domingo, 28 de novembro de 2021

CARLOS GOMES DO MUNDO, NHÔ TONICO DO BRASIL!


Por EDSON Carlo BRANDÃO Silva *
 
Acadêmico Edson Brandão proferindo palestra sobre a vida e obra de Carlos Gomes, em 20/11/2021, na Sala de Convenções do Hotel Master Plaza, onde se realizava a Assembleia Magna da ABROL-Academia Rotária de Letras-MG Leste, em Barbacena

No dia 9 de novembro de 1996, há exatos 25 anos, na capital dos Estados Unidos, o tenor espanhol Plácido Domingo fez sua estreia como diretor artístico da Ópera de Washington. 

Dias antes de seu debut consagrador, na condução de uma das mais prestigiadas casas musicais do mundo, Domingo havia interpretado trechos de "Carmen", de Georges Bizet, no emblemático Metropolitan, em Nova York. Mas seu coração e sua magnífica voz estavam reservados para um momento ainda maior... 

A obra que o grande tenor escolheu para marcar o início da empreitada como diretor artístico de um grandioso centro cultural poderia ser de qualquer um dos mestres europeus do gênero, mas para a surpresa geral a ópera "Il Guarany", do brasileiro Carlos Gomes, com o próprio tenor espanhol no papel do índio Peri e a direção do cineasta alemão Werner Herzog foi a escolhida. Sinal de que os planos de Plácido eram ambiciosos e um deles era, pela primeira vez no século passado, tirar do silêncio e do esquecimento a partitura original escrita por Gomes em 1870. 

Naquela temporada, a "Revista da Ópera de Washington", em texto, Mary Jane Phillips-Matz, diretora do Instituto Americano dos Estudos sobre Verdi, na Universidade de Nova York, chamava o compositor brasileiro de "gênio" e dizia que ele poderia ser considerado um legítimo herdeiro de Giuseppe Verdi, tido por muitos como o maior compositor de óperas de todos os tempos. 

Foi emblemático que em 1996, uma instituição cultural norte-americana e um grande intérprete europeu rendessem a um artista sul-americano uma justa homenagem no centenário de sua morte. Gênio, sucessor de Verdi, gravado por lendas como Caruso e Francesco Marconi, Antônio Carlos Gomes, fez e faz o mundo se render ante ao seu talento, mas tal como um triste registro destes tempos, segue relegado ao quase esquecimento, senão ao desconhecimento de boa parcela de seus compatriotas. 

Se de Antônio Carlos Gomes o mundo fala e o Brasil se cala, melhor então falar do Nhô Tonico, campineiro, filho do mulato Maneco Músico. O Tonico que saiu em lombo de burro do interior do estado de São Paulo, para tentar a vida na capital, a exemplo da maioria dos outros Tonicos brasileiros. 

O Tonico sonhador que, se dependesse de estado, escola e diploma estaria fadado ao fracasso ou ao destino singelo destinado aos despossuídos do poder econômico e do protagonismo social. 

Até hoje, quando os Tonicos pagadores de impostos que nada retornam para suas vidas operárias ligam o rádio e ouvem: “em Brasília são dezenove horas”, logo após, escutam os acordes de uma música que todos conhecem, mas quase ninguém sabe o nome... tampouco quem seria o autor. 

Muitos Tonicos e Tonicas das antigas já ouviram cantores populares como Agnaldo Timóteo ou Francisco Petrônio cantarem: “Tão longe, de mim distante, / onde irá, onde irá teu pensamento...” mas nem de longe sabem da história de amor do caipira campineiro e a jovem musa Ambrosina a quem a modinha foi dedicada... 

Ainda que não saibam nada sobre Tonico, ou o Maestro Carlos Gomes, quantos brasileiros e brasileiras não se encantariam com uma história de vida tão parecida como a da maioria dos mortais: nela cabendo os dramas da luta contra a pobreza, os descaminhos da vida, as linhas tênues que separam o triunfo da tragédia, as esperanças do desalento. A exaltação e o silêncio ! 

Por isso, esqueçamos Carlos Gomes, afinal, ele hoje pertence ao Scala de Milão, ao Metropolitan, de Nova York, ao Royal Opera House, de Londres, e coloquemos sentido na vida do Tonico de Campinas. Talvez ele, no seu trajeto humano, nos diga mais ao coração do que a triunfante mística de um grande gênio da música... 

Afinal, nós latinos temos predominante inclinação para o drama, a aventura, os crimes de sangue, preferimos plebeus a imperadores, louvamos a comoção pelos triunfos rocambolescos e os fracassos retumbantes. Gostamos de Escolas de Samba, de brilhos, lantejoulas e carros alegóricos. De enredos e alegorias, de novelas açucaradas, de apresentadores de auditório, de farsantes e ilusionistas, de amores desfeitos, do sofrimento agônico dos traídos e abandonados. Na verdade, sem saber, nós os brasileiros adoramos ÓPERA, mas pouco ou nada sabemos sobre Tonico, cuja sina é um libreto que a vida real escreveu... Tal qual um “dramma per musica”, a cortina se abre e soa a introdução de uma ópera em quatro atos: 
O ano é 1836. É mês de julho e faz frio em Campinas, no interior de São Paulo, nos cafundós do Brasil. No casarão da Rua da Matriz Nova, nasce o menino Antônio Carlos, filho legítimo de Manuel José Gomes com sua segunda mulher Fabiana Maria. 
 
Na família numerosa e ruidosa do menino tem de tudo: relojoeiros, agricultores, marceneiros, encadernadores, farmacêuticos, rabequistas, trombonistas, flautistas e até dois padres. Seus ancestrais, quatrocentões eram espanhóis, e assinavam Gomez. O bisavô, Dom Antônio Gomez, fora bandeirante e casara-se com a filha de um cacique. Provavelmente laçada na selva como é o clichê que explica a maioria das ligações carnais e parentais entre indígenas e colonizadores europeus dos sertões brasileiros. 
 
O pai do menino Tonico, Manuel, em seu registro de batismo, aparece como pardo, filho de Antônia Maria. Não consta o nome do avô paterno... A avó era agregada em um engenho na vila da Parnaíba. Em 1799, Manuel ainda criança, passa a aprender música com o padre José Pedroso de Morais Lara, mestre-de-capela daquela vila e proprietário de vastas extensões de terra. Além das primeiras letras, é com o Padre que Manuel aprende os rudimentos da música, arte que definiria o seu destino e o destino da maioria de seus filhos. Em especial do ainda inocente Toniquinho, que terá oito irmãos, sendo apenas um da mesma mãe. 
 
Quando se mudou para Campinas, em 1815, o tal Manuel virou “Maneco Músico”, apelido vindo do principal ofício. Se a música lhe não rendia tanto dinheiro, dava ao mulato talentoso algum destaque social, tanto que documentos da Câmara Municipal de Campinas registram seu nome entre outras 92 pessoas “gradas” signatárias de uma carta em apoio a Dom Pedro I e à Independência do Brasil. 
 
Maneco e Fabiana Maria, a segunda esposa, fazem certa fortuna e mais filhos. A família mantém uma casa comercial que no mesmo local abriga uma loja e oficina de instrumentos musicais e um cartório. A rotina da vida, os intensos compromissos do marido nas apresentações musicais e a prole crescente não permitem dizer se o casal era feliz ou não... 
 
 
 
Entre arvoredos e matagais do Jurumbeval, em Campinas, no dia 25 de julho de 1844, o corpo de Nhá Biana, cravejado de balas e punhaladas é encontrado mergulhado em sangue e mistério... A jovem mulher fora assassinada sem que ninguém apresentasse qualquer motivo aparente ou um suspeito digno de investigação. Maneco, o marido não estava em casa naquela noite... alegou que jogava cartas entre amigos. Tonico tinha apenas oito anos de idade e já exercia a humilde função de tocar “ferrinhos” (triângulo) na Orquestra e Banda Campineira junto com seu irmão Juca, então com 10 anos, mas já reconhecido como um exímio clarinetista. 
 
Tão pequeninos, os músicos órfãos de mãe, surpreenderam até o Imperador Pedro II em sua primeira visita a Campinas, quando a bandinha do Maneco se apresentou diante da família imperial. Esta não seria a única vez que Pedro II cruzaria a vida do Toniquinho... 
 
 
 
O mascate e joalheiro Henrique Levy ao aportar em terras campineiras e se aproximar da família Gomes, por afinidades musicais, logo percebeu que a jóia da família era o Tonico, já a esta altura, cansado de executar apenas música sacra em capelas e ofícios religiosos. Levy fala para o menino das grandes Casas de Ópera do mundo e os concertos que ocorrem na Corte. Chega a tentar levar o garoto para o Rio de Janeiro, mas é impedido pelo pai que não quer que seu elenco de músicos fique desfalcado. 
 
Mas é com o fiel irmão de sangue e artes, Juca Santana Gomes, que Tonico vai para São Paulo onde amadurece musicalmente. No entanto, a Corte é seu maior objetivo e valendo-se da distância, apesar do rígido controle do pai, foge em lombo de burro para Santos onde segue a bordo do vapor Piratininga navegando no sonho de se tornar um mestre da música. Ressoando o ambiente do Romantismo reinante, teria dito solenemente ao empreender a clandestina viagem: "Só voltarei coroado de glória ou voltarão apenas meus ossos!
 
Tonico chega ao Rio de Janeiro com os bolsos vazios e uma carta de recomendação que poderia ser um passaporte para o Paço de São Cristóvão e talvez o bondoso coração de D. Pedro II. 
 
