domingo, 23 de abril de 2017

POVOADORES PRIMEVOS DO RIO DAS MORTES E DAS MINAS GERAIS, DE MENOR DESTAQUE, por Affonso de Escragnolle Taunay


Por Affonso d' Escragnolle Taunay

Dedico este artigo aos genealogistas que se debruçam diuturnamente sobre folhas de antigos alfarrábios carcomidas pelos cupins e às instituições às quais pertencem como membros. Particularmente, gostaria de homenagear aquelas instituições de que participei ou participo, tais como o Instituto Genealógio Brasileiro, na pessoa do seu saudoso presidente Israel Dias Novaes, "Lalá" (☆ Avaré, 20/04/1920 ✞  São Paulo, 06/06/2009), além do CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal e do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, respectivamente aqui representados por seus atuais presidentes Fernando Antônio I. Jannuzzi Júnior, Affonso Heliodoro dos Santos (com a idade de 101 anos bem vividos!) e José Cláudio Henriques.


 I.  INTRODUÇÃO, por Francisco José dos Santos Braga



Nesta publicação que ora o Blog de São João del-Rei disponibiliza aos seus leitores, o pesquisador brasileiro dos séculos XVIII e XIX encontrará um grande subsídio quanto aos exatos nomes dos emigrantes que abandonaram S. Paulo e suas imediações com destino às Minas Geraes dos Cataguazes, acompanhados de informações várias que lhe estão relacionadas.

Lamentavelmente os assentos nos livros de batizado, casamento e óbito em poder das paróquias se tornam cada vez mais ilegíveis com o  passar do tempo, a tinta cada vez mais se esmaece ou as folhas se rasgam devido à acidez da tinta utilizada pelo escriba. Por outro lado, a ação diuturna dos cupins impossibilitam muitas vezes a correta leitura por parte do pesquisador.

Por isso, o fato de tal pesquisa ter sido feita por Taunay coadjuvado pelo são-joanense Samuel (Augusto) Soares de Almeida no começo do século XX contribuiu para um resultado especialmente favorável face às consequências do transcurso do tempo.

O Blog de São João del-Rei acredita estar contribuindo para a divulgação deste material tanto útil quanto precioso para o conhecimento dos antigos povoadores da região do Rio das Mortes e das Minas Gerais.

Paulo Setúbal escreveu no seu livro "Paulistas do Século XVII" a respeito desse precioso material:
""Dos Ensaios Históricos"
A "História Geral das Bandeiras Paulistas", do preclaro Dr. Afonso Taunay, representa um dos esforços maiores, e dos mais ilustres, para a reconstrução do período épico do bandeirismo, esse fenômeno altíssimo na formação da nacionalidade. A obra, porém, tão erudita e tão intensa, não é, infelizmente, obra de popularização. O feitio dela, aquele recheio de nomes e datas, as transcrições, aqueles muitos alvarás e atas-de-câmara, tudo aquilo, enfim, que torna o trabalho fortemente fidedigno, é exatamente o que afugenta o leitor comum, o leitor do século prático, o leitor que lê no bonde, esse homem rápido, utilitário, que não tem folgas sobejas para correr olhos pacientes sobre a papelada maçante das coisas velhas. O próprio autor confessa no pórtico do seu doutíssimo trabalho: 'Não é uma obra de síntese a que o leitor tem sob os olhos. Nem poderia ou deveria sê-lo, pois a história sistemática e pormenorizada das bandeiras paulistas jamais se fez até hoje.'
Eis porque o livro do Sr. Taunay será, para todo o sempre, o marco miliário dessa história curiosa da expansão territorial brasileira: será a grande fonte, o livro-manancial, em cujos ricos veios os estudiosos irão se abeberar com fartura. No entanto, para eficiência de contribuição tão séria, mister se faz que venham à tona, com intuitos vulgarizadores em estilo menos carrancudo, alguns dos vários aspectos interessantes da obra eminente. (...)"

Foi, seguindo essa exortação de Paulo Setúbal, que estou trazendo a público esse monumental trabalho de Taunay, apoiado em anotações fornecidas pelo historiador são-joanense Samuel Soares de Almeida, sobre os primitivos povoadores da região do Rio das Mortes e das Minas Gerais.

No texto a seguir foi observada rigorosamente a grafia de época.



II.  TEXTO



Consultando o Capítulo XII do tomo nono da História Geral das Bandeiras Paulistas de Affonso de Escragnolle Taunay, que ele considera "escripta à vista de avultada documentação inédita dos archivos brasileiros, hespanhoes e portuguezes", em edição do Museu Paulista (1948, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo), lê-se:


CAPÍTULO XII

POVOADORES PRIMEVOS DO RIO DAS MORTES E DAS MINAS GERAIS, DE MENOR DESTAQUE.

Entre os primeiros povoadores paulistas do Rio das Mortes, encontrou Samuel Soares de Almeida ¹ , o provecto genealogista mineiro, sobremodo familiarisado com os arquivos da velha comarca, numerosos mogianos, paulistanos, guaratinguetaenses, taubateanos, ituanos, jacareienses etc., e com este rol nos obsequiou.

Entre os de Mogi das Cruzes, João de Godoi Moreira, sua mulher, Maria Jorge Cabral, e seu filho, Martinho de Godoi Moreira; Afonso Dias, sua mulher Maria Rosa e sua filha, Iria  Rodrigues que desposaria Martinho em 1731 (Silva Leme ², 6,  102 e 143); João Fragoso e sua mulher Catarina Dias de Siqueira (S. L. 7, 125); João da Cunha Gago, sua mulher Maria da Apresentação e seu filho Belchior da Cunha Gago (S. L. 1, 177);  Manuel de Matos Moraes, sua mulher Isabel de Godoi Moreira e  seus filhos Angelo, Salvador e Maria (S. L. 3, 249). Esta última não mencionada em Silva Leme, casou-se em S. João del  Rei com o português Baltazar dos Reis Teixeira. 

