sábado, 29 de agosto de 2020

UM SACERDOTE POETA SATÍRICO - O PADRE CORRÊA DE ALMEIDA


Por Helio Vianna

Pe. José Joaquim Correia de Almeida (✰ Barbacena, 4/9/1820 ✞ Barbacena, 6/4/1905)
 


Entre os poetas satíricos brasileiros do século passado, constitue cincunstância digna de atenção a condição sacerdotal de muitos dêles. Sòmente em Minas Gerais, cinco padres que cultivaram esse gênero poético podem ser assinalados naquela época: Domingos Simões da Cunha, de Paracatú, autor, entre outras, de uma sátira intitulada “Ao abuso que se faz do chapéu de sol”; o célebre Padre Silvério do Paraopeba, aliás Padre Silvério Ribeiro de Carvalho, autor de engraçadas “Trovas Mineiras”; Manuel Xavier, da vila do Tamanduá, hoje Itapecerica; Manuel Joaquim de Castro Vianna, de São João d’El-Rei e, finalmente, o mais notável de todos, Padre José Joaquim Corrêa de Almeida, de Barbacena, do qual nos ocupamos. 

Compreende-se, perfeitamente, a preferência dos sacerdotes pela poesia satírica. Observadores dos costumes vigentes em seu tempo, naturais corretores dos excessos então registrados, não poderiam desdenhar o recurso aos versos críticos na campanha pelas reformas que se faziam necessárias. E, quando um companheiro de batina, menos informado a respeito, declarava — 

Às musas sou hostil, por femininas;
não quadram poesia e breviário —

 podia responder, com vantágem, o referido vate barbacenense: 

Quem ler o — Stabat mater dolorosa
verá que a poesia, além da prosa,
no ripanço e missal tem cabimento — 

acrescentando, noutro soneto, dirigido ao mesmo opositor — 

Não é o verso pecado que se tema
quando não fôr o avêsso do poema
que hoje escreve o infalível Leão Treze

No caso, porém, do Padre Corrêa de Almeida, a função da sátira poética foi perfeitamente compreendida. No dizer de seu parente e amigo Aureliano Pimentel, 

“por alvo de suas invectivas tomou êle os vícios e bobagens do viver comum, que escapam à punição legal. Mostra indignação contra o que se afasta da retidão de que êle tem cabal conceito como sacerdote católico, respeitável pela sua pureza de costumes. E, emfim nunca fere pessoa em particular, nem ofende o pudor e a boa educação. Em última análise, a sátira do ilustre escritor tem por fundamento o amor do bem, que o impele a ministrar um remédio amargo e desagradável, mas oportuno e salutífero. Quando ridiculariza as fatuidades, é êmulo de Horácio, abstendo-se de expôr à irrisão o que é digno de todo respeito. Quando, como Juvenal, se mostra cheio de indignação contra o mal triunfante, como, por exemplo, contra a escola realista, ou, por melhor dizer, corruptora, nenhum cristão deixará de aplaudí-lo”. ¹

Nascido na então vila de Barbacena, a 4 de setembro de 1820, filho do advogado Fernando José de Almeida e de D. Barbara Marciana de Paula, foi o Padre José Joaquim Corrêa de Almeida ordenado presbítero secular no Rio de Janeiro, tendo exercido, durante trinta anos, em sua “muito nobre e leal cidade”, o cargo de professor de latim, no qual foi aposentado. 

Sua primeira produção poética, segundo consta, foi um “Hymno à Maioridade de Sua Magestade o Senhor D. Pedro II”, o qual foi musicado, não se sabendo, entretanto, quando e onde foi impresso e publicado. 

“Envolveu-se, em sua terra natal, em algumas questões políticas, o que lhe trouxe dissabores e até um processo e a condenação a quatro meses de prisão, da qual o livrou o Imperador D. Pedro II. Chamava-se Faria o juiz que o processou, e Malheiro o advogado partidário que promoveu a ação”. A propósito, publicou o Padre Corrêa a seguinte poesia, intitulada “Ad perpetuam rei memoriam”, amplamente reproduzida na imprensa da época: 

Deixando a lei no tinteiro
todo o direito transtorna
o juiz quando é bigorna
sob a pressão do malheiro

Se escolher sentidos latos
contra o réu se não consente
pra condenar o inocente
só o faria Pilatos. ²

Em 1854 começou o Padre Corrêa a publicar as suas coletâneas de “Satyras, Epigrammas e outras poesias”, de que lançaria sete volumes, até 1879. Entre as “outras poesias”, citadas no título, incluiam-se, ao gosto da época, parábolas, apólogos, diálogos, máximas e pensamentos rimados até mesmo simples trocadilhos em verso. Caracterizavam-nas uma graça inegável, certa ingenuidade de formas, que constituiam verdadeiro encanto, servindo para adoçar o gênero satírico, tantas vezes grosseiro ou violento. Não eram raras, entre os epigramas dessa primeira fase da obra do Padre Corrêa, as simples quadrinhas assim: 

Um galeno foi à caça
e avistou um passarinho:
— Espera lá que eu te curo! 
... E matou o pobrezinho. 

O primeiro tomo das “Satyras, Epigrammas e outras poesias”, impresso na “Empreza Typographica Dous de Dezembro”, de Paula Brito, o amigo e protetor de Machado de Assis, foi oferecido a Honório Augusto José Ferreira Armond, que seria, em 1861, segundo Barão de Pitanguí. A um parente deste, o ilustrado Barão, Visconde e Conde Prados, foi dedicado o quarto volume da série, aparecido em 1868. O segundo tomo das “Satyras”, de 1858, dedicou-o o Padre Corrêa a seu irmão Mariano Carlos de Sousa Corrêa, alto funcionário da Secretaria da Guerra. O terceiro, de 1863, foi oferecido a seu amigo Desembargador Pedro de Alcantara Cerqueira Leite, depois Barão de São João Nepomuceno. O quinto, de 1868, “ao advogado” José Cesário de Faria Alvim. O sexto, de 1876, ao “parente e amigo” Antônio José Gomes Brandão, editor do sétimo e último volume daquele título, contra o qual, aliás, mais tarde, o próprio poeta se rebelaria:

Nos meus primeiros folhetos,
de tão mal urdidas tramas,
aos mais rudes poemetos
dei o nome de epigramas! 

Depois de velho reflito
que de modestia houve falta,
e, emfim, pecador contrito,
confissão faço em voz alta. 

Seja epigrama ou não seja
o que algum versista escreve,
se êle o diz, quando verseja,
é tolo e a muito se atreve. 

Possuidor de sólida cultura clássica, Padre-Mestre ³ que longamente fôra, de latim, sabendo corrigir-se a tempo, como se vê, também não perdia ocasião de corrigir aos demais, como poeta satírico, em grandes e pequenos delitos, inclusive os que dizem respeito à linguagem usual, falada ou escrita. São mesmo numerosos os exemplos que a respeito podem ser colhidos em sua vintena de livros e folhetos de poesia, não havendo, ainda hoje, nenhum desproveito, na citação de alguns exemplos dessa polícia gramatical tão pitorescamente exercida pelo Padre Corrêa. 

Limitando-nos a uma colheita apenas em tres de seus últimos volumes — “Semsaborias Metricas”, segundo tomo, de 1892, “Producções da Caducidade”, de 1896, e “Puerilidades de um Macróbio”, de 1898, conseguimos anotar as seguintes correções: “explendido” — que significa, rigorosamente, claridadade, brilho, só devia ser empregado para cristais e talheres, não para todo um banquete; entre as tolices da conversação comum, uma, que aliás já passou para a escrita, a expressão “tão somente”, não será das menores; “eterna gratidão” não lhe fica atraz em sandice, pois, além da morte, ninguem pode ser grato; um achado, digno de alegre comentário, isto é, uma “pérola”, como diríamos hoje, forneceu-lhe um compêndio que dava “coisíssima” como “substantivo superlativo”; asneiras parlamentares eram, para êle, os “apoiados gerais” e os “apoiadíssimos”, sempre tão repetidos; também, para o rigoroso censor, “direção” não pode ser sinônimo de “orientação”, avôs — e não avós — é o exáto plural de avô, lábio e lágrima não devem ser empregados no singular, etc. Parecerão pirronices muitas dessas reprimendas do poeta de Barbacena. Entretanto, como êle as faz com permanente graça, serão fàcilmente perdoadas, se não serviram para que outros as evitassem daí (ou daquí?) por diante. Assim, por exemplo, êsse “Aborto gramatical”, ainda hoje de tão largo consumo: 

Adversário o mais acérrimo
certo escritor se declara,
e, ouvindo asneira tão clara, 
eu quero dar-lhe razão. 

É um superlativíssimo
aquela estranha dição. 

Aliás, sobre o perigo das correções exageradas, é o próprio poeta que oferece elementos, e êste, exceto o trocadilho, será realmente oportuno: 

Correção incorreta” 

Há palavrinha da moda,
ou no escrito ou no discurso,
e algumas requerem poda,
e que lhes cortem o curso. 

Se um magistrado perfeito
em tudo e sempre foi reto,
atribuem-lhe sem geito
procedimento correto! 

Se análise aquí não mente,
de rigor concluir-se
que êle errára anteriormente
e teve de corrigir-se. 

Só assim, por conseguinte, 
seria mui bem achado
acharem-lhe, sem acinte,
procedimento emendado

Por tudo isso, que fere os ouvidos do poeta, provocando a sua veia satírica, é que êle não deixou de elogiar a iniciativa do ator português Furtado Coelho, abrindo, no Rio, um curso de prosódia. Não o fez, porém, sem dizer que: 

... cousa melhor eu simplesmente aponto, 
sem tola pretenção de tolo nativismo. 

O legítimo som acidental se faça, 
e, se nêste país não há rima de — mãe
aumente o professor linguagem tão escassa,
e teremos aquí o que inda não se tãe

Não se pense, com isso, que o padre-poeta tenha sido precursor da chamada “lingua brasileira”. Embora nunca se descuidasse de anotar omissões de brasileirismos em dicionários portugueses (“bilontra”, “sinhá” e “xará” — êste aliás um termo tupí, por exemplo, e “carrapicho”, que em Portugal é “namorado”...), não se mostrando infenso aos galicismos como “instalar” e outros, — convém notar que também se penitenciou dos pronomes brasileiramente mal colocados em seus primeiros quatro livros, decisivamente declarando: 

A má colocação dos pessoais pronomes
não haja a presunção de ser brasileirismo;
se me vens consultar, dir-te-ei que sempre a tomes
por torto e tosco e máu e feio barbarismo. 

Espalhando, assim, durante anos seguidos, em jornais, revistas, almanaques e albuns, de todo o Império as suas “Satyras e Epigrammas”, como depois os seus “Sonetos e Sonetinhos”, publicados em 1884 e 1887, era natural que ao Padre Corrêa ocorresse a idéia de coordenar em um só poema os muitos motivos de censura que habitualmente lhe serviam de tema às jocosas recriminações. 

Nasceu daí “A Republica dos Tolos”, “poema herói-cômico-satírico”, publicado em 1881, no qual, “em dez cantos, ocupa-se de todos os tipos da estultícia, que classifica em fumadores, usurários, papelões, especuladores de casamentos, caçadores fanfarrões, cônegos honorários, livre-pensadores e carólas; dos costumes merecedores de censura, dos materialistas, dos especuladores e darwinistas, do espiritísmo, da ociosidade da rua do Ouvidor e, por último, dos católicos a ouvirem missa do sétimo-dia e dos sectários das sociedades político-secretas”.  

Exibido tão amplo quadro, assim o termina o Padre-Mestre: 

Da infinita República dos tolos
eu mencionei aquí alguns assinalados,
e, para bem visivelmente expô-los
ou de frente ou de costas ou dos lados,
cantarolei ao som de vil bandurra,
no intúito só de honrar muito caturra. 

Recitando essas chochas frases juntas
na escala de sonóra melopéia,
parece-me, leitor, que me perguntas
qual é o figurão desta epopéia!
Se queres um herói bem estreiado,
aquí o tens; é este teu creado. 

Não fiques tolamente estupefato,
ao ouvir tão estranha novidade;
sem base no direito nem no fato,
um herói que não fez heroicidade
é tal qual, ou muito pouco espaço dista
de algum nosso mais célebre estadista. 

Se entre nós hoje é tudo permitido,
e o defeito como ídolo se incensa,
poema sem ação seja mantido,
que a novíssima escola dá licença,
e voga no paiz literatura
que os clássicos rigores não atura. 

