quarta-feira, 23 de abril de 2014

CINE GLÓRIA DE SÃO JOÃO DEL-REI: sessenta e sete anos servindo a sétima arte

Por Francisco José dos Santos Braga


Francisco Cupello (foto de DIÁRIO DO COMÉRCIO)



Em homenagem a Francisco Cupello, fundador do Cine Glória, e aos confrades e colaboradores deste blog, respectivamente Dra. Elizabeth dos Santos Cupello e Dr. Mário Pellegrini Cupello, DD. Presidentes da Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto, de Valença-RJ.



I.  INTRODUÇÃO


Parece haver um consenso entre os escritores que se ocuparam da história do Cine Glória de São João del-Rei: o fato de ter tido excelentes e experientes gestores desde a sua fundação possibilitou ao velho Glória prestar excelentes serviços à comunidade são-joanense. Desde sua fundação até hoje, já passaram por sua administração: Empresa F. Cupello & Cia. (21/08/1947-31/01/1961), Lombardi & Resende Ltda. (31/01/1961-31/12/1979) e Wellerson Itaborahy, carinhosamente conhecido por "Lilinho" (31/12/1979 até hoje). Dá-se como certa a saída voluntária do Sr. Lilinho para o mês de maio de 2014, deixando a gestão do Cine Glória e de suas coligadas (Cine Glória Shopping e de duas Cine Glória videolocadoras) para seus três filhos, Wellerson Itaborahy Júnior, Wallace Itaborahy e William Itaborahy.

O fato de ser o único cinema atuante das redondezas, segundo SOBRINHO [2006, 61-64] deve-se a três fatores: "a) — o prédio é um próprio municipal e, portanto, imune, quem sabe, à tentação de se converter em outras finalidades mais lucrativas; b) — a existência, anexa, de uma locadora de fitas para videocassetes, que lhe supre as possíveis perdas com a projeção cinematográfica; c) — o idealismo de seu atual locatário, um verdadeiro apaixonado da arte do cinema, a quem aproveitamos o ensejo para louvar, parabenizar e agradecer." Neste último caso, ele se refere à presença marcante de Wellerson Itaborahy na direção do cinema. Tendo o Cine Glória sido homenageado pelo mesmo autor em capítulo do seu livro intitulado "Cinquenta Anos do Cine Glória", será reproduzido aqui trecho esclarecedor sobre os seus primórdios.

Neste artigo veremos o espírito profissional e empreendedor da primeira firma que fundou o Glória. Conforme feliz expressão de Mário Pellegrini Cupello, sobrinho de Francisco Cupello, homenageado aqui, no seu artigo "Revitalização dos Cinemas", "a biografia de Francisco Cupello (1911-1979), rica em sua essência, é um exemplo de honestidade, persistência, dedicação ao trabalho e amor ao Brasil, qualidades que o tornaram um empresário bem sucedido, sem que jamais perdesse a simplicidade e o respeito ao próximo. Amou tanto o Brasil que se nacionalizou brasileiro por decisão pessoal, sem nunca esquecer suas raízes italianas. (...) Consta em seu livro de memórias que, além da construção do Cine Glória, ele reformou, completamente, o Teatro Municipal de São João del-Rei. O apreço pela cultura parece, portanto, ser uma tradição familiar."

Aqui serão vistos fatos anteriores à inauguração do Cine Glória, a própria cerimônia de inauguração, conforme cobertura de O CORREIO e DIÁRIO DO COMÉRCIO, ambos são-joanenses, bem como as repercussões de tal iniciativa, sob a ótica deste último, que deu ampla cobertura não só à festa de inauguração propriamente dita, mas também a fatos anteriores ocorridos na Empresa F. Cupello & Cia. Ltda. e a arranjos necessários à definitiva instalação da sala de cinema, em artigo intitulado "Os Cinemas Locais", subtítulo "Instalação do Microfone, Marcador e Gongo - Concurso - Redução de Preços".

Em todos os textos, foi respeitada a grafia de época.



II.  ANTECEDENTES



Dr. Gabriel Martins Vilela

Com destino aos Estados Unidos e Canadá deverá seguir dentro em poucos dias o dr. Gabriel Martins Vilela, socio da firma F. Cupello & Cia arrendataria dos cinemas locais. A excursão do acatado e operoso homem de negocios prende-se a estudar de perto o comercio cinematografico na terra do cinema de onde, no seu regresso trará, por certo, inovações modernas a serem introduzidas nos cinemas de propriedade da Empresa nos Estados de Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Com essa excursão muito lucrarão os cinemas locais, como é desejo do ilustre viajante.

Fonte: DIÁRIO DO COMÉRCIO, São João del-Rei, p. 4, 2 de julho de 1947.



III.  INAUGURAÇÃO DO CINE GLÓRIA





Inaugura-se amanhã o Cine Glória

Cine Glória, atuante ainda hoje, 21/04/2014

Está marcada para amanhã a inauguração do Cine Glória na Avenida Tiradentes.
O novo cinema acha-se instalado em imponente e confortável prédio de construção recente, mandada executar pela firma F. Cupello e Cia. Ltda, em cumprimento de contrato firmado com a Prefeitura local.
De linhas sobrias, mas elegantes, a nova casa de diversões vem enriquecer o patrimônio sanjoanense e possibilitar à população um centro de distração à altura do seu progresso e cultura.
Embora as clausulas do contrato permitissem o aproveitamento do aparelho de projeção e das velhas cadeiras que estão no Cine Capitólio, os senhores F. Cupello & Cia, desejando corresponder às gentilezas e preferências do público, numa demonstração de apreço e elevado conceito que lhes merecem os sanjoanenses, mobiliaram o novo cinema com poltronas confortáveis e adquiriram dois ótimos projetores dos mais modernos que existem no mercado.
Realmente, o Cine Glória que se inaugura amanhã nada deixa a desejar e pode competir vantajosamente com os seus congeneres das grandes cidades.
A sessão inaugural será às 18 horas com um variado programa de filmes; para essa sessão os ingressos serão gratuitos. Às 20 horas haverá segunda sessão, quando será exibido o maravilhoso filme "Vivo para cantar", estrelado pela "star" Diana Durbin.
Ao ensejo dessa inauguração, "Diário do Comércio", que por ela tanto se bateu, felicita a firma F. Cupello & Cia. pela magnifica realização que marca uma fase de progresso na vida de São João del-Rey.

Fonte: DIÁRIO DO COMÉRCIO, São João del-Rei, p. 1, 20 de agosto de 1947.


Inauguração do Cine Glória

Quinta-feira, às 18 hs., foi inaugurado o Cinema Glória, pela Empresa F. Cupello & Cia. Ltda., nesta cidade, à Avenida Getúlio Vargas.
O ato, revestido de certa simplicidade, foi assistido por grande número de pessoas, sob a orientação do sr. José Belini dos Santos, redator do colega local — o Diário do Comércio — com a presença de autoridades locais, notadamente o sr. Governador da cidade, e pessoas gradas, antes convidadas.
Após a cerimônia inaugural, que constou da entrega simbolica da chave do edificio ao sr. Prefeito, foi exibido, na tela, um programa leve e interessante, seguindo-se após a exibição do grande filme "Vivo para Cantar" que agradou plenamente.
Obra retardada na sua construção por efeito da falta de material verificada no periodo da guerra, é finalmente entregue à utilidade do povo, que assim tem mais uma casa de diversão — um novo cinema, quando o cinema é, hoje, o divertimento preferido do povo.
É justo dizer-se de passagem que essa obra se deve à ideia do ex-prefeito dr. Antonio Viegas, que fez questão de incluir no contrato com a Empresa a construção dêsse edificio e a instalação de mais um cinema, visando favorecer os diletantes e aumentar o patrimonio municipal.
Ao tempo, a cidade não oferecia as possibilidades lucrativas atuais; daí ter sido modesto o ajuste sôbre a construção e instalação do novo cinema. A Empresa Cupello, compreendendo, entretanto, que o seu próprio interesse aconselhava instalação melhor que a ajustada no contrato, foi além do previsto.
Todavia, não fez o que poderia ter feito quando a cidade cresce vertiginosamente, alargando as possibilidades futuras, com um presente já muito movimentado nas sessões que, aos domingos, começam às 10 horas. E tem a Empresa um contrato longo.
Esta noticia vem atrazada e não encerra pormenores da  inauguração, porque um qui pro quo nos afastou da sessão inaugural, pois, residindo fora o nosso redator, não foi ele em tempo avizado de que o sr. gerente havia estado na redação para convidar este periódico.
Justificando o motivo do atrazo desta noticia, almejamos à Empresa F. Cupello o maior êxito para o Cinema Glória.