Figuram ainda no mesmo rol dos mogianos, José Bicudo Caldeira e sua mulher Joana de Faria; Antonio Sardinha da  Silva e sua mulher Josefa Antunes da Silva; Jerônimo da Silveira, casado com Maria Josefa; Lourenço Leme, sua mulher Maria Soares e seu filho Roberto Dias Leme; Bernardo Fragoso de Godoi (S. L. 7, 129), sua mulher Bárbara Pereira da Silva e seu filho Angelo da Silva Godoi; José Leite de Siqueira, capitão mór de Mogi das Cruzes, e sua mulher Angela Fernandes  Leme (Silva Leme, 7, 523, a esta última chama Angela Fernandes Laurion). João Batista Martins, Salvador Paes, José Leme Cardoso (S. L. 3, 188).

Entre os emigrados de Jacareí encontrou Samuel Soares:  Manuel Adriano e sua mulher Leonarda Fonseca Pinto e uma filha Inês da Fonseca, casada com o português Amaro Alves Madeira; Inácio Jorge, sua mulher Guiomar Bicudo e seu filho Plácido da Silva; Raimundo dos Santos e sua mulher Margarida  Rodrigues e filho Martinho dos Santos casado com a paulistana Teresa Mendes; Domingos Nunes de Siqueira, sua mulher Maria Nunes da Costa e sua filha Bárbara Alves da Costa, casada  com o português João Gonçalves dos Anjos (S. L. 7, 523); Onofre Jorge e sua mulher Guiomar Bicudo; Bento João de Matos  e sua mulher Joana de Godoi Moreira. 

Numerosos os taubateanos passados às minas do Rio das Mortes. Entre eles Manuel Nunes da Silva, sua mulher Ana  Maria da Cunha e seu filho Antonio da Cunha; Inácio de Azevedo Coutinho, casado com Quitéria da Costa (filha de Mateus  da Costa, taubateano, emigrado para as minas do Ribeirão do Carmo (S. L. 1, 59) com sua mulher Inácia da Costa); Feliciano da Silva Coutinho e sua mulher Maria Portes del Rei (S. L. 5, 20); Manuel Borges e sua mulher Joana de Freitas; David  Prado e sua muher Tomásia Rodrigues; Salvador Fernandes,  sua mulher Isabel Ribeiro e filho Domingos Ribeiro Delgado;  José Vieira da Cunha e sua mulher Catarina Portes; Salvador Pinheiro da Silva, casado com Teresa da Silva; Domingos Nunes, casado com Teodosia de Barros; Fernando Bicudo, casado com  Josefa da Luz Garcia; Jorge Furtado, casado com Maria Velho de Moraes; Salvador Pires Leite, casado com Liboria Rodrigues; Gonçalo Garcia Velho e sua mulher Maria Andreza de  Jesus; Silvestre Diniz Pacheco (português) e sua mulher Ana Portes del Rei; Domingos Rodrigues Paes e sua mulher Maria  de Escobar Ortiz, sebastianense; Euzebio Martins do Prado, casado com Antonia de Camargo; Tomé Garcia de Moraes, casado com Isabel Unhate de Lara. 

Dentre os pindamonhangabenses encontrou Soares de Almeida, Manuel da Silva Leme e sua mulher Bernardina Rodrigues; José Cardoso de Alvarenga, sua mulher Catarina do Prado e filho João Luiz Leme; João de Godoi e sua mulher Barbara Ferreira; Luiz Gonçalves, casado com Maria Leme; Francisco Pereira de Camargo, casado com Maria de Assunção. 

De Guaratinguetá figuram: José de Souza Napoles, casado  com Maria de Oliveira; Manuel Dias de Siqueira, casado com  Maria Freire; Fernando Bicudo de Brito e sua mulher, Luiza  Machado de Barros (S. L. 6, 445); João de Campos Maciel, casado com Isabel Antunes da Silva; Antonio de Souza Pereira e  sua mulher, Antonia Fernandes de Afonseca; Alexandre Pereira Souto, casado com Domingas Bicudo (e filho?) Antonio Pereira Souto; Alexandre Pereira Tavares e sua mulher Domingas Pereira Bicudo; José Marques de Araujo e seus pais Fernando de Araujo  e Catarina Vaz; Francisco Antonio de Alvarenga, sua mulher  Rosa Maria Cabral e filho Antonio Bicudo de Mendonça; Manuel Leal, casado com Tereza Maciel; Jorge Dias Velho (S. L.  7, 409) e sua mulher Rosa de Moraes; João do Prado Martins, casado com Maria Leite de Miranda; João Pires da Cunha, casado com Isabel de Unhate. 

Da vila de S. Paulo há bastantes emigrados como José da  Silva Correia e sua mulher Maria de Siqueira Paes (S. L. 2, 169);  A. Correia omite Silva Leme o último nome, aliás; Manuel Pereira das Neves e sua mulher Maria da Silva; Antonio Ferreira  Barreto, casado com Maria de Siqueira Paes; Belchior de Siqueira, sua mulher Helena Dias e filho Belchior Dias Barroso;  André Mendes, sua mulher Mauricia de Avila, a filha Teresa  Mendes e genro Martinho dos Santos, jacareiense; Antônio Rodrigues Leme e sua mulher, Maria de Oliveira; Antonio de Carvalho Oliveira, casado com Agueda Soares; José Vaz Muniz e  sua mulher Ana Pires de Oliveira (S. L. 8, 511). 

De uma prima irmã e homônima desta Ana Pires de Oliveira (S. L. 8, 515) casada com Antonio Vieira de Moraes,  teremos o ensejo de falar mais longamente. Antonio Rodrigues Penteado, casado com Severina Paes: Francisco Correia, casado com Andreza do Prado; António da Cunha  Gago e sua mulher Luiza Inácia; Francisco Pereira de Camargo, casado com Maria Nunes de Assunção; Francisco Ribeiro  Cardoso, casado com Catarina Bicudo de Alvarenga; Francisco  Pedroso de Oliveira e sua mulher Ana da Cunha de Siqueira. 

De Itú apenas encontrou Samuel Soares os vestígios de um  casal, Antonio de Aguiar e sua mulher Lucrecia Portes del Rei, ambos não mencionados por Silva Leme; sua filha Maria da  Conceição e genro o açoriano Pascoal Vieira Monteiro.

Sorocabanos, atibaienses, jundiaianos, parnaibanos não os encontrou Samuel Soares em sua inspeção. Apenas de Nazaré aparece um casal João Pereira de Siqueira e sua mulher Ana Ribeiro. E de Sto. Amaro, certo José Martins de Figueiró. 