Fechando assim o pitoresco e impressionante quadro que longamente traçou, fiel à epígrafe “stultorum infinitus est numerus”, continuou o Padre Corrêa a zurzir também isoladamente quantos ridículos lhe passassem ao alcance, para tanto se servindo, amplamente, dos próprios acontecimentos de sua época, internacionais ou nacionais, longínquos ou próximos, políticos ou pessoais. 

Assim, se no 6º volume das “Satyras”, publicado em 1876, encontram-se reflexos da questão romana, em que se vê — 

... o Pontífice fiel
perseguido com a igreja
por Vitor Emanuel — 

no mesmo tomo não é de se estranhar que apareça uma violenta e excepcional apóstrofe “À Municipalidade do Tejuco”, a propósito da questão dos bispos: 

... vós, tristes quadrúpedes,
orelhudos que zurrais,
já vedes caida a vítima
e ainda coices lhe dais! 

Fornecestes norma à Câmara
que oficiosa insultou
a dois Bispos que a tirânica
impiedade encarcerou. 

Compreende-se, também que às questões políticas, tão discutidas em seu tempo, dirigisse o poeta satírico muitas de suas farpas. O sistema eleitoral vigente, o revesamento dos partidos no poder, mereceram-lhe, em verso, as acusações que o nosso oposicionismo fácil nunca economizou: 

Os dois estragadíssimos partidos
ocupam a seu turno a governança,
e nós imos vivendo da esperança
de ver os nossos males combatidos. 

Os quinhões são de novo repartidos,
toda a vez que se dá qualquer mudança;
se aquele outróra encheu, este enche a pança
e os clamores do povo são latidos. 

Nessa crítica, um lugar de destaque é, naturalmente, reservado ao preguiçoso poder legislativo, geral e provincial, no Império, como depois federal e estadual, na República, pois 

 ... que o nosso parlamento é dos filhotes
e os nossos estadistas têm os seus. 

Dizendo, assim, duras verdades, seriam inevitáveis as polêmicas, em que gostosamente se envolveu o Padre Corrêa, várias vezes. 

Talvez tenha sido das primeiras a provocada pela poesia “As Baldas”, elegantemente refutada por um Fidelis, de Paraibuna, em 1858. Mais violenta teria sido, no ano seguinte, a crítica publicada no jornal carioca “Actualidade”, onde alguem rudemente o atacou, recebendo resposta pelo “Correio Mercantil”, havendo réplica e tréplica, à moda do tempo. 

Alguns anos depois, seria o joven estudante gaucho Gaspar da Silveira Martins, que das colunas do “Ensaio Philosophico Paulistano” arrojadamente afirmaria — “frade nunca fez bom verso”; quarenta anos mais tarde, ainda se recordaria disso o padre-poeta, piedosamente não citando mais o autor da tolice, falecido após uma das mais agitadas carreiras políticas do Império e do início da República.                            

Latinista que era, o pronome relativo latino qui foi motivo de discussão rimada com um Erasmo, de Mar de Espanha, o qual, tendo imprudentemente invocado a questão da evolução da gramática, foi logo advertido pelo Padre de que — 

Outróra se chamava estrebaria
o que para os modernos é cocheira. 

Com um tal Sin-di-k, andou igualmente forte a liça a propósito da mudança da capital de Minas para Belo Horizonte, iniciativa tenazmente combatida pelo poeta, defensor da escolha de Barbacena, ou mesmo da Várzea do Marçal, em vez do Curral d’El-Rei, para localização da nova metrópolemontanhesa: 

Os queijos e os toucinhos estarão salvos
se espertos impingirem a papalvos
por fecunda campina um bamburral. 

E a empreitada seria de bom lucro,
se o congresso mineiro, com ser chucro,
se deixasse levar para o curral. 

Respondeu-lhe, violento, Sin-di-k, aludindo às antigas quadrilhas de salteadores que infestaram, em certo tempo, a região da serra da Mantiqueira. Replicou o Padre Corrêa, chamando ao adversário “poeta de engenho... ou de engenhóca”, para ser classificado, por sua vez, 

... graças aos teus bolos,
poeta da República dos tolos
e seu primeiro presidente eleito. 

Não se deu, porém, por achado, o poeta de Barbacena, que treplicou, com feroz alusão política: 

Se afirma (óh que importante descoberta!)
que presido à República dos tolos,
o mínimo não dou dos meus cavacos. 

Presidência melhor tem feira aberta,
e, porque distribúe bólos e bolos, 
de certo não é minha, é dos velhacos. 

Quem assim discutia, por assuntos tirados aos acontecimentos da época, não deixaria, forçosamente, de brigar, tambem, por motivos literários. E o Padre Corrêa não fugiu à regra: poeta satírico, possuidor de sólidos estudos humanísticos, à maneira de seu tempo e de sua província, não acederia, com facilidade, a quaisquer inovações que surgissem, visando modificar os padrões que reputava certos. Contra os prosadores realistas e os poetas parnasianos que de algum modo quizessem infringir as leis da poética estabelecida, êle lançaria os dardos de sua “verve” rimada, em ataques e corrigendas que atingiram, muitas vezes, os limites do sarcasmo e da intolerância, mas que sempre se revestiram do sadio bom-humor que vale por uma crônica pitoresca do Brasil de 1854 a 1904. 

Quanto ao realismo, por exemplo, além de indignadas alusões a Zola e seus discípulos nacionais, basta citar este enérgico fecho de soneto: 

Está na berra a pútrida, escorbútica, 
realista lição, que, além de erótica,
é torpe, afrodisíaca e sifilítica. 

Em matéria poética, naturalmente, não seriam menores as suas exigências. Respeitador, embora, das regras firmadas por Castilho, e entusiásta dos sonetos que a tudo se prestam, isto não o impedia, entretanto, de, por brincadeira, oferecer aos modernistas de então, um em que os tercetos antecediam aos quartetos, 

... bem convencido
de, em todo e qualquer tempo, só ter sido
persistente a excelência do soneto. 

Mas, como de êrros alheios muito se alimentava a sua sátira, não podia perdoar que num soneto de Luís Delfino se encontrasse 

em peito mulheril auréola de cabelos! 

Aos nefelibátas, que em fins do século passado constituiam legião, não deixou, tambem, de combater devidamente, ponderando-lhes que 

No enfiar a poética missanga
a origem das palavras não é canga
na cerviz de um pimpão nefelibáta. 

E, apesar de já aludir, a propósito dos dois Alvarengas do século XVIII, às “desfrutáveis parnasianas arengas”, não deixou de lembrar, aos seus sucessores de cem anos depois, o que mais tarde tambem teria cabimento quanto aos mais estremados futuristas da última revolução literária: 

Dizem as várias épocas e povos
que os vates não são sempre originais
mas hoje a fresca récova dos novos,
dos antigos não quer trazer sinais. 

Confiados em si, faltos de escola,
e sem ter de arte a mínima noção,
construtores de má carangueijola,
supõem êles que são o que não são. 

Levava, porém, o Padre Corrêa a sua intransigência a ponto de não considerar poeta o autor de simples versos brancos, comentando: 

Pretende ser poeta um que só mede
êsse chamado verso branco ou solto
e, como tudo é várgem, desenvolto
vai trotando e o trotar se lhe releva. 

Pode vencer de metros muita grosa,
mas isso não é verso nem é prosa. 

Além de literato que muito se prezava de sê-lo, não deixava o sacerdote barbacenense de ser, tambem, homem de seu tempo, preocupado com todos os acontecimentos dos últimos decênios do século XIX. 

A Abolição, por exemplo, não lhe foi estranha, nem o encontrou sem títulos à inclusão entre os seus precursores. Já no 6º volume das “Satyras e Epigrammas”, publicado em 1876, aparecem condenações aos máus tratos às vezes dispensados aos escravos. E em 1887, no segundo tomo de seus “Sonetos e Sonetinhos”, prudentemente avisava: 

Convençam-se os amigos lavradores,
se a sua inteligência não é romba;
colonizem, não há outro recurso. 

O tempo dos escravos e dos senhores
está quasi passado, e não se zomba
da idéia que prossegue no seu curso. 

A República, porém, não a recebeu com bons olhos o sincero admirador de D. Pedro II . Pelo contrário, corajosamente a combateu antes e depois do 15 de Novembro, notadamente durante o governo de Floriano Peixoto. Alusões à frase de Aristides Lobo, relativa ao povo que “bestializado” assistiu à queda do ministério do Visconde de Ouro Preto, ao positivismo influente nos primeiros tempos do novo regíme, ao “ensilhamento”, à decadência do ensino e aos excessos consequentes à revolta da Armada, aparecem, com frequência, em seus volumes dos anos que se seguiram a 1889. Confessando-se sebastianista, no sentido restaurador então dado à palavra, não poupou recursos de combate às novas instituições do país, ora incisivo em suas acusações, ora apenas irônico, sempre, porém, com a espontânea graça e a simplicidade métrica que caracterizaram a sua veia satírica. 

Ainda outras campanhas tiveram o forte apoio constituido pelos versos do clérigo mineiro, livremente distribuidos pela imprensa de todo o Brasil, favorável que êle era ao “inocente, lisongeiro e honroso costume das transcrições, que só pode ser prejudicial aos nosso grandes e beneméritos homens de letras”, os quais, por essa época, resolveram taxar em 5$000 as desautorizadas reproduções de seus trabalhos, então, como hoje, comuns e incontroladas. 

Já aludimos, por exemplo, à questão da mudança da capital de Minas, de Ouro Preto para Belo Horizonte, que no Padre Corrêa teve um adversário terrível, propagador da lenda de que os habitantes do antigo Curral d’El-Rei eram todos papudos, etc. 

A fundação da Academia Brasileira de Letras e a escolha de seus membros tambem não poderia escapar à “verve” do Padre Corrêa. Êle, que tanto prezava os elogios antes recebidos de Antonio Feliciano de Castilho e de Camilo Castelo Branco, não se conformava com o esquecimento a que o votavam Valentim Magalhães e José Veríssimo. E, se procurava consolar o conterrâneo Augusto de Lima, por não ter sido eleito para a douta companhia, à primeira investida, maldosamente insinuava alguma cousa, ao sugerir que, como a sua colega de Lisboa, não levasse ela o seu dicionário apenas ao vocábulo azurrar: chegasse mesmo a zurrar... 

Já a esse tempo, entretanto, a idade avançada ia se tornando uma idéia fixa no poeta de Barbacena, como bem mostram as constantes alusões contidas em seus versos e os seguintes títulos das respectivas coletâneas: 

— “Semsaborias Metricas ou Versos Piegas” — “do septuagenário Padre José Joaquim Corrêa de Almeida — Ramerraneiro e rabugento ex-professor de latim”, dois volumes, de 1890 a 1892. 

— “Decrepitude Metromaníaca”, de 1894. 

— “Producções de Caducidade”, de 1896, trazendo a seguinte epígrafe de Nicoláu Tolentino: 

Musa, basta de rimar;
já fazes esforços vãos;
vai a lira pendurar;
não sabem trêmulas mãos
com as cordas acertar. 

— “Puerilidades de um Macrobio”, de 1898, em que mais uma vez Tolentino fornece a epígrafe, esta, porém, menos desconsolada, embora revelando a idéia permanente: 

Queres saber quem é velho?
É velho quem o parece. 

— “Aplausos Incondicionaes”, apresentado como “poemeto chocho, em monótonas quadrinhas, atamancadas pelo caduco octogenário Pe. J. J. C. de A.”, é de 1900, ano em que, sob a epígrafe — 

Palavras loucas
orelhas moucas — 

tambem em sua cidade, publicou outro pequeno “poema inepto — em antiquadas sextilhas”, intitulado “Destampatorios Rimados”. 

Nada, porém, o impedia de continuar versejando. Em 1903, fez imprimir em Belo Horizonte, a cidade cuja construção tanto combatera, o volume “Marasmo Senil”, que apresentou como contendo “versos anti-poéticos do caduco e desmemoriado Pe. J. J. C. de A. — letho vicina senectus”. 

