domingo, 22 de novembro de 2020

POEMAS ESCOLHIDOS DE MARIA AUXILIADORA MUFFATO


Por Maria Auxiliadora Muffato


PARUSIA 

Morte, ó peregrina invisível. 
Anjo, arauto do inevitável fado, 
desvenda teu semblante indefinível, 
pois que o tempo já é terminado. 
 
Vão-se as trevas, no cosmo azul, 
desfeitas das névoas densas e seus mistérios. 
Findas oferendas tão logo aceitas, 
ao descerrarem os templos etéreos. 
 
Eternamente! Na essência que amiúde 
ascende da saudade ao infinito, 
Alma busca o que ainda não foi dito. 
 
Do sono profundo à plenitude, 
em êxtase, vivo, o ser permanece 
perene no amor que não fenece. 
 
Maria Auxiliadora Muffato, novembro 2020. 
“Aos nossos amados do outro lado.”
 
 
PELO TEU ANIVERSÁRIO 
 
No áureo dia em que nasceste, 
Deus a vida te concedeu 
para que, no tempo que é teu, 
cada momento fosse este: 
 
de alegria e de paz, 
ou de luto e sofrimento; 
tanto sabes que és capaz 
de acolher todo sentimento. 
 
Prova o gosto do bem-querer 
sem tua sina maldizer. 
Se é que nada se faz à toa, 
 
sorve, então, com intensidade, 
o sabor de cada idade; 
Assim... viver é coisa boa. 
 
Maria Auxiliadora Muffato, em 05/08/2017. 
Segundo a autora, “este sonetinho foi escrito, certa ocasião, pelo aniversário de um amigo querido.”
 
 
SEMANA SANTA 
 
DOMINGO DE RAMOS 
E o povo caminha pela via triunfal... 
Pisa o chão salpicado de galhos de oliveira, 
de folhas de alecrim e de manjericão. 
Entoa hinos e aclama com hosanas o Rei, que é bendito. 
Ergo aos céus as palmas, ramos verdes de tantas vitórias, 
e me entusiasmo por toda a gala desta manhã de sol. 
E segue a procissão... uns e outros no caminho que é um só... 
 
QUINTA-FEIRA SANTA 
Tal como o Mestre na ceia antiga
Mensageiro da Vida Plena
trago meu ser despojado, purificado, 
e sento-me à mesa com os convidados 
para o banquete vespertino. 
Faço do pão oferenda e partilha, 
consagro o vinho rubro do regozijo, 
por vezes, as gotas ácidas dos dissabores. 
E sacramento, em comum união, o alimento 
que aos caminhantes sustenta nestas andanças. 
 
SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO 
Tons de roxo matizam a tarde outonal. 
Na brisa morna o rosmaninho agreste 
rescende suas essências, arrebatando-nos 
às cruentas passagens do sacrifício do Calvário. 
Também sob o peso de suas cruzes, 
o povo implora bálsamo para as infindas dores 
e o gesto do perdão para toda culpa. 
Ouvem-se ladainhas e preces dolentes, 
que ecoam na penumbra dos templos. 
Nesta hora de redenção, sutil aura violácea 
envolve os átrios sagrados, onde o Redentor, 
apenas, descansa resguardado 
pelos linhos de sua efêmera mortalha. 
 
DOMINGO DE PÁSCOA 
... E a Luz verdadeira irrompe liberta, 
na suprema glória da Ressurreição. 
Há vida no corpo resplandecente 
onde a morte jaz derrotada. 
Também de nós, criaturas, 
de nossos sepulcros desnudos, 
vibrações luzentes emanam. 
Trevas se esvaziam, 
e a branca manhã se aclara, 
na esperança singela de que 
a Páscoa se faça, então. 
 
Maria Auxiliadora Muffato, Páscoa 2018. 
 
 
O VÉU DE MARIA 
(Dia da Primeira Comunhão) 
 
Branco era o véu de Maria, 
Que seus cabelos escondia: 
Nívea nuvem de candura, 
Dentre as graças a mais pura. 
 
Ingênua, a menina sorria 
Pra si mesma, com alegria. 
Oh! quão suave a formosura 
Da cena que ainda perdura! 
 
Das florezinhas da grinalda, 
Leve... a renda pendia alva, 
Com aromas de açucena. 
 
Ora, quanto segredo envolto 
No pano que, assim tão solto, 
Orna essa face serena. 
 
Maria Auxiliadora Muffato, maio 2016. 
 
 
DEEP PEACE 
 

 
Nota do Gerente do Blog: Maria Auxiliadora Muffato respondeu-me nos seguintes termos, em 05/07/2014, um mês após o falecimento de minha mãe, quando lhe tinha enviado o post “ELOGIO FÚNEBRE DE DONA CELINA DOS SANTOS BRAGA (Palavras de solidariedade à família Santos Braga por ocasião de seu passamento)”: 
Prezado amigo Braga: Sua mamãe repousa tranquila no coração de Deus, e seu espírito habita a vastidão do cosmos. "Deep Peace", como uma carícia, nos transporta àqueles universos dos quais também somos partes. Esta música foi um presente de Maria Célia, uma professora de canto da linha da Antroposofia, que hoje passo a você. Peça a sua esposa Rute Pardini para cantá-la para você.
 