De santistas, Manuel Alves da Silva, sua mulher Maria de Jesus e filho Lopo Teixeira da Silva; de iguapenses aparece o  casal Antonio Fernandes da Cunha e Catarina Dias Leme em companhia de quem emigrou o filho de ambos Francisco Xavier  da Silva. 

A anarquia de patronímicos reinante nos meios portugueses desse tempo em que os filhos usavam nomes inteiramente diversos dos pais, sem que, frequentemente, nada indicasse qualquer  filiação, torna a cada passo inidentificáveis muitos destes povoadores setecentistas nos catálogos genealógicos. Outra causa de perturbação e enorme vem a ser o costume do tempo fazer com que numerosíssimas mulheres só usassem nomes piedosos, abolindo os de família. 

Terceira causa de indeterminação reside na flutuação dos  nomes inscritos nos papéis oficiais, ora abreviada ora lacunosamente em marchas e contra marchas de verdadeira vacilação.  Enfim uma série de circunstâncias que aos linhagistas de hoje  trazem os maiores quebra-cabeças. 

Em sua monografia Noticia de São João d'El Rei declara  Augusto Viegas que, segundo se infere do livro de registro de  escravos, figuram entre os primeiros povoadores do arraial sanjoanense Manoel da Silva Leme, João da Cunha Gago, João Antunes Maciel, Pedro de Moraes Raposo, João Machado Castanho, Padre Gregorio de Souza Oliveira, Fernando Bicudo de Andrade, Manuel Bicudo, Antonio Rodrigues de Miranda, todos paulistas  e quase todos identificados na obra de Silva Leme. Apenas dois  desses povoadores, Luiz Pinheiro Paes e Pascoal de Macedo, parecem não ser paulistas, ou pelo menos, não são mencionados por  Silva Leme. 

Entre os povoadores menos salientes dos distritos das Geraes, saídos de S. Paulo, cita Pedro Taques: João Correia da  Silva, casado com Maria de Moraes; Francisco Bueno Luiz da  Fonseca ³ que depois de longamente morar em Parnaiba passou-se ao sítio de Vuturuna no Rio das Mortes, com sua mulher, Maria Jorge Velho, filha de Salvador Jorge Velho, o conhecido bandeirante descobridor das faisqueiras de Curitiba. 

Este Francisco Bueno, neto de Amador Bueno da Ribeira, parece ter emigrado em virtude da assuada que encabeçara em S. Paulo, em outubro de 1712, contra o Desembargador Sindicante Antonio da Cunha Souto Maior, sob o pretexto de que este magistrado seduzira e desonrara a menina Rosa de Siqueira com quem foi obrigado a casar-se. Celebrar-se-ia ela, mais tarde, como verdadeira heroína na defesa de seu navio atacado por piratas argelinos (Doc. Int. 4, 32).

Outro casal que se foi para as Minas nos primeiros anos: o do português Antonio Ribeiro da Silva, e da paulista Catarina Bueno de Freitas (S. L. 1, 390), bisneta de Bartolomeu Bueno da Ribeira, o moço, irmão do Aclamado. Sitiou-se em Pitangui. 

Homem da melhor gente de S. Paulo e dela degenerado, mostrou-se José Rodrigues da Silva filho de Garcia Rodrigues Velho, sobrinho de Fernão Dias Paes e bisneto de Lourenço Castanho Taques. Havendo desonrado uma rapariga de boa gente e sido forçado a casar-se, "à força de armas, teve o cruel animo de afogá-la em um atoleiro" (Nob. I, 197). 

Dama paulista de muita projeção social, emigrada em princípios do século XVIII foi D. Angela de Goes, prima do capitão mór Pedro Taques e casada com o português Pedro Bernardes Caminha, capitão de ordenanças no Rio das Mortes (S. L. 4, 499). 

Três genros de Manuel Gonçalves de Aguiar (S. L. 6, 458)  bisneto do povoador quinhentista Antonio Bicudo Carneiro mudaram-se para o Carmo estabelecendo-se em Guarapiranga.  De um apenas se conhece o nome: André de Melo dos Santos  (Nob. 1, 228).

Braz e João Leme, irmãos, filhos de Francisco Leme da  Silva e Isabel de Anhaia passaram às minas de Pitangui e de Pouso Alto. 

Leonardo Mendes Raposo casado com Ana de Lara de  Moraes, irmã do Tripuí e neta de D. Diego de Lara, o fidalgo  espanhol de Zamora transmigrado a S. Paulo e falecido em 1665 (Nob. 1, 292), figura entre os moradores primevos do Serro  Frio, onde seu filho Cristovam de Moraes Raposo faleceu opulento e sem sucessão.

Um primo irmão de Ana de Lara de Moraes, Guilherme de Oliveira Lara (Nob. I, 295) casado com Mariana de Leão, da família dos Camargos, este se passou para o Rio das Mortes com os seus filhos Guilherme de Oliveira e Angelo de Leão, filhos e genros entre os quais João Alves Preto e João de Souza. 

Junto a este Guilherme de Oliveira Lara achava-se sua  prima Anna Pires de Oliveira casada em 1720 com Antonio Vieira de Moraes (S. L. 8, 515). Este casal se radicara no Rio das Mortes onde já aliás vivia Antonio Vieira de Moraes que  com os paes Antonio Vieira Dourado, português, e Francisca  de Macedo, taubateana quinta neta de João Ramalho, emigrara, dentre os primeiros, para as minas daquele distrito.

Deste casal proviria Maria de Assunção Moraes (1721-1763), mulher do sargento mór português Lourenço Corrêa Sardinha (-|- 1747). ³ Da terceira filha do casal Escolastica Maria de Jesus Moraes (1745-1823), mulher do sargento mór português José Leite Ribeiro (1723-1801), é terneto o autor desta Historia Geral das Bandeiras Paulistas que assim se entronca  na linhagem dos primeiros povoadores do Brasil como décimo  terceiro neto de João Ramalho e de Antonio Rodrigues e décimo quarto de Tibiriçá e Pequerobi (Silva Leme 8, 515 e Arq. de Cúria Metropolitana de S. Paulo, Est. 4, gav. 2 Liv. 9  proc. 1). 

De Belchior da Cunha (Nob. I, 390), quarto neto do patriarca João do Prado, se conta que em 1718 faleceu em Itaberaba. Casara-se em Guarulhos com Margarida Cardoso de  Siqueira.