Fonte: O CORREIO, São João del-Rei, p. 2, 31 de agosto de 1947.


Reportagem sobre S. João del-Rei

Cumprindo seu util e interessante programa de reportagens no interior dos Estados, principalmente nas cidades históricas, está na cidade a caravana da Rádio Globo, integrada dos senhores Celestino Silveira, um dos mais cultos locutores do "broadcasting" nacional, e Vasco Lima, brilhante redator e rádio técnico da organização.
Essa divulgação está sendo patrocinada pelo sr. Francisco Cupello, sócio da firma Cupello & Cia., que num gesto muito cavalheiresco e profundamente sensível aos sanjoanenses deseja propagar, através das ondas sonoras, o nosso progresso e os nossos costumes.
Toda a solenidade da inauguração do Cine Glória será irradiada, e, ainda hoje às 21½ horas, haverá uma irradiação pública da reportagem feita pelos nossos brilhantes colegas de "O GLOBO".

Fonte: DIÁRIO DO COMÉRCIO, São João del-Rei, p. 1, 21 de agosto de 1947.


A inauguração do CINE GLÓRIA

Constituiu acontecimento marcante nesta fase de progresso que atravessa São João del-Rey a inauguração do Cine Glória, realizada na tarde de anteontem na Avenida Tiradentes.
O ato foi solene e assistido pelas autoridades locais e grande público.
Precisamente às 18 horas teve início a cerimônia inaugural com a entrega da chave simbólica ao snr. Prefeito Cristóvão Braga, pelo nosso redator José Bellini dos Santos que disse, em rápidas palavras, do significado do acontecimento e poz em relêvo o melhoramento realizado que vem possibilitar à população sanjoanense mais um ponto de evasão das labutas quotidianas.
Recebendo a chave falou o sr. Prefeito em nome da cidade, terminando por felicitar a firma F. Cupello & Cia. pela realização que vinha satisfazer um compromisso contratual e uma antiga aspiração do povo.
Terminadas as orações, vivamente aplaudidas pela assistencia, teve lugar a benção do edificio pelo operoso e querido vigário da paróquia de N. S. do Pilar, revmo. padre Mauro Faria, tendo a esse ensejo pronunciado ligeiras palavras de congratulações e votos para que a nova casa de diversões preencha as suas finalidades educativas.
Seguiu-se a sessão cinematográfica oferecida pela firma F. Cupello & Cia. ao povo.
Toda a cerimônia inaugural foi esplendidamente irradiada pela ZYI-7, emissora local, atuando como locutor o sr. Celestino Silveira, da Rádio Globo, em visita a esta cidade.
Antes da inauguração autoridades e pessoas gradas ocuparam o microfone para pôr em fóco o acontecimento e felicitar o sr. Francisco Cupello pelo empreendimento.
O Cine Glória quer interna e externamente é um edificio que honra a cidade, constuido para substituir o velho Cine Capitólio, será uma casa de diversões onde as classes menos favorecidas poderão, com muito conforto, gosar da sua diversão predileta e educativa.

Fonte: DIÁRIO DO COMÉRCIO, São João del-Rei, p. 1, 22 de agosto de 1947.



OS  CINEMAS  LOCAIS

Instalação do Microfone, Marcador e Gongo - Concurso - Redução de Preços

Ainda está na lembrança do público, que frequenta os cinemas locais, a brilhante solenidade da inauguração do CINE GLÓRIA.
Por essa ocasião, se verificou o zelo da empresa Cupello em proporcionar aos "habitués" de seus cinemas a melhor assistencia, tanto em solicitude como tambem em conforto.
Basta dizer que, pelo contrato, a empresa poderia remover para o novo cinema as cadeiras do Capitólio. E seria isso uma afronta para o público, de vez que aquelas cadeiras estão imprestáveis, na maioria quebradas.
Seria mesmo que colocar num "gentleman" bem vestido, de rica indumentária, um chapéu de palha rôto. A empresa compreendeu isso e, numa prova de aprêço e consideração para com a cidade, fez colocar no CINE GLÓRIA novas e confortáveis cadeiras.
Mas não ficaram aí as providencias da direção dos nossos cinemas, conforme se verá pela entrevista que o sr. José Gomide, incansavel gerente da empresa, vem de nos conceder.
Ouçam-lhe a palavra:
— A empresa Cupello, na pessoa do seu chefe, sr. Francisco Cupello, amigo indefectivel desta cidade, sempre teve para com esta "urbs" o maior aprêço.
Si às vezes incorremos em falhas, estas são sempre de ordem imprevista. O nosso desejo, — meu e da empresa, — é sempre concorrer para o agrado do público.
E isso, graças a Deus, temos conseguido, a não ser na exibição, felizmente rara, de filmes menos apreciados.
Mas, neste ponto, nem sempre pode influir o nosso desejo e, daí, não podermos afastar estes aborrecimentos aos nossos amáveis e distintos "habitués".
Temos, entretanto, para o futuro uma série de fitas magnificas, verdadeiras joias cinematográficas, de várias fábricas, que serão exibidas em nossos cinemas, dentro de poucos dias.
Por muitos mêses, poderemos fornecer ao nosso público trabalhos de primeira linha, filmes de renome, que se vêm impondo à critica de toda a parte, desde os Estados Unidos.
Além disso adotaremos várias medidas afim de tornar estes filmes acessiveis a todos. Os preços serão populares, reduzidos, nas 4ªs, 5ªs e 6ªs feiras, a começar de hoje e, bem assim, daremos "matinées" aos domingos aos preços de Cr$2,00 e 1,00 no Teatro, e 1,50 e 1,00 no "Glória".
Muitas pessoas, conforme já tive ocasião de verificar, — continua o sr. José Gomide, — pensam que os aparêlhos do CINE GLÓRIA são velhos, transferidos do "Capitólio".
Absolutamente. São todos novos e da conhecida marca "SOLIDUS", proporcionando ótima e nítida projeção e com dispositivos de sons os mais modernos e perfeitos.
Instalamos tambem no "Glória" microfone, marcador de partes e gongo, e está em andamento um artistico pano de anúncios.
Com estes aparêlhos possibilita-se ao "habitué" atrazado saber a parte do filme que se passa no momento de sua chegada e, bem assim, pelo microfone, chamar-se um médico ou qualquer pessoa que esteja assistindo ao filme.
Para isso, como também para procura de objetos esquecidos, coisa tão frequente em cinemas, é bastante o interessado entender-se com a gerência, que será imediatamente atendido.
O Teatro tambem terá brevemente novas instalações. Já foi colocado alí, na semana passada, um microfone, que muito serviço prestará ao público, principalmente no que se refere a chamados de médico.
Estamos cogitando de instituir um interessante concurso que proporcionará aos frequentadores de nossos cinemas valiosos prêmios, inclusive rádios e ferros de engomar elétricos.
Este concurso será lançado  dentro de poucos dias, para o que haverá, na primeira semana, uma grande redução de preços nas entradas de ambos os cinemas.
Vê, pois, o amigo jornalista que as nossas disposições para com o público que honra os nossos cinemas são as melhores e que a nossa preocupação precípua é proporcionar-lhe cada vez mais conforto e agrado.
Com relação aos filmes é enorme a lista deles, entre os quais cito, de memória, os seguintes que serão exibidos durante este mês de setembro:
"Anão Gigante", uma comédia de grande agrado, com Abott & Costello. No mesmo programa inicio do seriado "Aliado Misterioso". "Querida", com Gale Estroy e Conrad Nagel. "A VOLTA DO CISCO KID", com Duncan Reynald, filme de aventuras. "ALMA CIGANA", em tecnicolor, com Maria Montez e Sabú, um filme monumental (Universal). "O Ponteiro da Saudade", com Judy Garland. "A Indomavel", com John Wayne e mais um elenco extraordinario. "A Mina Assombrada", com Jonny Brown. "A MORTE DE UMA ILUSÃO", com um elenco de primeira ordem. "A CRUZ DE LORENA", com Jean Pierre Aumont, um drama que fará vibrar todos os corações. "TANGER", o filme-deslumbramento com Maria Montez e Sabú. "Rainha dos Corações", um filme de extraordinario sucesso. "O Rei do Ring", um filme movimentadissimo com os Anjos de Cara Suja. "Quasi uma Traição", um grande drama. "TAMBEM SOMOS SERES HUMANOS", com Burgess Meredith, drama de intensa emoção e ação violentissima.
A Empresa chama a atenção do seu querido público para esta linha de filmes de incontestavel valor, filmes estes de exibição simultânea com o Rio.
E com essa enumeração de filmes, terminou o snr. Gomide, sempre com a gentileza que lhe é tão natural, a entrevista que nos concedeu.