Mas na rua da amargura, Tonico mora de favor na casa de uma família amiga e, enquanto não consegue as mercês do Imperador para ingressar no Conservatório Nacional, tenta reconstruir a amizade com o pai que se sentiu traído, depois da fuga para São Paulo sem falar com a família... 
 
Como todo dramalhão romântico, digno de uma ária cantada entre lágrimas e soluços, Tonico manda uma carta pedindo perdão ao pai que, comovido com a sinceridade do rapaz, não só o perdoa como passa a enviar uma ajuda financeira para o sustento do estudante nos tempos de Conservatório. 
 
Apresentado ao Imperador, por intermédio da Condessa do Barral, Tonico cai nas graças do monarca-mecenas e este o entrega a Francisco Manuel da Silva, diretor do Conservatório de Música da Corte. Ali, Joaquim Giannini, famoso musicista italiano, se encarrega de dar conhecimentos mais sólidos ao talentoso caipira paulista. No final do curso, como um batismo de fogo, uma peça do compositor iniciante é apresentada no Rio de Janeiro. 
 
Na data da estreia sonhada, como em mais um lance dramático, o jovem adoece com febre amarela. Incapaz de comparecer aos ensaios deixa a seu mestre o encargo da regência. 
 
Porém, na noite de sua inglória formatura, febril e tomado de vertigens, Tonico se arrasta do leito até o teatro, toma do professor a batuta e rege sua composição até desfalecer exausto diante de todos, mas triunfante. 
 
Depois dessa noite as cortinas nunca mais se fechariam para ele sem antes uma explosão de aplausos de bravos ecoar por toda parte! 
 
 
 
Poderia ter sido numa livraria do Rio de Janeiro, ou em divagações sobre seu país, ainda selvagem aos olhos do mundo exterior, mas foi na Piazza del Duomo, em Milão que Tonico ouviu gritar: 
- “Il Guarani! Il Guarani! Storia interessante dei selvaggi del Brasile!
 
Um menino pobre como ele fora tempos atrás, vendia na praça um livreto com a tradução italiana da obra de seu compatriota, José de Alencar, sobre o índio Guarani Peri e seu amor impossível por Cecília... Ali nascia o conceito da Ópera “O Guarani”, que seria a assinatura definitiva de Tonico na cena lírica internacional. 
 
A esta altura, depois de ser mandado à Europa às expensas do Império Brasileiro e logo conquistado o meio musical italiano com seu talento, o promissor artista brasileiro já se acostuma a ser o centro das atenções. Como um pop star contemporâneo era reconhecido nas ruas e seu visual era digno do que viria a ser a imagem de artistas como os Beatles e os hippies de Woodstock. Sua vasta cabeleira gerava suspiros femininos e reconhecimento imediato onde quer que fosse. 
 
Na Itália era chamado “cabeça de leão” ou o “selvagem”! 
 
Fazer ecoar sua música no Teatro Alla Scala de Milão exigiu mais do que qualidade musical. Com investimentos próprios e graças mais uma vez à mão aberta do Imperador e à eterna parceria do seu irmão Santana Gomes, a obra ressoou no templo da ópera, a princípio não lhe rendendo dinheiro, mas o prestígio que lhe conduziria às sendas do estrelato. 
 
Com “Salvador Rosa”, drama lírico em quatro atos e libreto de Antônio Ghislanzoni, baseado no romance de Massanielo de Mierecourt, o “selvagem” brasileiro amealha fortuna, supera o fracasso da ópera anterior, Fosca, e prova que veio para ficar na grande música de seu tempo. 
 
Festas, luxo e ostentação fazem Tonico erguer seu castelo de cartas napolitano em Lecco, nos Alpes. Na Itália também encontra o amor da pianista Adelina Conte Peri. Oito anos e cinco filhos depois, sendo dois perdidos em tenra idade, os ventos da vida e dos infortúnios começam a demolir seu castelo... A vida exorbitada em luxos esvazia-lhe os bolsos e o coração... A mansão alpina, a paixão por barcos, a morte de mais um filho, o vício no álcool e no ópio, a dissolução do casamento em tramas de ciúmes e suspeita de traições, culminam na tragédia de Maria Tudor, a sexta ópera, que mesmo baseada na grande obra de Victor Hugo, se torna um fracasso de público e crítica, refreando a ascendente carreira de Tonico na Itália. 
 
 
Incapaz de manter sua amada “Villa Brasilia”, sem a esposa e filhos, sem mais despertar tanto interesse das plateias italianas, Tonico retorna ao Brasil. Um Brasil diferente, sem a figura de seu amigo Imperador, um país agora republicano, militarizado e positivista. 
 
O vício do tabagismo consome a saúde e na ponta da piteira chamada “Virgínia” queima seus últimos anos de vitalidade. Um câncer na língua o impede até de falar. Ambicionando ser o diretor do Conservatório de Música, do agora Distrito Federal, vê suas esperanças diminuírem com a pouca atenção dispensada pelos novos governantes. 
 
Resta-lhe a oferta de Lauro Sodré, então governador do Pará, que a pretexto de organizar o Conservatório de Belém, garante ao velho Nhô Tonico um emprego digno. 
 
Pela derradeira vez, volta para a Itália, a fim de pôr em ordem suas coisas, despedir-se dos filhos e reunir elementos para uma obra grandiosa que, apesar de seu estado, sempre mais grave, ainda conseguiu realizar. Amigos sugerem uma temporada na estação termal de Salsomaggiore, mas ele segue para Lisboa, Portugal, onde a 8 de abril de 1895, sofre a primeira intervenção cirúrgica na língua, sem resultados. Embarca, no vapor Óbidos, para o Brasil. De passagem pela ilha do Funchal, reencontra seu amigo e antigo incentivador André Rebouças, um dos muitos exilados da monarquia extinta e símbolo de um tempo findo para ambos. 
 
Em Belém, tenta retomar a carreira, mas tomba pela doença agravada. Diante de seu estado, o governo de São Paulo autoriza uma pensão mensal de dois contos de réis enquanto viver. 
 
Por fim, despede-se da vida em 16 de setembro de 1896. 
 
Seus despojos voltam anos depois para a terra natal, Campinas onde é erguido um monumento funerário na Praça Antônio Pompeu. A pedra fundamental do mausoléu foi lançada em 1906, por outro brasileiro de fama internacional, Santos Dumont, dando-nos a dimensão da importância do artista na história brasileira e sua estatura mundial. 
 
Assim, o Nhô Tonico de Campinas, se tornou Antônio Carlos Gomes, cidadão do mundo e um dos artistas latinos mais respeitados no Ocidente. 
 
Mais do que sua verve artística, a coragem e disposição para a vida o fizeram grande, tanto que a Giuseppe Verdi é atribuído o maior e mais franco elogio para o brasileiro que encantou o mundo com sua música: 
Questo giovane comincia dove finisco io!
 
 

* Edson Brandão é historiador, membro da Academia Barbacenense de Letras, cadeira nº 32, Membro fundador da Academia Brasileira Rotária de Letras, MG-Leste, cadeira nº12, membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei. 

 

II. FONTES 

 

https://carlosgomes.campinas.sp.gov.br/historia/vida-de-carlos-gomes 

http://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2016/09/120-anos-da-morte-de-carlos-gomes-sucesso-e-fracasso-na-opera-da-vida.html 

https://www.comciencia.br/maneco-musico-pai-e-mestre-de-carlos-gomes/ 

https://www.otempo.com.br/diversao/magazine/negro-artista-e-injusticado-1.1396446

Colaborador: EDSON Carlo BRANDÃO Silva


EDSON
Carlo BRANDÃO Silva nasceu em Barbacena (MG) no ano de 1967. É desenhista artístico, chargista, caricaturista, designer gráfico, pesquisador de história regional e gestor público. 
Cursou História na Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC, entre os anos 1998 e 2000 e Ciências Sociais pela Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG. 
A partir de 1985, começou a publicar seus trabalhos no jornal carioca O Pasquim.  
Venceu mais de dez edições do Concurso de Desenhos Pasquim/Malt 90 de humor gráfico. Participou e foi premiado em diversos salões de humor no Brasil e exterior: Salão de Humor de Volta Redonda (RJ), Piracicaba (SP), Salvador (BA), Teresina (PI), Gabrovo (Bulgária) e Ancona (Itália). 
Em 1986, foi contratado como chargista, ilustrador e redator do Jornal Cidade de Barbacena, um dos mais antigos jornais mineiros (circulou de 1898 a 1993). Atuou como programador visual de vários espetáculos do renomado grupo teatral Ponto de Partida. 
Fez os projetos do Museu da Loucura (incluindo a revitalização em 2016), Museu Municipal e Casa de Emeric Marcier, todos em Barbacena. 
Foi diretor executivo e posteriormente presidente da Fundação Municipal de Cultura de Barbacena, entre 1993 e 2001. 
Em 2002, foi Secretário Municipal de Comunicação de Barbacena; no mesmo ano foi condecorado com a Medalha Santos Dumont, Grau Prata, pelo Governo do Estado de Minas Gerais por sua relevante contribuição para a cultura de seu estado natal. 
Em 2019, foi agraciado com a ordem do Nascente do Poder Aéreo, Grau Membro Honorário, concedida pela Escola Preparatória de Cadetes do Ar, EPCAR, de Barbacena. Entre 2013 e 2015 foi respectivamente, vice-presidente adjunto, presidente e diretor de cultura e turismo da AGIR-Agência Municipal de Desenvolvimento de Barbacena e Região. 
Produziu a edição do livro Ernst Hasenclever e sua viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, em parceria com a historiadora Débora Bendocchi Alves, pela Fundação João Pinheiro. 
Em 2016, foi o curador da exposição "Marcier - 100", mostra comemorativa do centenário do pintor romeno, Emeric Marcier (1916-1990), no Palácio das Artes, Belo Horizonte, com produção da Fundação Clóvis Salgado e Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais. 
Em 2020, lançou o livro Cores de Barbacena, juntamente com Doorgal Borges de Andrada e Waldir Damasceno, pela Editora C/Arte. 
É membro da Academia Barbacenense de Letras, cadeira 32, membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei. Membro do Rotary Club Barbacena, desde 2012, é Companheiro Paul Harris do ano rotário 2015-2016.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