Terneto de João do Prado era Miguel de Almeida Cunha,  o descobridor do ouro em Itaberaba, onde o gentio o matou  (Nob. I, 492). Sua viuva, Clara Bueno de Camargo casou-se (ou sua irmã Isabel) com Francisco Pinto do Rego, coronel das  ordenanças de Mogi e Jacareí e viu o segundo marido morrer de morte violenta, assassinado por certo Domingos Nunes Paes (Nob. I, 423).

Este Pinto do Rego não sabemos que parentesco teria com o homônimo, santista opulento, igualmente coronel do regimento de auxiliares de Mogi e Jacareí, fidalgo da Casa Real, terneto de Domingos de Brito Peixoto e falecido em S. Paulo em 1775. Há, aliás, nas linhagens antigas numerosos Francisco Pinto do Rego. Arrola Silva Leme diversos Domingos Nunes  Paes, mas de nenhum refere o que narra Taques. 

Dos Costa Cabraes, muito aparentados, em Taubaté e Pindamonhangaba, com os Bicudos, numerosos emigraram para as Minas Geraes.  Cataloga Pedro Taques a diversos como a gente de Maria  da Silva de Magalhães (S. L. VII, 392), neta de Antonio Bicudo Leme, o conhecido Via Sacra e bisneta do fundador da família casada com o coronel Faustino Pereira da Silva, português vianense que foi viver nas Geraes em seu engenho de Jesus Maria José do Rio das Velhas abaixo, deixando grande  descendência em Roça Grande, Caeté e Vila Rica. 

Luiz Colaço Moreira, da família dos Alvarengas Monteiros, é citado por Pedro Taques como um dos primeiros povoadores  da Campanha do Rio Verde (Nob. III, 363). Seu primo José de Freitas perdeu a vida pelejando com os cataguazes (Ibid. 365).  Este Luiz Colaço era aliás filho de outro povoador, Inácio Moreira de Alvarenga, emigrado para Guarapiranga com seus  cunhados Bento de Alvarenga, Francisco da Silva Colaço e José  Moreira Colaço, havendo um quarto, Gonçalo de Almeida Colaço, minerador em São José do Rio das Mortes (Nob. III, 63).

Paulista de relevo nas Minas, em seus primeiros anos, veio a ser Manuel Lopes de Medeiros. Já servira a honrosos cargos de sua república e nela tanta autoridade tivera que sempre conservara as rédeas do governo político e militar. À vista do que dele viera a saber, nomeara-o Artur de Sá e Menezes sargento mór da  Comarca de S. Paulo. 

Fôra dos vassalos que mais aconselharam os concidadãos a obedecer às ordens régias "no sentido de correr o dinheiro, a peso expondo por isto a vida ao odio dos povos que não queriam aceitar, a dita ordem". 

Informado por Artur de Sá escreveu-lhe o Rei a 20 de outubro de 1698 agradecendo-lhe a lealdade da honra do vassalo quanto às ordens que tocavam ao real serviço. Pouco depois, a 10 de fevereiro de 1700, recebia Medeiros importantíssima  comissão "em serviço de Sua Majestade e bem dos vassalos  do mesmo Senhor!" 

Era preciso dar providências às desordens que experimentavam os povos das novas minas dos Cataguazes atalhando qualquer perturbação relativa à repartição das terras minerais, não só as já descobertas como as que se fossem descobrindo. 

Ao mesmo tempo deveria com João de Carvalho da Silva, "um dos principais paulistas por sangue e procedimento de  honrado vassalo", examinar as minas de prata que se suspeitara haver, nas serras das Geraes, de tudo informando ao monarca. 

Falando de Manuel Lopes de Medeiros escreve Basílio de Magalhães que "não se lhe conhece o tronco avito nem mesmo  a descendência, o que deu azo a mais uma deplorável invencionice de Diogo de Vasconcelos" . Dizendo-o casado com D.  Maria Cabral, da casa dos senhores de Belmonte, do descobridor do Brasil — atribue-lhe a paternidade de Dom Francisco  Mateus Rendon.

Realmente a asseveração de Vasconcelos representa considerável cinca mas não tão grave quanto afirma o douto contraditor. Casou-se Medeiros com D. Maria Cabral Rendon  (Cf. Nob. Paul. ed. nossa II, 237) e esta era, por sua avó, Maria  Moreira Cabral aparentada na casa de Belmonte (Ibid. 221).

Mas D. Francisco Mateus Rendon não vinha a ser seu filho e sim seu irmão (Ibid. 223). Declara-o categoricamente Pedro Taques (Nob. I, 210). Vinham ambos a ser filhos de D. Pedro Mateus. Rendon e Luna (não Lima, como inculca um  erro tipográfico do texto de B. de Magalhães, Rev. Inst. Hist. de S. Paulo , XVIII, 515). 

Os erros de Vasconcelos em matéria de linhagens paulistas são aliás tão numerosos quanto graves. Mas, a seu turno, B. de Magalhães avança uma inexatidão ao declarar que de Manuel Lopes de Medeiros não se conhece o tronco avito nem mesmo a descendência.

Nada menos de cinco referências faz Pedro Taques a este  distinto paulista. Declara-o parente próximo de Catarina de Unhate e na biografia de sua mulher descreve-lhe o abolório.  Tece-lhe os maiores elogios, di-lo bisneto de Amador de Medeiros um dos nobres povoadores de S. Vicente, em 1538, neto  de Matias Lopes, mamposteiro mór dos cativos em 1608, etc. (Ibid 239). E quanto a não se lhe conhecer a descendência labora em erro o douto autor mineiro contemporâneo. Pedro Taques dá-lhe dois filhos: Antonia de Medeiros Cabral e Antonio João de Medeiros (Ibid. 240) cujos casamentos menciona. O próprio Taques ainda menciona filhos de Antonia Cabral (Ibid. 240).

E Silva Leme desenvolve até os nossos dias a descendência de Manuel Lopes de Medeiros (2, 14; 7, 275; 5, 507; 4, 291). Queixa-se Basílio de Magalhães de que na genealogia paulistana não encontrou elementos para o estudo da biografia de Medeiros, quando Pedro Taques lhe consagra quase três  páginas (II, 237-240). 