Fonte: DIÁRIO DO COMÉRCIO, São João del-Rei, p. 4, 10 de setembro de 1947.

Espaço interno do atual Cine Glória: 402 cadeiras

 Dimensões da tela do atual Cine Glória: 16,5 mX7,5 m

Em texto intitulado "Cinquenta Anos do Cine Glória", capítulo de seu livro, SOBRINHO [2006, 61-64] nos informa que o Teatro Municipal esteve arrendado à firma F. Cupello & Cia., de 1940 a 1961, conforme relação de Antônio Guerra, quando então voltou a ser exclusivamente espaço teatral. Registra ainda que 
"teria F. Cupello na década de 40 procedido a uma reforma interna do Teatro (...).
É preciso ressaltar que, além do Teatro, algumas dessas concessionárias exploravam simultaneamente, o PAVILHÃO e, a partir de 1947, o CINE GLÓRIA, localizados, sucessivamente, aos fundos, com frente para a Av. Getúlio Vargas que, nesse mesmo ano, passava a chamar-se Av. Tiradentes. 
Em 21 de agosto de 1947 (...) aconteceu a estreia do atual e único remanescente cinema de São João del-Rei, o CINE GLÓRIA. Sua inauguração fora prevista para uma semana antes, exatamente no dia 15 de agosto, consagrado a Nossa Senhora da Glória, razão também do seu nome. Por razões outras, porém, a estreia teve de ser procrastinada por sete dias.  
Sua construção foi realizada de acordo com cláusulas contratuais com a Prefeitura e para substituir o antigo CINE CAPITÓLIO, pela EMPRESA F. CUPELLO & CIA. LTDA, então arrendatária do Teatro. (...) 
São João del-Rei ganhava, assim, com aumento de seu patrimônio municipal, mais um ótimo espaço de lazer, com 1.200 lugares e dois modernos projetores, construído exatamente no local onde muito antes existira um Ringue de Patinação e onde, em 1913, a Empresa Faleiro, construíra, para substituir o Teatro Municipal, em reformas, um provisório Pavilhão em cujas modestas instalações, exibiam-se filmes a preços populares, ao término de cada parte, segundo Sebastião Cintra, eram executados números musicais. (...) 
Com o fechamento do cinema de Barbacena, São João del-Rei será a única cidade, destas redondezas, que ainda preserva um cinema atuante. E isto se deve, especialmente, a três fatores básicos que, felizmente, concorrem aqui: a) — o prédio é um próprio municipal e, portanto, imune, quem sabe, à tentação de se converter em outras finalidades mais lucrativas; b) — a existência, anexa, de uma locadora de fitas para videocassetes, que lhe supre as possíveis perdas com a projeção cinematográfica; c) — o idealismo de seu atual locatário, um verdadeiro apaixonado da arte do cinema, a quem aproveitamos o ensejo para louvar, parabenizar e agradecer. 
Louvores e parabéns que, de bom grado, estenderíamos a todas as pessoas que, nesta longa história do cinema em São João del-Rei e nos cinquenta anos do Cine Glória, dedicaram suas vidas a tão bela causa. Na certeza de que muitos ficarão esquecidos por falha da memória histórica, a todos homenageio lembrando apenas: Joaquim Dias, com 44 anos de dedicação no Capitólio e no Glória; Madalena e Santinha Pato; Seu Benevides e Seu João Lopes, gerentes ambos da Cupello; Henrique e Nequinha Guerra; Miúdo, Mariinha e Geny; Sabino e Gomide; Peneu e Zé Tripa; Chico, Antônio e Gelson. ¹
Não fossem aqueles fatores e esses dedicados heróis, era bem possível que nós, hoje, nos lembrássemos, com saudades, de um CINE GLÓRIA, como nos lembramos do ARTUR AZEVEDO ², vendo seus prédios e espaços susbituídos por hotéis, igrejas, supermercados, senão até mesmo por estacionamento de veículos." 


IV.  NOTAS


¹  Cabe aqui acrescentar nomes que me ocorrem de servidores inesquecíveis, além dos já mencionados:
no Clube Teatral Artur Azevedo: Farid Resgalla, Zebedeu, Wilson (irmão do treinador Zito), Zezé Baleiro (vendedor de balas, drops, pipoca e doces antes dos espetáculos), Sr. Aristides (que portava uma penca de chaves para abrir e fechar o cine) e Sabino (pintor de placas); no Cine Glória e no Teatro Municipal: Chala Sade, e apenas no Cine Glória: Marco Antônio Camarano, autor teatral e diretor de teatro.
Inesquecíveis ainda no Cine Glória e no Teatro Municipal foram as matinées das 10 horas da manhã, o seriado "Cidade Infernal", com o personagem Hugo, e a bombonière que ficava do lado de fora do salão.

²  Embora o Clube Teatral Artur Azevedo tenha paralisado suas atividades na década de 70, só em 1985 encerrou definitivamente suas atividades, quando foi vendida a sua sede, transformada no Supermercado Sales, no bairro do Tijuco.



V.  REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS



ALMEIDA, E.F.: Retroceder nunca, render-se jamais, Jornal O Tempo, reportagem de 17/07/2002, disponibilizado in http://saojoaodelreitransparente.com.br/organizations/view/87.

CUPELLO, M.P.: Revitalização dos Cinemas, artigo publicado no Blog de São João del-Rei em 18 de agosto de 2011.

DÂNGELO, J.: Em 35 mm, edição da Gazeta de São João del-Rei de 26/05/2007, coluna "Pelas Esquinas".

DIÁRIO DO COMÉRCIO: São João del-Rei, várias edições de 1947.

JORNAL HOJE EM DIA: Lilinho, o velho herói da cidade, reportagem de 30/06/2002, disponibilizado in http://saojoaodelreitransparente.com.br/organizations/view/87.

JORNAL DO SINDCOMÉRCIO: A beleza da sétima arte em 50 anos de história, dezembro de 2007, disponibilizado in http://saojoaodelreitransparente.com.br/organizations/view/87.

LELIS M.C.: Cine Glória de São João del-Rei: 60 anos dentro da história do cinema nacional, in CORGOZINHO, B.M.S., CATÃO, L.P. & PEREIRA, M.H.F. (org.): História e Memória do Centro-Oeste Mineiro: perspectivas, Belo Horizonte: Crisálida, 2009, 223 p.

O CORREIO: Inauguração do Cine Glória, edição de 31 de agosto de 1947. 

