quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Ana Pereira Lima e a Revolução de 1932


Por José Antônio de Ávila Sacramento *


Dizem que a Revolução Constitucionalista de 1932 foi uma resposta paulista à Revolução de 1930. Em julho de 1930 uma revolução derrubou o governo dos grandes latifundiários de MG e de SP e assumiu a presidência, com grandes poderes, o gaúcho Getúlio Dornelles Vargas (1883-1945). O episódio, como não poderia deixar de ser, desagradou a importantes setores da sociedade; então, em julho de 1932, no Estado de São Paulo, explodiu uma revolta contra o governo Vargas. Tropas federais foram enviadas para conter o movimento.

O 11º Regimento Legalista de Infantaria, da cidade mineira de São João d’El-Rey, contribuiu com suas tropas para combater as forças paulistas. Foi nessa ocasião que uma mulher chamada Ana Pereira da Silva alistou-se como voluntária nas fileiras do Regimento, fazendo-se passar por homem; clandestinamente, mas com muita garra, participou dos combates, especialmente aqueles que foram travados na Estação Barão Ataliba Nogueira (inaugurada em 1891, atualmente descaracterizada, a estação fica no município de Itapira-SP e faz parte da Estrada de Ferro Mogiana).

Ana Pereira da Silva, posteriormente apelidada "Cianinha", nasceu em 16 de agosto de 1907, no município de Abaeté-MG e casou-se com Ozório Lourenço de Lima, passando a assinar Ana Pereira Lima (Cartório de S. João del-Rei - Livro 11, Fl. 194 v, termo 123, de 28.12.1922).

Em face da sua coragem e bravura recebeu louvor registrado no Boletim Interno nº 258 do 11º BI, datado de 10 de outubro de 1932, referenciando a sua maneira de agir em combate, com acentuado destemor. Foi ferida em combate, na cabeça, por um estilhaço de granada de avião; ao ser socorrida é que descobriram que ela era do sexo feminino.

Sobre ataques aéreos na dita Revolução, cabe registrar que o inventor do avião, o mineiro Alberto Santos Dumont, suicidou-se em 23 de julho de 1932, deprimido pelo que considerou um mau uso da sua invenção, especialmente por causa dos bombardeios aéreos efetuados nas cidades paulistas, no Campo de Marte e no Forte de Itaipu, fato que ocasionou muitas mortes durante a Revolução de 1932. Com o controle emocional abalado, Santos Dumont recolheu-se ao seu quarto, no Hotel de La Plage, em Guarujá, fechou-se no banheiro, amarrou duas gravatas no cano do chuveiro e enforcou-se.

"Cianinha", já viúva do subtenente Osório Lourenço de Lima, faleceu aos 83 anos, em 13 de agosto de 1991, na cidade de Barroso-MG, vítima de parada respiratória e pneumonia. Não deixou filhos e nem parentes; era muito reservada e por isso não tinha amigos; viveu os últimos momentos da sua vida internada em um asilo. Depois da morte dela, ao demolirem a casa de sua propriedade, foi encontrada uma boa quantidade de munição escondida no imóvel.

No dia 08 de março de 2004, data dedicada ao Dia Internacional da Mulher, o comandante do 11º BI Mth, coronel Jorge da Conceição, prestou a homenagem da Unidade Militar às mulheres. Naquela oportunidade o comando militar do Regimento recebeu a todas com a oferta de botões de rosas; logo após, em cerimônia cívica, o comandante inaugurou, na sala do Acervo Histórico do Batalhão, o memorial dedicado a Ana Pereira Lima. A tradicional Banda de Música do Regimento, com a afinação de sempre, abrilhantou o evento.

E por falar da trajetória de uma mulher, creio que é importante registrar as atuais presenças de representantes do sexo feminino no seio da Unidade Militar de São João del-Rei; a primeira que integrou o contingente do 11º BI Mth foi a primeiro-tenente mato-grossense (da cidade de Cáceres) Alessandra Garcia de Oliveira Fernandes, que naquela solenidade apresentou publicamente o resultado das suas pesquisas biográficas referentes a "Cianinha".