E assim refere "felizmente os delegados do Rei no Brasil quando faziam nomeações de ordinário transformavam a patente ou provisão em verdadeira fé de ofício de pessoa que a  recebia". Por isso os documentos permitem verificar que Medeiros foi durante 14 anos capitão da ordenança da vila de São Paulo, coisa que aliás Pedro Taques menciona (Nob. II, 237). 

Transcrevendo a patente de Sargento Mór conferida a Medeiros por Artur de Sá a 22 de setembro de 1698 (cf. Rev. Inst. Hist. de S. Paulo, XVIII, 385), distraiu-se B. de Magalhães não vendo o enorme erro cometido pelo escrivão ao nomear o  Governador Geral do Estado do Brasil Antonio Luiz Miz Castro e Coutinho (sic) em vez de Antonio Luiz Gonçalves da Camara Coutinho. Ainda interpretou a abreviatura Miz como sendo Martins, repetindo o engano, integralmente, nas preciosas notas apostas aos seus "Documentos relativos ao bandeirismo paulista" de 1654 a 1700 (cf. Rev. Hist. de S. Paulo, XVIII, 515).

De Medeiros noticia Pedro Taques alguma coisa que os documentos copiados por Basílio de Magalhães não revelam, como a carta que lhe escreveu D. Pedro II e a comissão com João Carvalho da Silva. 

Elevado a sargento mór da Capitania de S. Vicente e S. Paulo por ato de Artur de Sá a 22 de setembro de 1699, posto vago pelo falecimento de José Tavares de Siqueira, viu-se o Governador fluminense advertido, severamente, por D. Pedro  II de que exorbitara. 

Declarou o monarca a 13 de novembro de 1700 ao seu delegado: Me pareceu mandar-vos advertir que o provimento de  semelhante posto como é de concurso vos não toca. Deveis  dar conta de sua vacatura assim como o fazem os mais governadores das outras conquistas nos que não são provimentos de  seu Regimento.

Assim a Medeiros faria mercê do posto não por confirmação senão por mercê nova como constaria de sua nova patente  porque o posto vencia tal soldo da Fazenda Real. Insiste Basílio de Magalhães em declarar que não encontrou documentação suficiente que o possibilitasse acompanhar o resto da longa e laboriosa existência de Medeiros "o qual talvez por não ser nobre ficou excluído dos livros da linhagem da fidalguia paulista". Assim reincide no engano que apontamos. Ante as declarações  de Taques era o guarda-mór repartidor tão nobre quanto os mais nobres paulistas de seu tempo. 

Pensa B. de Magalhães que Medeiros não haja exercido a espinhosa comissão de Guarda-Mór das Minas dos Cataguazes, que lhe atribuiu Artur de Sá a 23 de fevereiro de 1700.

E realmente se o fez foi por pequeno lapso, pois o Governador o substituiu a 17 de novembro deste mesmo milésimo por  Domingos da Silva Bueno, quando o seu substituto legal seria  o tenente-general Tomaz da Costa Barboza. 

Julga Magalhães que Medeiros já velho haja desamparado o posto ao irromper, em fins do século 17, terrível crise de fome  e voltado a S. Paulo a exemplo de tantos outros. A 14 de julho de 1703 referia-se D. Alvaro da Silveira de Albuquerque, em carta, à sua morte (Col. Governadores do Rio de Janeiro,  1 XIII, 1290 do Arq. Nacional).

Consagra Diogo de Vasconcelos numerosas páginas da  História Antiga das Minas Geraes a tratar dos primeiros povoadores da região aurífera. Mas nos diversos capítulos em que  tratou dos descobrimentos quando se refere à gente de S. Paulo  incidiu em numerosos erros de nomes e relações de parentesco, falta de individuação dos bandeirantes quanto às suas procedências e famílias. 

Assim por exemplo chama ao Padre João Leite da Silva, irmão de Fernão Dias Pais, João Dias Leite; transforma em  Teodósio Leme de Oliveira a paulista Teodora Leme de Oliveira, mulher do português Luiz Fernandes de Oliveira (Silva  Leme 5, 530) um dos primeiros povoadores de Santa Bárbara! 

Falando dos da Zona do Carmo inculca de Manuel Monteiro da Veiga que era cunhado de João de Sousa Castelhanos, quando este era seu filho! Chama Francisca a Graciana da Fonseca Rodovalho, mulher do pernambucano Antonio Gomes Ferreira (S. L. 5, 513); troca Miguel de Sousa e Silva por Domingos Ferreira Alves (Ibid. 433). Fala-nos de um "nobre paulista  da família dos Lemes", certo Simão de Mendonça Alemão,  cujos nomes estão ausentes das genealogias paulistas, o que é estranho.

Enfim, geralmente, as indicações de Vasconcelos no capítulo referente aos primeiros povoadores saídos de S. Paulo devem ser examinadas cuidadosamente pois muitas delas constituem sérios erros.




 III.  NOTAS EXPLICATIVAS, por Francisco José dos Santos Braga



¹  Sobre o pai de Samuel Soares de Almeida, Antônio Soares de Almeida, [CINTRA, 1982, 214] escreveu na efeméride de 12/05/1881:

"Faleceu o comerciante Antônio Soares de Almeida, casado com Gabriella Pereira de Almeida. Natural de Porto Alegre-RS, veio para esta cidade (SJDR) em 1844, empregando-se no comercio. Foi Juiz Municipal Substituto e Delegado de Polícia. Deixou os filhos Samuel Augusto Soares de Almeida, genealogista, e Brasilina Augusta Soares Neves (falecida a 31/12/1901), casada com Dr. Juvenal das Neves." 
Ainda, na efeméride de 05/06/1909, [CINTRA, 1982, 241] assinalou que nesta data "Lei Municipal nº 210 concede à Fábrica de Calçados Leão, de propriedade de Samuel Augusto Soares de Almeida, isenção de impostos municipais de indústria e profissão, pelo prazo de cinco anos."