REVISTA MAXI: Entrevista: Lilinho, março de 1995, disponibilizado in http://saojoaodelreitransparente.com.br/organizations/view/87.

SILVA, H.C.: Cine Glória, Jornal da ASAP, São João del-Rei, s/d, disponibilizado in http://saojoaodelreitransparente.com.br/organizations/view/87.

SOBRINHO, A.G.: São João del-Rei - 300 anos de histórias, São João del-Rei: Do autor, 2006, 195 p.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Algumas anotações sobre o MONSENHOR GUSTAVO ERNESTO COELHO, Pároco da Matriz de Nossa Senhora do Pilar de 1902 a 1924 principalmente

Por Evandro de Almeida Coelho

Monsenhor Gustavo Ernesto Coelho (1853-1924)

Francisco Inácio Botelho, português nascido na vila Covilhã, concelho de Covilhã, distrito de Castelo Branco, em 02/02/1734, filho de Francisco José Botelho e Theresa Maria Joanna, emigrou para o Brasil e se casou em 16/09/1750 com Maria Theresa de Araújo Menezes, na capela de São Gonçalo, Campanha do Rio Verde. Francisco Inácio faleceu em 04/08/1796 deixando testamento feito em Lavras do Funil, freguesia de Santa Ana, onde declara seus cinco filhos legítimos e uma filha natural "das desordens da mocidade" na vila do Serro Frio, com Arcângela, sobrinha de Pascoinha, chamada Marcelina, casada com João Felis da Silva. São legítimos filhos: 1º) Antonia Violante do Espírito Santo, batizada em 19/05/1768, que se casou com Manoel Joaquim da Costa Vale. Faleceu a 20/09/1790. Teve três filhos: Bernarda, nascida em 1789; Maria Tereza, gêmea de Bernarda; Genoveva Joaquina, de 1790; 2º) Mariana Tereza, de 1769; 3º) Francisco José de Araújo, de 1771; 4º) Tomé Inácio Botelho, de 1773, casado com Emerenciana Constância de Andrade, pais de Fidelis Inácio Botelho, de 1796, filho natural de Tereza Amada de Jesus; de Maria Altina de Oliveira, de 1823, que se casou em 1843 com Francisco Joaquim Coelho (filho de José Joaquim Coelho e Ana Rita de Jesus), sendo que tiveram 4 filhos, a saber:
a) João Ernesto, pai de Dr. José, professor em Itajubá; Dr. Joaquim, médico; Dr. Antônio, engenheiro; João e Sebastião, farmacêuticos; Dr. Djalma, médico; Dr. Geraldo, advogado.
b) Joaquim Ernesto Coelho Júnior
c) José Ernesto Coelho
Em segundas núpcias, Francisco Joaquim Coelho casou-se com Ana Joaquina de Oliveira Melo, tendo com esta os seguintes filhos: Francisco Ernesto e Augusta Ernestina Coelho. Legitimou Adelaide Ernestina e Francisco Joaquim, o "Chico Ourives";
5º) João Batista Botelho, de 1776.
Filha de Fidelis, Maria Altina faleceu em 1880 e teve com Francisco Joaquim onze filhos, que são:
1- Fidelis, nascido em Lavras, em 1845;
2- João Ernesto Coelho, de 1846;
3- Francisca, de 1848;
4- Maria das Dores do Bonfim, de 1851;
5- Pe. Gustavo Ernesto Coelho, de 1853;
6- Umbelina, de 1855;
7- Augusto Ernesto Coelho, de 1856;
8- Antonio Leôncio Coelho, de 1858;
9- Gabriela Amélia de Bonfim, de 1863;
10- Emerenciana Augusta Coelho, de 1865;
11- Francisco Joaquim Coelho Júnior, de 1867.
Francisco Joaquim casou-se em segundas núpcias com Maria Luisa do Bonfim, viúva de Guilherme Tel Gonzaga, em 1886. O registro de casamento os dá como "minimamente pobres e carregados de filhos, vivendo em concubinato de 4 anos, de que tiveram três filhos, apenas um ainda vivo". Filhos: Mariana, Josefina e Sofia.
Pe. Gustavo foi ordenado em Mariana por Dom Antônio Maria Correa de Sá e Benevides a 11 de abril de 1880. Cursou as primeiras letras na aula pública de latim e francês com o professor Luciano Brasileiro, em Lavras. Matriculou-se no seminário em 1873. De 1881 a 1883 fundou e dirigiu o Colégio Coração de Jesus em Lavras, sua terra natal. Nomeado vigário de Nazareth (hoje Nazareno), exerceu o cargo de 1884 a 1888. Logo depois, de 1888 a 1891 foi designado para Canna Verde, de Lavras, município atual de Campo Bello, a 15 km de Perdões. Passou também por Macaia, entre Lavras e Aureliano Mourão, chegando a São João del-Rei para dirigir e lecionar na escola mantida pela Câmara Municipal. Cooperou com a paróquia do Pilar, sendo vigário o Cônego Francisco de Paula da Rocha Nunan. Na escola municipal lecionou latim e francês. Como professor, foi mestre no Colégio Maciel, de João Batista Maciel, no Largo da Câmara, onde regeu aulas de geografia, português e filosofia, e no Externato São José, do mesmo diretor. Exerceu as aulas de latim, francês e linguagem na Escola João dos Santos, mantida pelo Visconde de Ibituruna, em um sobrado já demolido no Largo da Prainha, hoje praça Dr. Antônio Viegas.
Transcrevemos um ofício da Secretaria da Câmara Municipal em 10 de novembro de 1986: 
"Ilmo. Sr.
De ordem do Sr. Ten Cel Dr. Eloy dos Reis e Silva, Vice-Presidente em exercício e Agente Executivo Municipal, comunico-vos, para os devidos effeitos que, por acto de hoje do exmo. sr. Dr. Vice-Presidente, foi marcado o dia 16 do corrente para se proceder aos exames da aula municipal sob a vossa sabia regencia, e que nomeou examinadores os srs. Aureliano C. Perª Pimentel, Pe. João Perª Pimentel e sr. Paulo Teixeira. O acto terá começo ao meio dia.
Saúde e fraternidade
Ilmo. Revmº snr. Pe. Gustavo E. Coelho
MD professor da aula municipal de Latim e Francês
O secrº João B. de Assis Viegas."
Temos cópia manuscrita de um recibo de 200$000 dizendo:
"Recebi do Sr. thesoureiro da Camara Municipal a quantia de duzentos mil reis por conta de meus vencimentos que, como professor de latim e francez tenho de haver da mesma Câmara.
São João del-Rei, 4 de maio de 1903
Pe. Gustavo Ernesto Coelho."
Ele não se descuidou dos serviços eclesiásticos, como lemos na correspondência abaixo:
"Ilmo. e Revmº Snr.
A meza administrativa da Veneravel Ordem 3ª de Nossa Senhora do Monte do Carmo d' esta cidade cabe o immenso prazer de communicar a V. Revmª que sob proposta sua e unanime approvação do Definitório foi V. Revmª escolhido para commissario dessa V. O.
Com todos os Carmelitas a Meza administrativa congratula-se pela acquisição que acaba de fazer, pois V. Revmª pela sua elevada illustração e virtudes vem prestar a nossa V. O. grandes serviços.
Deus guarde a V. Revmª.
Ilmo. e Revmº Snr. Pe. Gustavo Ernesto Coelho, Mtº D. Comissário da V. O. 3ª de Nossa Senhora do Carmo de S. João d' El-Rei aos 14 de outubro de 1895.
O vice-comissario, Pe. João José dos Passos e Silva
O sub-prior Antonio Roiz de Mello
O secretario Dr. José Moreira Bastos
O Thezoureiro José Roiz da Costa 
O procurador Francisco Isidro Rios."
Temos um atestado e certidão no teor seguinte: 
"Padre João Pereira Pimentel, pro-Vigário foraneo da Camara ecclesiastica do Rio das Mortes e pro-Parocho da freguezia de N. Senhora do Pilar de S. João d' El Rei
Attesto e certifico que o Revmº Snr. Pe. Gustavo Ernesto Coelho, sacerdote approvado neste Bispado e residente nesta freguezia, é maior de vinte e um annos, pela razão clara e obvia de que ninguém pode ser ordenado sem a idade canonica de vinte e quatro annos completos ou sem dispensa pontifícia que nunca excede a vinte e dous annos e meio. Quanto à moralidade do mesmo Sacerdote, a opinião publica, melhor do que o parocho, o proclama um Sacerdote exemplar.
Ita in fide parochi
S. João d' El Rei, 30 de julho de 1894
(selado com 200 réis)
Pe. João Pereira Pimentel."
Uma carta de Macahuba, de 13 de maio de 1902 dirigida ao Pe. Gustavo, diz que soube do falecimento do Pe. Pimentel pelo Jornal do Brazil, e comunica ter "dito missa pela alma delle, coitado. Se ouvisse a gente talvez não morresse tão depressa. Em poder dele está um tubo de guardar Santos Oleos. É obra nacional feita em Cattas Altas; é de prata, sem marcas e de encaixe, tendo em cada vaso as letras I. P. C. O tubo de prata está dentro de outro de folha de Flandres. Peço-lhe o favor de procurar isso para mim, pois lhe tenho muito amor por te-lo desde o ano de mª ordenação. Estão também com ele muitas folhas de sermão em francez (supplemento do Ami du clergé)... A morte do vigario parece-me uma mentira. Apesar do jornal não dizer o dia da morte, creio que foi no dia 9, e se foi, q. coincidencia. O Castro morreu a 27 de maio, 6ª feira depois da Ascenção e o Pimentel idem, isto é, 9 de maio, 6ª feira, depois do dito dia. Quem será o vigário de S. João? Se o Pe. Gustavo quizesse e na falta d' este o Pe. Julio, que felicidade para S. João. Emfim ha de ser o que Deus quizer e o povo merecer.
... reze por mim.
Muitas lembranças e visitas ao nosso Pe. Julio e ao Leoncio e a todos de sua casa.
Vou indo sem novidade.
(Pe.) Candido (de Alvarenga)
P.S. O ... Vig. Pimentel deixou 20 missas por celebrar as quais lhe foram encomendadas por Estanislau Bernardes de Castro Vinhas, do Corrego do Campo, Dores da Boa Esperança. Já foram celebradas e enviei a certidão ao tal senhor. Se houver alguma reclamação a respeito ou coisa que o valha, pode certificar que as 20 missas por alma de José e Domitildes já estão ditas e recebidas as esportulas. 
Vale."
A família do Monsenhor Gustavo era de gente pobre, como vimos na referência a Francisco Joaquim. E o monsenhor sempre teve carinho especial com os menos favorecidos. Há um bilhete datado de Lavras, 27 de dezembro de 1905 dizendo: "Muito estimarei que o Sr. esteja passando bem, a todos de casa os ... lanço abenção. Pesso-lhe que me mande 2 camisas de riscado 2 ceroulas 1chapeu ordinário preto e um pano de americano para faser 2 lençoes. e no mais a Deus.lembranças a todos e muita saudade. Seu pae e amigo
F.J. Coelho." (há uma anotação de ter enviado o pedido.)

