sexta-feira, 30 de setembro de 2016

ELOGIO AO PATRONO HILDEBRANDO BOLÍVAR DE MAGALHÃES, pelo Acadêmico José Carlos Hernández Prieto


 
Hildebrando de Magalhães
Poeta que fulgurou no fugaz tempo que lhe foi dado viver

José Carlos Hernández Prieto

Ao iniciar a pesquisa sobre a vida e obra de meu patrono, logo me surpreendi com o curtíssimo tempo que São João del-Rei, Minas e o Brasil tiveram para haurir, em vida, a obra do gênio. De fato, ao recordar a sua memória, o que me vem à imaginação é uma daquelas visões fugazes de uma estrela fulgurante, a riscar, cadente, os céus noturnos de nossas existências.
Sebastião Cintra conta-nos que Hildebrando Bolívar de Magalhães nasceu em Campinas em 09.06.1902 e faleceu em Piracicaba em 04.06.1937, quando estava prestes a completar apenas 35 anos...
Campinas... Piracicaba... Para entender essa ligação dele com o estado de São Paulo, temos que nos reportar ao seu pai, Basílio de Magalhães, que era natural de Barroso e de família humilde, tendo vindo para São João del-Rei ainda pequeno. Em 1889, com 15 anos de idade,  empregou-se como tipógrafo em um jornal de linha conservadora. Logo depois, transferiu-se para outro jornal, este de perfil liberal. Nisso, tomou gosto pela política. Tendo se formado em engenharia pela Escola de Minas de Ouro Preto, acabou sendo professor de História em São Paulo e, depois, no Río de Janeiro. Estava em Campinas em 1902, quando nasceu-lhe o filho Hildebrando. Basílio voltou para São João del-Rei em 1919. A essas alturas, Hildebrando, que tinha 17 anos, acompanhou-o e o jovem iniciava, assim, uma relação com esta cidade que o encantou e que escolheu para ser seu torrão adotivo.
Hildebrando viveu aqui até 1930, quando, então, tinha 28 anos. Seu pai, Basílio de Magalhães, era um homem feito para as lides públicas. Eleito para o Senado Mineiro em 1922, fundou um jornal em São João del-Rei, A Tribuna, porta-voz local do Partido Republicano Mineiro.  Basílio era presidente da Câmara Municipal em 1926, quando, ao sabor dos embates políticos daquela época, entrou em confronto com outro jornal, O Correio, tendo em vista o que este último publicou em sua edição de 11 de setembro daquele ano: “A Tribuna local, dirigida pelos Srs. Basílio de Magalhães e Custódio de Castro e redatoriada pelo filho do primeiro – Sr. Hildebrando Magalhães, noticiou o nosso aparecimento simplesmente em cinco quadras intituladas “nasceu”, criadas de chufas grosseiras e injurias soezes. Não nos surpreenderam essas amabilidades do órgão oficioso da câmara municipal, as quais bem definem a sua primorosa educação profissional e o seu bem orientado programa jornalístico. Creia, porém, A Tribuna, que ficamos satisfeitíssimos com as suas insólitas agressões, pois as considerando precioso subsídio para o julgamento que sobre a sua conduta, terá de ser proferido pela opinião pública e pelos numerosos colegas que nos leram e que nos lerão.” Nesse clima, chegou a Revolução de 1930. Nos episódios revolucionários, alguns ganham e outros perdem. Basílio estava entre os perdedores. Sua trajetória política terminou nesse ano, quando teve de se auto-exilar de Minas Gerais. Estreitamente ligado ao pai, Hildebrando acompanhou-o. Para não voltar mais.
Foi então quando Hildebrando pôde sentir a real dimensão de sua mineiridade. Longe daqui, a saudade fez revigorar nele os melhores instintos de amor por São João del-Rei. Poeta que era, dedicou-se a declarar isso através de seus poemas, lançando, em 1931, através da Tipografia Giraldes, de Piracicaba, um singelo, porém, emotivo opúsculo, onde condensou toda a paixão e carinho pela terra de seus progenitores.