AS AVENTURAS DE UM BRASILEIRO NASCIDO NA NORUEGA


Por Per Christian Braathen 
 
"O presente livro é de natureza completamente diferente. É uma espécie de autobiografia. Faz muitos anos que estou planejando escrever este livro. É que minha história de vida é verdadeiramente extraordinária. Ao invés de titulado como "as aventuras  de um brasileiro nascido na Noruega", poderia também se chamar: COMO VENCER NA VIDA FAZENDO FORÇA"

 
“No dia 9 de abril de 1940 os alemães invadiram a Noruega e a Dinamarca. A Dinamarca caiu em um único dia, com pouca resistência. Isto porque a Dinamarca é um país pequeno e plano, e impossível de defender diante de uma força militar esmagadoramente superior. 
A Noruega, por outro lado, é um país montanhoso, e lá os alemães tiveram muito mais trabalho, para finalmente subjugar o país. 
Levou vários meses. 
Meu pai, Sverre, era um dos soldados que participou da batalha da Noruega. 
Um detalhe importante e interessante: Meu pai era um soldado veterano, pois fora voluntário na Finlândia, na guerra daquele país contra a então União Soviética, assim como muitos outros noruegueses, dinamarqueses e suecos, que achavam uma grande covardia um país enorme, como a União Soviética, atacar um país pequeno como a Finlândia. 
E olha que deu empate nas duas tentativas da União Soviética tomar a Finlândia. 
De, Oslo, no extremo sul do país, as forças norueguesas foram recuando para o norte, resistindo como podiam, contra as forças alemãs. 
Um detalhe interessante, e que teve profundas implicações na vida do meu pai no Brasil, como veremos mais adiante: Meu pai tinha um treinamento de enfermeiro militar ou seja, era um tipo de paramédico. 
Perto da cidade do Bodø, meu pai foi ferido por estilhaços de granadas. 
 
Mapa da Noruega
 
Foi internado no hospital municipal da cidade, onde minha mãe trabalhava como secretária. Apesar de o hospital ter no teto uma cruz vermelha, indicando que o prédio era um hospital, os aviões alemães bombardearam o hospital. 
O hospital foi sendo destruído, entrando em rápido colapso. As pessoas médicos, enfermeiras, funcionários em geral, e pacientes, foram abandonando o hospital em chamas, aos trancos e barrancos, num clima de salve-se quem puder. 
Meu pai, saindo da enfermaria, encontrou minha mãe, Else, tentando escapar pela escada, a agarrou e carregou-a escadaria abaixo até a saída do prédio, sãos e salvos. 
Uma semana depois estavam casados. 
As coisas acontecem rapidamente na guerra. 
Em 11 de março de 1941, eu nasci. Fruto da guerra. Não tenho motivo, portanto, de ter raiva dos invasores do meu país de origem. Na verdade, talvez eu até deva agradecer a Hitler por eu existir. Após a capitulação da Noruega, a mesma passou a ser um dos países ocupados pelo III Reich. 
Um detalhe interessante: O rei da Noruega, rei Haakon VII, e sua família, conseguiram escapar para a Inglaterra, levando consigo o tesouro nacional (principalmente ouro), onde estabeleceram um governo norueguês provisório. Vários campos de treinamento militar foram criados na Inglaterra e na Escócia, para treinamento militar de noruegueses que conseguiram escapar da Noruega, formando companhias e batalhões de soldados e oficiais noruegueses, que lutaram ao lado das forças aliadas. Além disto, a grande frota comercial de navios noruegueses teve importante papel no transporte marítimo, em grandes comboios, entre os Estados Unidos e a Inglaterra, e entre a Rússia e a Inglaterra. Muitos navios noruegueses foram torpedeados por submarinos alemães com enorme perda de vidas. 
Meus pais me contavam histórias interessantes que vivemos nos primeiros anos da ocupação pelos alemães. Segundo me contaram, eu costumava fugir de casa para visitar os soldados alemães em suas casernas, perto do lugar onde vivíamos, e frequentemente trazia presentes na forma de alimentos, como pão, por exemplo, e meus pais, que bem que precisavam, jogavam no lixo, pois não queriam nenhum favor do inimigo, e falavam para não socializar com os inimigos. Eu tinha 2 a 3 anos de idade. 
Meu pai fazia parte das forças de resistências dos patriotas noruegueses, que infernizavam a vida das forças de ocupação, principalmente por ações de sabotagem. Muitos destes guerrilheiros foram presos e fuzilados. (Tem um filme norueguês que conta parte desta história Max Manus, disponível inclusive na Netflix.) 
Em 1944 meu pai estava na iminência de ser descoberto pela polícia política dos alemães a famigerada Gestapo e a família teve que fugir para a Suécia, que era neutra. Meus pais, eu e meu irmãozinho Jan, com um ano, ou pouco mais, de idade. 
Meus pais me contavam como fora a fuga. Ao nos aproximarmos da fronteira, os alemães quase nos alcançaram e eu me lembro (ou talvez me lembre apenas do que meus pais me contavam), do barulho de tiros e de nossa desesperada corrida para dentro da Suécia. 
Na Suécia nasceu meu irmão caçula, Ola. 
Em 1946 voltamos para a Noruega, e fomos morar na cidade de Trondheim, a terceira maior cidade da Noruega. O que, diga-se de passagem, não quer dizer muita coisa. Tinha na época por volta de 100.000 habitantes e mesmo hoje não é muito maior do que isto. 
Em Trondheim tive uma infância muito feliz. Eu e meus irmãos, Jan e Ela, brincávamos na rua com os nossos amigos todos os dias. 
Íamos passear na floresta vizinha, catando frutas silvestres, tais como o mirtilo, e nas praias, para nadar (verdade!!), no verão, e esquiar nos morros e patinar nos lagos congelados, no inverno. 
Eu com 9-10 anos de idade descia morros abaixo, de esqui, a altas velocidades. Dizem, de brincadeira, que os noruegueses nascem com esquis nas pernas. 
Outra coisa que a gente gostava muito de fazer no inverno: construir casas de gelo. Iglus. Minha mãe, Else, era uma exímia nadadora e me ensinou a nadar quando eu tinha algo como 6-7 anos de idade. Perto da cidade tinha duas praias muito boas e a água, por incrível que pareça, ficava bem quente no verão. Algo como 20 graus centígrados, ou até um pouco mais. 
É importante salientar que o clima na Noruega é bem mais ameno do que faz crer a sua posição geográfica. Isto é devido ao fato de que na costa da Noruega passa a corrente do golfo do México. 
No verão a gente gostava também de construir tendas de índios, e brincar de índios e mocinhos na floresta. 
Perto de uma das praias tinha um aeroporto construído pelos alemães. E bem perto de casa tinha um cemitério de aviões. Muitos, mas muitos, aviões, que tinham sido abatidos em combates aéreos durante a guerra. 
Destas carcaças, a gente retirava mangueiras, pedaços de alumínio, e outros materiais, para usarmos em nossas brincadeiras. 
Tudo isto está bem claro na minha já desgastada lembrança. 
Também lembro que desde cedo eu virei um devorador de livros, sem dúvida influenciado por meus pais, também ávidos leitores, embora tanto meu pai quanto minha mãe tivessem apenas o ensino médio. Mas a nossa casa tinha estantes cheias de livros. 
Com 9-10 anos de idade eu vivia na biblioteca municipal, lendo livros de adultos, tais como biografias dos exploradores árticos, e heróis noruegueses, Fridjof Nansen e Roald Amundsen (o primeiro a chegar ao polo sul em 1912). 
O hábito da leitura nunca me abandonou, havendo ocasiões em que me encontro lendo três livros ao mesmo tempo, um em português, outro em norueguês e outro em inglês. Entrei na escola primária aos sete anos. Idade normal na Noruega naquela época. Não existiam ainda pré-escolas. 
Estudei na "Trondheim Folkeskole" (escola pública de Trondheim). Lembro que, entre outras matérias, tínhamos aulas práticas de marcenaria. 
O povo norueguês é muito patriótico. A comemoração do dia nacional 17 de maio, dia da consolidação da constituição do país, é uma grande festa cívica, quando as crianças das escolas continuem importante componente dos desfiles nas ruas das cidades, todos portando bandeiras do país. 
Em Trondheim meu pai trabalhava numa oficina de carros, e completava a sua renda comprando e vendendo carros usados. A gente sempre tinha um carro diferente, entre uma venda e outra. (...) 
 
Além de trabalhar com compra e venda de automóveis, e numa oficina, meu pai era certificado como perito de tráfego, chamado sempre que acontecia um acidente de trânsito. (...) 
 