E, finalmente, [CINTRA, 1982, 69-70] registrou acerca de nosso conterrâneo Samuel Soares de Almeida em efeméride de 10/2/1945
"Faleceu na cidade do Rio de Janeiro nosso conterrâneo Samuel Augusto Soares de Almeida, filho de Antônio Soares de Almeida e de Gabriella Augusta Pereira de Almeida, possuidora de excelente caligrafia, parecendo ser pessoa instruída. A 8/2/1902 se casou com Leonor Alves Rosas, filha de Aires da Silva Rosas, falecido a 29/9/1892, e de Ana Alves Moreira da Rocha. Ficou órfão de pai aos oito anos. Samuel tinha uma irmã, três anos mais velha do que ele, chamada Brasilina Augusta Soares de Almeida. Estudou humanidades no Seminário de Mariana, em Ouro Preto e no Externato de São João del-Rei. Praticava modelagem e encadernação de livros, além de exercer a pintura, tendo executado em 1916 cenários para o Clube Teatral Artur Azevedo. No começo do século, sem dispor dos instrumentos necessários e do material apropriado, confeccionou clichês das pessoas seguintes: Major Carlos Sânzio de Avelar Brotero, Miguel Arcanjo da Silva, Cap. Sinfrônio dos Reis e Silva e de José Inácio da Silva Rios, que foram publicados no periódico local O Resistente. Foi eleito em 1922 juiz de paz. Em 1934 lecionou Latim e Desenho no Ginásio Antônio Vieira de Formiga. Com a aquisição de livros estrangeiros e de obras que integravam o acervo do Barão de Loreto dispendeu cerca de “14:000$000”; Samuel cedeu tudo à Biblioteca Municipal de S. João pela quantia de “4:500$000”. Estudioso da história sanjoanense, genealogista, era membro do Instituto Histórico e Geográfico de Ouro Preto."
Como Cintra não fez nenhuma menção à produção intelectual no campo da história são-joanense e da genealogia, acho que cabe aqui alguma referência sobre os trabalhos desse historiador são-joanense muito respeitado por Taunay. 

Este pesquisador consultou no Arquivo Histórico do Escritório Técnico do IPHAN em SJDR, na Seção de Inventários, identificando duas caixas relacionadas com o seu nome: 
1. o inventário de Antonio Soares de Almeida (1881) caixa 04 e 
2. a caixa de manuscritos de Samuel Soares de Almeida, que abrange seus estudos e pesquisas históricas e genealógicas, e fez o levantamento do seguinte conteúdo desta última: 

1)  Memoria Historica do Municipio de S. João d’ El-Rey por Samuel Soares de Almeida, em 510 folhas numeradas frente e verso, com a seguinte anotação sobre a localidade e a data: S. João d’ El-Rey, 10 de fevereiro de 1919;

2)  Apontamentos historicos baseados em documentos de S. João de El-Rey por Samuel Soares de Almeida (cópias do Archivo da Camara Municipal de S. João d’ El-Rey, correspontes aos annos 1715 a 1722 que é considerado como primeiro livro da Camara, isto é, do Archivo), em 105 folhas numeradas sem contar o verso. De fato chega até 27/7/1720.

3)  Historia Terciaria por Samuel Soares d’ Almeida-tomo I, 1918 com a seguinte observação: Este tomo I só trata da antiga Capella que houve antes da Igreja actual. 
Subtítulo: Historico baseado em documentos da Veneravel Ordem 3ª da Penitencia de S. Francisco de S. João d’ El-Rey


4)  Idem
Subtítulo II: Historico baseado em documentos da V. Ordem Terceira da Penitencia de S. Francisco de S. João d’ El-Rey por Samuel Soares d’ Almeida, sem data, com a seguinte observação: Este Segundo volume só tracta da Nova Igreja, desde a construção até aos nossos dias, em 88 folhas numeradas sem contar o verso, sem data.
Conteúdo: Na folha 2 trata da Veneranda Imagem do Nosso Monte Averne (sic) e da folha 3 até o fim trata da ereção da Igreja Nova.

5)  Anotações sobre os vários pontos turísticos da cidade de São João del-Rei: 39 páginas datiolografadas, datadas de 1939. Aí consta a informação que do acervo da Biblioteca Pública 3.000 livros pertenceram ao Sr. Samuel Soares de Almeida. Não trazem a informação da autoria.

6) Muitas folhas esparsas manuscritas representando estudos que conduziu nos cartórios e arquivos da cidade de São João del-Rei.

 
²  As iniciais S.L. referem-se a (Luiz Gonzaga da) Silva Leme (☆ Bragança Paulista, 03/08/1852  ✞ São Paulo, 13/01/1919), o qual foi um advogado, engenheiro civil, historiador e genealogista brasileiro. Era membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. É considerado um importante autor sobre genealogia no Brasil. Sua obra — uma atualização e ampliação da de seu predecessor e parente Pedro Taques de Almeida Paes Leme (autor de Nobiliarquia Paulistana Histórica e Geográfica em 3 volumes, bastante referida como "Nob." neste capítulo XII de Taunay) — é uma das mais conhecidas entre os genealogistas, intitulada Genealogia Paulistana, publicada em 9 volumes, de 1901 a 1905, e impressa pela Casa Duprat & Comp. na Rua Direita em São Paulo, abordando a história e linhagens das famílias paulistas tradicionais. É o patrono da cadeira nº 6 do CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia.

³   Sobre Francisco Luiz da Fonseca Bueno (sic), esposo de Maria Jorge Velho, conferir a pesquisa de Ary Silva, no ano de 1987, extraída de seu livro "Árvore Genealógica Família DIAS DE OLIVEIRA - BUENO", p. 38, in http://www.carmodacachoeira.net/2009/02/pedra-de-moinho-da-fazenda-caxambu.html.

Inventário e testamento de Lourenço Correa Sardinha no Arquivo Histórico do IPHAN de São João del-Rei (Cf. in http://www.genealogia.villasboas.nom.br/Inv-Test/LourencoCorreaSardinha.htm e http://www.projetocompartilhar.org/DocsMgGL/lourencocorreasardinha1747inv.htm).
Idem, inventário e testamento de Maria da Assunção Moraes (http://www.genealogia.villasboas.nom.br/Inv-Test/MariaDaAssuncaoMoraes.html)


  Apesar da crítica acre que Taunay desfere em Basílio de Magalhães neste Tomo Nono capítulo XII, por  declaração apressada deste de que "de Manuel Lopes de Medeiros não se conhece o tronco avito nem mesmo a descendência, o que deu azo a mais uma deplorável invencionice de Diogo de Vasconcelos", sua verberação mais acerba vai para o historiador Diogo de Vasconcelos, recomendando Taunay que os estudiosos examinem com cautela as indicações daquele, especialmente quando trata dos emigrados de S. Paulo com destino às Minas Geraes dos Cataguazes. 