Será que a praticamente desconhecida saga de Ana Pereira Lima não é um bom enredo para um livro histórico, um precioso roteiro para um filme ou, ainda, um interessante tema para a gravação de uma minissérie?


* José Antônio de Ávila Sacramento nasceu em São João del-Rei/MG (distrito de São Miguel do Cajuru). É sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, membro efetivo da Academia de Letras de São João del-Rei, conselheiro titular do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural. Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (Belo Horizonte/MG). Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (João Pessoa/PB). Sócio Correspondente da Academia Bauruense de Letras (Bauru/SP). Sócio Correspondente da Academia Mageense de Letras (Magé/RJ). Mais...

domingo, 25 de janeiro de 2009

Descripção da Villa de S. João de El-Rei (1854)

DESCRIPÇÃO DA VILLA, HOJE CIDADE DE S. JOÃO DE EL-REI NA PROVINCIA DE MINAS GERAES, IMPERIO DO BRAZIL.

Francisco Freire de Carvalho (1854)

Nas faldas d'agra montanha,
Que o Tejuco vae banhando
Ternas moções depertando
C'o seu doce murmurar:

N'um valle curvo e espraiado,
Que aureas arêas povoam,
Onde mil aves revoam
Com seu canto enchendo o ar:

Onde aqui e ali dispersas
Se observam toscas moradas,
As mais d'ellas povoadas
Por gente de negra côr:

Onde em paz vive e respira
Nos braços da Natureza,
A candura, a singeleza,
E talvez tambem o amor:

Em sitio ameno e risonho
D'este vale deleitoso
No logar mais espaçoso
Jaz a minha habitação.

Tão simples, como a minha alma,
Em moveis e architetura,
Entre as moradas figura
Da villa de S. João.

D'ella abaixo em curto espaço,
Curvos meandros fazendo,
Vae o ribeiro correndo,
Té n'um triste rio entrar.

De negro, funesto agouro
Nome tem as suas aguas,
Nome que horrores, que maguas
Só costuma despertar:

D'elle junto as margens tristes
Em já longa, escura idade
Victimas mil sem piedade
Cortou da parca o furor.

Rio das Mortes chamado
Desde então té nossos dias,
Desperta inda hoje agonia
Inda hoje desperta dor

Mas ao ribeiro voltando,
Que pelo valle serpeia,
D'elle oh quanto a fugaz veia
Limpida e bella não é!

N'ella a beleza a espelhar-se
Pode ver a imagem sua;
N'elle o sol, e a clara lua
Copiada a vivo se vê:

Nas duas margens oppostas
A illustre villa se assenta,
E aqui activa se alimenta
Commercio rico e feliz.

Por duas formosas pontes
De valente cantaria
Facil passo noute e dia
Provida industria abrir quiz.

Por ella frequente entrada
Tem do precioso a abundancia,
Que até de longa distância
Vem a villa abastecer.

O clima é doce e macio,
Qual da Europa o mais ameno,
Ar puro, limpo e sereno
Convida aqui a viver.

Os fructos d'outro hemispherio,
As plantas mais preciosas
Vegetam livres, viçosas
N'este abençoado terrão.

Da gente o trato é polido
É franco e hospitaleiro,
Entre o indigena e o estrangeiro
Não se observa distincção.

Gosam-se aqui as doçuras
D'uma justa liberdade;
A palavra humanidade
Não é som, ou noção vã:

Vive em paz das leis á sombra,
Quem do imperio as leis respeita;
Tranquillo á noute se deita,
Tranquillo o encontra a manhã.

Do valle em torno vistosas
Chacaras mil se descobrem,
Cujo chão frondoso cobrem
Lindos, uteis vegetaes.

Por entre as suas ramadas
De nunca extincta verdura
De modesta architetura
Se erguem tetos desiguaes:

Em vários d'elles habitam
Almas cândidas, singelas,
Que ajuntam ao ser de bellas
Milhares de perfeições.

Com suas mimosas graças,
Com seus dittos innocentes
Ateiam paixões ardentes
Nos sensiveis corações.