O título é “...Onde os sinos falam à alma da gente...”. Tenho aqui, em mãos, uma cópia desse livro. Tomarei, ao final deste elogio, a liberdade de recitar os oito poemas que o compõem. Resumirei os comentários que acompanham os poemas, pois, do contrário, teria que contar com a paciência dos amigos confrades e confreiras por muitas horas mais.
Antes, porém, é necessário dizer que os interesses de Hildebrando não se resumiram a divulgar o apanágio de sua querida São João del-Rei. Sempre viveu intensamente as vicissitudes econômicas e sociais do meio em que vivia. Radicando-se em Piracicaba, logo envidou seus melhores esforços literários (junto com seu pai, Basílio) na questão do café. Publicou um extenso livro chamado “História do café”, bem como outro com o nome “Contribuição para a história do café”. Foi poeta e editor da Revista Yara, publicada em Piracicaba na década de 1930. Foi também o autor de um livro de poesias: “Divina Ficção”, entre outras publicações mais. 
A respeito de seus estudos relativos ao café, a revista “A Tribuna” de Santos dedicou, em sua edição especial de 26 de janeiro de 1939, comemorativa do centenário de elevação a cidade daquela urbe, uma extensa matéria intitulada “O café na história e na legenda”. Abriremos aqui um pequeno espaço para o que foi escrito naquela ocasião;
“O lendário café, no Oriente, e a história de sua penetração no continente europeu e no Novo Mundo, mereceram dos Srs. Basílio de Magalhães e Hildebrando de Magalhães estudos magníficos, estribados na melhor literatura produzida a respeito em todos os tempos.
Data vênia, permitam-nos condensar aqui um resumo desses trabalhos sobre o produto admirável em que repousa a nossa estrutura econômica.
O primeiro escritor europeu que recenseou as lendas sobre o café teria sido G. E. Coumberd d’Alny, em 1832, em Paris. Relata uma delas que a sorte de ser o primeiro a perceber as excelsas qualidades do fruto coube a um pastor árabe, pelo fato de que, quando suas cabras comiam as bagas ou folhas de determinado vegetal, eram tomadas de imprevista alegria e saiam aos saltos, balando com estridência, campos afora.
Outra quer que certo crente, desejando rezar a Alá à noite, sem que, exausto das práticas religiosas do dia, o sono o vencesse, sonhasse que Maomé o aconselhava a procurar certo pegureiro, possuidor de uma beberagem infalível para o caso. Executando a sugestão do profeta – isto é, tomando a bebida receitada pelo pastor, e que outra não era senão o café – pôde desde então o sacerdote muçulmano, em paz e pelo tempo que lhe aprouvesse, erguer a Alá as suas mais ardentes orações...
Do oriente, o café passou para a Europa no século XVII. Em 1715 foi introduzido no Haiti e em São Domingos. Os holandeses, tendo começado a cultivá-lo, na Batávia (atual Suriname), em 1718 – fica sendo essa a data precisa e incontestável da sua penetração na América do Sul. Já desde muito era conhecido o fato de o haverem os franceses colhido ali, clandestinamente, a fim de plantarem-no em Caiena (capital da Guiana Francesa). Sobre isso correm versões, que ainda exigem averiguação.
Uma delas afirma que, em 1719, o fugitivo Rosien Le Breton, residindo no Suriname, escreveu para Caiena, pedindo que lhe perdoassem certo delito, comprometendo-se, em troca do perdão, a levar para ali sementes e café capazes de germinar e cuja exportação era proibida no Suriname, sob ameaça de rigorosas penas. Combinado o trato, foi assim introduzido o café em Caiena, sendo os grãos entregues ao comissário da Marinha, que se chamava d’Albon.
Dentre as zonas do nosso gigantesco solo, coube ao Pará a prioridade do cultivo da preciosa rubiácea; e a Francisco de Mello Palheta a glória de ser o portador de mil e tantas bagas e cinco espécimes dela, desde a Guiana Francesa até aquela circunscrição da nossa pátria, então simples possessão portuguesa.