Suas duas últimas produções reunidas em folhetos datam do ano anterior ao de sua morte, ocorrida em 1905, quase aos 85 anos de idade. Impressos na tipografia do jornal “Cidade de Barbacena” (com cujo título implicára antes), foram êles, à sua moda, denominados: 

— “Agudezas Rombas — ou Versos Prosaicos” — “do impertinente e massante e intolerável Pe. J. J. C. de A.” — e 

— “Chocha Prosa Rimada” — “pelo desenxabido e decrépito Pe. J. J. C. de A.”, no qual, àquela penúltima epígrafe citada, de Tolentino, modestamente resolveu acrescentar: 

Sonóros, amenos versos
são obra da Mocidade. 

Apesar dos títulos e sub-títulos, não será de justiça supor-se que a decadência tenha atingido, em seus derradeiros tempos, o éstro do velho sacerdote. Se lhe faltava certa suavidade, como já em 1892 confessara nas “Semsaborias Metricas” , nem por isso esquecia os seus deveres de comentador das cousas de sua época, permitindo-lhe a inteligência até mesmo profeticamente antever os resultados guerreiros das experiências de Santos Dumont, então ainda em começo. É o que nos mostra, surpreendentemente, o soneto intitulado “Navegação Aérea”, incluído no “Marasmo Senil”, publicado em volume, repetimos, em 1903: 

O navegante audaz que sulca os mares
brevemente terá de ser vencido,
pois será brevemente conhecido
piloto mais audaz, que sulque os ares. 

Se a moderna invenção bem calculares,
talvez lhe dês valor bem merecido,
aplaudido, mais do que tem sido,
o inventor, quando o fato propalares. 

Tambem aplausos dou, mas entretanto
o meu entusiasmo não é tanto
como êsse de Cornélia, mãe dos Gracos. 

Se as nuvens permitirem livre curso,
importancia descubro no recurso
em proveito dos fortes contra os fracos. 

Mas não era só quanto às cousas do futuro, aparentemente então ainda longínquas, que se voltava a musa do octogenário. Mais próxima de seus sentimentos patrióticos, a obra gigantesca que então realizava o Barão do Rio Branco, relativa à consolidação das fronteiras nacionais, provocava o entusiasmo do nosso vate, que em soneto publicado em vários jornais, em dezembro de 1900, sob o título “Digna e proveitosa recompensa”, lembrava a conveniência de ser levantada a sua candidatura à Presidência da República: 

Desse Paranhos, filho do Paranhos
que tanto honrou o nome brasileiro,
os serviços à Pátria são tamanhos,
que os não compensam rios de dinheiro. 

Cordato, respeitado entre os estranhos,
perspicaz que dispensa candieiro,
salvou-nos de fortíssimos gadanhos,
conseguiu que o Brasil ficasse inteiro. 

Subscrições aparecem nêste ensejo, 
porém paga melhor é a que eu vejo,
e até pode sanar os nossos males. 

Na próxima eleição de Presidente,
aquele cidadão, sábio, eminente,
eleito, substitúa o Campos Sales. 

Se assim se aventurava a sugerir um candidato à Presidência da República, isto não quer dizer que esquecia o Padre Corrêa a gratidão devida a D. Pedro II. Recordando-o, assim terminava um soneto recolhido na mesma coletânea intitulada “Marasmo Senil”: 

Nas páginas da História sejam lidas
as últimas palavras proferidas
por quem sofreu da ingratidão o ardil. 

Testando seu amor à turba louca,
este voto saiu de sua boca:
que Deus faça feliz o meu Brasil

Entretanto, já era hora de dizer adeus à longa carreira poética . Tendo-a começado, em 1840, com um “Hymno à Maioridade de Sua Magestade o Senhor D. Pedro II”, era corrente que com aquele soneto, e mais dois hinos, um publicado por ocasião do quarto centenário do descobrimento do Brasil, outro destinado às creanças das escolas, ambos da mais pura inspiração patriótica e cristã, — terminasse o Padre Corrêa a sua missão de poeta acima de tudo popular. 

No primeiro dêles, talvez inconscientemente, sua feição essencialmente combativa apareceu no próprio estribilho, em que não perdeu ocasião de dar uma marretada nos ateus, que então, talvez como nunca, ousavam ameaçar a formação católica do Brasil: 

Se o Brasil é tão rico e fecundo,
tributemos ao Filho de Deus
gratidão e respeito profundo,
a despeito dos ímpios ateus. 

No mesmo sentido, em defesa da religião de que foi rigoroso sacerdote, embora utilizando-se, para isso, de recursos não habituais entre os membros do clero, isto é, os que forneciam as suas condições de poeta, e de poeta satírico, — assim terminava o seu “Hino Escolar” o Padre José Joaqum Corrêa de Almeida, — o único dos nossos poetas satíricos capaz de poder hombrear, e com sólidas vantágens, com o seu abominável antecessor Gregório de Matos: 

Pretendendo a descrença mais louca
impingir-nos mendaz paganismo,
nossa crença cristã não se apouca,
nem há quebras em nosso ascetismo. 

Sábio mestre que dá bons exemplos,
respeitado, querido e bemquisto,
nos ensina que um Deus há nos templos,
creador, redentor, Jesús Cristo.

Fonte: jornal A Ordem, Rio de Janeiro, 1942, edição nº 115, pág. 306-325.

 

I. NOTAS EXPLICATIVAS

 ¹   Aureliano Pimentel, apud Sacramento Blake — “Diccionario Biobliographico Brazileiro”, vol. 4º, pág. 473. Esse Dr. Aureliano Pereira Corrêa Pimentel, professor de latim em São João d’El-Rei, homem culto, modesto e generoso, forneceu a Richard Burton, quando de sua passagem por essa cidade em 1867, o 3º volume das “Satyras, Epigrammas e outras poesias”, do Padre Corrêa, pelo viajante inglês várias vezes (tê-lo) citado em seu livro “Viagens aos Planaltos do Brasil”, há pouco excelentemente traduzido pelo Sr. Américo Jacobina Lacombe, para a série Brasiliana, da Companhia Editora Nacional.

²   As informações supra e a transcrição, figuram em Sacramento Blake, op. cit., vol. 4º, págs. 472/475.

³   Padre-Mestre é como principalmente chamavam ao Padre Corrêa em Barbacena, cf. artigo há alguns anos publicado na “Revista da Semana” por seu conterrâneo, o ex-deputado e embaixador José Bonifácio. O próprio Padre, em vários de seus volumes, fazia questão de intitular-se “ramerraneiro e rabugento ex-professor de latim”, ao seu nome acrescentando tais qualificativos.

⁴  Sacramento Blake, op. cit., pág. 474. 

⁵  Faz parte da Coleção Teresa Cristina, da Biblioteca Nacional, um exemplar encadernado do 1º volume dos “Sonetos e Sonetinhos”, pelo Padre Corrêa publicado em 1884, com dedicatória ao Imperador, à cuja biblioteca particular pertenceu. 

Sendo a sátira amargosa
apimentada, mordaz,
quem a devora não goza
as doçuras do ananás. 

Se exigem, pois, suavidade,
esta os meus versos não dão;
declaro, e é a pura verdade,
que não tenho êsse condão.

⁷  Tendo publicado os vinte volumes de poesia aquí citados, de 1854 a 1904, apenas um trabalho em prosa escreveu o Padre Corrêa, a “Notícia da Cidade de Barbacena e seu Município” — “pelo Padre José Joaquim Corrêa de Almeida — Ramerraneiro ex-professor de latim e filho bastardo da mesma cidade”, impresso em 1883, na Typographia Universal, de H. Laemmert & Cia.

domingo, 9 de agosto de 2020

OBRA SALESIANA EM SÃO JOÃO DEL-REI: TRÊS ORATÓRIOS FESTIVOS


Por Francisco José dos Santos Braga
Neste Dia dos Pais de 2020, dedico este trabalho ao meu saudoso pai Roque da Fonseca Braga (✰ 15/04/1918- ✞ 26/09/1984), que me levava ao Oratório São Caetano em sua companhia para as reuniões da SSVP do Tijuco vinculada à Paróquia de São José Operário, nos anos 50.

 

ORATÓRIO FESTIVO SÃO JOÃO 

 

Dom Bosco inicia os oratórios na intenção de educar na fé, de acolher os jovens pobres (em sua maioria, trabalhadores na construção civil) que vinham de aldeias próximas. Oratório é a primeira obra de Dom Bosco. Dom Bosco começa a reuni-los em praças e em ruas. Essas reuniões receberam o nome de oratório festivo. Oratório, porque, de acordo com seu ponto de vista, a finalidade principal era de ordem espiritual e daí saíam as outras atividades. Dom Bosco sempre se referia a São Felipe Neri, apóstolo de Roma no século XVI, como criador primeiro de oratórios. Dom Bosco dava a seguinte definição ao termo oratório: "lugar destinado a divertir os jovens com agradáveis divertimentos, após haverem cumprido com as obrigações religiosas". Festivo, porque a princípio o Oratório abria somente aos domingos e dias de festas. 

Hoje vemos oratórios como este que Dom Bosco idealizou e colocou em prática, por todo o mundo. Vem sendo uma ótima alternativa de educação em setores menos privilegiados da população, em áreas já desacreditadas. 

Para começar com o pé direito, acertando o passo, a obra salesiana na cidade, era necessário abrir um lugar onde as crianças mais pobres da cidade tivessem lazer sadio, instrução religiosa bem preparada, ou seja, a criação de mais um oratório (marca salesiana). Era preciso ganhar o coração da garotada sanjoanense, e não foi tarefa difícil para os salesianos entusiasmados, a quem foi dada essa nobre missão. Alguns não gostavam de padres, mas por não conhecer de perto. A imagem que recebiam era um pouco distorcida pelos teatros, jornais e cinemas da época. Mas com a aproximação e convivência foram quebrados todos os tabus. 

Inicia-se no dia 12 de maio de 1940 sob as bênçãos de São João Bosco e as devidas licenças das autoridades eclesiásticas, o oratório que recebeu o nome de Oratório São João. Com o aspirantado mais organizado, o trabalho no oratório se via mais eficaz. O número de oratorianos crescia espantosamente, havia ambiente de sobra para a meninada pular, gritar, correr. A cada grito de gol ou som de um lindo canto, em cada pedaço daquele ambiente se percebia a presença de Deus. Notava-se logo o ambiente sadio que era aquele local, percebia-se que os frutos aos poucos estavam brotando. 

Com muita paciência e alegria, pouco a pouco eram conquistados. Geralmente os meninos se afeiçoam com facilidade àquelas pessoas que por eles se sacrificam. Pe. Francisco Gonçalves (responsável pelo oratório no início) tudo conseguia com os meninos, principalmente quando soltava a bola de futebol. 

Os oratorianos participavam das celebrações dominicais e depois se divertiam nos pátios até a hora do almoço. Depois da refeição retornavam para a diversão e catecismo. A capela que comportava 45 meninos recebia em geral mais de 200 meninos, ficava menino por toda a parte, na janela, à porta. Cada palmo da capela era ocupado pelos meninos. Cantos vibrantes e entusiasmantes eram entoados por aquele coro de 200 vozes, muitos se perguntavam como saía tanto fôlego daqueles pequenos pulmões.

Havia dentro mesmo do oratório pequenas companhias, melhor dizendo, eram quatro (sendo a de São José, São Luiz, Santíssimo Sacramento e Imaculada) que se reuniam semanalmente em horas diferentes. Dessas pequenas companhias faziam parte os melhores meninos do oratório (os mais obedientes, comportados, disponíveis, etc.). Cada uma com sua função, ou seja, carisma diferente. Destaca-se dentre elas a Companhia da Imaculada: somente os melhores membros das outras companhias faziam parte dela. Esta pequena seleção de meninos ajudava os salesianos a assistir os companheiros no pátio; dava também aulas de catecismo. 

Desse oratório saíram com as graças de Deus Pai inúmeras vocações sacerdotais e religiosas. Meninos que se sentiram verdadeiramente tocados pelo verdadeiro testemunho de fé dos salesianos. Ou os que não seguiram vocação religiosa constituíram na maioria famílias bem estruturadas e solidificaram a prática cristã. Garotos mal educados arrancados da rua e preparados com uma sólida instrução da fé cristã e ensinamentos morais. 