Dos effeitos da ternura
Se alguém quizer isentar-se,
Quem pretender esquivar-se
Do cego deus ao furor;

Ah! Fuja d'estas moradas
Fuja do sexo mimoso,
Aliás ser-lhe-há forçoso
Cingir os ferros d’amor:

São Circes mui perigosas
Irresistiveis Medeas;
Fazem coar pelas veias
Veneno prompto e lethal.

Fuja do lar, onde habitam
Thalia, Aglaura, Euphrosina,
Da joven, bella Erycina
Fuja da estancia fatal.

Com seus divinos encantos
Prendem tudo as tres primeiras,
Mandam nas almas inteiras
Co'as suas prendas sem par.

Erycina attrahe, commove
O mais intimo do peito,
Gera amor, gera respeito,
Chega as deusas igualar.

De Cypris une á belleza
De Juno o ar magestoso,
Sem ostentar um vaidoso
Frio, indiff'rente desdem.

É um céu limpo e sereno
Em manhã de primavera,
Que a esperança anima e gera,
Sem dar audacia a ninguem.

Com a rosa fresca e pura
Vence em fragancia as mais flores,
A lua como em fulgores
Vemos os astros vencer;

Erycina assim vencendo
Vae todas as formosuras,
Todas deixando ás escuras,
Mal que chega a apparecer.

Mas d'esta imperfeita copia
Quem é a imagem divina?...
Só o diria a Erycina,
A ninguem mais o direi:

Direi sim, sem que o segredo
Meu tema ver divulgado,
Que d'ella que for amado,
Por mui feliz contarei.

Aqui chegava: eis que a musa.
Que se dignou de inspirar-me,
Cessando de bafejar-me,
A penna me cae da mão:

Mas, se eu tenho desenhado
D'esta villa deleitosa
A producção mais mimosa;
Acabou-se a descripção.


Esta bela descrição, composta por Francisco Freire de Carvalho, foi publicada no Jornal Litterario e Instructivo "O Panorama", Vol. XI, Lisboa/Portugal, Tipografia do Panorama - Travessa da Victoria, 52, no ano de 1854.


Texto sugerido e enviado por
José Antônio de Ávila Sacramento

Imagem: Desenho de uma vista parcial da cidade de autor desconhecido em que podem ser vistas as torres das igrejas que já estavam prontas na época. Reprodução do livro Viagem ao interior do Brasil, de G. W. Freireyss. B. Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1982. Fonte: Acervo UFSJ

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O "Mito de Ceres" sobrevive (ou agoniza?) em Matosinhos


Por José Antônio de Ávila Sacramento *

Ceres (para os romanos) ou Deméter (para os gregos) é deusa dos cereais. É a deusa matriarcal, a imagem do poder das entranhas da terra. Diz-se que ela ensinou aos homens as artes de arar, plantar e colher; às mulheres, como moer o trigo e fazer o pão. Ceres representa a experiência da maternidade, não só a gestação física, mas a experiência da Grande Mãe, da descoberta do corpo como algo precioso e valioso que requer muita atenção. Significa os prazeres simples da vida, a conscientização de que somos parte da natureza.

Acredita-se que foi um episódio envolvendo a sua filha que marcou significativamente a personalidade desta deusa. Ceres morava com sua única filha, Prosérpina, na mais completa harmonia. Certo dia, ao colher flores, a garota foi atraída por um lindo narciso. Ao estender a mão para pegá-lo, o solo fendeu-se diante dela surgindo Plutão, o deus das trevas e irmão de sua mãe, que havia se apaixonado perdidamente pela jovem. Plutão puxou-a para seu carro de ouro e levou-a para o seu reino, os infernos. Prosérpina gritou pedindo ajuda ao seu pai Júpiter, mas não recebeu nenhum auxílio. Sob a influência de Plutão, Prosérpina aceitou comer um "bago de romã", a fruta das trevas, que tinha o poder de aprisionar nos infernos para sempre quem a comesse. Desesperada, Ceres, procurou sua filha por nove dias e nove noites sem parar para comer, dormir ou beber água. Pediu ajuda a Júpiter, mas não foi atendida. Enfurecida e incapaz de aceitar a perda da filha, Ceres ordenou que a terra secasse.