Houve, a esse tempo (1727), necessidade de mandar-se à fronteira, assim como a Caiena, para quaisquer entendimentos com os franceses da Guiana, uma ligeira missão de caráter oficial. A fim de dirigi-la, foi escolhido o sargento-mor do exército colonial – e brasileiro de nascimento -, Francisco de Mello Palheta. Pois bem, ao retornar a expedição da Guiana, trazia consigo o seu esforçado comandante mil e tantas frutas e cinco plantas do vegetal alienígena, que se tornaria, de futuro, o tesouro da agricultura nacional.
O modo exato pelo qual foi conseguido na Guiana o café introduzido no Brasil, em maio de 1727, contribuiu para tecer-se em torno do caso uma lenda – propalada pelo bispo D. João de São José, monge beneditino, em sua Viagem e visita ao bispado do Grão-Pará em 1762 e 1763, e abraçada por escritores subseqüentes:
“Aqui vimos, pela primeira vez, a árvore do cacau, plantada pela natureza, de que estas linhas do Rio abundam nas vizinhanças de Gurupá, não assim as árvores do café, pois todas desta espécie têm sido plantadas, e primeiro vindas de Caiena, em tempo do governador do Estado – João da Mata -, o que se deveu à generosidade de uma francesa, mulher do governador da praça, que, sabendo da proibição e estudo com que andavam os seus nacionais para que se não comunicasse a um português, de quem ignoramos o nome, e só sabemos ser Palheta, que ali se achava, indo este visitar seu marido, e saindo todos a passeio, ela generosamente lhe ofereceu, em presença do esposo (que sorriu) uma mão cheia de pevides de café, praticando a galanteria de ser a mesma que lhas introduziu no bolso da casaca, obrigando-o de tal sorte que lhe não sobejaram as expressões com que mostrou agradecer muito á madame por esta franqueza e bizarria; e logo em Belém se repartiram pelo governador e homens de negócio.”
Daí em diante, lenta mas, progressivamente, o arbusto foi vencendo distâncias e radicando-se nos estados do Norte, até chegar, em 1760, ao Rio de Janeiro, por intermédio do desembargador João Alberto de Castello Branco, para, cerca de trinta anos depois, penetrar em Minas Gerais e em São Paulo, pelo Vale do Paraíba.”
O envolvimento e entusiasmo de Hildebrando com o café eram tamanhos que, ao terminar sua esplêndida monografia “Contribuição para a História do Café”, teceu o seguinte hino triunfal; “Glória, pois, ao café! Glória ao licor salutar, que alimenta, que cura, que preserva, que apraz, que encanta, que avassala, que inebria! Glória à rainha de todas as beberagens, que restaura e dinamiza o organismo – sem arruiná-lo, como outras, e que apenas o excita transitoriamente! Glória ao café, néctar dos deuses, tombado dos arcanos excelsos do Olimpo à face da terra, a fim de derramar energia nas veias dos entes indefesos que se consagram, há milênios, ao aperfeiçoamento pessoal e coletivo e à adaptação do planeta a uma existência mais suave dos seus descendentes”.
Não é à toa que, em Piracicaba, imersa no cerne da vasta região onde o café mostrou seu auge na primeira metade do século XX, haja hoje uma rua com o nome de Hildebrando de Magalhães, no bairro denominado Vila Pacaembu. Além disso, ele é o patrono da cadeira de nº 07 do Clube dos Escritores de Piracicaba. Singelas homenagens da cidade a um de seus moradores mais ilustres e que tanto defendeu, urbi et orbi, o principal esteio econômico de seus filhos.
Fizemos este grande percorrido pelas pegadas de Hildebrando em terras paulistas, e deixamos para o final, de propósito, a leitura dos oito poemas de seu livro dedicado à cidade onde os sinos falam à alma da gente. Preservei a grafia da época.  
        