Outra lembrança marcante da minha infância na Noruega era o racionamento de alimentos que existia nos anos pós-guerra. Uma das consequências disto era que apenas na época das festas natalinas, devido a problemas de balança comercial, é que os noruegueses podiam comprar laranjas e bananas, importados, principalmente, da Espanha. 
A chegada destas iguarias era aguardada com muita ansiedade. 
Em 1953 meu pai resolveu emigrar para o Brasil. Nunca soube por que motivo. É difícil imaginar um, tendo em vista que apesar dos problemas criados pela guerra, e pela ocupação nazista, não havia grandes problemas sociais e econômicos na Noruega, mesmo tendo passado por uma ocupação desgastante. 
Só sei de uma coisa: Foi a maior besteira que meu pai fez na vida. Muito pouco deu certo para ele no Brasil, fato que afetou toda nossa família profunda e dramaticamente, como veremos adiante. 
Meu pai viajou antes do resto da família para acertar emprego e residência. Foi num navio norueguês. Minha mãe, eu e meus dois irmãos viajamos alguns meses depois. (...) 
 
Inicialmente fomos morar de favor na casa do patrão do meu pai, Didrik Sonstervold, um compatriota, no edifício Moema em Niterói. 
A família toda dois adultos e três crianças num só quarto. 
A firma onde meu pai trabalhava chamava-se Fornecedora a Navios Dick, W. Dyb, uma firma norueguesa, que fornecia tudo para navios. Alimentos, ferramentas e outros utensílios. 
A firma trabalhava quase que exclusivamente com navios noruegueses. Na época, a Noruega, apesar de ter apenas 3 milhões e pouco de habitantes (na época, hoje um pouco mais) tinha a terceira maior frota comercial do mundo e entrava no porto do Rio de Janeiro uma média de um navio norueguês por dia.”
(Capítulo 2: Da Noruega para o Brasil - Algumas lembranças

Fonte: BRAATHEN, Per Christian: As Aventuras de um Brasileiro nascido na Noruega, 2017, edição do autor, pp. 19-30

 

Colaborador: PER CHRISTIAN BRAATHEN

“Meu nome é Per Christian Braathen, e nasci na Noruega, no dia 11 de março de 1941. 
Minha família se mudou para o Brasil em 1953, quando eu tinha 12 anos de idade. 
Meu pai Sverre Olavus Braathen, minha mãe Else Braathen (née Else Wagaaness), eu e meus dois irmãos Jan Sverre (irmão do meio) e Ola, o caçula. 
Fomos morar em Niterói, na época capital do Estado do Rio de Janeiro, pois a cidade do Rio de Janeiro era ainda a capital da nação. 
Embora seja apenas um detalhe burocrático, me naturalizei brasileiro apenas em 1982. Apenas um detalhe, pois já me considerava brasileiro, fazia muito tempo. 
Muitos de meus amigos me dizem que sou mais brasileiro que muitos brasileiros natos. Tem certo sentido. Cada vez que ouço (e canto) o hino nacional me vêm lágrimas aos olhos, e os pelos se arrepiam nos meus braços. 
Amo o meu país: Brasil. 
Minha esposa Hermínia (Honey) briga comigo quando num jogo de futebol da Noruega contra o Brasil (raro, mas já aconteceu), eu torço pelo Brasil. Ela acha que, pelo fato de ter nascido na Noruega, eu tinha que torcer por meu país de origem. 
Não, digo eu, sou brasileiro. Torço pelo Brasil. 
Vou mais longe: Qualquer clube de futebol brasileiro jogando contra qualquer time estrangeiro, eu torço pelo clube brasileiro. Seja Flamengo, Corinthians, Cruzeiro, Atlético Mineiro. Qualquer um. 
Tenho muito amigos, cruzeirenses, por exemplo, que jamais torceriam pelo Atlético Mineiro, contra, por exemplo, o Barcelona, num campeonato mundial de clubes. 
Eu sempre falo: Aquele time que está lá em Tóquio representa o Brasil. Qualquer um. 
Tenho até colegas, e amigos, que torcem até contra a seleção brasileira. Para mim isto é inacreditável. É inaceitável. 
Mas, dito isto, eu aqui manifesto o meu protesto:
 
QUERO MEU PAÍS DE VOLTA!!! 
 
Infelizmente, hoje em dia, o nosso país está na mão de bandidos. Dos pequenos aos grandes. 
Balas perdidas morte de inocentes. 
Caixas eletrônicas explodidas com dinamite. 
Bandidos armados com armas de guerra. 
Cargas roubadas com violência e sequestros de motoristas. 
Carros fortes assaltados com armas pesadas de guerra e destruídos com dinamite. 
Pessoas assassinadas, como se a vida não valesse nada. Balas perdidas mortes de inocentes, frequentemente crianças. (...) 
 
Quando escrevo que eu quero meu país de volta, quero dizer com isto que já foi melhor do que hoje? Em termos de criminalidade, sim. Hoje o país é muito mais violento do que, digamos, nas décadas de 50, 60 e 70 do século passado. 
No início dos anos 60 eu morava, por um curto período de tempo, no escritório dos empresários portugueses Eduardo e Adriano, na Lapa, que tinham uma empresa de lavanderia para navios. Também dormia lá um funcionário deles, (esqueço o nome), que era o que tinha a chave. Para entrar, eu tocava a campainha e ele me deixava entrar. 
Mas, às vezes, ele ia para a farra e eu ficava na rua. Eu ia então dormir num banco de praça na Cinelândia. Nunca fui incomodado. 
Tinha bandidos no Rio de Janeiro naquela época? Sem dúvida, mas numa proporção muito menor. Traficantes com armas de guerra e mortes de inocentes por balas perdidas, guerra entre gangues e guerra entre traficantes e polícia, nunca se ouvira falar. 
Um dos motivos, obviamente, era que tinha muito menos comércio e uso de drogas pesadas, como cocaína e crack, que aumentou enormemente nas últimas décadas. 
A violência no Rio de Janeiro, e no país como um todo, cresceu exponencialmente, e hoje está intolerável e, claramente, o poder público não está fazendo uma de suas obrigações constitucionais, que é o de garantir segurança para a sua população. Além de saúde e educação de qualidade. (...)”
 
Quanto ao outro título possível para seu livro, "Como vencer na vida fazendo força", comentou: 
“Ao pensar sobre até onde consegui chegar, em condições muito adversas, às vezes tenho vontade de beliscar o meu braço, para ter certeza de que estou acordado. 
Para dar ao leitor uma ideia preliminar: 
Quando eu casei, aos 22 anos, com minha esposa Hermínia (Honey), minha fiel parceira e escudeira, com quem estou casado faz 55 anos (em 2017), e que sempre me apoiou em tudo, eu tinha uma escolaridade formal equivalente ao que seria, no sistema atual, a 6ª série do ensino fundamental. 
Isto porque, aos 15-16 anos de idade (já muito atrasado nos estudos devido à transferência da Noruega para o Brasil) tive que abandonar a escola e começar a trabalhar. 
Casado, perguntei a mim mesmo que futuro eu teria para oferecer a mim mesmo, minha esposa e filhos (que viriam rapidamente, num total de cinco), a resposta me fez engrenar numa sequência muito intensa de estudos, iniciando com exame supletivo do ensino médio, que completei em 1965, com 24 anos de idade. Logo a seguir, no final do mesmo ano, fiz vestibular para o curso de bacharelado e licenciatura em Química na Universidade do Estado da Guanabara (UEG), hoje Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), entre os anos de 1966 e 1969. Quatro anos depois, mestrado (1973-1976) na Pontifícia Católica do Rio de Janeiro (PUC/TJ), e seis anos depois doutorado (1983-1987), na Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, história esta que será contada nos próximos capítulos. (...) 
 
Desde 1978 moramos em Viçosa (exceto entre 1983 e meados de 1987, quando moramos nos Estados Unidos, onde fiz meu doutorado). 
Por 25 anos fui professor do Departamento de Química da Universidade Federal de Viçosa-UFV, até me aposentar em 2003. 
Mas não parei de trabalhar. Atualmente sou Diretor Acadêmico da União de Ensino Superior de Viçosa UNIVIÇOSA, a maior faculdade particular da região, hoje com aproximadamente 5.000 alunos.
Costumo falar que tenho muito orgulho de ter trabalhado na Universidade Federal de Viçosa, do mesmo modo que tenho muito orgulho de trabalhar na UNIVIÇOSA. Ambas são instituições de excelência. 
Apesar da situação difícil em que se encontra nosso país (espero momentaneamente), afetando principalmente meus filhos, levamos uma vida muito boa aqui em Viçosa, cidade que costumo falar brincando (mas nem tanto) ser o lugar mais próximo do paraíso que existe.”
(Capítulo 1: Um Brasileiro nascido na Noruega

Fonte: BRAATHEN, Per Christian: As Aventuras de um Brasileiro nascido na Noruega, 2017, edição do autor, pp. 11-18

 

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

NA LUZ DO SER: INVESTIGAÇÕES DE ONTOANTROPOLOGIA, POR JOSÉ CIMINO


Por José Cimino 
 
A proposta deste livro é colocar o leitor em contato com uma visão de mundo e de homem assentada sobre fundamentos que a razão postula. Nele, o cosmos e o homem são pensados à luz do ser.

 

Abaixo é apresentada uma síntese das principais teses do livro supracitado através dos seguintes itens: 

1º) A questão do ser e do ente

Na obra, o ser é entendido como sendo o pensamento divino, infinito e infinitamente eficaz, objetivado. É o Absoluto fora de si mesmo. Por isso, um infinito. Não infinito actu, mas um infinito de possibilidades, que se irrompe e se manifesta de infinitos modos. Nessa visão, o ser é causa sui (causa do seu próprio agir). Um agir espontâneo e autocriativo. Ente é o ser revelado na face das coisas. O ser, tal qual é concebido nesta obra, fundamenta todos os problemas nela abordados. Num clima niilista que contamina todo o acontecer histórico da vida contemporânea, é preciso ousar uma ontologia forte, isto é, com fundamento no real. Esse fundamento é o ser. Não um ser abstrato, mas objetivo, que rege o mundo por dentro e que não é uma coisa: o PENSAMENTO DIVINO OBJETIVADO

2º) Concepção de Deus

Deus é concebido como Princípio in-principiado, ser de natureza infinitamente pensante. No pensar, objetiva o próprio pensado. Na obra, faz-se distinção entre ser e Ser. Ser, maiúscula, refere-se a Deus. À luz da ciência contemporânea, sobretudo, da física quântica, passam-se em revista crítica as cinco vias da prova da existência de Deus de Tomás de Aquino, de Leibniz e a prova moral de Kant. 