Há outra carta de 1894, um bilhete avisando a chegada do Dr. Salles, no dia 8, que irá procurar o Tonico (Antonio Leôncio) e a Sophia. Pede para dizer a data do exame (?) e acrescenta que o Pe. Malaquias pede que lhe mandem 4 papéis de purpurina cor de ouro. A carta é de Lavras.

De Macaia, o mesmo roga ao Pe. Gustavo "que peça ao Tonico, sem muita demora, para trazer remédios tendentes a congestões de cabeça, porque todo mal dela vem por essa razão, e vosmecê estude seriamente isto que lhe digo. Se ainda esta carta chegar a tempo, não mande mais o remédio que pedi. Espero sua resposta sem demora. Empenhe com a Sophia para o Tonico vir sem demora." (etc.).

A falta de recursos da família e a falta de saúde podem ser comprovadas pela carta de 6 de setembro, sem ano, dizendo:
"Snr. Padre
Estimo q. encontre com saude e todos de caza Tunico e como vai ele meu Pai e familia i ao Augusto, Zica a poucos dias esteve com Maria...
nos estamos aqui em Sabara na Terra da fome e da mizeria lugar triste i muito feio e pobre...
Zeca foi chamado para aqui mais padaria quebrada i sem dinheiro.
recibi a esmola que mi deu o Padre Lica do snr. Luciano Brasileiro que mi mandou que Deus hade ajudar i nossa senhora...
que foi tudo para remedios para Antonio que teve doente a Dois mezes com um tumor aogra q. esta fechando. Aqui em Sabará muitas saudades do zeca para todos parentes i as minhas para todos.
Snr Padre 
Mi mande uma esmolla ¹ que estou ainda muito pobre i muito ruim de um olho esquerdo que perciso de mi tratar si não perco o olho que tomou todo
si tiver de mi mandar mi mande, em nome do meu compadre q. é padrinho de Antonio. Mi mande uma esmola que deus hade ajudar elle chama Adolfo Monteiro de Castro sua irmã chamada ..." (Na relação dos filhos de Francisco Joaquim é a Emerenciana, nº 10).

Em 1891, seu irmão Antonio Leôncio desistiu da carreira eclesiástica no seminário de Mariana e se tornou professor também de latim, francês e linguagem na Escola da Câmara Municipal. Casou-se em 1892 com Sophia Ernestina, filha de João Ignacio Coelho e Maria Balbina Teixeira Coelho. Eram filhos do casal, além de Sophia, Carlos Augusto, José Inácio, João Inácio Filho, Francisco Inácio, Maria das Dores, Ambrosina, Aurea e Amélia. As famílias têm duas com nome Sophia.

De Antonio Leôncio e Sophia nasceram Maria José da Conceição, Euthalia das Dores Coelho Carneiro, José Leôncio Coelho (o secretário e acólito preferido do tio Monsenhor) e Antonio José Coelho dos Reis.

Antonio Leôncio era habilidoso nos trabalhos de paciência. Quando o relógio da Matriz veio da Holanda, frei Patrício, também habilidoso, o chamou como primeiro ajudante. O frade traduzia do holandês para o francês ou português e o relógio foi sendo montado até a inauguração, dia 13 de dezembro de 1905. Máquina centenária!

Foi Juiz de Paz na cidade, chegando a ocupar o cargo de Juiz de Direito quando não havia titular. Casamentos religiosos e civis eram marcados no sobrado da rua Santo Antônio. De vez em quando o monsenhor usava a manguara (bengala comprida) na cabeça de quem não esperava a data de casamento para começar a família!

Em 17 de julho de 1907 foi fundada a Associação Católica Operária, com 14 fundadores na primeira Ata. Em 1908 foi fundada a União Popular, que depois criou o Albergue Santo Antônio, casa dos idosos. Em 1915 criou um Clube Dramático e criou em 1923 um liceu de artes e ofícios.