Assim, o mundo estava condenado a perecer por falta de alimento. Graças à intervenção do mensageiro dos deuses, Mercúrio, Ceres voltou atrás e aceitou um acordo: Prosérpina viveria com sua mãe durante nove meses do ano e deveria retornar para o marido nos três outros meses. Ceres representa, então, uma sabedoria não racional que vem da natureza, da capacidade de esperar até que as coisas estejam maduras, prontas para produzir seus efeitos. Ela representa a aceitação das mudanças e separações, inclusive aquelas que envolvem muita dor. É o amadurecimento do grão que se transforma em árvore e doa seus frutos para os filhos.

Está assim delineada, ainda que brevemente, a figura mitológica da deusa Ceres, representada por uma graciosa escultura que está colocada em cima de interessante chafariz, conjunto belíssimo, que já esteve em instalado em outros locais da cidade (como no interior da Estação de Tratamento de Água do Bairro Bonfim, por exemplo) e ora agoniza no meio da principal praça de Matosinhos, em São João del-Rei/MG.

O conjunto está sendo destruído lentamente, vítima da ação do tempo e dos vândalos. Trata-se de peça singular, em ferro fundido, adquirida pela Câmara Municipal de São João del-Rei no ano de 1887, no norte da Itália, mais precisamente na cidade de Turim. Para se ter uma idéia do descaso com aquele patrimônio, uma das portinholas do chafariz que ornam a base da estátua já foi encontrada à venda em um ferro-velho; recuperada a tempo, foi recolocada no local valendo-se da sensibilidade e boa vontade da empresária Maria Agostini (da Serraria Antônio Agostini & Filhos). A base da estátua, de onde poderia se fazer voltar a jorrar água das bocarras de faunos lá existentes é ricamente trabalhada. Encimando o chafariz encontra-se a deusa Ceres, imponente, portando cutelo e ancinho ao lado de um grande feixe de trigo.

O conjunto foi tombado pelo Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural (CMPPC), tendo como relator do processo o professor dr. José Maurício de Carvalho. Nada mais foi feito em benefício desse patrimônio que agoniza tristemente, sem perspectivas visíveis de salvação. O que recentemente fizeram foi negativo: quando da última reforma da praça, retiraram um tosco gradil de ferro que protegia parcialmente o monumento. Assim, o conjunto ficou ainda mais vulnerável, entrou em decadência e agora, para que não se torne irrecuperável, carece de urgente restauração e proteção.

Creio que a memória do laborioso povo de Matosinhos, neste caso simbolicamente representada pelo conjunto chafariz e estátua da deusa Ceres, merece mais atenção e carinho. Se já perdemos grande parte da riqueza arquitetônica que possuíamos, o pouco que restou do nosso patrimônio ainda merece maiores e melhores cuidados.

Quem se habilita a nos ajudar?


* José Antônio de Ávila Sacramento nasceu em São João del-Rei/MG (distrito de São Miguel do Cajuru). É sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, membro efetivo da Academia de Letras de São João del-Rei, conselheiro titular do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural. Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (Belo Horizonte/MG). Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (João Pessoa/PB). Sócio Correspondente da Academia Bauruense de Letras (Bauru/SP). Sócio Correspondente da Academia Mageense de Letras (Magé/RJ). Mais...

Fotos: Cris Carezzato

- Veja mais fotos do Chafariz da deusa Ceres aqui.

Colaborador: José Antônio de Ávila Sacramento

José Antônio de Ávila Sacramento nasceu em São João del-Rei/MG (distrito de São Miguel do Cajuru). É sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, membro efetivo da Academia de Letras de São João del-Rei, conselheiro titular do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural. Sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (Belo Horizonte/MG). Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (João Pessoa/PB). Sócio Correspondente da Academia Bauruense de Letras (Bauru/SP). Sócio Correspondente da Academia Mageense de Letras (Magé/RJ). Sócio Efetivo do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto (Valença/RJ). Sócio Correspondente da Academia Valenciana de Letras (Valença/RJ). Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico (Niterói/RJ). Sócio Correspondente da Academia Caxiense de Letras (Caxias do Sul/RS). Sócio Correspondente da Academia Cabista de Letras, Arte e Ciências (Arraial do Cabo/RJ). Sócio Honorário do Rotary International. Agraciado pelo Governo de Minas Gerais com a Medalha da Inconfidência.