3º) Conceito de criação

Defende-se a tese de que o universo não pode ter tido um instante zero ou um começo físico e que a criação não pode ser ex nihilo (do nada). A tese desenvolvida a respeito da criação é coerente com a concepção de ser. Faz-se distinção entre começo físico e começo metafisico. Na obra, isso significa: O trânsito do pensamento criador divino para sua objetivação é imediato, simultâneo. Deus é o PRIUS. A objetivação do pensamento criador é o ANTES DE TUDO. Por ser imediato o trânsito do pensamento divino para a sua conseqüente objetivação, diz-se que o criado ou o universo teve um começo metafísico ou não físico. 

4º) Superação das dicotomias: vida-matéria e corpo-espírito

O autor defende o ponto de vista de que a vida não pode advir da não-vida e de que o pensamento não pode advir do não-pensamento. Algo pensantee que não é uma coisarege o mundo por dentro. Há, no cosmos, uma continuidade ôntica, sem saltos. Esse algo, que não é uma coisa, é o ser. O ser humano é entendido como um ser cósmico e uma uni-totalidade-corpo espírito. Por ser também espírito e, por isso, dotado de consciência, enquanto espírito está destinado a sempre existir, a saber: destinado a uma vida eviterna ou para sempre. 

5º) Espaço e tempo

O autor não entende o espaço como sendo um ente. Quanto ao tempo, contrapõe a eternidade à temporaneidade. Distingue o tempo humano, resultante da visão que se tem do devir cósmico e o tempo objetivo, que é o devir criativo do ser, em que não há um antes, por ser fruto da espontaneidade criativa do ser. Nesse particular, seguem-se as pegadas de Schelling. O devir cósmico é a autorrevelação do ser. A ideia daquilo que é o tempo brota do interior da concepção do ser. Na visão do autor, tempo e espaço não são coisas, não são entes. 

6°) Repensando as leis do ser

Coerentemente com a visão metafísica da obra, o autor passa em revista as leis do ser, dando-lhes formulação de acordo com a visão ontológica proposta. À luz do ser, tenta-se refundar a ontologia, restituindo-lhe o fundamento do ser, agora entendido como PENSAMENTO DIVINO OBJETIVADO

7º) Conhecimento sensitivo e intelectivo 

As reflexões em torno de tão complexo problema partem do conhecimento sensitivo. Apresenta-se este, não como simples espelhamento, mas como uma visão exclusivamente humana da realidade. Pergunta-se: em que consiste a verdade do conhecimento sensitivo

A obra anda à procura do radical fundamento do conhecimento. Se o homem, enquanto inteligência não estivesse transcendentemente aberto para o ser, e o ser, enquanto cognoscível, não estivesse aberto para a inteligência, o conhecimento seria impossível. Indaga-se: qual o fundamento dessa recíproca abertura? Por que o ser é cognoscível? Nesta obra, à luz da filosofia do ser, propõe-se não um retorno ao nõus poietikós e ao nõus pathetikós de Aristóteles ou ao intelecto agente e paciente de Tomás de Aquino, nem tão pouco se adota cegamente a postura kantiana das formas a priori. Neste trabalho, apresenta-se a teoria do salto transcendental, isto é, procura-se responder à radical questão: por que, ao se ver esta árvore, de pronto se faz o salto para árvore? Trata-se de problema central da gnosiologia, que só pode encontrar solução a partir do interior da questão do ser

8°) A questão da liberdade 

No capítulo que aborda a questão da liberdade, o autor alarga o horizonte de suas reflexões, demonstrando que no universo tudo depende de tudo ao mesmo tempo em que cada categoria de entes é independente (ou livre) em relação àquelas que lhe são superiores. Ora, se as categorias de entes ao mesmo tempo em que dependem, também independem, significa que em todas elas, obviamente em graus diferentes, há um espaço de agir livre. O autor mergulha no problema, mostrando em que isso consiste. Em que sentido, no cosmos, uma categoria de entes é autárquica (independente) sem nunca ser autárcica (autossuficiente). 

No plano humano, a liberdade é entendida como espontaneidade, no sentido de que o ato livre é causa de si mesmo. Assim como o conhecimento, a questão da liberdade está imbricado no problema do ser. O agir dessa espontaneidade resulta da relação dialética entre a superdeterminação da vontade humana para o BEM e sua relação de indeterminação perante os bens particulares, em sua vida concreta e histórica. A escolha entre isso ou aquilo resulta de um juízo de valor que o sujeito faz. Feita a escolha, ele se autodetermina. Liberdade é relação de indeterminação perante os bens particulares. 

9°) Ética e metafísica 

Por ser o homem consciente e livre, a ele pertence o ordenamento do próprio agir. É um ordenamento moral, porque livre. O ser humano é aquele que, onticamente, está vocacionado para a vida moral. Vocação moral significa: renúncia consciente a uma vida não ética. Vida não ética é a própria negação do ser, que é ordem que ordena. E não se trata de ordem abstrata, mas real e operante: ordo ordinans. No presente trabalho, a questão ética é abordada no horizonte da concepção do ser nele acolhida. 

O agir humano, nas suas relações interpessoais, é a face visível da sua moralidade interior. A dimensão moral e ética de alguém vige no seu interior, mas se torna patente aos olhos de todos através da ação. A ação moral e ética é a exterioridade da moral de foro íntimo e do espírito ético do ser humano.“O homem é aquele que tem um éthos” (Heidegger). Éthos é o como do agir humano. O como do agir é o espaço de sua liberdade. Esse éthos pode ser ou conforme a ordem que ordena ou disforme com ela, instalando, nas relações interpessoais, a desordem que desordena

10°) Dimensão escatológica do ser humano 

No último capítulo desta obra, desenvolvem-se reflexões sobre a morte, agora entendida como o instante em que se dá o sobrenascimento do homem para outra dimensão fora do espaço e do tempo. O verbo sobrenascer é importado de Guimarães Rosa (1908-1967). “O senhor sobrenasceu lá?” Inspirando-se em Guimarães Rosa, a forma verbal sobrenascer é assumida para designar a passagem de um modo de ser para outro, sobre aquilo que se era e se quis ser. No final de sua vida terrena, o homem sobrenasce sobre aquilo que ele foi e quis ser para outro modo de existência. Sobrenascer, portanto, opõe-se à ideia de que o ser humano possa se anular, como pessoa, no instante do seu passamento. Propõe-se, aí, uma teoria da ressurreição à luz da razão.

 
  

II. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

CIMINO, José: NA LUZ DO SER: Investigações de ontoantropologia, Ubá: Gráfica Multimpresso, 2021, 576 p. 

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

POESIA DE CORDEL "DOSTOIÉVSKI: 200 ANOS"


Por Francisco GUSTAVO de Castro DOURADO
 
Fiódor Dostoiévski (✰ Moscou, 11/11/1821 ✞ São Petersburgo, 09/02/1881) - Crédito: Constantin Shapiro
 

Eis Fiódor Dostoiévski 
A dissecar a alma humana 
Do funesto ao solitário 
De uma realidade insana 
Beleza e humanitismo 
Com uma ação des.umana 
 
Os Irmãos Karamazóv 
Dostoiévski em ação 
Dilemas da humanidade 
Com a mente em ebulição 
O dinheiro que avassala 
Mundos em transformação 
 
Smierdiákov, Raskolnikov 
Em estilo arrevesado 
De compreensão difícil 
O tempo desarticulado 
Entre o tosco e o natural 
Que soa multifacetado 
 
Tem tensão na narrativa 
Com o diálogo cultural 
Há interação no romance 
Tem a dialógica crucial 
O filosófico-religioso 
E o psicológico-social 
 
 Linguagem cheia de vida 
Tem arte, engenhosidade 
O movimento do tempo 
Com pressa e agilidade 
O drama da sobrevivência 
Luta, universalidade 
 
Urdidura inteligente 
E temática universal 
Do Socialismo Utópico 
À dominação do capital 
O sentimento de culpa 
Com os conflitos da moral 
 
 A Rússia dos Karamazóv 
De subversão, filosofia 
O diabo que em pessoa 
Na trama mal se anuncia 
Justiça que cega, incrimina 
Tem bebedeira e orgia 
 
 Do evangélico ao satânico 
Os ecos da duplicidade 
As contradições do ser 
A constante dualidade 
Vai da pureza à heresia 
Conflitos da humanidade 
 
A crítica ao capitalismo 
Com desejos de utopia 
O socialismo distante 
Que o sonho prenuncia 
Contradições, paradoxos 
Que falam na polifonia 
 
Foi Fiódor Dostoiévski 
Romancista-Escritor 
Retratou o povo pobre 
Com o seu gênio criador 
Foi preso e perseguido 
Pelo tirano czar-ditador 
 
"O Idiota" e "Os Possessos" 
Também de "O Jogador" 
"O Duplo", "Crime e Castigo" 
E de "Diário de um Escritor" 
De Irmãos Karamazov 
Dostoievski é grande autor 
 
"Memórias do Subterrâneo" 
"Noites Brancas", "Pobre Gente" 
"Humilhados e Ofendidos" 
A verve de "O Adolescente" 
"Memórias da Casa dos Mortos" 
Dostoievski ferve a mente 
 
Mestre russo do romance 
Leu Vítor Hugo e Cervantes 
Byron, Shakespeare, Homero 
Schiller e Balzac triunfantes 
Leu teatro, mil romances 
Foi de Édipo às Bacantes... 
 