Em 26/01/1909 foi inaugurado no teatrinho do Convento dos franciscanos o Clube Dramático da Associação Católica Operária. Este clube da Associação promoveu outro espetáculo a 18/04/1909. Houve um concerto organizado pelo frei Cirilo, com os músicos da cidade. A 06/11/1910, o livro do Guerra sobre teatro, circo, anotações fala do 5º grande espetáculo, sem mais notícias. A 21/05/1911, fala de uma récita mensal do Clube da União Popular para atender os gastos com os melhoramentos no teatrinho dos franciscanos. Os ingressos subiram de 1$000 (um mil réis) para 1$500 (um mil réis e quinhentos réis). A 16/05/1914 houve a récita do Clube Dramático da União Popular com uma comédia em três atos. A 05/01/1915, este Clube encenou "A morgadinha de Valflor", da autoria de Pinheiro Chagas, reprisada no dia 16. No dia 12 p.p. haviam encenado "Leonardo, o pescador". A 18/04/1915 o Clube encenou o drama "A filha do mar". No dia 02/06/1915 foi a vez do drama em 5 atos, "O beijo do Judas" ser apresentado. Mais um drama em 5 atos foi levado ao palco em 11/08/1915: "O conde de São Germano". Apareceu uma comédia em 07/09/1915, em apenas um ato: "Guerra aos Nunes". No dia 18/10/1915 foi a encenação da peça teatral "A filha do saltimbanco", em 3 atos, repetida dia 04/11 em benefício de Licarião Diógenes, diretor de cena do Clube. Em 09/12/1915 foi a vez da revista local em 3 atos, de Tancredo Braga, "Terra Ideal", reprisada a 16, novamente a 23 e a 30, com tal sucesso que voltou a 07/01/1916 e a 10/01/1916. Outra revista local "Fitas e Discos", com 42 números de músicas, organizada por Licarião Diógenes, aconteceu em 25/04/1916, reprisada por duas vezes dia 28 e dia 8 de maio.

Nova diretoria do Clube União Popular a 14/05/1916, sendo eleito presidente Frei Cândido. No dia 02/06/1916 foi encenada a revista local "Terra Ideal", sendo repetida em nove datas posteriores. Em 05/07/1916, foi novamente encenada a revista "Fitas e Discos", já citada antes. Em 20/09/1916 foi a vez de apresentar a comédia "A mina de Tiradentes", em um ato, de Tancredo Braga. A comédia "A sopa no mel" foi ao palco em 14/12/1916. Enorme sucesso foi a revista portuguesa "Tim Tim por Tim Tim", com os grupos do Clube União Popular e do Clube Arthur Azevedo, fundado em 1915 por outro grupo de teatrólogos, sendo apresentada oito vezes. No dia 03/03/1917, em benefício do ensaiador do Clube União Licarião Diógenes, foi apresentada a zarzuela "Rosas de Nossa Senhora". Com todos os atores calouros no palco, foi apresentada novamente a revista musical "Tim Tim por Tim Tim", apoiada e incentivada pelos veteranos, a 22/04/1917, em benefício do Albergue Santos Antônio. A 22/11/1918 foram reiniciadas as sessões de cinema, 3 vezes por semana, interrompidas pela gripe espanhola. Quase um ano depois, em 29/01/1918, representaram a comédia "Povincianos em Lisboa", de Rangel Lima, em três atos. No dia 18/03/1918 foi apresentada a revista "Meu boi fugiu", do médico famoso, Dr. Ribeiro da Silva e Oscar Gamboa. A linda poesia "Jerusalém"foi interpretada pela amadora do Clube União, Srta. Alcídia Parizzi, reprisada a 18 e 22 de março, 12 e 20 de abril, 29 de maio e 7 de junho. No livro do Guerra não encontrei outras referências ao Clube Teatral União Popular.

O cinema Capitólio, dos Irmãos Faleiro, teve inauguração apenas em 16 de junho de 1929. A luz elétrica foi inaugurada a 6 de julho de 1900.

"Ação Social": jornal de 07/03/1915 a 1925

Na folha "Subsídios para a formação do 'Livro do Clero marianense'", o monsenhor Gustavo acrescentou às suas atividades eclesiásticas o seguinte recado: "Redator da folha "Ação Social", cujo programma é o proprio título, com o fim de divulgar o ensino de Leão XIII, de Pio X, Bento XV...". No texto da publicação podemos ler: (...) "cujo alvo é trabalhar na realização dos princípios de sociologia cristã e defesa das classes operárias."
A tipografia do jornal ficava na casa anexa à capela de Santo Antônio, lado direito, junto da sacristia. Vários tipógrafos compositores aprenderam lá seu ofício e, fechado o jornal pelo vigário Fernandez e o bispo Helvécio, trabalharam nas Typographias da Casa Assis, da Estamparia e Graphica Castelo, e na Typographia Progresso, na Avenida, perto da Loja Maçônica. Como o jornal era baseado nas encíclicas "Rerum Novarum" e "Immortale Dei" de Leão XIII, não interessava ao vigário novo, que foi personagem importante e eminente na Ação Integralista, fascista. Também não interessou ao bispo, que não permitiu a Ação Católica de Pio XI em sua diocese. Venderam a typographia e seus pertences a preço de liquidação.

A Biblioteca Municipal Batista Caetano de Almeida tem a coleção digitalizada do jornal, bastando ao pesquisador procurar por "Jornal Ação Social".

Não tenho registro de datas, mas um folheto para divulgação que diz:
Patrimonio da Família
Sociedade de auxilios mútuos
São João D' El Rey - Minas
Vantagens que a sociedade offerece aos socios e demais pessoas que quizerem inscrever-se:
A pessoa que introduzir 5 socios em um grupo, será socia desse grupo sem pagar a joia.
Ao socio remido que angariar para seu grupo, ou grupo superior ao seu, novo socio, serão creditadas 4 quotas de fallecimento, por conta das quotas da sua remissão, sendo que do grupo z = 2 quotas.
Ao socio não remido que angariar novo socio serão creditadas 4 quotas de fallecimento, do grupo e se for do grupo z = 2 quotas.
À pessoa que se inscrever por si na séde social, serão creditadas 1 quotas de fallecimento do grupo em que se inscrever; se for no grupo z - 1 quota.
Joias de 50$, 100$, 200$, ou 300$ em 2 prestações.
Quota de fallecimento de 3$, 6$, 12$ ou 45$000.
Peculios de 5-10-10 e 30 contos.
Premios: annual de 1-2-4 ou 5 contos.
Primeiros 150 socios remidos como fundadores, e 10 por sorteios cada 100 novos socios inscriptos.
Diretoria e Conselho:
Monsenhor Gustavo Ernesto Coelho
Dr. José Maria Ferreira
Major Antonio Reis
Dr. Eloy Reis
Dr. Odilon de Andrade
Dr. J. D. Leite de Castro
Dr. Viviano Caldas
Major Francisco José Affonso
Coronel Affonso Pimentel
Marjor Alberto Magalhães
Major João Viegas

Atividade pastoral como vigário forâneo

N.J.M.J.
Meu bondoso amº Monsenhor Gustavo
Pacem et salutem.
Enviando a V. Excia. os meus sinceros muit cordiaes parabens pela alta dignidade de que acabais de ser investido, faço ardentissimos votos aos céos para prosperidade de V. Excia. e maior gloria para a Egreja de Deus.
Infelizmente sou forçado a communicar a V. Excia. tristissimo facto que acaba de presenciar o povoado do "Bichinho", filial desta parochia. Fui convidade e com insistencia, embora houvesse grande relutancia da minha parte, como posso provar, para pregar ante-hontem, domingo, o sermão relativo ao encerramento do Mez de Maria; mandei, para este fim, uma pessoa de confiança à casa do Vigº Firmino Sardon, pedir-lhe licença (sei e estou certo que não há necessidade de tal licença), cortesia e muita distincção para com o Vigº da minha parte. Negou-a terminantemente, despedindo-se do meu emissario com palavras grosseiras, alheias ao caridoso ministro do Senhor e mostrando-lhe, além de tudo, a porta da rua; é duro!
Fui, de conformidade com a responsabilidade que tinha para por em execução o meu mandato; lá chegando, soube que o Vigº Firmino insistia em não consentir que eu pregasse; ao seu lado achavam-se as pessoas mais distinctas da cidade de Prados, como sejam: Dr. Juiz de Direito, Juiz Municipal, Promotor Público, Tabellião, Professor da Musica e etc., etc., pedindo-lhe acceder ao desejo dos festeiros para que eu fizesse o sermão, porque tinham chegado ali para esse fim; terminantemente não consinto, era a resposta do Vigario; seja tudo pelo amor de Deus!!!
Tendo se aproximado a hora do sermão, me apresentei na sacristia a fim de realisar o meu compromisso; mais uma vez, e com delicadeza, dirigi-me ao Vigº dizendo-lhe que ia pregar; de prompto e com máo humor respondeu-me: não pode, não pode...
Perguntei-lhe, qual a razão, Snr. Pe? Não pode, não pode, era aunica cousa que dizia...
Não violo os seus direitos parochiaes: Não pode, não pode, já disse.
É uma picardia da sua parte!!! Não pode...
Neste interim o povo amotinou-se e quiz tomar alguma disforra; não consenti, pedindo-lhe até pelo amor de Deus que deixasse o Vigº em paz, quando este retirou-se, sem fazer a procissão.
É o que tenho para levar ao conhecimento de V. Excia. como nosso dignissimo Vigario Foraneo, podendo fazer d'esta o cazo que vos approuver.
Em vosso Memento peço-vos lembreis do
Pobre Pe.
Fonseca
Tiradentes, 27 de junho de 1911