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No primeiro poema, Hildebrando já deixa entrever sua preferência pela mística indígena, tantas vezes adotada em seus escritos. Desta vez, vale-se do termo ivarapema, sinônimo de tacape. Presta também sua homenagem a Tomé Portes, quem primeiro desbravou o trêdo (traiçoeiro) sertão, estabelecendo-se por estas bandas, dando origem, através de seu ofício, ao povoamento da região. Tomé Portes faleceu em 1702, no cargo de guarda-mor das minas. O que demonstra, por si só, sua primazia no estabelecimento e colonização local.

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Thomé Portes del Rey

Foi este o bandeirante, o explorador fecundo
Que do rincão paulista, um dia, à cata do ouro,
Veiu á beira estância do curso pardo e fundo
Que de mortes sem contar herdou no nome o agouro.

Dos imensos brenhaes sob o verdor jocundo,
Viu-se o desbravador num trêdo sumidouro,
Onde, - de ivarapema, arco e flecha, - iracundo,
O índio escudava sempre a taba, o seu thesouro.

Mas nem chuvas, nem soes, nem feras, nem pelejas,
Temeu Portes del Rey, com as hostes sertanejas
Que comsigo arrastara, e a que tudo venceram.

Siqueira Affonso, então, - desde a “Ponta-do-Morro”,
O sítio lhe indicou, talvez; deu-lhe soccorro;
E o povoado surgiu, que o ouro e os homens ergueram...





Hildebrando refere-se a um documento de 1701, no qual já é citado o rio com esse nome, dando a entender, pois, que tal nome não foi adotado por causa da guerra dos emboabas e o capão da traição, tendo, pois, uma causa anterior. Através de seus versos, sugere que tal epíteto tenha sido adotado em função das mortes geradas na luta contra os silvícolas. Usa com largueza termos indígenas, como akanguapes (adornos de penas), igaras (canoas) e ubás (outras canoas)  

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O rio das Mortes

Após certo trajecto, - em descida não brusca,
Onde as águas, ao léu, marulham suavemente
- Pardo, o curso fluvial a extensa várzea busca,
Que o “Capão da Traição” ladeou, antigamente.

Tão calmo hoje, - si o azul dos céus não se enfarrusca,
Para engrossar, com a chuva, o seu volume fluente,
- Foi rubro e tôrvo outrora, ao tempo da rebusca
Do ouro, ou da caça vil ao bugre independente.

Balas fizeram, lá, voar miolos e akanguapes;
Mas a flecha e o curare o invasor não pouparam,
Que suas malocas deu bons craneos aos tacapes.

E, as “bandeiras”, emfim, das selvas se apossaram...
E as igaras e ubás, no rio, em seus escapes,
Mais de uma capivara ou tapir assustaram.





Hildebrando evoca, em seu poema dedicado à serra do Lenheiro, a imagem de uma serpente em seu reclinar heril (senhoril) após uma refeição suculenta, envolvendo ovante (triunfante) a cidade. Não deixa de evocar o lendário passado indígena na voz de um memby, que vem a ser uma flauta confeccionada com as tíbias de animais ou de inimigos sacrificados no fragor da batalha. E, por fim, lembra o ouro que saiu, em pó ou pepitas, de seus faguedos (fragosidades).

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A serra do Lenheiro

Qual sucury-guassú que, após farta, modórra
Por entre a relva, a altear negro dorso ondulante,
- A serra do Lenheiro, escabrosa e colleante,
Reclina o corpo heril, que a matta pouco fórra.

Cérca S. João del-Rey, de longe a longe, ovante,
Com rocha pura e sã, - de onde a água clara jórra,
- Rocha que viu do emboaba o temor e a desfórra,
E que deu vasto homizio ao bugre e ao bandeirante;

Rocha a cujo sopé soava o memby, zunia
A flecha, e o maracá chocalhava ante os troncos
Aos quaes a mussurana as víctimas prendia;

Rocha que do jaguar deu éco aos cavos roncos;
Rocha de onde o ouro, em pó e em pepitas, surgia,
- No enxurro, ou nos filões de mil faguedos broncos...