Polifonia romanesca 
A dor e prisão sexual 
Há dicotomia na trama 
A peleja do bem e do mal 
Com a dialética presente 
O romance fundamental

domingo, 14 de novembro de 2021

OS SAPATOS DO PROFESSOR


Por Ernane Reis Gonçalves 
 


Eu engraxei sapatos quando criança, durante um bom tempo. Já contei isso em algumas histórias publicadas e em outras inéditas. 
Sempre que me encontro com o Pedro Cubu, normalmente nas missas na igreja, nós nos lembramos do nosso tempo de engraxate. E comentamos: 
“Engraxei o meu ontem. Engraxei hoje, antes de sair. Escovo o meu, todo dia, para tirar a poeira. Engraxo o meu todo fim de semana.”
 
Recentemente, numa reunião da Academia Divinopolitana de Letras, da qual eu faço parte, recebemos duas visitas: a Rute Pardini, esposa do nosso confrade Francisco José e um rapaz, o Paulo, filho da nossa confreira Aparecida Camargos. 
A Rute é velha conhecida nossa. Grande cantora lírica, já nos encantou várias vezes em reuniões festivas quando canta acompanhada pelo marido, ao piano, em apresentações divinas. 
Terminada a reunião, estávamos no cafezinho, quando o rapaz me pergunta pelo meu nome e se eu fora professor no antigo Colégio Estadual do Porto Velho. 
Antes que eu respondesse, a Rute entra na história: 
– Ô, Paulo ele é o Ernane, que foi nosso professor de Português, no colegial. 
Meu Deus! Eles foram meus alunos entre 1981 e 1989, quando lecionei no antigo Estadual do Porto Velho, hoje a Escola Santo Tomaz de Aquino. Eu fui aluno daquela Casa e, ao me formar professor, lecionei lá, por nove deliciosos anos. 
Meu computador interno buscou dados na minha velha memória. Do rapaz eu não me lembrei. Da Rute eu me lembrava, embora sem muita nitidez, quem sabe por ter-se destacado de alguma forma – capacidade intelectual, esperteza, bagunça na aula, beleza – coisas que destacam alunos e que marcam a nós professores e muito me marcaram nos meus quase quarenta anos de escola, e nos quase sempre quarenta alunos em cada sala de aula. 
Em relação à Rute, ainda acrescia o sobrenome. Pardini. Os donos dos cinemas que nos encantavam, embora eu tenha ido muito pouco a Divinópolis, para assistir a filmes no Popular e no Arte, que eram dos Pardini. 
Eles ainda comentaram: 
– Você ia sempre muito elegante, camisa e calças bem passadas, limpas, bem ajustadas ao corpo.
(Parênteses para lembrar que isso sempre foi façanha da minha mulher. Se não ando mais bem vestido é por desleixo meu, o que a deixa muito contrariada. Ela sempre diz, admoestando: “Você é professor. Precisa se vestir e se portar como professor. Tem de ter postura de professor. Não pode sair esbangoelado por aí.”) 
Paulo ainda acrescentou: 
– Chamavam atenção os seus sapatos. Sempre pretos, sempre brilhantes. Nunca o vimos de sapato sujo, mal engraxado. Podia ser um sapato já bem usado. Mas estava sempre polido. 
Meu Deus! O hábito faz o monge? 
Ainda me lembrei de uma servente escolar, também lá do antigo Estadual, que comentara sobre os meus sapatos. A mesma observação: 
“Podem ser já bem usados, mas estão sempre limpos.” 
Eu fora engraxate e gostava do que fazia. Eu mantinha – e mantenho, em casa – graxa e escova e, sempre que posso, limpo os sapatos. Raramente uso tênis e só com muito calor, sandálias. Chinelo, só em casa. 
Engraxando sapatos...
 
Fiquei muito feliz de ter reencontrado dois ex-alunos, trinta anos depois. Fiquei lisonjeado pela observação deles, em relação à minha postura como professor. 
E rapidamente me olhei. Eu estava medianamente bem vestido. Camisa de malha, de mangas curtas, bem fresca; calças pretas de tergal, claro, limpas. 
Lamentavelmente, naquele dia, naquela reunião na sede da Academia Divinopolitana de Letras, em Divinópolis, por causa do calor intenso, eu estava de sandálias, que eu nunca tinha usado nas reuniões que reputo pomposas e sérias. 
Por alguma razão minha esposa Fátima não me vira sair de casa, ou não me teria deixado ir de sandálias. 
E minhas sandálias eram velhas e estavam sujas. 
É claro que a Rute e o Paulo devem ter olhado meus pés mal calçados. 
O pavão é uma das aves mais lindas. 
O pavão tem os pés muito feios. 
Guardadas as proporções, entendi o que deve sentir um pavão. 
 
Ernane Reis Gonçalves
Da Academia Divinopolitana de Letras
Cadeira nº 31 - Patrono: João Dornas Filho

Colaborador: ERNANE REIS GONÇALVES


Por Francisco José dos Santos Braga
 
Crédito: Jornal Boca da Mata, Carmo do Cajuru-MG
 
 
ERNANE REIS GONÇALVES é natural de Carmo do Cajuru, MG, onde nasceu em 01 de maio de 1950. Reside atualmente em Carmo do Cajuru e é casado com Maria de Fátima Melo Gonçalves, tendo três filhos: Daniel, Samuel e Débora e quatro netos: João Vitor, Gabriel, Luís e Júlia. É professor aposentado estadual de português. Atualmente participa da Diretoria,  na qualidade de Secretário, da ADL-Academia Divinopolitana de Letras, onde também  é ocupante da Cadeira nº 31, cujo patrono é João Dornas Filho.
 
ATIVIDADE PROFISSIONAL
Ernane lecionou na Escola Estadual Professor Cláudio Brandão, sediada no bairro de Barreiro-BH, de 1994 a 2010 como professor de língua portuguesa. Foi diretor da mesma escola, de 1998 a 2004.
Link: http://eepclaudiobrandao.blogspot.com/2010/11/tarde-de-autografos-com-ernane-ernane.html

FORMAÇÃO ACADÊMICA
Possui graduação em Letras pelo Instituto de Ensino Superior e Pesquisa (1969-1972). Possui extensão universitária em Pós-graduação em Linguagem e Tecnologia (carga horária: 360h), Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, CEFET/MG, Brasil.

PRODUÇÃO LITERÁRIA
Livros de contos: 
1) Bisavô e outras histórias, Divinópolis: Editora Sidil Ltda, 2001, 162 p.
2) O rio que não passa & onze contos de reis
Romances: Ana (2006) e A Clareira (2019)
Livro de crônicas: Filho da Mãe
Livro de poesia: Apelo
Tem muitas obras inéditas, inclusive poemas.
 



 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PREMIAÇÃO EM CONCURSOS
1998: 1º colocado no Concurso de Contos da CPLP, Instituto Camões - Lisboa, Portugal, com o seu livro Bisavô e outras histórias.
Link: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq09079811.htm

1986: vencedor de concurso a nível estadual com o conto "Mandíbulas", onde conquistou o 3º lugar.



quinta-feira, 11 de novembro de 2021

O LIVRO DAS REVELAÇÕES, POR DR. DIÓGENES DA CUNHA LIMA


Por Francisco José dos Santos Braga
 
O Livro das Revelações: matrizes do afeto - o pensamento vivo de escritores, 2013, 357 p.

 
I. INTRODUÇÃO 
 
 
O escritor potiguar Dr. Diógenes da Cunha Lima descobriu um jeito criativo de apresentar uma pesquisa excelentemente conduzida com padrões científicos, o que o torna autor de uma obra sui generis. Refiro-me a "O Livro das Revelações: matrizes do afeto - o pensamento vivo de escritores", obra lançada em 2013. O que seu trabalho tem de inovador, despertando permanente interesse da parte do seu leitor? 
Inicialmente, o Prefácio da obra impressiona pelo seu ineditismo no campo literário entre nós, ao anunciar a utilização de um antigo jogo de salão (parlor game), um questionário à guisa de teste de personalidade, através do qual podemos avaliar as aptidões, o caráter e as aspirações de alguém. 
 