Contato: avil@mgconecta.com.br

Textos de José Antônio de Ávila Sacramento neste Blog:

- O "Mito de Ceres" sobrevive (ou agoniza?) em Matosinhos
- Descripção da Villa de S. João de El-Rei (1854)
- Ana Pereira Lima e a Revolução de 1932
- A agonia do Lenheiro
- 300 anos da Guerra dos Emboabas e do "Capão da Traição"
- São Miguel do Cajuru
- Valença, São João del-Rei e o Visconde do Rio Preto

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Não é bom que Tiradentes morra


Por Oscar Araripe
*


"... é inacreditável que ainda hoje o Brasil não saiba cultuar o seu maior herói...”.

Ou melhor: é fundamental que ele viva. No entanto, 217 anos depois, nosso imenso mártir continua assassinado de muitas maneiras e em muitos lugares, a começar por Ritápolis, município hoje da Fazenda do Pombal, berço da nacionalidade brasileira.

Estranho, triste lugar, ainda que belíssimo pela própria natureza. Uma estrada sem sinalização, de terra, esburacada, uma pontezinha de madeira (mas com placa ostensiva de sua inauguração política), uma outra, de cimento, enorme, e estamos diante de um portão de ferro, fechado (era sábado), onde uma campainha chama um guarda sonolento que, quase por favor nos deixa entrar, mas logo avisa que ali "não tem nada". Vejo, à direita, as ruínas da senzala, depois, as da grande casa do mártir. Placas e mais placas, de políticos em sua maioria, agressivamente propagadas naquelas santas ruínas, e só... ah! Esqueço: sobre elas várias horríveis casinhas modernosas do Ibama. E então, a primeira pergunta: o que teria a ver o Ibama com Tiradentes?

Afinal, por que tanto descaso? Será que D. Maria, a Louca, ainda manda no Brasil? Por acaso o Fanfarrão Minésio nos governa? Estaria Silvério dos Reis à frente da pasta da Cultura? Ou será que uma trama diabólica, ensandecida e despudorada, ainda prima por querer negar o vulto do Animoso Alferes e, por conseqüência, de nossa liberdade?

É inacreditável que ainda hoje o Brasil não saiba cultuar o seu maior herói. Por que não reedificar a casa em que nasceu? As madeiras ainda se acham, os vidros e os ferros são os mesmos de hoje ou nada difíceis de serem fabricados, as telhas existem por aí ainda aos montes, enfim, por que não se reconstruir a fazenda? A começar por reunificá-la, já que hoje o Pombal está esquartejado em três fazendas, estando duas, Magnólia e Ouro Fino, em mãos de particulares! Por que não se desquartejá-las? A Magnólia, inclusive, abriga as ruínas da capela onde Joaquim José foi batizado. E então? Por onde anda nossa nacionalidade? Onde? Nossa religiosidade...

O Pombal deveria possuir um animoso pombal. Deveria abrigar um centro de estudos tiradentinos. Deveria possuir livros. Lembranças para os visitantes; vídeos sobre o grande brasileiro. O Pombal deveria... enfim; este mais parece o país do deveria.

Pobre Tiradentes - seu torrão natal continua salgado, seu nome usado e mal usado, sua relevância reduzida à placas oportunistas.

É como dizia o poeta: "vai-se uma pomba e mais outra”... E do pombal, quem cuida? - pergunto eu, perguntamos nós. E até quando ?


* Oscar Araripe (n. Rio de Janeiro, 19 de Julho de 1941), é escritor e pintor brasileiro. Formado em 1968 pela Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro, foi eleito para o Diretório do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (CACO), e militou na Ação Popular (AP). Foi bolsista na Universidade Pro-Deo, de Roma, Itália e frequentou seminários na Universidade de Harvard, USA. Jornalista no Correio da Manhã, Jornal do Brasil e Última Hora, escreveu o ensaio China, o Pragmatismo Possível, 1974 - e editou, com Augusto Rodrigues, o jornal Arte e Educação. É membro fundador da INSEA, Sociedade Internacional de Educação Através da Arte. Mais...