Atividade pastoral - vigário

Cintra - 2 dez 1906 - Carta do Dr. Alfredo Russel para a Ordem 3ª de S. Francisco sobre a imagem do Senhor Morto ter sido desembarcada e já remetida para São João del-Rei. Não teve oportunidade de vê-la, mas espera que agrade. Subscritores assinaram 900$000, sendo 200$000 do sr. Alfredo Russel.

24 nov 1909 - Dom Silvério depositou no novo altar da capela da Santa Casa relíquias dos mártires Pio e Mauro, redigindo ele mesmo uma ata em latim para também ser colocada no altar. Havia 12 sacerdotes presentes.

1921 - Fundou a Associação "Obra dos Tabernáculos", redigindo os estatutos que foram aprovados pelo Monsenhor Horta, vigário-geral de Mariana.

1913 - Mesários das Mercês alteraram o itinerário da procissão, quebrando o combinado. Monsenhor Gustavo e os acólitos foram para a igreja das Mercês e o restante da procissão foi para a igreja do Carmo. Os jornais da cidade comentaram que o Vigário atual não repetiu o antecessor, Pe. Luíz José Dias Custódio, que fez valer o direito com arma de fogo e polícia.

Atrito com a Ordem Terceira de São Francisco - carta da Ordem

Ilmo. e Revmo. Sr. Vigário Pe Gustavo Ernesto Coelho e Frei Patrício Meyer

Accusamos recebido o seu officio de hontem datado, e, respondendo-o lamentamos que V. Revmas que, sem duvida, não desconhecem a autonomia das Ordens Terceiras e as attribuições amplas e independentes das respectivas mesas administrativas, tenham comprehendido que seja violencia um acto legal de poder competente como foi o desta mesa, mandando, a bem de sua igreja e a bem do publico em geral, abrir o chamado jardim da frente do adro com o recuo do gradil, que o fechava para junto da escadaria de entrada, tanto mais vindo a mesa com seu acto ao encontro de deliberação identica tomada pela Mesa conjunta, expressamente reunida para esse fim. Permittirão, portanto, V. Revmas. que não obstante o alto acatamento pessoal que nos merecem, assignalemos o engano em que laboraram por não estarmos de accordo com o protesto que nos trouxeram, visto como estamos certos não ter-se dado nenhuma violação das leis ecclesiasticas que, não só respeitamos como zelamos também no exercício do mandato em que nos achamos.
Acto pura e simplesmente administrativo, como foi esse, nos parecia, que só a esta Mesa competia resolver sobre elle e executa-lo como ela o faz.
Deus guarde a V. Revmas. Vigario Pe. Gustavo Ernesto Coelho, parocho Frei Patricio Meyer, comissario.
O secretario Carlos Alberto da Cunha, o syndico Samuel Soares d' Almeida
O procurador geral Alfredo Luiz Ratton

Sobre o assunto da grade há carta de Mariana, 5 de janeiro de 1906:

Ilmo. e Revmo. Sr. Vigario Gustavo Ernesto
Como a Mesa Administrativa da Ordem Terceira de S. Francisco de Assis dessa cidade continua a recorrer ao Exmo. e Revmo. Sr. Bispo diocesano para prosseguir os trabalhos de fechamento do adro daquella egreja, S. Ex. Revma. desejando que é conveniente, e ate de necessidade que a Mesa prossiga os trabalhos iniciados, contanto que cerque ao menos com ligeiro gradil, ou algum signal, todo o terrenos, cujos muros foram abatidos, de maneira que denote perpetuamente a posse da irmandade sobre os ditos terrenos, pois ficaria onerada a consciencia daquelles que concorreram para a demolição dos muros se a irmandade viesse a perder a posse do seu patrimonio.
Com toda a estima e consideração, prezo-me de ser
De V. Revma.
Attº e obdo. amigo eterno
Monsenhor Conego José Silverio Horta
Secretario do Bispado

Faleceu a 20 de agosto de 1924, foi sepultado, como desejou, na igreja mais pobre da paróquia, a de São Gonçalo Garcia. Está na sacristia direita, sob uma pedra de mármore onde se escreveu: "In diebus suis placuit Deus". Traduzindo ao português: Nos seus dias agradou a Deus. O povo que o visita em Finados traduziu "diebus" por "diabos", ajuda recebida para fazer os remédios fitoterápicos, de base vegetal, e homeopatias.
Pe Gustavo comprou a chácara ao lado da Capela de Santo Antônio em 1903, casa que nos parece ter sido contada entre os "fogos" na elevação a vila em 1713. A rua de Santo Antonio era parte de um eixo urbano que se prolongava pela Rua Direita, rua do Carmo (quase fechada com a construção da torre da igreja do Carmo), largo da Prainha, rua do Barro Vermelho, estendendo-se para as lavras do Ribeirão de São Francisco e a Vila de São José del Rei.
Foi redigida uma "publica forma" para legalização da compra. A escritura se refere ao ano de 1802, reino de Portugal. O documento é interessante pela redação, ainda baseada nos códigos da Metrópole.
Descrevendo-a, pelos vestígios de construção, notamos que há duas portas no solo, a da direita, lado da igreja, com uma janela. Devia ser a porta principal pelos vestígios de uma escada encostada na parede divisória.
Tentando melhorar, Pe. Gustavo mandou abrir um portão à direita, perto de uma casinha já eliminada. Contratou um compadre pedreiro para uma obra firme, uma escada de pedra. São dois lances de escada. Pe. Gustavo reclamou que não cabia seu pé no degrau, mas aceitou a obra, com pequeno alpendre de folhas de zinco na entrada.
Acrescentou uma parte nova, no fundo à esquerda, assobradada. No andar de cima eram feitos os remédios da "medicina vegetal", com grande aceitação. Na parte baixa, seu irmão Antonio Leôncio produzia vinhos "tipo Porto", premiados no Rio de Janeiro, nas exposições de 1908 (centenário da Abertura dos Portos) e em 1922 (centenário da Independência). Seu filho José Leôncio foi premiado com apresentação de algumas garrafas restantes em 1938 (centenário da Cidade de São João del-Rei). Convém lembrar que esses vinhos representaram a indústria do Brasil na exposição de Turim, Itália, em 1911.