 
II. PREFÁCIO 
 
Marcel Proust, um dos maiores escritores da história da literatura, ficou célebre por sua obra Em busca do tempo perdido, publicada em sete volumes, três deles após sua morte, em 1922. Quando ainda era um adolescente, o jovem escritor estava na festa de uma prima, Antoinette, e foi convidado a preencher um questionário bastante popular à época, principalmente entre as famílias da Inglaterra vitoriana, onde surgiu com o nome "Confessions" ("Confissões"). Era uma modinha, como se diz, uma brincadeira, típica dos jogos de salão da refinada Belle Époque, servindo para criar assuntos e animar as festas. As respostas do gênio da literatura francesa tornaram o modelo de questionário tão famoso que foi rebatizado com o seu nome e virou uma espécie de padrão para muitas entrevistas jornalísticas até os dias de hoje. 
Além do aspecto intelectual, o Questionário Proust é, antes de mais nada, uma divertida brincadeira. São 18 perguntas que devem ser respondidas espontaneamente, sem muito pensar, como um passatempo, permitindo que as respostas sejam reveladoras e, até, surpreendentes. Poetas como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e muitos outros escritores de todo o planeta também já responderam a esse questionário. 
Inspirando-me em Proust, criei novas perguntas e convidei escritores amigos para respondê-las. É a chamada "hora da verdade". Mas também a hora da amizade, de compartilhar com eles e agora com vocês, leitores a variedade das respostas, as coincidências, o que temos em comum, mesmo nas infinitas diferenças de como enxergamos o mundo.
Diógenes da Cunha Lima
 
A sua amostragem para aplicar o questionário foi outro tópico curioso de ser mencionado. A população consistiu apenas de escritores e a amostra cobriu 23 "amigos" escritores entre os milhares de escritores brasileiros conhecidos. Ao invés das 18 perguntas do Questionário Proust, Dr. Diógenes, expandiu o teste para 70 quesitos, possibilitando uma maior abrangência do "jogo".
Foi assim que convidou para o seu estudo os seguintes participantes do "jogo": Anna Maria Cascudo Barreto, Antonio da Cunha Pessoa, Antonio Nahud Junior, Ático Vilas-Boas da Mota, Constância Lima Duarte, Cyro de Mattos, Edson Nery da Fonseca, Ivan Lira de Carvalho, Ives Gandra, Ivo Barroso, José Inácio Vieira de Melo, José Paulo Cavalcanti Filho, Kerubino Procópio, Manoel Onofre Junior, Marco Lucchesi, Murilo Melo Filho, Nadia Costa, Nei Leandro de Castro, Nilson Patriota, Paulo de Tarso Correia de Melo, Pedro Vicente Sobrinho, Sílvio Caldas e Sônia Maria Fernandes Ferreira.
 
Devo dizer inicialmente que tomei conhecimento do Livro das Revelações, ao procurar na Internet informações sobre um amigo comum, Dr. Ático Vilas-Boas da Mota, sobre quem estava escrevendo um artigo intitulado “Brasil e Romênia: pontes culturais”, tomando-lhe o título de um de seus livros, de 2010. Dr. Ático, como sabemos, era diplomado em Letras Neolatinas, com doutorado em Filologia Românica. De seu currículo retiro suas principais ocupações: ilustre linguista, professor universitário, folclorista, tradutor e historiador. Tive a sorte de localizar o livro de Dr. Diógenes da Cunha Lima, em que Dr. Ático teve importante participação como entrevistado. Com a autorização do autor Dr. Diógenes da Cunha Lima, tomei apenas o texto do grande estudioso do romeno entre nós respondendo às perguntas do entrevistador, o que possibilitará ao leitor conhecer um pouco mais das preferências, da elegância, do bom gosto e das qualidades do caráter do estimado e saudoso Dr. Ático. 
 
Tanto o autor do questionário e do livro, quanto eu, modesto admirador do Dr. Diógenes e do saudoso Dr. Ático, esperamos, com esse gesto generoso por parte do autor, divulgar as benemerências, filantropia e virtudes cívicas do grande estudioso do romeno e do folclore em nosso País e na Romênia.
 
 
III. SOBRE A PESQUISA DE DR. DIÓGENES DA CUNHA LIMA 
 
Os pesquisadores podem usar uma variedade de técnicas para coleta de dados. Claro que a pesquisa em questão exigiu que o pesquisador Dr. Diógenes tivesse que contar em alto grau com sua coleta de dados qualitativos.
O método utilizado foi o da entrevista semi-estruturada, ou seja, aquela que consiste em um modelo de entrevista flexível, que possui um roteiro prévio, mas abre espaço para que o entrevistado responda eventualmente fora do que havia sido planejado. 
In casu, o entrevistador habilmente utiliza perguntas abertas, que estimulam a reflexão, resultam em respostas completas e, por isso, exigem do entrevistado um pouco do seu tempo para responder a elas. O entrevistador hábil, como é o caso aqui, neste tipo de entrevista, estimula o entrevistado a refletir sobre o assunto, expor e explicar quais são os problemas que enfrenta, levando-o quase a se esquecer de estar respondendo a um questionário. 
É óbvio que o entrevistador, com suas perguntas abertas e utilizando o método da entrevista semi-estruturada, não pretendeu obter respostas definitivas; antes, essas se originaram de um genuíno interesse do entrevistador em entender a experiência dos entrevistados e qual significado tinha para estes aquela sua experiência acumulada. Neste caso, pode-se dizer que "a entrevista é a melhor linha de pesquisa" [SEIDMAN, 1998, p. 3-5] Além disso, essa noção também coincide com a visão de [FERRAROTTI, 1981, p. 19-27]: para melhor entender assuntos educacionais e abstrações sociais, os pesquisadores têm que inquirir quais são as experiências dos indivíduos que constróem o abstrato. Dito de outra forma, é possível compreender abstrações sociais através das experiências dos indivíduos que trabalham ou vivem de algo em que as abstrações são construídas.
 
IV. A ENTREVISTA COM DR. ÁTICO VILAS-BOAS DA MOTA
 
Acadêmico Ático Vilas-Boas da Mota (ex-ocupante da Cadeira VII da Academia de Letras de Brasília) - Crédito: livro "Academia de Letras de Brasília - 30 anos de fundação (1982-2012)" (pp. 38-41)

 
Diógenes da Cunha Lima (DCL): Escrever é ventura ou aventura?  
Ático Vilas-Boas (AVB): Depende do estado de espírito de cada escritor. 
 
DCL: A poesia é útil? 
AVB: Não é apenas útil, mas absolutamente necessária. Ela é catarse, expurgação mental, inefável lazer, sublime arte de fortalecer o nosso mundo interior e fazer de conta que o exterior é sempre bom, bonito ou, pelo menos, digno de ser olhado. 
 
DCL: Fronteira entre poesia e prosa.  
AVB: Pouca diferença entre elas, sobretudo se levarmos em conta que existem poesia e poesia, prosa e prosa. Se ambas forem boas, elas se aproximarão uma da outra, em vez de se afastarem de maneira irreconhecível. 
 
DCL: Livros que ajudaram a sua formação. 
AVB: Bíblia, Dom Quixote, obras de Monteiro Lobato, Imitação de Cristo, O homem medíocre (José Ingenieros), O homem acabado (Papini). 
 
DCL: Autores canônicos favoritos (prosa). 
AVB: Cervantes, Machado de Assis, Humberto de Campos, L. C. Cascudo (Canto de Muro), Alexandre Herculano, Selma Lagerlöf, Panait... 
 
DCL: Autores canônicos favoritos (poesia). 
AVB: Fernando Pessoa, Hermes Fontes, Drummond de Andrade, Guilherme de Almeida, Mário Quintana, Mihai Eminescu, César Vallejo, Vicente Huidobro, Gabriela Mistral, Jacques Prévert, Garcia Lorca, Tudor Arghezi. 
 
DCL: Na ficção, personagens masculinos de sua estima.  
AVB: Brás Cubas, Macunaíma, Lazarillo de Tormes, Raskólnikov (de Crime e Castigo, de Dostoiévski), Dom Quixote. 
 
DCL: Na ficção, personagens femininas de sua estima. 
AVB: Beatriz, Dulcinea del Toboso, Capitu. 
 
DCL: Três palavras bonitas. 
AVB: Amor, saudade e perdão. 
 
DCL: Um verso. 
AVB: “Só os que têm amado e têm sofrido,/ e, quanto mais sofre, mais amado,/ podem mostrar no coração ferido/ o seu altar... o seu apostolado.” (Hermes Fontes) 
 
DCL: Uma canção. 
AVB: “Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel” (canção natalina) 
 
DCL: Um ditado popular. 
AVB: Quem espera por sapato de defunto, morre descalço. 
 
DCL: Um aforismo. 
AVB: “A gratidão é a memória do coração.”
 
DCL: Um filme. 
AVB: A Dama das camélias (George Cukor, 1936) ou Salário do medo (Henri-Georges Clouzot, 1953). 
 
DCL: Compositores favoritos (eruditos e populares). 
AVB: Eruditos: Bach, Enescu, Chopin, Beethoven, Tchaikovsky. Populares: Noel Rosa, Dorival Caymmi. 
 
DCL: Pintores preferidos. 
AVB: Leonardo da Vinci, Brueghel, Renoir, Portinari, Corot. 
 
DCL: O computador mudou sua vida? 
AVB: Não saberia dizer... Sou analfabeto convicto em cibernética e seu derivado: a informática. 
 
DCL: A Internet é também extensão de sua vida? 
AVB: Qual nada! De jeito nenhum, pois sou EXTERNET: trabalho com fichários, livros, catálogos, enciclopédias, etc., como sempre o fiz. Não cultivo a lei do menor esforço, porque ela “emburrece” as pessoas. Além disso, confio mais na constante criatividade humana, tomando como melhor lição a do bicho da seda que sempre soube tirar tudo de si mesmo. Espero muito pouco das apregoadas facilidades digitais. 
 
DCL: Heróis (na vida real). 
AVB: Carlos Chagas, Juscelino Kubitschek, Albert Schweitzer. 
 
DCL: Heroínas (na vida real). 
AVB: Irmã Dulce, Maria Augusta (esposa de Rui Barbosa), Dona Dahlia (esposa de L. C. Cascudo), Madre Teresa de Calcutá, Aida (minha mãe, porque fez tudo para eu estudasse), Alzira (minha esposa, porque me vem aturando há 48 anos). 
 
DCL: Heróis históricos. 
AVB: Decebal (último rei dos geto-dácios, povo trácio que não adotava a escravidão), Antônio Vieira (que defendeu os índios), Santos Dumont (que desafiou a lei da gravidade), Byron (que morreu na Grécia lutando pela libertação desta em relação à dominação turca). 
 
