domingo, 12 de agosto de 2018

MOTIVO


Por Elizabeth dos Santos Braga

Roque da Fonseca Braga e Elizabeth dos Santos Braga


Quando meu pai posou

para este que foi nosso único retrato,

a vida já ia por um fio.

Fumou anos a fio

contando nota a nota

filho a filho

e os pulmões não suportaram.



Mas a última faria quinze anos.

Então, era preciso vestir o único terno que a traça não levou

abotoar meticulosamente o casaco

com cuidado amarrar a gravata azul

encher o peito com dificuldade

pousar uma mão na outra

            gesto que se perpetuou

e até esboçar um leve sorriso

            coisa rara em suas fotos.



Rara foi a sua vida.


Dia dos Pais,  em 12 de agosto de 2018

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

SABER ENVELHECER



Por Prof. Antônio de Oliveira


 

Introdução



Envelhecer, verbo incoativo: começa, irrompendo de dentro da mocidade, sem a gente perceber. Fazendo uma incursão pela seara insondável da poesia, numa homenagem com recorte junguiano à terceira idade, só me resta, por conta e inspiração próprias:

 

ENVELHECER COM POESIA

 

            


É próprio da roda rodar.

Impulsionada,

roda, roda, até... parar.

 

Assim esta vida:

seminal,

gira, gira... até parar.

 

Para uns,

em largos anos...

e, na velhice,

cabelos grisalhos

pele flácida,

rosto enrugado,

um sentimento,

um sonho,

um olhar distante,

uma recordação...

tenazmente guardada:

o sal da juventude.

 

É que,

sem piedade,

o tempo,

qual fogo avassalador,

engoliu outro fogo,

seu vassalo:

o viço da mocidade.

Antes também ardente,

“amor – chama, e, depois, fumaça”,

de um Manuel que foi Bandeira,

agora arriada, prostrada,

de chamas apagadas.

 

Obturando, finalmente,

com suas cinzas, em borralho,

ao som de estalos desoladores,

os poros já sem suor,

e apagando as paixões,

que não mais crepitam...

num campo,

que fora de batalha,

agora incendiado

e já em rescaldo de fúria impotente.

 

O veneno do tempo,

arma química denominada decrepitude,

irreversível,

em fase terminal,

deslizou em silêncio,

escorreu,

infiltrou-se sorrateiramente,

inoculou lentamente,

contaminou,

poluiu o regaço da vida.

 

Como antídoto,

contraveneno regressivo,

apenas a memória,

enquanto resta,

lúcida. 

Invocando Olavo Bilac,

quando não se sabe se os homens, 

mais que Os Rios,

desejam regressar...




Esclerosado, neurótico,

nem assim,

fugindo da vida,

esquecendo-se de viver,

ou se subtraindo à contingência do viver,

o decrépito escapa do envelhecer

e... do morrer.

 

Mas tudo tem sua hora.

No se antecipar a velhice,

à catástrofe se junta o sentimento de culpa,

cruel se torna a existência,

vazia,

sem conteúdo,

sem sentido:

tolhe-se e se recolhe a libido,

emperra-se a existência progressiva,

foge-se aos obstáculos e desafios, e,

por antecipação,

cava-se a ruína final

e se afunda na própria profundeza.

 

Enquanto isso,

alheios ao destino,

como crianças que dormem,

os deuses ressonam tranquilos.

É que – convenhamos,

dando razão ao poeta Hölderlin:

apanágio dos deuses, tal privilégio,

o de gozar eternamente sua infância,

ou juventude eterna,

o summum da felicidade,

felicidade suprema,

é inacessível aos humanos...

 

Não sendo deuses,

somos vulneráveis, e,

sem o elixir da eternidade aqui na terra,

fechadas lentamente as portas para a vida,

envelhecemos, e,

no leito,

já não dormimos:

morremos.

Portanto:

– Dá-me curtir o envelhecer, meu Deus!

Sem medo de curtir o entardecer...