Rotina paroquial

A cera foi produto caro nos orçamentos da paróquia e das irmandades. Os altares principais usavam velas de libra, grossas e pesadas; altares laterais eram iluminados a meia-libra. A iluminação da Matriz era feita com as velas colocadas nos lustres e candelabros pendurados. Nas procissões, as lanternas eram acesas com velas mais curtas e as tochas de cada irmão ou confrade, usando opa ou balandrau, o hábito comprido, de capa, eram acesas com tocos curtos "de segunda mão".
Todo escorrido de cera era cuidadosamente guardado, tanto dos altares e lustres, como das tochas e lanternas. Depois de cada procissão a cera ajuntada ia para uma comadre fiel, de confiança, que derretia os escorridos em banho-maria e refazia as velas: uma roda com 1,5 m de diâmetro, pino central, com preguinhos à volta a cada 10 c; barbantes de algodão que eram besuntados com um pouco de cera, pendurados em cada preguinho; para as velas de altar, barbantes maiores; outros barbantes, de acordo com a necessidade. A comadre mantinha o braseiro sob a água que esquentava a cera, derretida cuidadosamente. Uma canequinha de folha despejava a cera líquida nos barbantes pendurados e a cera solidificava-se em camadas a cada jato, em cada barbante. Para economizar tempo, as velas de tochas eram cortadas com aproximadamente 20 cm, na grossura certa dos cálices sobre os cabos de madeira. As velas de lanterna eram mais estreitas e curtas.
Para iluminação interna das casas, mais economia de cera: juntava-se "um pouco" de sebo, gordura animal, particularmente "mal cheirosa", ou usava-se a lamparina de querosene. As candeias de óleo já eram mais raras.
A Câmara Municipal, por ocasião das festas, principais e oficiais, destinava recursos para a cera. Missas, procissões e Te-Deum's eram rubricas certas.
O comportamento na Matriz, basicamente, era a colocação dos irmãos e autoridades na Capela-mor. Depois da "mesa de comunhão" no arco cruzeiro, até as grades de colunatas das coxias, ficavam os homens. Não havia bancos e o modo de ficar era de pé, na hora de entrada e nas pregações, ajoelhado com dois joelhos na Consagração até as orações de "post communio". Para descansar, ajoelhava-se apenas com um joelho, para liberar o outro.
As mulheres entravam pelas portas da frente, mas não ultrapassavam as coxias. As comunhões se faziam na grade das coxias. Como não havia bancos, a posição era apenas de pé ou ajoelhada, mas as senhoras de vestidos compridos, as matronas, davam uma rodadinha com a saia e se sentavam nos calcanhares dobrados, formando um tufo.
Até pouco tempo, as igrejas do Carmo e Rosário ainda conservavam as coxias, frontais e laterais.

Aparente rotina diária

Pela manhã, missa na Matriz, depois de ouvir confissões, acolitado pelo sobrinho José Leôncio, o irmão Antonio Leôncio, ou o amigo José Maximiano. Depois da missa, uma visita para o café com leite em casa dos compadres Tonico e Chiquinha Reis, casa grande na primeira esquina do Largo da Câmara.

Em casa, de volta, era fabricar os remédios da "Medicina Vegetal". Depois do almoço, atendimento aos paroquianos para marcar batizados, casamentos e tudo mais.

À noite, reza do terço, à frente dos oratórios, um maior que descreveremos, e um menor, com as figuras em pedra de talco (ou parecido, bem macia). O maior tinha a imagem do crucificado, medindo mais ou menos 50 cm, onde as gotas de sangue eram rubis encrustados na madeira. Havia uma N. Sra. da Conceição, uma N. Sra. do Carmo, um Santo Antônio maior e um menor, um Cristo morto em caixa de vidro.

Depois do terço, a hora da congonha — não se usava café —, ou a de bugre ou a douradinha. Para a conversa antes de dormir, uma pitada de bom rapé para limpar as fossas nasais. Os franciscanos gostavam mais do "chá da China", chá da Índia colhido e tratado nas cercanias de Ouro Preto, e não apreciavam o chá de matos. Não eram usados cigarros, nem os de palha, e os franciscanos apareciam com alguns charutos das "Índias Holandesas" na América Central.

O laboratório de produtos da "Medicina Vegetal" teve impulso com a participação do sobrinho José Gonçalves de Mello Júnior, odontólogo formado no Granbery de Juiz de Fora. Era filho da irmã Gabriela Amélia de Bonfim (1863), "Biela", que se casou com José Gonçalves de Mello, empreiteiro de calçamento de ruas em Belo Horizonte, irmão de Gustavo de Mello, Luíz, José, Hugo, Levindo (médico), Gabriela ("Biela"), Ester ("Tetê"), Francisco ("Chico") e Carminha. Com a referida participação do sobrinho José houve mais divulgação e maior produção.  O laboratório foi levado para Belo Horizonte, onde encerrou atividades.

O testamento, lavrado em 8 de março de 1919, diz: "Declaro que mantenho com o meu sobrinho José Gonçalves de Mello Júnior, cirurgião dentista, uma sociedade para exploração de produtos medicinais, e os direitos que me cabem nessa sociedade eu os deixo às minhas sobrinhas já nomeadas Maria e Euthalia, as quaes, ao me substituirem na referida sociedade, assumirão tambem todos os encargos que me incumbem na qualidade de socio. A estas minhas sobrinhas imponho a obrigação de dar a minha irmã Emerenciana Coelho Campos, casada com José Campos, vinte por cento dos lucros líquidos que receberem na sociedade referida."

Jazigo do Monsenhor Gustavo na sacristia da Igreja de São Gonçalo Garcia










NOTA DO AUTOR

¹  Usava-se o termo "esmola" para pedir ajuda financeira não reembolsável.


AGRADECIMENTO

Quero deixar aqui registrado meu sincero agradecimento ao sacristão da Igreja de São Gonçalo Garcia, Sr. Rogério Luiz de Andrade, pelo seu empenho em possibilitar meu acesso à fotografia do Monsenhor Gustavo bem como à sua sepultura. Também sou grato ao gerente do Blog de São João del-Rei e sua esposa Rute Pardini por terem ido pessoalmente até à Igreja de São Gonçalo Garcia em 17/04/2014 para tirar as duas fotografias ora apresentadas.

Colaborador: EVANDRO DE ALMEIDA COELHO


Nascido a 4 de junho de 1934, em São João del-Rei, Evandro de Almeida Coelho estudou na Escola João dos Santos, Ginásio Santo Antônio, Colégio Estadual de Belo Horizonte e Faculdade de Filosofia da U.M.G., onde fez bacharelado e licenciatura, sendo desistente de doutoramento. Foi presidente do grêmio colegial, do Diretório Acadêmico e do Departamento de Cultura do DCE-U.M.G. Participou das diretorias do DCE-U.M.G., da UEE-MG, da UNE-Filosofia e outras.

Como professor, lecionou principalmente em Belo Horizonte, João Monlevade, Tiradentes e São João del-Rei. Exerceu a diretoria de ensino da antiga CSBM em João Monlevade e ajudou na criação do famoso Colégio Kennedy, onde organizou 8 cursos técnicos plenos e lecionou por 27 anos. Recebeu homenagem especial na comemoração dos 50 anos da Escola.

Presença obrigatória em vários congressos de estudantes e professores, palestrista como Diretor Executivo da CNEG, depois CNEC, organizou 93 ginásios no Estado de Minas Gerais, sendo um deles o Dr. Kleber, no Tijuco.  Produziu e apresentou programas sobre educação nas rádios Inconfidência, Guarani, Monlevade e TV Itacolomi. Teve oportunidade de ser bibliotecário, secretário e presidente da Academia de Letras de São João del-Rei, bem como secretário da Sociedade de Concertos Sinfônicos. Atualmente é membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico local.

Dirigiu a revista "Mural" da Faculdade de Filosofia, redigiu o suplemento do "Diário de Minas" comemorativo do centenário de Charles de Foucauld. Participou da redação da revista "Mostrar", em João Monlevade, que durou mais de 110 números. Fundou e dirigiu o jornal "O eco", também em João Monlevade. Redigiu uma apostila com roteiro de um passeio a pé para os visitantes entenderem a cidade de São João del-Rei. Fez também apostila sobre a história da cidade de São João del-Rei no século XVIII, continuando as pesquisas sobre a do século XIX.

Atualmente pesquisa estradas de ferro, baseadas na "Côrte", contemporâneas da nossa Oeste de Minas. Escreve a biografia de Monsenhor Gustavo Ernesto Coelho, vigário da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar. Organiza uma série de biografias e informações sobre as pessoas homenageadas com nomes nas ruas da cidade e também santos católicos, plantas e vegetais, minerais, datas comemorativas.