Fotos: Cris Carezzato
Imagem: Oscar Araripe / Tiradentes, o Animoso Alferes / 3.00mx3.00m / Acrílico sobre tela sintética


- Veja mais fotos das ruínas da Fazenda do Pombal aqui.

Colaborador: Oscar Araripe

Oscar Araripe (n. Rio de Janeiro, 19 de Julho de 1941), é escritor e pintor brasileiro. Formado em 1968 pela Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro, foi eleito para o Diretório do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (CACO), e militou na Ação Popular (AP).

Foi bolsista na Universidade Pro-Deo, de Roma, Itália e frequentou seminários na Universidade de Harvard, USA. Jornalista no Correio da Manhã, Jornal do Brasil e Última Hora, escreveu o ensaio China, o Pragmatismo Possível, 1974 - e editou, com Augusto Rodrigues, o jornal Arte e Educação. É membro fundador da INSEA, Sociedade Internacional de Educação Através da Arte.

Autor da trilogia literária Maria, Marta e Eu, sua obra foi analisada por Antônio Houaiss, Eduardo Portela, José Paulo Moreira da Fonseca, Márcio Souza e Vladimir Palmeira. Na Pintura introduziu a vela náutica (dracon poliester) como suporte (1984), o film laser (como substituto do papel vegetal, onde também inovou) e desenvolveu técnicas próprias, como as transparências obtidas pelas pinturas por trás dos suportes, o uso dos markers e da aquarela acrílica. Tais inovações permitiram-lhe, inclusive, expor permanentemente ao ar-livre grandes telas, com estruturas de ferro como moldura. Sua obra Extinção Nunca Mais, exposta durante a Conferência das Nações Unidas, Eco-92, no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, atingiu público estimado de 2 milhões.

Pintor paisagista, marinista, realista e subjetivo, possui vasta obra, em fase de catalogação pela Fundação que leva seu nome. Sua obra de pintura e desenho, inovadora, alegre e vivaz, mereceu a atenção crítica de Frederico de Moraes, Jean Boghici, Sérgio Rouanet, Luiz Galdino, Mário Margutti, Milton Ribeiro, Fernando Lemos, Alberto Beuttenmuller, Tertuliano dos Passos, Marylka Mendes, Wilson Lima e Gustavo Praça. A destacar-se ainda sua obra Os Pilares, de 1200 imagens, e seus bicos-de-pena sobre Tiradentes e São João del Rei, Ouro Preto, Bahia e Ceará, assim como seus eróticos, de grande pureza, e seus jarros de flores de grande frescor.

Retratou três heróis brasileiros: Tiradentes, Bárbara de Alencar e Tristão Araripe, os dois últimos seus parentes. É citado na Bibliografia do Grande Dicionário Aurélio e verbete na Enciclopédia da Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho. Presentemente escreve Minha Vida de Pintor, que disponibiliza em seu site www.oscarararipe.com.br, onde apresenta suas idéias sobre a pintura, a literatura e a vida em geral.

Realizou quase uma centena de exposições, majoritariamente individuais, no Rio, em Minas, na Bahia, em Brasília, no Ceará e em São Paulo. Expôs nos Estados Unidos, França, Espanha, Eslovênia, Grécia, Cuba e México. Possui galeria pessoal em Tiradentes desde 92, e é presidente da Fundação Oscar Araripe (www.oafundacao.org.br). É casado com Cidinha Ribeiro de Alencar Araripe.

Em 2008 recebeu o título de Cidadão Honorário de Tiradentes, foi eleito para a Academia de Letras de São João Del Rei. No mesmo ano expôs em Cataguases, na Galeria Tratos Culturais, em São Paulo na galeria do BNPParibas e no Centro Cultural de Texcoco e na Bienal de Chapingo, ambos no México.