Neste poema, Hildebrando tece louvores à igreja de São Francisco, não deixando de conjeturar a respeito da participação do Aleijadinho no risco desse templo. Também lembra que “quis a tradição, sem dúvida, indicar á autoria do “Aleijadinho” a imagem do Senhor do Monte-Alverne, enthronizada no altar-mór da egreja de S. Francisco, como attribuil-a a extranho peregrino, que, allí surgido sem ninguem saber de onde viera, se offerecer para fazel-a (por não dispor a ordem franciscana de recursos) e que se teria encerrado numa tenda ou num telheiro perto do templo, sem material e sem ferramentas, para, ao cabo de certo tempo, desapparecer, cercado de mysterio, deixando  obra magnificamente concluída. A verdade quanto ao caso, baseada em documentos históricos, é, todavia, que a imagem veiu de Portugal”.

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A egreja de S. Francisco

Templo! Correrem vês os dias sobre os dias
E ás velhas gerações as novas succederem!
Tens um nobre passado: é de há muito que espias
O povoado crescer, os tectos se extenderem!

Certo tempo depois que ahi, nas serranias,
Thomé Portes del Rey fez moradas se erguerem,
- Das aguas ao rugir, da selva ás melodias,
Tu nasceste; e sentiste os teus muros crescerem...

Simples foste! Porém, - no agreste panorama
Que olhavas, - assististe a festas, como a luctas,
Viste a luz do ouro em surto, as trévas da “derrama”...

Talhou-te o “aleijadinho” imagens e volutas;
Tiradentes sorriu-te, antes do hediondo drama...
- E’s, egreja, um padrão de glorias e labutas!


Neste poema, o poeta celebra a presença do Aleijadinho na pátria mineira. Em seus comentários, estende-se sobre a figura física do gênio e seu método de trabalho. “Ele mesmo mulato, servia-se da ajuda de seus três escravos (Januário, Agostinho e Maurício) para amarrar o escopro e o martelo às suas mãos, além de outras ajudas que sua condição física demandava. Descreve-o como um estranho vulto sombrio, dirigindo-se de madrugada para a labuta, montado num burro; retornando desta já noite fechada, envolto em amplo capote; e executando os seus lavores oculto sob toldos”. Hildebrando estende-se ainda na observação de um contemporâneo do escultor: “Sua estatua, a estatua do estheta, seria um prodígio de teratologia, si executada de acordo com a descripção que de seu physico deixou Rodrigo de Freitas: “pardo, escuro, de baixa estatura, corpo cheio e mal configurado, rosto e cabeça redondos (e esta, volumosa), cabellos pretos e annelados (sendo os da barba cerrados e bastos), testa larga, nariz regular, beiços grossos, orelhas grandes e pescoço curto. Não é ainda tudo, porém: além da perda dos dedos das mãos e dos pés (após perder estes últimos foi obrigado a andar de rastos), veiu a inflamação das pálpebras, cuja parte interior ficou à vista, a queda dos dentes, o entortamento da bocca, a flacidez do lábio inferior e do queixo, adquirindo o olhar “certa expressão sinistra e de ferocidade, que chegava mesmo a assustar quem quer que o encarasse inopinadamente.
Assim, talvez seja melhor que, nem siquer em simples herma, não se venha a remartyrizar a effigie soffredora de Antonio Francisco Lisboa. Falem delle as fachadas dos velhos templos mineiros, onde as suas mãos, por vezes gottejantes de sangue, deixaram impressas tantas obras primas de “talha” em pedra; fallem delle as imagens que esculpiu e que, embora não impecáveis nas proporções anatômicas, constituem prodigiosas mostras de seu talento mágico, da sua sublime vocação artística.” 



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O Aleijadinho

Quando repouso o olhar, com sincero carinho,
Num friso, num portal, num vão, numa columna
De templo onde haja estado em lida o “Aleijadinho”,
- Magua, no peito meu, com a alegria se aduna.