À vista dessas considerações, é digno de menção o respeito com que o historiador são-joanense Samuel Soares de Almeida é tratado por Taunay, o qual se serve basicamente das anotações do seu informante são-joanense, obtidas nos arquivos de São João del-Rei, para formatar este seu capítulo. 

No entanto, no Prefácio de outro livro abaixo nomeado de Basílio, Taunay faz um elogio cabal a seu colega historiador. A extensa citação de Taunay confere um beneplácito ao trabalho árduo que Basílio desenvolveu preparando sua monografia, nos seguintes termos: "O livro que verdadeiramente vem sintetizar uma multidão de estudos esparsos foi a monografia de Basílio de Magalhães, apresentada ao Primeiro Congresso de História Nacional, realizado em 1914 no Rio de Janeiro, a monumental Expansão geográfica do Brasil até fins do século XVII, fruto de labor tão exaustivo, que, como a meditação acerca de tal esforço, nos causa a impressão de que nos vai trazer real cansaço cerebral. Formidável massa de leitura exigiu, trabalho insano realizou para a confecção daquele mosaico, composto de milhares de peças. São 150 páginas in-octavo que resumem bibliotecas, fazem o extrato de longas controvérsias, examinam numerosos problemas obscuros, aventam soluções, opõem contestações a afirmativas dúbias, constituem, enfim, um repositório de jamais assaz louvado mérito. Apegado ao estudo do bandeirismo, prosseguiu Basílio de Magalhães nas suas pesquisas, coletando documentos inéditos e comentando-os. Mananciais imensos e quase virgens existem no país: os do Arquivo Nacional e da Biblioteca Nacional. Do primeiro obteve volumosos tomos de papéis inéditos e importantes, de que já uma parte foi impressa no tomo XVIII da Revista do Instituto Histórico de São Paulo, conservando-se ainda datilografadas, infelizmente, centenas de cópias de outros papéis. Do acervo da Biblioteca Nacional nada ainda veio à luz. Os verbetes do catálogo de manuscritos mostram, contudo, quanto é importante o material que ali se acha."

Cabe ainda citar que a referida monografia de Basílio de Magalhães, inserta no vol. II dos "Anais do Primeiro Congresso de História Nacional, saiu em separata no mesmo ano (Imprensa Nacional, 1915, in-4º de 147 p.) e em 1917 foi premiada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, por proposta do sr. Max Fleiuss, digno secretário perpétuo, tendo recebido parecer favorável, em 27 de agosto do mesmo ano. Concluiu o parecer que, na memória que Basílio de Magalhães apresentou ao 1º Congresso de História Natural, os fatores da nossa história gradual foram "tratados em admirável resumo, com vasta erudição e grande senso crítico", constituindo, por isso, a referida monografia, "a todos os respeitos, notável e copioso manancial de ensinamentos". O prêmio consistiu numa medalha de ouro, denominada "D. Pedro II".

Já que Taunay citou Basílio de Magalhães, seria interessante abordar aqui algumas breves notas biográficas sobre a vida e obra do historiador Basílio de Magalhães.

Basílio de Magalhães, historiador, escritor, conferencista, professor, jornalista e folclorista, nasceu em Barroso-MG, em 1º/06/1874, e faleceu na cidade de Lambari, MG, em 14/12/1957, aos 83 anos de idade, vítima de hemorragia cerebral.

Basílio era mestiço e oriundo de classes sociais menos favorecidas economicamente. 

Um aspecto nebuloso da vida de Basílio diz respeito à sua ascendência paterna. No seu registro de batismo consta que era filho de Antônio Inácio Raposo e de Francisca de Jesus; e seus padrinhos de batismo, Ladislau Artur de Magalhães e Prudenciana Augusta Meireles. Ocorre que seus pais eram empregados na Fazenda Venda Grande, de propriedade de Ladislau, seu padrinho e esposo de Belizandra Augusta de Meireles. O fato de levar o sobrenome do padrinho pode indicar a possibilidade de Basílio ser filho adulterino de Francisca com o seu "padrinho". Seja como for, foi em companhia de seu padrinho Ladislau e graças a ele que Basílio teve acesso às primeiras letras, fator determinante da sua ascensão social.

Consta que, na ocasião da inauguração da Estrada de Ferro, mais tarde EFOM-Estrada de Ferro Oeste de Minas, ocorrida no dia 28/08/1881, Basílio, com apenas sete anos de idade, proferiu um discurso para recepcionar a comitiva imperial que passava pela estação da cidade de Barroso, com o qual impressionou a todos, atraindo para si não só credibilidade, mas também bolsa de estudos concedida por um membro da família imperial, que provavelmente tenha sido a Princesa Izabel.

Estudou preparatórios em São João del-Rei, matriculando-se na escola João dos Santos, que era uma escola que oferecia ensino gratuito, além de livros e demais materiais didáticos necessários aos estudos. Como aluno, a 15/04/1884, recebeu, entre 120 alunos, o 1º prêmio "Reginaldo de Barros", uma medalha de ouro com o busto de S. Majestade o Imperador, outorgada pelo ilustre são-joanense Dr. João Batista dos Santos, Visconde de Ibituruna.

Aqui já começa a se delinear uma qualidade do seu caráter, que pode ser considerada como favorável à trajetória de Basílio: a autodeterminação. Nos seus escritos pode-se ainda constatar a presença contante de auto-confiança, firmeza na expressão das ideias e busca insistente por seus ideais. 

No jornal monarquista são-joanense Gazeta Mineira (que circulou de 1884 a 1894), iniciou-se na arte tipográfica e nos trabalhos de auxiliar de redação. Com o advento do jornal republicano A Pátria Mineira (1889-1894), fundado por Sebastião Rodrigues Sette Câmara, passou a colaborar com o citado jornal, emprestando-lhe seus conhecimentos tipográficos e jornalísticos; aí teve os primeiros contatos com as ideias republicanas que influenciariam sua obra. Por volta de 1892, seguiu para São Paulo, em busca de novos campos de trabalho. Obteve licença do Tribunal de Justiça, mediante provas de habilitação, para advogar no fórum de Campinas. Na mesma época foi revisor e colaborador do Diário Popular de São Paulo.