 

Oratório Festivo São João localizava-se onde hoje está situada a CACEL, 
na Av. Leite de Castro, 727 em São João del-Rei

Time do Oratório São João - 1959 - Crédito: Marca do Pênalti, Gazeta de São João del-Rei    

 

ORATÓRIO FESTIVO SÃO CAETANO 

 

O oratório Festivo São Caetano funcionou antes em vários lugares, cedidos pelas autoridades locais. Em 1945 encontrou enfim seu lugar definitivo: uma chácara, doada pelo cooperador Sr. José do Nascimento Teixeira. Situava-se no Bairro São Caetano, daí o nome do oratório. Pertencia à paróquia São José Operário. A inauguração oficial e solene só foi mesmo no dia 10 de março de 1946, com presenças de Dom Helvécio Gomes de Oliveira e autoridades civis e eclesiásticas locais. Foi esse dia muito marcante para a obra como tal, pois celebrou inauguração também o novo pavilhão do Ginásio São João e primeira pedra da capela do Ginásio. 

O terreno era bem espaçoso, foram construídos então uma singela capela, um teatro, espaçosas salas de aula, campo de futebol e um parquinho bem estruturado. Todo esse espaço seria colocado à disposição da juventude pobre e abandonada daquele bairro. 

A garotada se divertia à beça com as várias atividades que havia naquele ambiente. Havia aulas de instrução religiosa, de moral e civismo. A criançada encantava a todos quando colocava em prática as aulas de canto e teatro que aprendiam no oratório São Caetano. 

O método educativo salesiano aos poucos conquistou seu espaço nesse bairro pobre. Aquele bairro foi privilegiado por ter pessoas tão atenciosas, carinhosas e trabalhadoras ajudando-o. Pessoas de Cristo educando e auxiliando a juventude a crescer fortificada na fé. Ensinando a andar com as próprias pernas sem esperar nada em troca. 

Desde o início de 1946 até os fins de 1951, foi diretor do oratório o Pe. Questor Avelino de Barros. Era muito atencioso e prestativo para com as necessidades do oratório. Sempre conversava com os meninos e atendia confissões todos os finais de semana. 

Neste oratório, como nos outros, funcionava com muito êxito as companhias religiosas. Havia também funcionando nesse local as conferências de São Vicente de Paulo. Mensalmente os meninos do oratório faziam passeios em lugares diversos (por perto mesmo), faziam adoração ao Santíssimo Sacramento na matriz São José (centro da paróquia). Era tradição todo primeiro domingo do mês fazerem o exercício da Boa Morte ¹ e uma pequena procissão, muito piedosa, em honra à Nossa Senhora Auxiliadora. 

A catequese ficava por conta dos aspirantes e clérigos (estudantes de filosofia). Os seminaristas salesianos se empenhavam bastante para passar para os meninos uma fé esclarecida. As turmas eram divididas conforme a sua série nas escolas. 

Nos fins de 1953, Pe. Questor é transferido para Barbacena, assume seu lugar o Pe. Martinho Gaydis, que logo em 1953 deixa o cargo com o Pe. João Bosco Nunes de Oliveira. Eram matriculados por ano no oratório cerca de 380 meninos, sendo que frequência contínua era por volta de 250 meninos. 

O oratório abria suas portas a todos os meninos (com idade mínima de 7 anos e sem idade máxima), a fim de dar divertimento, formação de consciência cidadã e cristã, dando ao menino oportunidade de crescer como pessoa, sendo mais tarde um bom pai de família, engajado na igreja, ou até mesmo seguindo a vocação religiosa. 

Nos finais das reuniões do oratório, cada menino tinha direito a uma senha com seu valor monetário, que no final do ano era trocada por presentes ou prêmios de frequência. Havia então no oratório muitas atrações e motivações que conseguiam com muito êxito tirar os meninos dos perigos da rua, ocupando-os com coisas construtivas, não tendo espaço, tempo e nem vontade de fazer coisas prejudiciais à alma (coisas que à primeira vista são boas). 

Era totalmente gratuito o trabalho oferecido pelos padres salesianos, seminaristas, como também o dedicado trabalho de toda a diretoria e auxiliares (alguns leigos). Foram gastos milhares de cruzeiros para a conservação do oratório (campo de futebol, parque de diversões). Mas todos eram conscientes de que o dinheiro ali empregado iria, sem muito tardar, retornar em forma de famílias bem constituídas, muitas pessoas engajadas na igreja, etc. 

 

ORATÓRIO FESTIVO SANTA TEREZINHA 

 

Sendo o Santuário São João Bosco matriz e centro da Paróquia, abrangia então também os bairros de Matosinhos e Santa Terezinha. Vendo a necessidade daquele povo abandonado que de nenhuma igreja dispunha (era na época os bairros operários da cidade), com a ajuda de bons cooperadores do local, foi possível assim, juntamente com o pároco Pe. Francisco Gonçalves, com muito esforço levantar enfim uma igreja. Ela foi benta solenemente no dia 6 de julho de 1947 pelo Arcebispo de Mariana, Dom Helvécio. 

O oratório aí não funcionou logo de imediato por carência de material humano para o trabalho de assistência e no catecismo. Mas em março do ano seguinte com a chegada dos clérigos começaram fervorosamente as atividades pastorais do oratório. À frente tinha grande espaço para um bom futebol e na lateral, um pequeno espaço para balanços. 

O oratório funcionava aos domingos e dias santos, havia celebração eucarística e, em seguida, catecismo e brincadeira. Havia mais tarde também a bênção do Santíssimo. 

Crianças e adolescentes do oratório procuravam com frequência se confessarem e comungarem, faziam mensalmente o exercício da Boa Morte. ¹ O ar que se respirava era de alegria, paz e piedade. Como nos outros oratórios, a existência das companhias eram marcantes. Daí surgiam grandes vocações salesianas. 

Hoje a Igreja Santa Terezinha não pertence mais à paróquia São João Bosco; faz parte agora da paróquia de Nosso Senhor Bom Jesus do Matosinhos. A igreja é ainda muito frequentada. A situação geral do bairro melhorou bastante com a breve passagem dos educadores de Dom Bosco. Uma catequese participativa, fiéis que se envolvem com a celebração. Depois de muito sacrifício, enfim vem a hora esperada dos frutos. 

Há ainda a área em frente à Igreja Santa Terezinha, onde a garotada se divertia com o futebol no fim de tarde e finais de semana. Não há mais a assistência salesiana que marcou aquele lugar. A Prefeitura é a responsável pela conservação dessa pequena praça de esportes. 

Fonte: "OS SALESIANOS EM SÃO JOÃO DEL-REI", p. 29-36, por Hélio José Ribeiro, publicado pelo Centro de Formação Sabino José Ferreira-Noviciado em Barbacena, em 2 de dezembro de 1999)



III. NOTA EXPLICATIVA PELO GERENTE DO BLOG



¹  Exercício da Boa Morte, também conhecido por "piedoso exercício de preparação para uma boa morte ou Memento mori!", é uma das práticas espirituais salesianas que consiste em antever a própria morte e pedir, em súplice oração, a proteção divina na hora da própria morte, constando de inúmeras orações. Consta ainda a promessa de que "o fiel cristão que em qualquer dia, tendo-se confessado e comungado, com sincero afeto de amor para com Deus, rezar estas palavras, ganhará uma indulgência plenária na hora da morte". 
Santo Afonso Maria de Ligório, em seu livro "Escola da Perfeição Cristã" afirma que, quando fazemos esse exercício, temos os mesmos méritos de um mártir, daí a Indulgência Plenária que se ganha na hora da morte. 
Com efeito, segundo São Tomás, "quem sofre a morte para praticar um ato de virtude, é um mártir. Donde se segue que se tem o merecimento do martírio não só quando se sacrifica a vida pela fé, às mãos do carrasco, mas também quando se recebe de boa mente a morte para cumprir com a vontade de Deus e agradar ao Senhor. É este um ato de virtude sumamente grande, porque então dá-se a si mesmo a Deus sem reserva." 
Segundo [BUCCELLATO, 2015, 46], desde a primeira regulamentação das práticas de piedade, no Autógrafo Rua, de 1858, Dom Bosco prescreve o exercício mensal da boa morte. De fato, ali podemos ler: “O último dia de cada mês será dia de retiro espiritual; cada um fará o exercício da boa morte pondo em ordem suas coisas espirituais e temporais como se devesse abandonar o mundo e encaminhar-se para a eternidade” (este artigo permanecerá substancialmente intocado até a aprovação definitiva das Constituições).  



IV. BIBLIOGRAFIA 
 


BRAGA, Francisco José dos Santos: Oratório São Caetano dos Salesianos de Dom Bosco de São João del-Rei, publicado no Blog de São João del-Rei em 10/06/2020. 
 
BUCCELLATO, Giuseppe: Raízes da Espiritualidade de São João Bosco, trad. D. Hilário Moser, Brasília: EDB-Editora Dom Bosco, 2015, 171 p.  
 
RIBEIRO, Hélio José: "OS SALESIANOS EM SÃO JOÃO DEL-REI", Barbacena: Centro de Formação Sabino José Ferreira, 2/12/1999, 44 p.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

SABER VIVER É PRECISO, APESAR DE


Por Francisco José dos Santos Braga


“Desde a década de 60 trabalho pela inclusão. Sou teimoso, persistente. Para implantar a Central Braille dos Correios, que é um projeto meu, eu levei 20 anos para convencê-los que seria possível criar um sistema de transcrição de textos para outros alfabetos, como o braille, com toda a segurança jurídica, sem caracterizar violação de correspondência. A vida conduz os que querem ser conduzidos e arrasta os que não querem. Ou você abraça o que a vida te arruma ou você vai ser arrastado.”
( Depoimento de Mário Alves de Oliveira a Litza Mattos, repórter do jornal O TEMPO, edição de 14/05/2016, in “Novo” cubaritmo ajuda cegos com matemática )




I. ANTECEDENTES

Ano: 1966. No primeiro dia de aula do curso normal (Magistério) do Colégio Nossa Senhora das Dores, dirigido pelas Irmãs Vicentinas, minha irmã Celina Maria Braga Campos, aos quinze anos de idade, chegou à nossa casa com uma novidade: em sua classe havia uma moça que sofria de glaucoma, sendo cega de nascença, Margarida Luzia de Paiva, sobrinha do saudoso Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva, filha de família muito conhecida de São João del-Rei: Oscar Leopoldino de Paiva e Margarida Isabel de Paiva. 
Oscar Paiva era sócio de um armazém no Largo do Tamandaré, com grande estoque de produtos alimentícios a varejo. 
“Margaridinha” (para diferenciá-la de sua mãe) era a sexta de oito irmãos, que citarei em ordem decrescente: Moacir, Isabel (“Bau”), José, Oscar (“Caju”), Maria do Carmo (Carminha), Margarida, Teresinha e Maria de Lourdes (já falecida). 
Com tenra idade Margaridinha tinha sido enviada a Belo Horizonte para frequentar uma instituição especializada, o Instituto São Rafael, importante referência em atendimento a deficientes visuais em Belo Horizonte e Região Metropolitana, sendo ordinariamente demandado por estudantes com cegueira, baixa visão ou surdocegueira. 
Nesta prestigiosa instituição Margaridinha tinha cursado os cursos primário e ginasial. Como o Instituto não oferecia o curso normal (Magistério), ela preferiu voltar à sua terra natal e conquistar o diploma de curso secundário. De imediato iniciou-se uma relação de amizade e fraternal entre as duas colegas de classe, que se prolonga até hoje, 54 anos após os fatos narrados a seguir. 
Celina Maria se enterneceu diante das dificuldades enfrentadas por sua amiga Margarida e logo pediu a concordância de nossa mãe Celina dos Santos Braga para estudar junto com a colega em ocasião anterior a provas e exames. Por Celina Maria ser uma moça responsável e possuidora de bons princípios morais, recebeu a autorização, passando a frequentar a casa da amiga em véspera de provas, de modo a crescerem irmãmente no progresso dos estudos escolares. 
 
Residência de Margaridinha no largo da Igreja de São Francisco de Assis, em São João del-Rei
 
Certamente que Celina Maria assim agia para poupar Margarida de ter de se deslocar até nossa casa que ficava no alto de um morro, enquanto a casa de Margarida estava localizada no vale. Para comodidade de sua amiga, dirigia-se em vésperas de prova até à casa dela, sempre de bom grado. Estudava com ela Psicologia, Biologia e Estatística. Igualmente, outras colegas de Margaridinha tinham a mesma atenção para com ela e se dispunham a acompanhar seus estudos em outras matérias.