Contatos:
www.oscarararipe.com.br
www.oafundacao.org.br

Textos de Oscar Araripe neste Blog:

- Não é bom que Tiradentes morra

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Encontro em São João del-Rei discute cidadania desmemoriada e preservação do patrimônio histórico


Por Francisco José dos Santos Braga *

- Artigo publicado na Revista de Cultura Vozes, ano LXXXVI, março/abril de 1992, p. 235-238 - nº 2; também foi publicado em 2 partes com o título "A Cidadania desmemoriada e Patrimônio" e "Cidadania desmemoriada e Patrimônio - II", na coluna Pauta Livre, seção 2, do Jornal de Brasília, ambas na p. 6, respectivamente nos dias 28/4 e 12/5/1992. 



No dia 20 de abril de 1992 aconteceu em São João deI-Rei - MG, berço do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, o I Encontro de Historiadores, que teve como tema principal o resgate da memória e consciência nacional. O evento faz parte das comemorações do Bicentenário da Execução de Tiradentes naquela histórica cidade, organizadas por egrégia comissão presidida pelo Procurador-Geral da República, Aristides de Alvarenga Junqueira, e desdobrou-se em duas vertentes:

- um grupo de historiadores e estudiosos de todo o País discutiu a cidadania desmemoriada e a preservação do patrimônio histórico, reunindo-se na FUNREI - Fundação de Ensino Superior de São João del-Rei;

- outro grupo de estudiosos locais, representantes da comunidade são-joanense, reuniu-se no Museu Regional para apresentação e discussão de diversos trabalhos voltados para questões relativas à memória e ao patrimônio nacional e da cidade.

Ao final do primeiro grupo de trabalho, com participação de Severo Gomes, Paulo de Tarso Santos, Edmur Fonseca, Geraldo Forbes, Ovídio de Andrade Melo, Wilson Coutinho, Marco Antônio Coelho, Fábio Lucas, Luís Antônio Valle Arantes, Galba Ribeiro Di Mambro, Lídia Avelar Estanislau, Eduardo França Paiva, Geraldo Guimarães, Antônio Gaio Sobrinho, José da Paz Lopez, Mônica de Fátima Massara e Ricardo Seitenfus, foi redigida e assinada a "Carta de São João del-Rei", promulgada em sessão solene, no Salão Nobre da Prefeitura na noite do dia 21 de abril.

O segundo grupo de trabalho, coordenado pelo Diretor do Museu Regional, Jairo Braga Machado, e formado por Aluízio José Viegas, Carlos Magno de Araújo, Pedro Paulo Correia, Sueli Franco, Beatriz Gaede, Emílio Costa e o autor desta matéria, houve por bem aprovar um elenco de recomendações às autoridades constituídas do nosso Pais, especialmente aquelas responsáveis pelo nosso importante patrimônio cultural, e aos intelectuais preocupados com a preservação de nossa memória. Esse documento, aprovado na Sessão Local do Encontro de Historiadores, repassado de espírito cívico, é reflexo de um amor apaixonado pela conservação e restauração dos testemunhos de nossa História.

Ambos os trabalhos que abaixo transcrevo objetivaram lançar um alerta à Nação, denunciando a possibilidade do desmantelamento de instituições de pesquisa e de preservação de elementos culturais, por falta de apoio oficial, reforçando o perigo da cidadania desmemoriada e do desleixo com a preservação do patrimônio histórico da Nação.


CARTA DE SÃO JOÃO DEL-REI

Brasileiros.

Nós, signatários desta carta, cidadãos de várias partes deste País, queremos, neste 21 de abril, comemorar o bicentenário da execução de Tiradentes, relembrando as razões de sua luta e o alcance de seus ideais, para compartilhá-los com todos os brasileiros.

Não podemos relegar ao esquecimento os feitos de nossos antepassados e de todo o nosso povo, sob pena de perdermos a consciência de nossa identidade e comprometermos nossa soberania. A memória da cultura comum só se perpetua através da preservação de nossos documentos e monumentos históricos.

Se as grandes datas, os nossos monumentos, nossos fundadores e os arquivos da nossa memória forem sepultados, em pouco tempo nada mais teremos a celebrar.