Por volta do ano de 1900, foi aprovado em concurso público para professor no Ginásio do Estado, em Campinas. Aí fundou e presidiu o "Clube de Comemorações Cívicas".

Ainda nesta época, foi eleito membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Paulista de Letras e da Academia Mineira de Letras (sócio honorário). Em Campinas, fundou e dirigiu o jornal Correio de Campinas, foi eleito vereador e exerceu o cargo de Delegado de Polícia.

Entre 1909 e 1910, Basílio atuou na Campanha Civilista, liderada por Rui Barbosa que alertava e alentava os espíritos liberais contra as práticas políticas viciadas que a República fora, aos poucos, adotando.

Em 1911, o Governador do Estado de São Paulo encarregou-o de fazer pesquisas no Arquivo Nacional e no Instituto Histórico, no Rio de Janeiro. Tais pesquisas foram mais tarde publicadas em oito volumes sob o título de "Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo".

No ano de 1917, o IHGB conferiu-lhe o prêmio "D. Pedro II" — medalha de ouro, pela apresentação da monografia "Expansão Geográfica do Brasil até os Fins do século XVII", prêmio que foi concedido também a Roquette Pinto e Capistrano de Abreu.

Foi também advogado e professor do Instituto de Educação e do Colégio Pedro II. Na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, lecionou história da pintura e da escultura. No biênio de 1917-1918, foi diretor interino da Biblioteca Nacional, que dirigiu com alto tirocínio.

De volta a São João del-Rei, em 1922 foi eleito presidente da Câmara Municipal e Agente Executivo Municipal de São João del-Rei. Durante esse período, foi eleito Senador Estadual em 1922 e Deputado Federal em 1924, sendo reeleito para o mesmo cargo no ano de 1927 por Minas Gerais. Dois de seus projetos legislativos merecem ser destacados: a proposta de voto secreto e obrigatório e a extensão de voto às mulheres. Na ocasião, colaborou com entusiasmo com o jornal local A Tribuna.

Pouco antes da Revolução de 1930, fez oposição a Getúlio Vargas, candidato à Presidência da República, pois fazia parte da corrente política liderada por Raul Soares, tendo este apoiado Basílio nas eleições já citadas. Com a morte de Raul Soares, Basílio passou a ser apoiado por Artur Bernardes. Porém, como Bernardes apoiava a candidatura de Getúlio Vargas para presidente, este fato contribuiu para o fim da carreira política de Basílio.

Então, Basílio passou a dedicar-se ao magistério, tendo reassumido suas funções na Escola Normal do Distrito Federal. Na mesma ocasião, foi convidado pelo Ministério das Relações Exteriores a examinar candidatos à carreira diplomática no Instituto Rio Branco. Em 1935, Basílio foi reconhecido como historiador emérito, tendo sido ampliada e refundida sua monografia supracitada, vencedora do prêmio "D. Pedro II".

Pertenceu a muitas instituições culturais, sendo 17 nacionais e 9 estrangeiras. Em 1930 abandonou a política, dedicando-se inteiramente ao magistério, à pesquisa histórica e ao jornalismo.

Mestre do folclore brasileiro, foi um dos primeiros a aprofundar seu estudo e a atribuir-lhe significação erudita.

Entre abril de 1941 e agosto de 1942 escreveu em Cultura Política, Rio de Janeiro, uma série de artigos sob o título “O povo brasileiro através do folclore”.

Sobre folclore publicou O folclore no Brasil (com uma coletânea de contos organizada por João da Silva Campos), Rio de Janeiro, 1928 (2ª. ed., Rio de Janeiro, 1939; 3ª. ed., revista por Aurélio Buarque de Holanda, Rio de Janeiro, 1960); O café, na história, no folclore e nas belas artes, Rio de Janeiro, 1937 (2ª. ed., aumentada e melhorada, São Paulo, 1939); Expansão geográfica do Brasil colonial (2ª edição aumentada, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935); A lírica de Stecchetti e Patrimônio do Brasil.

Basílio foi um dos mais cultos e ilustres filhos adotivos de São João del-Rei, razão por que seu nome foi dado ao Salão Nobre da Prefeitura Municipal dessa cidade.

Foi escolhido patrono da cadeira de nº 20 do IHG, e da cadeira de nº 7 da Academia de Letras de São João del-Rei.

Obs.: Para escrever essas notas biográficas, servi-me da monografia "Basílio de Magalhães: trajetória e estratégias de mobilidade social 1874-1957" da autoria de Jacqueline das Mercês Silva Pinto. Também consultei [CINTRA, 1994, 56-58] para chegar à redação consensual acima citada.


⁵  A citação completa deve ser: Revista do Instituto Histórico de São Paulo.


 
IV.  REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS, por Francisco José dos Santos Braga




CINTRA, Sebastião de Oliveira: Galeria das Personalidades Notáveis de São João del-Rei, São João del-Rei: editora desconhecida, 1994, 270 p. (edição patrocinada pela FAPEP-Fundação de Apoio à Pesquisa, Educação e Cultura)

MAGALHÃES, Basílio de: Folk-lore in Brazil, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945, 100 p. (edição autorizada, como Résumé nº 8, pelo Ministério para Negócios Estrangeiros, através da Divisão de Cooperação Intelectual). Obs. Na capa consta o ano de 1939 como a data de elaboração do livro.

PINTO, Jacqueline das Mercês Silva: Basílio de Magalhães: trajetória e estratégias de mobilidade social 1874-1957. São João del-Rei UFSJ 2005 46 p. Monografia apresentada à Pós-graduação em História de Minas nos séculos XVIII e XIX. Orientadora: Profª Sílvia Brugger in http://www.ufsj.edu.br/portal-repositorio/File/pghis/monografias/basilio.pdf
Acesso em 13 de julho de 2015.

SETÚBAL, Paulo:  Paulistas do Século XVII, in http://www.consciencia.org/paulistas-do-seculo-xvii-paulo-setubal


TAUNAY, Afonso d'Escragnolle: HISTÓRIA GERAL DAS BANDEIRAS PAULISTAS: escripta à vista de avultada documentação inédita dos archivos brasileiros, hespanhoes e portuguezes, 11 volumes, edição do Museu Paulista, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1948.