Correspondências podem ser lidas com as pontas dos dedos
Não demorou muito para que minha irmã informasse também que já estava dominando a linguagem Braille que aprendera com Margarida. Não sabíamos do que se tratava e ela teve que nos trazer uma folha de papel ofício A4 sem nenhuma anotação, mas completamente tomada por pequenas elevações no verso, através dos quais as polpas dos dedos da mão captavam o sentido de letras e palavras. A leitura era feita através do roçar dos dedos e do tato, e não através da visão. A ranhura sobre o papel era feita por máquina de escrever Braille. Quando não se dispunha da máquina de escrever Braille, a pessoa utilizava um dos primeiros instrumentos criados para a escrita Braille: a reglete e punção (uma espécie de furador). O namorado de Celina Maria, Gil Amaral Campos, presenteou-a com uma reglete e punção para ela exercitar na escrita Braille.

Reglete de bolso e punção

Então, foi motivada por essa afinidade e empatia que, em pouco tempo, Celina Maria estava dominando o Braille e podendo vivenciar a nova experiência, incentivada pela colega. Dessa forma, foi possível que ambas concluíssem todo o curso normal, totalizando três anos de inseparável amizade e de estudo periódico. 
Lembro-me de que fui convidado também a aprender o Braille, mas não me interessei, em vista do extenso conteúdo programático de disciplinas que era obrigado a cursar no segundo ano do curso clássico do Colégio Santo Antônio, dirigido por franciscanos. Ponderei bem e decidi não me aventurar nessa nova área do conhecimento. Não podia me dispersar tanto... 
Logo após esse período de estudos necessários à formação de uma normalista, os pais de Margarida decidiram mudar-se para Belo Horizonte para oferecerem a seus filhos melhores oportunidades de emprego e progresso. 
As duas amigas então se despediram. Embora tivessem se separado fisicamente, mantiveram sua amizade através de correspondência constante, telefonemas em datas especiais e reencontros mormente durante a Semana Santa de São João del-Rei. 
Margarida foi para Belo Horizonte para ter possibilidade de continuar seus estudos e lá, em breve, era professora do Instituto, ministrando cursos para professores da rede estadual de ensino. 













Celina Maria casou-se em 10 de setembro de 1977 com Gil Amaral Campos na Capela de Nossa Senhora de Lourdes, em São João del-Rei.
Em 1º de julho de 1978, Margarida casou-se com Mário Alves de Oliveira na igreja de São Cura d'Ars-BH, natural de Carmo do Cajuru-MG, que tinha nascido dotado de excelente visão, mas que, quando criança, sofreu dois acidentes, ficando cego dos dois olhos. Para seu casamento, Margaridinha convidou sua amiga Celina Maria para ser madrinha de casamento que, na ocasião grávida de seu primeiro filho Ricardo, compareceu com seu marido Gil Amaral Campos e sua mãe Celina dos Santos Braga.



II. LIVRO “NEM CLARO, NEM ESCURO”: RETRATO DE UMA VIDA

Vou, a partir deste instante, extrair do livro “NEM CLARO, NEM ESCURO” de Mário Alves de Oliveira, publicado pela Ápice Editora e Gráfica Ltda, de Belo Horizonte, em 1994, narrativa de cunho biográfico/memorialista, alguns trechos que, pelo seu estilo leve, objetivo, conciso e claro, pela sua linguagem escorreita, pelo inusitado de seu conteúdo ou abordagem humorística do autor, darão uma ideia das principais motivações que impulsionaram o autor a fazer a opção por uma vida dedicada a seus sonhos, alguns realizados, outros adormecendo em alguma gaveta da burocracia estatal: 

1) CEGO POR DOIS ACIDENTES 

“Por ter o cabelo muito vermelho, logo me apelidaram de Cabecinha de Fogo. Aos poucos, à medida que me ia familiarizando com a turma, só me chamavam de Cabecinha. (...)” 
“Eu tinha dez anos quando tudo começou a mudar em minha vida. Em janeiro de 1958, fiquei cego do olho direito, num acidente, ao brincar com dois irmãos mais velhos no quintal da nossa casa.”
Tendo ficado cego de um olho, seus pais decidiram que ele deveria abandonar a roça e ficar no município de Cajuru, local de maiores recursos hospitalares. 
“Na cidade, pude experimentar as primeiras sensações de constrangimento causadas pela desigualdade social. Percebi, ainda que muito de leve, que meu pai era pobre e que não podia me dar as mesmas coisas que alguns colegas da cidade usavam, como pastas escolares, sapatos bonitos e blusas de frio de boa qualidade. Fazia um ano e meio que estava em Cajuru quando me aconteceu o segundo acidente. A meninada corria por todo lado, mas o local preferido era o jardim, situado em frente à prefeitura. Ali brincávamos todos os dias. 
Na tarde de 10 de junho de 1959, eu brincava de faroeste. De arco e flecha nas mãos, perseguia o inimigo, que corria em torno do coreto. Ao perceber que não era mais visto por mim, por causa da curva do coreto, lldeu, o meu inimigo na brincadeira, encostou-se bem na parede para me esperar. Sem desconfiar, continuei correndo, supondo que ele estivesse mais adiante. Quando contornei o coreto, lldeu jogou sua flecha, que acertou em cheio o meu olho esquerdo. Eu estava sem os óculos. Preferi guardá-los no bolso, enquanto me divertia no jardim.” 
“Em Carmo do Cajuru, o comentário sobre meu acidente era geral. Diziam: “O Cabecinha ficou cego”. Certamente, era essa a expressão mais repetida naqueles dias pelas pessoas da cidade. Houve muitas manifestações de pesar, mas também alguma censura contra o outro menino. Para mim, Ildeu não teve culpa pela fatalidade. (...) 
Felizmente, o tempo não pára. Ele atua sobre todas as coisas e situações. Momentos bons e ruins desaparecem e, mais depressa ainda, se não perdemos tempo chorando diante da porta que se fechou. Alguns anos depois, lendo a vida de Hellen Keller, vim a saber o que ela pensava a respeito do infortúnio: 
“Quando uma porta da felicidade se fecha, uma outra se abre; muitas vezes nós olhamos tão demoradamente para a porta fechada, que não podemos ver aquela que diante de nós se abriu.”
“Mesmo conformado, só voltei à casa de meus pais na roça no fim do ano, seis meses depois do acidente. (...) Fui à roça e voltei no mesmo dia, no mesmo caminhão que fora buscar alguma coisa na propriedade do meu pai. Passada a primeira emoção, ficou fácil voltar outras vezes. Quando fui definitivamente para a minha casa, já me haviam falado sobre a existência de uma escola para cegos em Belo Horizonte. Meus pais ficaram confusos quanto à melhor alternativa, deixando a decisão de estudar na capital por minha conta. Não decidi imediatamente se iria ou não para essa escola. Neste caso, também, houve muitas opiniões divergentes. Muitos aconselharam que eu ficasse na roça, alegando que não precisava enfrentar dificuldades fora de casa para garantir meu futuro. Meus pais, embora não fossem ricos, poderiam me manter para o resto da vida, diziam amigos e parentes. Entretanto, no tempo em que eu brincava distraidamente nas ruas de Cajuru, aprendi que isso não era verdade. Talvez tenha sido essa a maior lição que, de fato, aprendi durante o tempo em que morei com meus avós. E no dia sete de março de 1960, meu pai, meu padrinho e eu, pela terceira vez, viajamos para Belo Horizonte.” 

 2) INSTITUTO SÃO RAFAEL

“No São Rafael, tudo era de graça: roupa, sapato, remédio, material escolar e até mesmo sabonete e dentifrício. (...)”
“Quando me mostraram o alfabeto Braille, a primeira sensação foi de que eu deveria voltar para casa. Era impossível aprender aquilo. Mas foi só um susto. Dezessete dias depois, fiz um teste para verificar se estava em condições de ser promovido para a 1ª série. Passei com dez. Escrevi todo o alfabeto, numeração e pontuação. De pressa, também, acostumei-me com os novos companheiros. Era até agradável conviver, diariamente, com outros meninos também cegos. Assim, logo aprendi a gostar da escola. Devagar, criava-se um mundo novo para mim. Em pouco tempo eu já usava uma expressão comum na escola: “lá fora”. Ser cego já não me parecia um problema. Ali não me faltava nada. O dia era cheio, da manhã até a noite, havia o que fazer. Somente aos domingos a situação me parecia monótona, pois não recebia visitas nem tinha para onde ir. O mundo se dividia em dois: o de fora e o do internato. Falava-se, então, que o mundo de fora é que complicava. Na opinião dos cegos do internato, as pessoas chamadas videntes ignoravam tudo a respeito deles. Dizia-se isso como se elas fossem culpadas por não saberem nada a nosso respeito. (...)”

3) COLÉGIO ESTADUAL

 “Lá fora, tudo era pago. De graça, só recebia o almoço, servido pela cantina do Colégio, de segunda a sábado. Quando alguém me convidava para almoçar em sua casa no fim de semana, tinha visita certa. (...)”
Mário descreve um fato que antecede o vestibular de Direito na UFMG:
“Em 22 de janeiro do ano seguinte (1970), o jornal “O Globo” publicava minha foto na primeira página, como um dos candidatos ao vestibular unificado da UFMG. Aproveitando a alegria da vitória no vestibular, passei uma semana em Vila Velha, Espírito Santo, quando fui, pela primeira vez, ao litoral. (...)”

 4) FACULDADE DE DIREITO

“No dia cinco de março de 1970, desfilei pela Avenida Afonso Pena puxando uma carroça cheia de estudantes, vestido apenas de cueca e uma saia curta, de saco de aniagem, com o cabelo todo repicado, sujo de tinta, com os seguintes dizeres nas costas: “O meu é branco”. Era o trote dos calouros da Faculdade de Direito daquele ano na UFMG.”

5) PROJETO RONDON

“Em 1967, o Governo Federal criou uma fundação de direito público, vinculada ao Ministério do Interior, conhecida como Projeto Rondon, nome dado em homenagem ao Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, defensor da interiorização do Brasil. A Fundação tinha como objetivo proporcionar ao universitário a oportunidade de prestar serviço voluntário em favor das comunidades do interior, durante as férias de julho e janeiro. Pela participação no Projeto, o estudante só recebia transporte, alimentação e hospedagem. Por razões financeiras e políticas, em 1989 o Projeto Rondon foi extinto. (...)”
“Daí a pouco, eu ia viajar de trem, na companhia de muitos universitários, em direção ao norte de Minas. Era a 12ª Operação do Projeto Rondon. (...)
“Sabia, apenas, que fazia parte de um grupo de 40 estudantes que deveria atuar em 10 cidades do norte do Estado.”
“Ao chegar em Montes Claros, meu grupo reuniu-se pela primeira vez para, finalmente, tratar dos objetivos da viagem. Observou-se que a direção do Projeto equivocara-se. Não teríamos condições de trabalhar bem em 10 cidades diferentes em pouco menos de um mês. Era chegar e sair logo, sem tempo até para conhecer as autoridades locais. (...)”
“Entre outras atividades, a equipe do Projeto Rondon deveria colaborar com os funcionários do INAN - Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição - na distribuição de alimento para os flagelados da seca daquele município. Não chovia na região havia três anos. Durante a distribuição das cestas, dávamos explicações sobre a importância das diversas vacinas, falávamos da necessidade e da forma carreta de se construir fossas e de outros assuntos de interesse social. Antes de chegar em Independência, passamos em Fortaleza, onde permanecemos pouco mais de vinte e quatro horas. (...)”

6) ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA

“Pouco antes de concluir o curso de Direito, Tininho, Gonzaga e eu montamos nosso escritório de advocacia, no centro de Belo Horizonte, com participação igual nos lucros e nas despesas. Por sermos ainda estagiários, Dr. Vicente de Paula Pereira (De Paula), meu amigo, assinava também nossas petições, como assistente jurídico, enquanto aguardávamos a carteira definitiva da OAB. Gonzaga foi para a sua terra, logo que se formou. Tininho, por ser perito criminal, impedido legalmente de exercer a profissão de advogado, participava apenas do trabalho de escritório, dividindo ainda o tempo com suas obrigações de funcionário público. Eu não exercia outra atividade remunerada e, por isso, dedicava-me, o tempo todo, ao trabalho da advocacia. Eu contava, também, para o serviço externo, além do Tininho, com a colaboração dos meus irmãos, ora Lucília, ora João ou Luciano. Pelo relacionamento anterior que eu tinha, minha clientela já era razoável. (...)”