DCL: Destestáveis homens da história. 
AVB: Nero, Herodes, Gengis Khan, Dionísio I (o Antigo), Pizarro, Torquemada, Robespierre, Hitler, Stalin, Idi Amin, Truman (aquele que tomou posse como presidente, colocando a mão sobre a Bíblia, mas foi aquela mesma mão que ordenou o lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki. A fraqueza e a contradição humanas não têm limites!). 
 
DCL: Três cidades encantadoras. 
AVB: Difícil responder, pois, para mim são 33: Macaúbas, Rio de Janeiro, Natal, Buenos Aires, Bucareste, Paris, Goiânia, Petrópolis e Porto Alegre. 
 
DCL: De que país o Brasil poderia auferir qualidades? 
AVB: França e/ou Romênia. 
 
DCL: Árvore admirável. 
AVB: Mangueira. 
 
DCL: Flor preferida. 
AVB: Rosa. 
 
DCL: Pássaro admirado. 
AVB: Sofrê (ou pássaro preto). 
 
DCL: Cor favorita. 
AVB: Azul-celeste. 
 
DCL: Três prenomes favoritos. 
AVB: José, Aida, Ângelo. 
 
DCL: O seu rio. 
AVB: S. Francisco. 
 
DCL: O seu mar a sua praia. 
AVB: Mar Negro, Mamaia. 
 
DCL: Bebida favorita. 
AVB: Água de coco. 
 
DCL: Comida favorita. 
AVB: Moqueca de camarão ou qualquer outra iguaria preparada com esse crustáceo. 
 
DCL: O que mais salienta em um caráter humano? 
AVB: A lealdade em quaisquer circunstâncias. 
 
DCL: Qualidade superior em um homem. 
AVB: Dignidade absoluta. 
 
DCL: Qualidade superior em uma mulher. 
AVB: Ternura sem limites. 
 
DCL: O que mais aprecia em um amigo. 
AVB: Fidelidade. 
 
DCL: O que mais lamenta em um amigo. 
AVB: Deslealdade. 
 
DCL: Melhor a fantasia ou a realidade? 
AVB: A doce fantasia, às vezes, ajuda-nos a suportar ou amenizar amarguras da vida humana. 
 
DCL: Medo a que serve? 
AVB: Apenas para valorizar a coragem. 
 
DCL: Dúvida a que serve? 
AVB: Quando nos sugere uma cadeia de perguntas que nos leva à certeza. 
 
DCL: A morte é vírgula ou ponto final? 
AVB: Nada disso! Apenas dois pontos, pois nos apontam outra encarnação. Aliás, três terços da humanidade são reencarnacionistas. Eu bem sei que nem sempre a maioria está com a razão, mas, neste caso, prefiro acompanhá-la, pois ela me consola muito mais e coloca-me mais próximo da infinita misericórdia divina. 
 
DCL: Solidão é conquista ou derrota? 
AVB: Nem conquista nem derrota. Trata-se de um desafio, simples estado de espírito para saber até que ponto cada pessoa é capaz de suportar a si mesma. 
 
DCL: Somos sós no universo? 
AVB: De maneira alguma! Quem assim pensa já se esqueceu da passagem bíblica. “Na casa de meu pai, há muitas moradas.” No universo, existem milhões de galáxias e Deus não iria criá-las para que fossem simples legiões de desertos cósmicos! Deus não brinca com as peras! 
 
DCL: Deus é patrimônio de cada ser humano? 
AVB: Deus é pai de todas as criaturas. Ele se manifesta em cada um de nós, de maneira muito especial. Infelizmente, existem religiões que acham que Ele é patrimônio exclusivo delas. Ledo engano! Tal posicionamento só serve ou serviu para as terríveis guerras religiosas. 
 
DCL: Jesus é um amigo? 
AVB: Sim, inflacionado: amigo, amicíssimo, amigão, amigo do peito, bússola generosa. Por tudo isso. Ele inaugurou uma era, embora tenha sido esta bastante contraditória, por exclusiva culpa nossa. Não nos esqueçamos de que as duas Grandes Guerras Mundiais foram conduzidas por nações que se diziam cristãs (com exceção do Japão)!!! 
 
DCL: O diabo tem credibilidade? 
AVB: Ele não passa de um mito indesejável. É apenas o avesso de Deus! Representante do mal traduzido por várias formas. Existe, simbolicamente, para realçar apenas o bem e convidar-nos à prática deste. 
 
DCL: Que outro dom Deus poderia ter dado a você?
AVB: O de persuadir a todos que estão em volta de mim à prática do bem. 
 
DCL: Daria indulgência a que falhas humanas? 
AVB: Àquelas de natureza kármica. 
 
DCL: Personalidades bíblicas masculinas. 
AVB: 3 J: Jesus, João Batista, Jó. 
 
DCL: Exerce a sua fé? 
AVB: Na medida do possível e, quando o faço, é sem titubear. 
 
DCL: Exerce a sua esperança? 
AVB: Sim, sem ela, eu me sentiria velho, inútil, acabado. 
 
DCL: Exerce a sua caridade? 
AVB: Na medida do possível. Gostaria de praticá-la muito mais, mediante o exercício da paciência. 
 
DCL: Seu defeito principal. 
AVB: No plural: gula e impaciência. Aliás, a impaciência faz com que, às vezes, não tenha paciência em relação ao próximo, criando condições para o distanciamento da prática da caridade, valor indispensável para aquele que pretenda purificar-se. 
 
DCL: Sua ocupação preferida. 
AVB: Leitura. Que bom se o dia fosse de 48 horas! 
 
DCL: Como você sonha a felicidade? 
AVB: Um permanente estado de espírito, apoiado na serenidade e total ausência do remorso! 
 
DCL: Você não consegue tolerar... 
AVB: Tapeação, desonestidade, conversa vazia, maledicência, mentira. 
 
DCL: O que mais importa a você como profissional? 
AVB: Repartir o pouco que aprendi ao longo da vida, sobretudo incentivando os jovens a fim de que eles realizem os seus sonhos. Promover os demais! 
 
DCL: O que mais importa a você como amador? 
AVB: Divulgar os valores humanos e culturais considerados obscuros. Tirar Macaúbas do anonimato. Praticar a guerrilha cultural. 
 
DCL: O que o tornaria infeliz? 
AVB: Se não tivesse a oportunidade de me arrepender ou pedir desculpa. 
 
DCL: Quem você gostaria de ter sido? 
AVB: Eu mesmo, mas sem a gula e a impaciência. 
 
DCL: Seu estado de ânimo atualmente. 
AVB: Tranquilo, muito tranquilo! Com as malas prontas para a grande viagem em direção à quarta ou quinta dimensão... 
 
DCL: Quem tem um sol no coração? 
AVB: Não precisa de acender nenhuma vela do mundo. 
 
DCL: Quem tem um deserto no coração? 
AVB: É órfão de pai e mãe, não passa de um pobre desamparado. 
 
DCL: Ser criança é... 
AVB: Ser transparente sem se dar por isso. 
 
DCL: Ser jovem é... 
AVB: É ter a capacidade de sonhar 25 horas por dia. 
 
DCL: Ser maduro é... 
AVB: Cultivar a serenidade e a prudência, em todos os momentos da vida. 
 
DCL: Ser velho é... 
AVB: Quando não se cultiva mais a esperança ou quando se perde o prazer de ajudar o próximo, quando já não se fazem projetos e só se contenta com o dia presente. 
 
DCL: Epifanias. 
AVB: Inúmeras! Inúmeras! A maior manifestação divina em mim mesmo: o fato de ainda estar vivo, quando muitos companheiros de minha jornada já são cidadãos da eternidade. 
 
DCL: Seu lema. 
AVB:                                   O máximo de canto, 
no mínimo de corpo. 
 
V.  OS AMIGOS
 
 
O último capítulo do Livro das Revelações traz o título Os Amigos, que trata dos 23 participantes do jogo. Claro que aqui veremos apenas o trecho que se refere ao nosso amigo comum Ático Vilas-Boas da Mota. Aqui está o que Dr. Diógenes da Cunha Lima escreveu sobre o saudoso Ático, de Macaúbas-BA, com chave de ouro:  
 
ÁTICO VILAS-BOAS DA MOTA 
 
“Tão louvado como escritor, poeta e linguista, vive bem e afirma: “Não tenho biografia. Todos os meus dias eu os devorei gulosamente, com unhas e dentes.” A sua correspondência e visão cascudiana nos aproxima. Ático Costa Vilas-Boas da Mota nasceu em Livramento do Brumado na Bahia, em 13 de outubro de 1928. É pesquisador, historiador, professor, folclorista, tradutor e linguista, especializado na história e cultura da Romênia, onde morou e ensinou Português em Bucareste. Doutor em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, foi lente fundador da cátedra da Literatura Oral na Universidade Federal de Goiás. Parte de sua obra é dedicada à cultura e história daquele Estado. Além de reunir, como folclorista, um importante acervo de manifestações culturais brasileiras, publicou diversos livros sobre os povos ciganos, dando início ao que denominou ciganologia.
 
 

VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

 

 
FERRAROTTI, F. (1981): “On the autonomy of the biographical method”, in Bertaux, D. (Ed.), Biography and Society: The Life History Approach in the Social Sciences, Sage Publications, Beverly Hills, CA, pp. 19-27. 
 
LIMA, Diógenes da Cunha (coord.): O livro de Revelações: Matrizes do afeto - o pensamento vivo de escritores, Natal: Unigráfica, 2013, 357 p. 
 
SEIDMAN, I. (1998), Interviewing as Qualitative Research, Teachers College Press, New York, NY.