 
MEU SANTUÁRIO QUERIDO 
 
Maria Auxiliadora Muffato 
 
Costumo dizer que nasci sob a proteção da Virgem Mãe Auxiliadora, em meio ao afeto paternal de Dom Bosco. Cresci à sombra da torre longilínea, que alonga sua energia benfazeja sobre o bairro das Fábricas. Do alto da colina, ela é o farol, o marco das horas, nossa cidadela, refúgio de paz e espiritualidade. No topo da ladeira, o templo majestoso permanece. É reconfortante adentrar seus átrios e reconhecer, nos detalhes da límpida arquitetura, os fragmentos sedimentados de nossas idades, como se nós mesmos fizéssemos parte desse conjunto. As lembranças infantis, por serem as primeiras, habitam nossa mente mais profunda e jamais serão desmanchadas. 
A igreja de Dom Bosco foi a primeira que conheci. Pelas mãos de nossos pais, nossa numerosa família foi conduzida à fé e à religião católica. Papai era congregado mariano, e mamãe “mãe cristã” e “do apostolado”. As crianças participavam da missa aos domingos de manhã e, à tarde, o catecismo paroquial; confissão todos os sábados (pra contar sempre os mesmos pecadinhos, com promessas de arrependimento). 
Meus irmãos coroinhas, João Bosco e Carlos Alberto, se ocupavam em decorar a missa em latim. Introibo ad altare Dei... Mamãe tomava a lição. Um dos folguedos era o Oratório São João, onde é hoje a Cacel. Ali aconteciam brincadeiras assistidas pelos clérigos; o escorregador era uma delas. Menina não entrava. Mas, é certo que uma tarde, portão aberto, o pátio vazio, me arrisquei a dar uma escorregada. Outra diversão era o cineminha aos sábados. No Colégio São João, seminaristas e alguns senhores costumavam encenar teatrinhos. Muito suspense e divertimento. Cenas da História Sagrada, assim como os territórios bíblicos, nos eram mostrados em “sessões de projeção” numa tela branca.
Minha irmã Ângela e eu pertencíamos ao coro das cantorinhas, regido pelo Padre Duarte (o pároco) e assistido pela Célia Montrezor. Sr. Emílio Campos nos acompanhava com o harmônio. Ingressei no coro aos cinco anos. Foi nesse espaço harmonioso que aprendemos belos hinos religiosos a duas vozes, partituras impressas nuns livros bonitos de capa preta dura. Padre Duarte nos iniciava no canto gregoriano que soava melodioso aos nossos ouvidos, já acostumados às vozes dos clérigos com suas batinas pretas. As vozes das cantorinhas ecoavam cristalinas, alegrando as missas, procissões e bênçãos do Santíssimo. Sempre me entusiasmei pela novena do Natal cantada em latim. Vem- me à mente um coral de meninos, do qual meu primo Euclides fazia parte. “Vola Colomba”, “Tiro-liro-liro”, “A Lenda do Bem-te-vi” constavam do repertório. Lembranças afáveis dos idos meses de maio me encantam: vestidinhos brancos de tafetá, véu e grinalda; chuva de pétalas de rosas e dálias; cantos de louvor, tudo para coroar a Rainha. 
A torre sempre foi para mim um segredo a mais. Certas ocasiões, o padre nos presenteava com uma visita a suas salas sobrepostas. Cada janelinha era de uma sala. Havia uma especial, a sala mágica dos brinquedos, onde passávamos tempo indefinido, nos divertindo com os jogos de dominó, damas, ludo... E também montando castelos, igrejinhas e pontes com os tijolinhos de madeira. O relógio ficava num espaço mais acima. Surpreendente ver de perto aquela engrenagem! 
Tempo bom dos piqueniques na Candonga e dos passeios de trem para as Águas Santas. Era a festa da criançada saudável e feliz, obediente às assistentes catequistas e auxiliares como Dona Afife Nacif, Assunta Tortoriello, Célia Montrezor e outras carinhosamente lembradas. Padre Duarte se divertia, contando casos engraçados, cantando conosco o Piccolo naviglio, O florista, A velha, e tanta coisa boa que ele arrumava. Muitos desses “fragmentos da vida” foram documentados em fotos: cenas dentro e fora do santuário, turmas de Primeira Comunhão, coroações, festas, passeios. Tudo isso nosso pároco fotografava. Era visível sua paixão pelo registro dos fatos. Sempre de olho no foco. 
Era minha intenção contar alguma coisa sobre a história da Paróquia Dom Bosco, em homenagem à data de nascimento do nosso patrono, em 16 de agosto de 1815. Mas, o pensamento tomou outro rumo. Fica para outro artigo. Confio aos leitores estas preciosas recordações, profundamente imersas no halo de religiosidade, de leveza e amor que este santuário me oferece. Para sempre em meu coração, meu querido santuário! 
 
Nota do Gerente do Blog: Em 11/07/2020 a poetisa enviou-me a seguinte mensagem: 
 
Boa tarde, Francisco.

Motivada pela publicação sobre o seu "Oratório São Caetano dos Salesianos de Dom Bosco em São João del-Rei", pensei em enviar-lhe dois artigos meus já publicados no Jornal da ASAP, que dizem de meu envolvimento pessoal com a Paróquia Dom Bosco, assim como do interesse em informar-me sobre sua história. O primeiro saiu ainda ano passado, e o segundo em princípios de março de 2020. Tendo o jornal ficado retido na sede, sem a distribuição, poucos tiveram acesso aos exemplares. Espero que as coisas se normalizem.
Agradeço sua atenção e... boa leitura.
Sempre atenta a sua produção.
                                   Maria Auxiliadora Muffato