7) PROJETO DE LEI

“Após a participação no Projeto Rondon, meu trabalho amador consistia em descobrir uma autoridade ou instituição que se interessasse em levar adiante o projeto da descentralização do atendimento às pessoas portadoras de deficiência. (...)”
“Em 1979, eu estava em uma festa, na casa de João Carlos Lanza, meu amigo desde o tempo da república na rua Rio de Janeiro, quando me encontrei com o deputado estadual Marcelo Caetano. O resultado deste encontro veio pouco depois, através do Projeto de Lei n° 372/79, que se segue: Minas Gerais Diário do Legislativo Sábado - 20 de outubro de 1979. Projeto de Lei n° 372/79, que autoriza o Poder Executivo a criar curso de especialização do sistema Braille e do alfabeto do surdo-mudo. A Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:
Art. 1° - Fica o Poder Executivo autorizado a criar o curso de especialização do sistema Braille e do Alfabeto do surdo-mudo com sede nesta capital.
Art. 2° - O curso terá como objetivo conceder a professores primários habilitação específica prevista no artigo anterior.
Art. 3° - A presente lei será regulamentada por decreto do Poder Executivo.
Art. 4° - Revogam-se as disposições em contrário.
Art. 5° - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.”
“O Projeto de Lei n° 372/79, posteriormente transformado na Proposição de Lei n°. 8.300, obteve aprovação unânime da Assembléia Legislativa, mas recebeu o veto do Governador (Francelino Pereira dos Santos).”

8) A LUTA

“Há oito anos que venho lutando para que minha idéia (transformada em projeto por Marcelo Caetano) seja absorvida pelas autoridades ligadas à área da educação. Em 1972, fiz um relatório para o Conselho Estadual de Educação, sugerindo que fosse inserido no currículo de formação de professores primários a aprendizagem do Braille e do sistema para alfabetização do surdo-mudo; entretanto, não recebi nenhuma resposta. Mesmo com a frustração causada pelo veto ao projeto, vou continuar lutando de todas as formas ao meu alcance. Espero, pelo menos, minorar o sofrimento de milhares de deficientes, colocados à margem da sociedade, principalmente pela falta de interesse do governo. Em Minas, existe apenas uma escola oficial para o atendimento dos cegos (o Instituto São Rafael) com capacidade para aproximadamente 200 alunos, e duas escolas para surdos-mudos (Instituto Santa Inês e Fundação D. Bosco), todas localizadas em Belo Horizonte.  Está claro que na capital não pode haver vagas nas escolas especializadas para tantas crianças e jovens e, mesmo que houvesse, seria um absurdo, pois Belo Horizonte não pode ser mais sobrecarregada e responsável pela solução de todos os problemas do Estado.”

9) A SOLUÇÃO

“Por outro lado, a solução não implica na necessidade do deslocamento dos cegos e surdos-mudos para a capital mineira, já que os professores que aqui os esperam também são leigos, pouco sabendo da problemática do deficiente, de seu comportamento, da sua família, da comunidade em que ele vive, enfim, sabendo pouco, até mesmo, do Alfabeto Braille. (...)
Também não tive muitas adesões entre os próprios deficientes da capital. O apoio vinha de fora e da imprensa. Houve quem trabalhasse silenciosamente nos bastidores da Assembléia em favor da manutenção da política educacional dos deficientes. Por isso, na segunda votação da Lei n° 8.300, o veto não foi derrubado, por falta de quorum. A luta pela mudança deveria vir do interior, de milhares de deficientes que vivem espalhados por todo o território mineiro, mas que, dispersos, alienados e sem liderança, jamais poderiam fazer alguma coisa em beneficio deles próprios, embora a verdade dos fatos saltasse aos olhos de qualquer pessoa bem intencionada. (...)”

10) ATIVIDADE PARALELA

“Vivendo apenas com a metade da renda do escritório, eu superava com esforço as dificuldades próprias do início da carreira de advogado, principalmente sendo pobre. Aos poucos fui constatando que a maioria dos colegas exercia outra atividade com renda fixa, enquanto mantinha o escritório ou, simplesmente, preparava-se para um concurso público. Embora não pensasse de maneira decisiva, comecei, também, a admitir a idéia de procurar outra fonte de renda, por uma questão de segurança, uma vez que os honorários eram oscilantes. Por volta de 1976, meu amigo Odílio de Vargas e Silva, também deficiente visual, disse-me que a Loteria Federal estava novamente tendo boa procura e que valia a pena ter uma cota de bilhetes como antigamente, isto é, ganhando algum dinheiro somente como atravessador. Incentivado pelo amigo, repeti a iniciativa de anos atrás, mas sem a menor intenção de voltar a ser revendedor lotérico. Nesse caso, o lucro ainda era pequeno, como nos tempos do internato, mas era o suficiente para pagar algumas contas, sem nenhum trabalho. Nos primeiros meses de 1977, novamente a Loteria Federal entrou em crise e nenhuma casa lotérica comprava mais os bilhetes de terceiros. Como acontece ainda hoje, a Caixa Econômica Federal também não aceitava devolução e o descredenciamento demorava trinta dias ou mais. Enquanto se aguardava o cancelamento da cota, a retirada dos bilhetes era obrigatória, a menos que o cotista estivesse disposto a perder a caução, ou seja, a garantia depositada na Caixa. Era preciso, portanto, encontrar uma solução urgente! Em março, mais uma vez, percorri várias casas lotéricas de Belo Horizonte, durante um dia, sem conseguir repassar os bilhetes, nem mesmo perdendo algum dinheiro. Nessa noite, quando fui à casa de Maidinha (nossa já conhecida Margaridinha), minha namorada, que também possuía uma cota nas mesmas condições, sob minha responsabilidade, contei-lhe o que estava ocorrendo. Voltei para casa preocupado, sem a menor idéia do que poderia fazer no dia seguinte. Muito tenso, acordei de madrugada e, naturalmente, pensei no problema. Foi então que me ocorreu uma idéia inteiramente nova. Pela manhã, telefonei para Maidinha, a fim de tranqüilizá-la, garantindo-lhe que iria não só vender os bilhetes, mas também ganhar algum dinheiro. Assustada, ouviu em poucos minutos o que havia pensado à noite: organizar um arquivo com quatro pastas, sendo uma para cada semana do mês; por telefone mesmo, explico aos meus amigos que criei um serviço de entrega de bilhetes a domicílio. Explicando melhor: o mês tem, basicamente, quatro semanas, e o sorteio da loteria também é semanal. O amigo que se interessar em receber, mensalmente, em casa ou no serviço, um bilhete da Mineira ou da Federal, poderá escolher uma semana qualquer, de acordo com sua preferência. Assim, poderei organizar uma entrega permanente e periódica de bilhetes a fregueses previamente contratados, cujo período será determinado por eles. Deu certo. Trabalhei, inicialmente, com 16 bilhetes por semana, e hoje, no mesmo período, entrego aproximadamente quinhentos a diversos amigos e clientes, tanto em Belo Horizonte como no interior do Estado e até em outras capitais. Forçado pela circunstância, montei um pequeno negócio que, de certa maneira, garantia-me a renda fixa que eu já procurava. Aos poucos, entretanto, minha presença no escritório foi-se tornando irregular, devido aos compromissos com a loteria. Tininho e eu não tivemos o cuidado de organizar um sistema de rodízio, de forma que o escritório não ficasse fechado. Descontente com a situação decidi optar por somente uma atividade. Não acreditei, principalmente por causa das limitações da deficiência visual, que eu pudesse exercer, com eficiência, duas atividades simultaneamente. Em 1981, já com o escritório de advocacia fechado, legalizei minha situação junto à Loteria do Estado de Minas Gerais e constituí a firma individual, que tem por fantasia o nome de SEPROL - Serviço de Entrega Programada de Loteria. (...)”

11) DOIS FILHOS

“Em 1978, depois de dois anos e meio de namoro, eu me casei com Margarida Luzia de Paiva Oliveira, cega de nascença, em virtude de glaucoma, com quem convivia no Instituto São Rafael, nos tempos de estudante. Mas Margarida saiu do internato e foi fazer o curso de Magistério em sua terra, São João del-Rei. Mário nunca mais a encontrou, até retornar ao São Rafael para aprender violão, tempos depois, quando o namoro começou. Margarida, conhecida como Maidinha, é professora de 1° Grau, na escola. Para Mário, foi um passo fundamental em sua vida, e ele se considera muito feliz com a companheira que escolheu e que, brevemente, lhe dará um filho (ela está no 9º mês de gravidez). Costumo dizer: “Foi a música que nos uniu, pois, enquanto eu estava nas aulas de violão, ela sempre chegava para dar uma “espiadinha”, e assim começou o namoro, que terminou em casamento. (...)” “Embora cegos — ela, em decorrência de glaucoma, e eu por acidente, — não tivemos, talvez pela diferença das causas, que nos preocupar com a probabilidade de vir a ter filhos com problemas de visão. Quanto à atividade rotineira de uma casa, também não houve motivo de preocupação. Aliás, nem sequer pensamos nisso como empecilho para o nosso casamento. Somos conscientes das nossas limitações, mas, por outro lado, conhecemos nossas possibilidades para enfrentar as dificuldades próprias da vida a dois.


Agora, 15 anos depois, pai de Mário Alves de Oliveira Júnior, o “Juninho” (nascido em 06/02/1981) e Marcelo de Paiva Oliveira (nascido em 25/05/1983), posso garantir que faria tudo de novo, se fosse preciso. (...)”

12) O EDUCADOR FACE À PREVENÇÃO DA CEGUEIRA

“Este é o título de meu trabalho apresentado no 2º dia do IV Congresso Brasileiro de Prevenção da Cegueira, realizado em Belo Horizonte em 1980.
Embora me sentisse muito tenso por causa do tamanho e da importância da platéia, falei com firmeza sobre as idéias que eu já sabia de cor, havia muitos anos. Creio que a minha explanação trouxe algo de novo. Durante o Congresso, não ouvi nenhuma palestra que defendesse a interiorização do atendimento aos deficientes como forma incondicional de promover a prevenção da cegueira e outras deficiências.
O Professor Hilton Rocha, ao comentar no final minhas palavras, chamou-me de pessimista simpático, a meu ver sem razão, em ambos os adjetivos. No entanto, suponho que, entre os participantes daquele encontro, talvez tenha sido ele a autoridade que mais levou a sério o que falei. Meu trabalho encontra-se transcrito no 20 Vol., pág.110, do livro referente ao Congresso.”

13) APRENDA A SER CEGO

“Recebi, em janeiro de 1981, um telefonema de Heloísa Aline, repórter do jornal “Estado de Minas”. Por ser o Ano Internacional dos Deficientes ¹, ela foi indicada para fazer uma matéria sobre esse tema. A jornalista lembrou-se, então, de ter visto Maidinha e eu, meses antes, numa festa na casa de João Carlos de Andrade, também seu amigo. Resolveu procurar-me e, através do nosso amigo comum, conseguiu saber o meu nome e onde me encontrar. Heloísa esteve em minha casa e publicou a seguinte entrevista no dia 21 de janeiro: Aprenda a Ser Cego. (...)”