É fundamental que cada um de nós, no exercício da cidadania, se torne defensor de nosso patrimônio cultural, que escolas, sindicatos, empresas e governo promovam em todo o país o conhecimento de nossa história e o sentimento de respeito e amor a tudo que nos pertence.

Ligados sempre pelo uso da língua comum, a brasilidade é um amálgama fundido no cadinho da diversidade que mistura esforços de variada origem em cinco séculos de história. Herdamos um gigantesco país criado pelo índio, pelo branco e pelo negro, e consolidado por todos quantos a ele deram seu amor, sangue e engenho, na admirável construção da nacionalidade brasileira.

O Brasil de hoje, porém, não é o Brasil sonhado por nossos antepassados; menos ainda o Brasil que desejamos transmitir a nossos filhos e netos. Interesses externos atingem nossa soberania e nossos propósitos de desenvolvimento e bem-estar social. A miséria inaceitável escraviza a metade de nossos conterrâneos. A indigência cultural agrilhoa quase outro tanto.

A nós cabe não esquecer essa triste realidade, quando comemoramos o martírio do Alferes. Devemos lembrar-nos de que esta situação não nos é imposta pelos fados, nem é inelutável. Temos certeza de que a força do povo, consciente de sua cidadania, suplantará as terríveis dificuldades do presente por meio da democracia e do estado de direito.

Tiradentes, o herói enlouquecido de esperança, de que nos falava Tancredo Neves, lutou, até à morte, por este valor supremo do homem: a liberdade. No mundo atual, sabemos todos, não há liberdade sem justiça social e sem soberania, sem educação e sem cultura, sem trabalho e sem progresso.

São estes valores inalienáveis, a que juntamos a vida pacífica e segura, em nossa paisagem, na defesa do verde e do límpido azul, na indivisível República Federativa do Brasil que, sob a memória reverenciada de Joaquim José da Silva Xavier, pretendemos defender e promover, com nosso amor e convicção.

"Se todos quisermos poderemos fazer deste país uma grande nação".


São João del-Rei, 21 de abril de 1992


RECOMENDAÇÕES PROPOSTAS PELA SESSÃO LOCAL DO ENCONTRO DE HISTORIADORES
 
Orador: Jairo Braga Machado, Diretor do Museu Regional de São João del-Rei, na inauguração do busto do Alferes Tiradentes  na Praça Severiano de Resende em 21/04/1992


Historiadores, pesquisadores, professores, músicos e representantes da comunidade são-joanense, reunidos na tarde do dia 20 de abril de 1992, no Museu Regional de São João deI-Rei – 13ª CR-IBPC, ao fim da apresentação e discussão de diversos trabalhos voltados para questões relativas à memória e ao patrimônio de São João del-Rei, aprovaram as seguintes recomendações:

- fortalecimento das instituições culturais em âmbito municipal, estadual e federal, particularmente aquelas voltadas para a preservação do patrimônio cultural e da memória brasileira;

- destinação de recursos públicos para as ações de identificação, documentação, proteção e promoção do patrimônio cultural em sua pluralidade;

- formação de recursos humanos para a pesquisa da memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira e para as ações de conservação e restauração dos testemunhos de nossa história, em seus diferentes suportes (oral, musical, escrito, fotográfico, iconográfico, arquitetônico e paisagístico);

- realização de Encontros Anuais de Pesquisadores e Estudiosos da Cultura São-joanense, para troca de informações e experiências sobre a preservação do patrimônio cultural e da memória brasileira, em especial a de São João del-Rei;

- retorno de livros e documentos importantes da história de São João del-Rei, que estão hoje sob a guarda da Biblioteca Nacional;

- efetivação de todos os esforços visando possibilitar a complementação do restauro da matriz de Nossa Senhora do Pilar;

- intensificação das ações de divulgação e difusão cultural do patrimônio são-joanense, tendo em vista a conscientização da comunidade local para a importância de tão importantes bens;

- reconhecimento da naturalidade são-joanense do Alferes Joaquim José da Silva Xavier.


São João del-Rei, 20 de abril de 1992 . 200º Ano da Execução de Tiradentes



* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, além da Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas culturais, musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do patrimônio histórico nacional.Mais...