Si, cheio de fervor, vejo em cada escaninho
De nave, em cada altar, tecto, nicho ou tribuna,
Uma joia, um primor ante o qual sou mesquinho,
- Do esculptor logo evoco, emtanto, a má-fortuna...

Ah! que desgraça immensa, a do sublime artista!
Em figuras geniaes, que encantam a alma e a vista,
Talhando a pedra azul, ou lavrando-a em florões.

Tinha sangue a escorrer dos dedos carcomidos,
Que a escôpro decepava, em gestos incontidos,
Elle próprio, - um monstruoso autor de perfeições...
  
   
  
Neste poema o autor conta a saga do nosso herói maior, nascido entre as divicias (riquezas) do solo pátrio, a se erguer pela glória e pela vitória da causa de sua terra.


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O Tiradentes

Quando as Minas Geraes, no opulento fastigio
Do ouro maravilhoso e dos diamantes raros,
Abrigavam filões e gemmas, em prodigio,
Ou no seio do solo, ou nos regatos claros;

Nas serras que povoara o paulista, - ao vestigio
Das divicias, - audaz, longe dos entes caros,
De refréga em refréga e litigio em litígio
Com bichos e indios maus, ou com reinóes aváros:

Foi que um dia se ergueu, reivindicando gloria
Para a fertil região, que enchia alheias arcas,
O alferes precursor das luzes da victoria...

Sonhou, sonhou o heróe depor os oligarchas:
Dar liberdade á patria e paginas á historia!
Mas na forca morreu, do oppróbio sob as marcas...


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Chegamos aos dois poemas finais, os quais, sendo tão emblemáticos e definitivos, tornariam vãs quaisquer palavras introdutórias que tentassem dourar, mais ainda, aquilo que já é ouro puro e sol, ao mesmo tempo. Vamos a eles, pois, sem delongas.

O corrego do Lenheiro

Cortas S. João del-Rey em duas partes lindas.
Dás-lhe vida. E também lhe dás frescura e graça.
Sem ti, que vácuo enorme, entre as faldas infindas!
Sem ti, quão triste o valle, onde o teu leito passa!

Pela nascente, ao longe, á serra tu te guindas,
Pois della, - que o horizonte, em sombra parda, traça, -
E’ que as águas a ti sujeitas são provindas,
E della herdaste o nome e a belleza sem jaça...

No inverno, corres pobre, é fraco o teu sussurro;
A’ friagem das manhãs, recobre-te o nevoeiro...
Mas quando, no verão, do sol ao rude esturro,

Tombam chuvas, - então engrossas-te; ligeiro,
Em torrente, em caudal, trazes a enchente, o enxurro...
E és rio altivo, audaz, que não simples ribeiro!


S. João del-Rey

Linda, como um presépio ornado de vidrilhos,
Perto da vasta várzea ella se ergue e se espalma,
- Terra de tradições, de heroísmos e de brilhos,
Onde o ar é puro, o sol é santo e a vida é calma.

E’ o berço de meu pae, é o berço de meus filhos,
A que dei o mais doce affecto da minha alma,
E que, com seu valor, desprezando empecilhos,
Ha muito conquistou da gloria a nobre palma.

Lêda S. João del-Rey! S. João del-Rey divina!
Quando, ao terno luzir da estrela vespertina,
Ha tons de nostalgia, ha sombras, no céu brando.
Recordo-me de ti e ouço e vejo, em meu sonho,
Ante as casas e a serra, em teu valle risonho,
Velhos sinos gemendo e procissões passando...

Neste último poema, Hildebrando mostra toda a saudade de quem, exilado em terras paulistas, sonha com enlevo as imagens que lhe ficaram na retina, daquela “onde os sinos falam à alma da gente”.