14) CENTRO DE PESQUISA

“O V Congresso Brasileiro de Prevenção da Cegueira foi realizado em Brasília, em 1984, se não me engano. Não pude participar desse encontro, porque as despesas de viagem, hospedagem e alimentação correriam por minha conta, já que não representava nenhuma entidade. Escrevi um artigo sobre a origem do Braille e encaminhei o texto para Brasília, através de um amigo que iria participar do Congresso. Eis alguns trechos do trabalho: A primeira escola para cegos surgiu no fim do século XVIII, em condições especiais. Não existia, até então, nenhum sistema apropriado para se ensinar as primeiras letras a um estudante privado do sentido da visão. Não faz muito tempo, portanto, os cegos não liam, não escreviam, nem trabalhavam e, quando prestavam algum serviço, não eram remunerados. Não havia recurso nem interesse em integrá-los à sociedade. Não havia razões para lhes dar instrução. (...) Todavia, o francês Valentin Hauy, influenciado pelas idéias humanísticas da Revolução Francesa e condoído da sorte amarga dos cegos, desejou, ardentemente, mudar seus destinos. Assim, em 1784, sem saber exatamente como iniciar seu trabalho de alfabetização, o nobre francês inaugurou uma escola só para cegos nos arredores de Paris (...) Duzentos anos depois, ainda há quem não perceba que a educação é o caminho que conduz o homem à liberdade. Ao defender as idéias de liberdade, igualdade e fraternidade, Valentin tornou-se mais forte que as barreiras da sua época. E como o problema humano resolve-se com interesse e boa vontade, Hauy deu suas primeiras aulas segundo o que lhe pareceu mais razoável: fabricava letras comuns com varetas e, mais tarde, passou a Imprimir letras de forma em alto relevo, do tamanho das usadas nas manchetes dos jornais de hoje, gravadas em papel espesso. (...) Certo dia, um dos alunos da escola teve, casualmente, em mãos, um cartão impresso em relevo e pôde ler o que estava escrito nele. O aluno sugeriu ao diretor que se tentasse fazer letras como aquelas do cartão. Daí surgiu a impressão dos primeiros livros com letras de forma em relevo. E foi neste estágio, por volta de 1820, que Louis Braille ingressou na escola de Paris. O centro de pesquisa progredia, embora o método utilizado permitisse apenas a leitura, porque a escrita vinha da gráfica que Valentim montara no próprio estabelecimento. Em pouco tempo, o Instituto dos Meninos Cegos, como era chamado, apresentava o aspecto de uma verdadeira biblioteca, apesar de possuir somente algumas obras. Cada livro era dividido em 20 partes, pesando, cada uma, cerca de 10 quilos. Os alunos aprendiam a ler, mas não, naturalmente, a escrever. A primeira cartilha dos cegos era, de fato, uma coisa comovente. Felizmente, a história da alfabetização do cego não parou aí. Aos sete anos de idade, Louis Braille, mesmo sendo cego desde os três anos, freqüentava regularmente a escola de uma cidadezinha do interior da França. (...) O novo estudante não demorou muito a perceber que a leitura e a escrita poderiam mudar o destino dos cegos. Na escola especial de Paris, que naquela época precisava existir, o maior benfeitor dos cegos elaborou um alfabeto simples e completo, tão perfeito que até hoje não foi modificado. Aos dezoito anos, apresentou o seu invento ao novo diretor da escola, que assumira a direção após a morte de Valentin. Com a nova administração, o Centro de Pesquisa, como deveria ser chamado, perdeu sua finalidade principal, que era a de criar condições plenas para a escrita e leitura dos cegos. O sucessor de Valentin, entre muitas desculpas, não aceitou o novo sistema, alegando não querer abandonar o que já havia sido realizado com muita dificuldade. (...) Diante da falta de receptividade para o seu invento, Louis Braille começou a demonstrar sinais de desânimo. Contudo, por volta de 1853, o rei Louis XVIII organizou uma feira internacional, onde o alfabeto de seis pontos foi discretamente exposto por iniciativa de uma ex-aluna de Louis Braille, também cega, filha de família nobre, a quem ensinara a ler, escrever e tocar piano, utilizando o Braille. O alfabeto em relevo despertou grande interesse nos visitantes, principalmente nos estrangeiros. Com muito entusiasmo, em pouco tempo o alfabeto Braille, como passou a se chamar, foi divulgado em muitos países. No Brasil, o ensino do Braille foi introduzido imediatamente, graças ao espírito inovador de D. Pedro II, ao contrário dos Estados Unidos, que só admitiram o novo sistema a partir de 1908, porque ainda estavam presos ao método das letras de forma, recusando-se a aceitar a inovação (...). O Sistema Braille utiliza sessenta e três símbolos em alto relevo, formados por pontos que variam de um a seis para cada letra. A maior letra do Braille tem a largura de dois pontos, no sentido horizontal, e a altura de três, ocupando uma área de 4 por 7 milímetros, cujo espaço é reservado para as demais letras, ainda que seja apenas de um ponto. A linha vertical da esquerda representa os pontos um, dois e três, e a da direita, os pontos quatro, cinco e seis: As dez primeiras letras do alfabeto formam a primeira linha e constituem a base de todo o Sistema Braille.”

Máquina de escrever em Smart Braille Perkins

15) SEMINÁRIOS

“A partir de 1983, a Fundação Hilton Rocha, criada no ano anterior, e a Diretoria de Ensino Especial da Secretaria de Educação iniciaram uma série de seminários sobre a questão dos deficientes, dos quais procurei participar, às vezes como convidado, para falar sobre algum tema discutido nos encontros. Transcrevo, aqui, duas palestras proferidas nos referidos seminários.”
15.1 Trabalho apresentado no Seminário realizado em Belo Horizonte, em agosto de 1983
15.2 Palestra proferida no Colégio Estadual Central de Belo Horizonte, em abril de 1988, por ocasião do seminário sobre a educação dos deficientes, promovido pela Diretoria de Ensino Especial do Estado, na qual tratei do tema “O aluno que necessita da escola especial”. 
“Assim sendo, defendi os seguintes pontos:
Ao fundar, em 1854, no Rio de Janeiro, a primeira escola para cegos da América do Sul, D. Pedro II não considerou aspectos importantes da questão, tais como: a dimensão do nosso território, a dificuldade de transporte, a educação na sua total amplitude e, acima de tudo, o fato de a invenção de Louis Braille permitir que o cego estudasse em qualquer estabelecimento de ensino. O mais indicado seria montar um centro de apoio, a fim de treinar pessoal das diversas regiões do País, confeccionar e distribuir material didático para milhares de estudantes cegos. O atendimento aos deficientes, que antes não existia, tornou-se, no início, um privilégio para poucos, o que permanece até hoje. De acordo com os dados da “CORDE” – Coordenadoria Nacional de Integração da Pessoa Deficiente, as atuais escolas especializadas não atendem nem 4% de um total de 10 milhões de pessoas deficientes que vivem no Brasil. Com o ensino residencial para deficientes, iniciou-se um processo educacional pouco abrangente, onde muitos não teriam oportunidade de estudar. Se as autoridades de hoje não forem devidamente orientadas, mais escolas especializadas serão construídas nos grandes centros ou em microrregiões, supondo-se estar promovendo a tão falada integração. A fundação do Instituto São Rafael, em 1926, por exemplo, atendeu, em parte, aos anseios dos mineiros, mas a escola simplesmente deu continuidade aos problemas já citados. No entanto, nem mesmo o aluno que apresenta deficiência mental deve se utilizar do recurso da escola especial, acreditando ser o lugar mais apropriado para a sua educação. O ensino integrado promove a socialização do aluno deficiente. A presença dele na escola comum facilita a sua convivência com os demais colegas não-deficientes. Essas crianças, por certo, irão perceber, no futuro, que é possível trabalharem juntas, também, porque se lembrarão do tempo da escola, quando tiveram oportunidade de reconhecer o valor e a capacidade de cada um, embora alguns não tivessem olhos ou ouvidos para enxergar ou escutar, ou inteligência bastante para assimilar depressa a matéria. Especiais devem ser os recursos, e não as escolas. A deficiência traz como conseqüência a dificuldade de integração do seu portador ao meio em que vive. O trabalho com as pessoas deficientes deve, pois, ser feito no sentido de minorar essa dificuldade. Isolá-las numa escola especial, pensando estar-se fazendo o melhor para elas, será aumentar sua limitação. O internato para deficientes, além de atender poucos alunos, como já foi dito, também isola o estudante do seu meio social; mantém o povo alheio ao seu desenvolvimento, que é conhecido apenas em seu próprio meio e, por isso, contribui muito pouco para a extinção dos velhos preconceitos. Não havendo entre as crianças, adolescentes e adultos o convívio diário nas escolas, no trabalho, na atividade do dia-a-dia, não é possível corrigir as idéias erradas que o povo faz dos cegos e de outros deficientes. O preconceito contra o deficiente só diminuirá através da convivência constante entre todas as pessoas da comunidade. O ensino centralizado contribui para o êxodo rural, com todos os seus problemas. Quem vive o dia-a-dia das escolas de deficientes conhece muito bem o drama das famílias que se mudam do interior, em busca dos recursos para seus filhos. Os alunos das escolas especializadas, em razão do convívio segregado, em geral casam-se entre si, contribuindo em parte para aumentar o número de pessoas deficientes, no caso de doença congênita entre os pais. Também não é justo tirar uma criança do convívio familiar e interná-la numa escola distante. Nesse caso, comete-se uma violência social, assim como também é violência deixá-la crescer sem nunca freqüentar uma escola, o que acontece na maioria das vezes, porque a única opção existente encontra-se muito distante. Por outro lado, descentralizando o atendimento, não só dar-se-ia oportunidade a outros, como também seria promovida sua integração de fato.
Convencido de que somente pela descentralização do ensino seria possível alcançar este objetivo, iniciei em 1972 um trabalho de divulgação dessa idéia. Inicialmente, as escolas especializadas já existentes deveriam atuar como centro de apoio, elaborando e fornecendo material didático aos alunos, oferecendo condições aos professores do interior para atender os deficientes nas escolas regulares. Compete agora ao governo articular e coordenar a ação descentralizadora urgente, mantendo um centro de apoio amplo, capaz de atender os deficientes em suas necessidades básicas de locomoção, comunicação, educação e trabalho em suas respectivas comunidades.
Após ter sido vetada essa proposta em 1980, procurei o então secretário de educação para mostrar-lhe o equívoco do governo. Na minha presença, ele pediu ao superintendente que entrasse em contato com a Diretoria de Ensino Especial e apurasse o fato. Talvez em decorrência disso, dois anos depois, na gestão do Prof. Luís Carlos de Castro, que reorganizou a escola e promoveu a socialização dos alunos dentro e fora do estabelecimento, o Instituto São Rafael deu início aos primeiros treinamentos de professores do interior, a fim de que lecionassem para alunos deficientes nas escolas comuns. Em 1982, por motivo de reforma do prédio, o São Rafael não pôde receber seus alunos. Eles foram então, encaminhados pela Diretoria às escolas regulares, tanto da Capital como do interior. Essa providência tinha tudo para não dar certo, pelo despreparo dos professores dessas escolas em lidar com alunos deficientes visuais. Ao contrário, a experiência deu bons resultados. O aproveitamento escolar dos alunos deficientes foi normal e houve até quem preferisse continuar a estudar nas escolas comuns. A descentralização de emergência veio simplesmente mostrar que, há 150 anos, Louis Braille deu aos cegos do mundo a chave da porta de todas as escolas.”

