fernal. É provável que se tratasse do Sr. Francisco de Paula Brazileiro, que costumava substituir o redator-chefe da Gazeta de Oliveira nos seus impedimentos.

³   Para se "pesquisar" no Acervo Histórico Digital da antiga Gazeta de Oliveira e da atual Gazeta de Minas, basta acessar o site http://www.gazetademinas.com.br/plus/ e é possível "localizar" as edições de 1887 a 2014, quando disponíveis, todas digitalizadas. Basta então entrar no Ano e clicar em Localizar e aparecerão todas as edições disponíveis para o ano escolhido.
  
  Parece que Dr. Leite e Oiticica tinha em mãos as edições de setembro, outubro e alguma(s) de novembro de 1887, ou seja, os números já publicados no primeiro trimestre de funcionamento do jornal.

⁵   Entre esses quatro filhos, naturais de Oliveira-MG, o que mais se notabilizou foi o filólogo José Rodrigues Leite e Oiticica, mais conhecido por José Oiticica (Oliveira, 1882-Rio de Janeiro, 1957). 

⁶   Aqui Dr. Leite e Oiticica comemora o lançamento do primeiro jornal de Oliveira, um indicativo de que o progresso estava chegando à cidade. 

⁷   Dr. Leite e Oiticica faz questão de deixar aqui registrada ou a sua autoria do projeto que resultou na construção da "Estrada de ferro da Oliveira", ou a sua contribuição para esse importante progresso tecnológico como fator para o progresso econômico da cidade.

  O que importa destacar aqui é que o redator anônimo foi perfeitamente identificado como "meu caro e sempre presado discipulo" por Dr. Leite e Oiticica através de sua letra, confirmando a informação dada por [FONSECA, idem, 281], colocando em primeiro lugar o Dr. Leite e Oiticica entre os principais educadores de Oliveira, durante sua passagem pela cidade.

⁹   Minha próxima matéria neste Blog de São João del-Rei será a reprodução desse célebre "discurso scientifico", datado de 02/12/1887, ou seja, proferido um dia antes de escrever a correspondência em questão, que Dr. Leite e Oiticica pronunciou em "sessão anniversaria do nosso Instituto Archeologico e Geographico, em presença do Presidente da Provincia e das pessoas mais gradas da capital". 

¹⁰  Quando o dr. Leite e Oiticica chegou a Oliveira (provavelmente em 1876), já tinham decorrido 15 anos da elevação à categoria de Cidade em 19/09/1861, estando já presentes as condições e a estrutura necessária para o funcionamento judicial naquela sua nova cidade de apenas 15 anos de idade. 



IV.  BIBLIOGRAFIA


FONSECA, Luiz Gonzaga da: História de Oliveira, Edição-Centenário, Belo Horizonte: Editôra Bernardo Álvares S/A, 1961, 457 p.  

GAZETA DE OLIVEIRA: edição nº 18, datada de 1º de janeiro de 1888, Anno I, p. 3.