Não poderia terminar este elogio à figura de meu patrono sem deixar de mencionar a herança que deixou, não apenas através de sua vasta produção literária, mas, também, através de seu filho Homero, são-joanense que abrilhantou o cenário cultural de nosso país.
Hildebrando casou-se com Lucila Ribeiro da Silva em 01.03.1924, aqui mesmo, em São João del-Rei. Teve vários filhos, dentre os quais desponta o consagrado pianista Homero de Magalhães. Nascido em nossa cidade, Homero começou sua vida artística aos nove anos, em Piracicaba, onde deu seu primeiro recital. O falecimento de seu pai levou sua família para o Rio de Janeiro em 1937, onde foi apresentado ao grande professor Barrozo Neto, tendo impressionado personalidades como a pianista Magdalena Tagliaferro, que foi sua orientadora durante seis anos e uma das responsáveis pela viagem de Homero a Paris, onde foi aluno de famosos pianistas. Completou sua formação em Viena e deu vários recitais no Brasil e Europa. Suas turnês levaram-no a quase toda a América Latina, Estados Unidos, Europa e Israel. Gravou diversos discos, vindo a falecer em 1997, no Rio de Janeiro.
De Hildebrando, aquele que fulgurou no fugaz tempo que lhe foi dado viver, garimpei uma foto. Esta que apresento agora, ladeado pelos seus filhos Homero e Lucia. Fico ainda com a sensação de obra inacabada: descobrir a causa de sua prematura e repentina morte, aos 35 anos. Todavia, ao fazer aqui o elogio de meu patrono, penso que, mais importantes que essa vicissitude, foram os muitos e excelsos predicados com os quais pontuou sua breve passagem pelo mundo, predicados esses que deixo aqui lavrados, em preito de gratidão pelo que fez e pelo que deixou para a posteridade.

Hildebrando, ladeado pelos filhos Homero e Lucia




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Finalmente, para homenagear meu patrono e, também, o objeto de sua paixão, deixo a seguir um poema que fiz quando da comemoração dos 300 anos da ereção da Vila de São João del-Rei, como apêndice que, apesar de singelo e despretensioso, tenta emular toda essa paixão que Hildebrando verteu sobre esta cidade:


À Vila D’El-Rey em seus 300 anos
José Carlos Hernández Prieto

Rios, prados e montanhas.                                                           
Aqui escreveu-se História                                                           
Eira de tantas façanhas                                                           
Separando ouro da escória                                                           

As glórias foram tamanhas...                                               
Dignas de virar memória                                                           
Alvíssaras foram ganhas                                                           
No belo altar da vitória                                                           

Fértil é São João del-Rei,                                                           
Guarda gentil o Lenheiro                                                           
Terra de cultura e lei                                                                       

Seu filho, mui altaneiro                                                                                               
Une-se à força da grei                                                                                   
No saber nobre e fagueiro


Muito obrigado pela paciência de todos.

São João del-Rei, 25.09.2016


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1.    CINTRA, Sebastião de Oliveira. Efemérides de São João del-Rei. São João del-Rei: São João del-Rei Artes Gráficas, 1963.

2.    WIKIPÉDIA. Basílio de Magalhães. https://pt.wikipedia.org/wiki/Basílio_de_Magalhães. Acesso em 14.09.2016

3.     PAIVA, Luciana Vilela. A educação nas páginas do jornal O Correio (1926-1930). Dissertação de Mestrado. São João del-Rei: UFSJ. 2014.

4.    SAMUEL, Pfromm Netto. Dicionário de Piracicabanos. São Paulo: PNA. 2013.

5.    A TRIBUNA. O café na história e na legenda. Santos: Jornal A Tribuna. Edição comemorativa do 1º centenário da cidade de Santos. 1939.

6.    CLUBE DOS ESCRITORES DE PIRACICABA. http://clubedosescritores.no.comunidades.net/. Acesso em 16.09.2016.

7.     MAGALHÃES, Hildebrando de. ... Onde os sinos falam à alma da gente... . Piracicaba: Editora Giraldes. 1931.

8.    HOMERO DE MAGALHÃES. http://www.homerodemagalhaes.com.br. Acesso em 22.09.2016.