16) DOIS PROJETOS

16.1 POSTAL BRAILLE
“Querendo dar ao Braille uma utilização mais abrangente, melhorando a sua comunicação escrita, sugeri à Diretoria dos Correios em Belo Horizonte que estudasse a possibilidade de se instituir um serviço pioneiro, denominado Postal Braille, de grande alcance social para toda a comunidade, ou seja, um departamento que se incumbiria de receber e transcrever, para cegos, correspondências do sistema comum para o Braille e vice-versa. Este novo serviço pode facilitar em muito a vida de seus usuários, ainda dependentes no que se refere à leitura e ou escrita de qualquer mensagem postal, limitando-se os deficientes visuais, até hoje, tão somente a ouvir ou ditar suas correspondências. Em Belo Horizonte, a idéia de se criar o Postal Braille teve boa aceitação por parte da Diretoria Regional dos Correios e pela maioria dos deficientes. A administração central, em Brasília, foi consultada, respondendo favoravelmente à sua implantação, em caráter experimental. A Diretoria de Belo Horizonte, então, esforçou-se ao máximo e, em outubro de 1987, colocou o Postal Braille em condições de funcionar em Minas, com todo o equipamento e pessoal preparado para atender os primeiros usuários. Todavia, para nossa surpresa e frustração, veio de Brasília uma ordem lacônica, determinando que se adiasse a inauguração do serviço, até segunda ordem. Possivelmente por falta de informação adequada quanto à importância do Postal Braille, ou talvez até por outro motivo não revelado, a ECT voltou atrás e perdeu a oportunidade de criar esse serviço pioneiro, adiando-o para o futuro, que esperamos seja breve, embora haja os que ainda insistem em não aceitar a implantação desse beneficio incontestável. Depois disso, procurei políticos e instituições de apoio aos deficientes. A maioria continuava achando interessante a idéia, mas também não lutava por ela. Somente a Imprensa divulgava esse projeto como sendo uma grande inovação, não vendo no serviço da Postal Braille nenhuma ilegalidade, como foi apontado por representantes de instituições como a Coordenadoria de Apoio ao Deficiente e até a Fundação Hilton Rocha. Recentemente, a Senadora Júnia Marize ouviu pela Rádio ltatiaia de Belo Horizonte, no noticiário da manhã, uma matéria a respeito da Postal Braille. Eis o texto: “É do deficiente visual Mário Alves de Oliveira, um advogado, a proposta da criação de um núcleo de tradução de correspondências para facilitar a vida dos que não enxergam. A sugestão é dotar o Correio de pessoal treinado na linguagem em Braille para tocar esse sistema tão importante para quem convive com a cegueira. Assim, a correspondência chegaria aos seus destinatários, que não necessitariam de mais ninguém para a leitura, em Braille. Isso é o que se poderia chamar de avanço de Primeiro Mundo, faltando só que os Correios se sensibilizem para o problema e promovam um estudo da questão”. Dias depois, recebi telefonema de um assessor da Senadora, dizendo que ela se interessava pelo projeto. Para que Júnia pudesse compreender bem nossa idéia, entreguei ao seu assessor o seguinte resumo: A ECT fica obrigada a transcrever para o Sistema Braille a correspondência enviada para uma pessoa deficiente visual ou, inversamente, para o sistema comum, a correspondência escrita em Braille, da seguinte forma:
1 - O remetente fará constar na correspondência a denominação “Postal Braille”, o que significará o seu encaminhamento a esse serviço e também a autorização para a devida transcrição.
2 - O destinatário, por sua vez, deixará nos Correios uma autorização para que possa receber a sua correspondência transcrita.
3 - O remetente poderá, também, endereçar a correspondência à Postal Braille e fazer constar no texto o nome e o endereço do destinatário.
4 - Para que não se configure a violação de correspondência, o profissional dos Correios deverá assumir o compromisso de sigilo, como acontece nos telegramas. Infelizmente, O interesse da senadora pela Postal Braille, infelizmente, durou pouco. Creio que ela desistiu do projeto diante das primeiras dificuldades, pois não se manifestou mais a respeito do assunto.”
Finalmente em 5 de outubro de 2007, os Correios criaram a Central Braille, encarregada de controlar e monitorar o serviço POSTAL BRAILLE, visando ampliar o acesso das pessoas com deficiência visual ao serviço. A Central Braille dos Correios recebe em escrita comum (digitados ou manuscritos), converte-os para o código braille e providencia o envio ao destinatário. Por meio do serviço denominado POSTAL BRAILLE, já foram realizadas mais de 30 mil transcrições nesses quase 13 anos de existência. O conteúdo das correspondências é protegido pelo sigilo profissional. Cerca de 50 instituições públicas e privadas utilizaram a POSTAL BRAILLE dos Correios nos últimos anos para enviar correspondências transcritas para o braille a clientes e usuários.

Margaridinha e Mário no "Estado de Minas" em 05/10/2019

16.2 IDENTIFICAÇÃO DO DINHEIRO PELO TATO
“Apesar do interesse dos governantes de diversos países e do esforço individual de muitas pessoas, ninguém conseguiu, até hoje, elaborar um processo seguro que possibilite aos deficientes visuais identificar o dinheiro. Essa dependência total dos cegos ainda os deixa muito distantes do convívio rotineiro, no uso de uma das necessidades mais constantes, embora tenha havido muito progresso nos últimos cem anos em outros setores. Os recursos utilizados, em geral, não oferecem segurança ou certeza de identificação até mesmo das moedas, permitindo apenas conhecer, precariamente, parte do dinheiro circulante.
Acreditei, então, que a Casa da Moeda poderia imprimir nas cédulas quatro pequenos círculos ásperos ou ligeiramente mais espessos, destacados no papel moeda.
Com quatro pontos podemos formar treze símbolos diferentes, oferecendo total segurança ao tato e nenhuma dúvida na identificação do sinal impresso na cédula.
Esse sistema me pareceu interessante, mas, mesmo assim, procurei algumas gráficas em busca de mais opiniões. Não encontrei algo que pudesse alterá-lo. Entusiasmado, telefonei para a Casa da Moeda, no Rio de Janeiro. Sugeriram-me que eu procurasse alguém do Departamento do Meio Circulante do Banco Central, em Brasília.
Depois de muitos telefonemas, consegui falar com um funcionário que me pareceu conhecer muito bem o assunto sobre o qual eu pretendia falar. Ele fez um relato detalhado da situação mundial referente à identificação do dinheiro pelos cegos. Quanto ao Brasil, contou-me que em 1979 foi nomeada uma equipe de professores do Instituto Benjamin Constant para estudar o assunto e sugerir uma fórmula que pudesse atender aos cegos do nosso país. Educadamente, o funcionário garantiu-me que é impossível encontrar uma solução com indicações de sinais na própria cédula. Segundo ele, o cego só identificará o dinheiro através de recurso eletrônico, e acrescentou que no Canadá há um projeto neste sentido.
Sem desistir, procurei em Belo Horizonte o renomado oftalmologista Prof. Hilton Rocha, que se interessou muito pelo projeto. Pediu-me que lhe fizesse um relato sobre o assunto, acompanhado do desenho dos treze símbolos propostos. Fiz em cartolina, com um pincel, os 13 sinais de 4 pontos, representados pelas letras: n, p, r, t, v, x, z, e , o, a, u, w, e o sinal de n° que representariam os valores das cédulas, também em ordem crescente. Todas as cédulas teriam um símbolo próprio, representando o seu respectivo valor. Daí por diante, não acompanhei mais o andamento do projeto, mas fui informado algumas vezes, pelo próprio Prof. Hilton Rocha, de que tudo estava indo muito bem, sem acrescentar detalhes.”


AGRADECIMENTO

“Gostaria de salientar que este trabalho dificilmente seria realizado se eu não pudesse contar com a colaboração do amigo Pedro de Oliveira Chagas (Pedrinho), também deficiente visual, não só datilografando o rascunho que ditei, mas também apresentando sugestões e correções no meu português. Quanto à Maidinha, quem a conhece sabe também que ela dispensa qualquer comentário. Ao ler um xerox dos originais deste trabalho, a Wanda, a Lília e outros colegas da Assembléia Legislativa, com total dedicação, revisaram, digitaram e editoraram o texto. Serei sempre grato por essa iniciativa espontânea e gentil. Para me lembrar do carinho especial que o Dr. José Róiz sempre teve para comigo, transcrevo parte do seu discurso, quando paraninfou a turma de 1977 do Instituto São Rafael, onde trabalha como médico, desde 1960: 
“Poetas são as pessoas dotadas de alta sensibilidade, que têm a capacidade de enxergar mais beleza no belo e mais vida na própria vida. Amam tudo com mais intensidade e vêem as cores do arco-íris como os cegos, mais puras e mais bonitas. Não adianta querer ser poeta, porque os que o são, já nasceram assim. O vate tem especial dom para ver as coisas. Quem não herdou no berço essa qualidade jamais conseguirá ver toda a beleza da rosa, sentir todo o perfume do jasmim ou perceber toda a sutileza que existe em manhã muito bonita, de muito sol, de céu muito limpo e todo azul. Não basta sentir apenas o que vê o comum dos mortais. Para ser poeta é preciso enxergar algo mais. Eu gostaria de ser poeta. Como sei que não possuo esse dom, acho que seria melhor para mim, se tivesse nascido cego.”


III.  NOTAS EXPLICATIVAS 


¹  “O ano internacional dedicado aos deficientes foi muito comentado em todo o Brasil. O Governador de Minas Gerais, que nomeou uma comissão para discutir o assunto, criou, por indicação dessa Comissão, a Coordenadoria Estadual de Apoio e Assistência à Pessoa Deficiente. A Caixa Econômica Federal inaugurou em Belo Horizonte uma agência somente para atender clientes portadores de deficiência. Esse serviço da Caixa não durou mais do que um ano. A Coordenadoria, órgão então vinculado à Secretaria de Governo, nasceu com muito prestígio, gerando grande expectativa entre os deficientes de todas as áreas. A Primeira-Dama do Estado, empenhada na criação desse órgão, esforçou-se para que o coordenador fosse um elemento neutro, não-deficiente, mas comprometido com a causa, a fim de evitar possíveis privilégios e conflitos entre os cegos, surdos-mudos, paraplégicos e representantes dos deficientes mentais. O primeiro coordenador foi substituído por um deficiente visual, cerca de três meses depois de empossado, por pressão das diversas associações de deficientes. Infelizmente, aconteceu exatamente o que a esposa do Governador Francelino Pereira quis evitar. Ao invés de trabalhar em cima de propostas que pudessem operar mudanças profundas na política de atendimento aos deficientes de todo o Estado, a luta maior dentro da Coordenadoria era a disputa pela supremacia dos diversos cargos de chefia. Hoje, vinculada à Secretaria do Trabalho, a Coordenadoria tem seus poderes bastante limitados, estando sua diretoria funcionando interinamente há já algum tempo. Dr. Obregon Gonçalves, advogado que integrou a Comissão do Ano Internacional, em Minas, disse-me, certa vez, que a Comissão, da qual fez parte, sugeriu ao Governador somente a criação da Coordenadoria de Apoio ao Deficiente. No segundo semestre de 1981, ainda dentro do Ano Internacional dos Deficientes, a Diretoria de Ensino Especial da Secretaria de Educação promoveu um curso sobre a educação dos deficientes para os professores das escolas especializadas, proposta que eu já defendia há muito tempo. A partir de 1982, na gestão do Prof. Luis Carlos de Castro, o “São Rafael” começou a treinar professores do interior, em cursos rápidos, surgindo, em conseqüência, as primeiras salas-recurso. A sala-recurso é uma pequena estrutura de atendimento ao aluno deficiente que freqüenta a escola regular, que não dispõe de material escolar e humano adequados.” 

Cena do vídeo "O AMOR É CEGO" de Mário Alves de Oliveira Júnior. Entrevistadora: Maíra Lemos.


IV.  AGRADECIMENTOS 


Agradeço carinhosamente à minha esposa Rute Pardini a edição das fotos, bem como a Mário Alves de Oliveira Júnior o compartilhamento de fotografias de seu álbum de família.




V. BIBLIOGRAFIA



Jornal ESTADO DE MINAS GERAIS: Central dos Correios traduz correspondências para o braille e muda a vida de deficientes visuais, reportagem de Márcia Maria Cruz, postada em 05/10/2019
Link: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2019/10/05/interna_gerais,1090425/correios-traduz-correspondencias-para-o-braille-e-muda-a-vida-de-cegos.shtml

Jornal O TEMPO: Aparelho facilita aprendizado de cegos, reportagem de Bárbara Ferreira, postada em 12/03/2015
Link: https://www.otempo.com.br/cidades/aparelho-facilita-aprendizado-de-cegos-1.1007286

Jornal ESTADÃO: Correios vão transcrever cartas do alfabeto comum ao braile, postado em 05/10/2007
Link: https://www.estadao.com.br/noticias/geral,correios-vao-transcrever-cartas-do-alfabeto-comum-ao-braile,60781

Jornal A TARDE: Deficientes visuais terão serviço gratuito de transcrição de correspondência em braille, postado em 05/10/2007
Link: https://atarde.uol.com.br/brasil/noticias/1179135-deficientes-visuais-terao-servico-gratuito-de-transcricao-de-correspondencia-em-braille

JORNAL DE BRASÍLIA: Deficientes visuais terão serviço gratuito de transcrição de correspondência em braile, postado em 05/10/2007
Link: https://jornaldebrasilia.com.br/brasil/deficientes-visuais-terao-servico-gratuito-de-transcricao-de-correspondencia-em-braile/

Jornal FOLHA DE SÃO PAULO ILUSTRADA: Filho do “rei”, Dudu Braga estreia na Cultura, reportagem de Laura Mattos, postada em 19/11/2008.
Link: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2911200819.htm

JÚNIOR, Mário Alves de Oliveira: O AMOR É CEGO. O autor, que é contador de histórias, narra a crianças da Escola Estadual Geraldina Soares, em Belo Horizonte, a história de amor vivida por seus pais, com o apoio técnico de Maíra Lemos, proprietária de um canal no YouTube.
Link: https://youtu.be/K8mPwZav-fk 

OLIVEIRA, Mário Alves: NEM CLARO, NEM ESCURO. Belo Horizonte: Ápice Editora e Gráfica Ltda, 1994 – Disponível in Link: http://anibalroque.com.br/mario-alves-de-oliveira_nem-claro-nem-escuro.htm

 –––––––––– BRAILLE, UMA JANELA PARA O MUNDO, edição particular, 2001.