sexta-feira, 30 de abril de 2021

NÍDIA MARIA DA COSTA REIS, EDUCADORA E ESCRITORA PRADENSE


Por Francisco José dos Santos Braga 
 
Nídia Maria da Costa Reis - Crédito: Credivertentes SICOOB
 
A professora aposentada e escritora pradense Nídia Maria da Costa Reis foi minha principal informante, em companhia de seu filho Lúcio Flávio que às vezes "refrescava" sua memória, quando fazia minha pesquisa sobre A Porfia das Flores, uma opereta natalina que o autor Antônio Américo da Costa subtitulou de "recitativo para o Natal". Autorizou-me, na ocasião, a tirar uma foto sem data da Orquestra Lira Ceciliana de Prados e mencionou que assistira a três versões de A Porfia das Flores, a última das quais a marcou vivamente por ter parentas e amigas no papel das flores, sem lhe ser possível precisar a data dessa apresentação. Falou-me sobre seu pai, Paulo Américo da Costa e de sua mãe, Floripes Reis da Costa, cunhada do inspetor de ensino José Américo da Costa, autor de famosa gramática da língua portuguesa e professor de Português na FDB-Faculdade Dom Bosco que hoje dá o nome à instituição de educação básica CESEC PROFESSOR JOSÉ AMÉRICO DA COSTA em São João del-Rei. 

Falou-me ainda de seu marido, Newton Reis, dono da Casa Peri em São João del-Rei, que partira deste mundo em 2015, deixando-a viúva e morando com um filho, Lúcio Flávio. Depois da entrevista sobre A Porfia das Flores, passamos a conversar sobre sua conhecida atividade intelectual: sua veia poética. 

Entrevisto D. Nísia Costa sobre A Porfia das Flores em sua residência em Prados.

 

Vendo meu interesse no seu trabalho, ela apontou para um quadro belamente ilustrado com seu poema "História de uma Cidade", que eu já conhecia da abertura do Capítulo III intitulado As primeiras minerações: O Ciclo do Ouro, constante do livro Memória Histórica de Prados, importante documentário histórico sobre as origens dessa cidade, sua região, sua gente, seus costumes e sua comunidade religiosa, escrito pelo historiador Dario Cardoso Vale (1922-2017), membro ilustre e meu colega no CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia, no Rio de Janeiro. 

Memória Histórica de Prados (2ª edição revista, corrigida e aumentada), BH:                                                                    

                                     Armazém de Ideias, 2000, 600 p.

Vejamos, portanto, esta evidência da veia poética de Nídia Costa Reis:

História de uma Cidade, poema de Nídia Maria da Costa Reis

Permita-me o leitor transcrever o poema para maior legibilidade: 

HISTÓRIA DE UMA CIDADE

O vale jazia, 
o ouro dormia, 
não havia ninguém. 
Dormia na terra, 
oculto na serra, 
à espera de alguém. 
 
E o ouro havia 
e o ouro dormia 
e o vale jazia. 
 
Alguém forasteiro, 
algum pioneiro, 
o vale pisou. 
E os braços de escravos 
com a força de bravos 
o vale acordou. 
 
E o ouro saía 
e o ouro sumia 
e a aldeia nascia. 
 
A terra rasgada 
a golpes de enxada 
gemia de dor. 
E a seiva dourada 
da terra arrancada 
a duro suor. 
 
E o ouro saía 
e o ouro sumia 
e a vila crescia. 
 
E tudo levaram, 
o sangue sugaram, 
o veio secou. 
Deixaram as betas 
iguais murchas tetas 
e tudo acabou. 
 
E o ouro saiu 
e o ouro sumiu 
e PRADOS surgiu.
 
 

Hoje, aos 88 anos, Nídia possui engavetadas dezenas de poesias e alguns livros escritos e ainda não publicados, mais de uma centena de textos escritos voltados para o público infanto-juvenil que foram e são até hoje usados na rede escolar, além de 3 pequenas peças teatrais. 

Sua obra publicada consiste de uma coletânea de 12 livretos de 2001 intitulada "12 Provérbios e suas histórias” e lançada pela editora FAPI, composta por historinhas lúdicas baseadas em conhecidos provérbios de nosso cotidiano. O box alcançou grande sucesso, chegou à segunda edição, e com ele Dona Nídia concorreu ao prêmio Jabuti de literatura. Mais tarde, foi a primeira colocada em um concurso de poesias da seguradora GEBOEX sobre o tema “Qual o segredo para viver 100 anos”.

As Aventuras de Gui Omar” foi escrito há cerca de 18 anos, em 2003… Em 2004, Dona Nídia tentou lançá-lo, com adaptações a pedido da editora, e por anos aguardou que ele fosse publicado. Enfim, cansada de esperar e consciente de seu papel como escritora, ela “arregaçou as mangas” e resolveu lançar o livro por conta própria. Dona Nídia contou com o apoio de sua irmã Simone que custeou a impressão dos livros e de seu filho Vítor que ilustrou de maneira fantástica a história escrita pela mãe. Dona Nídia, em pessoa, ainda coloriu cada uma das ilustrações.

Nascida em Prados, casada, mãe de três filhos e avó de três netos, professora por 32 anos, Dona Nídia desde muito jovem escreveu poesias, textos e letras musicais, sendo dela a autoria da letra do hino oficial de Prados, e da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais.

 

II.  AGRADECIMENTO


Agradeço carinhosamente à minha esposa Rute Pardini suas fotos bem como a sua edição e formatação para fins deste post.

sábado, 17 de abril de 2021

SÃO JOÃO DEL-REI NÃO SEJA ESQUECIDA


Por Abgar Campos Tirado *


Artigo publicado originalmente no Jornal da ASAP, São João del-Rei, edição de janeiro/fevereiro de 2021, Ano 26, nº 152, p. 5.
Dedicado à memória de Pe. RAMIRO JOSÉ GREGÓRIO, vigário da Paróquia da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, falecido nesta data com 76 anos de idade.

 

Interrompendo a série de memórias da infância, série essa a que pretendo dar continuidade, faço hoje uma pausa para abordar assunto ligado à arquitetura de um templo católico. Trata-se da igreja matriz de Nossa Senhora do Brasil, situada na cidade de São Paulo, mais precisamente localizada na Praça Nossa Senhora do Brasil e que é um ponto de referência do bairro Jardim América, na capital paulista; acrescente-se que é um templo grandemente disputado para cerimônias matrimoniais. 

Igreja de Nossa Senhora do Brasil, localizada no Jardim América em São Paulo
 

Tomei conhecimento da existência dessa igreja ao deparar com uma foto da mesma, estampada no jornal Folha de São Paulo, de 16 de março do ano passado. Impressionou-me a semelhança de sua fachada com a de nossa igreja de São Francisco de Assis. Tive então certeza de que a imponente fachada de nossa igreja fora a fonte de inspiração, ou modelo, para a construção do templo paulistano. Fui analisando a foto, comparando com nossa igreja: fachada extremamente semelhante à nossa, destacando-se a portada, as duas janelas, o óculo central, as torres cilíndricas, inclusive, como a nossa, guarnecidas de varandas circundadas de balaustradas. Diferentes apenas as cúpulas, ou melhor, os pináculos bulbosos, que se apresentam em volume muito avantajado na igreja paulistana; e mais: o adro também cercado de balaustrada, com balaústres exatamente iguais aos nossos; e, pasmem com o detalhe: à sua frente, PALMEIRAS! Fiquei muito feliz em constatar a valorização da nossa igreja, que, sem dúvida, serviu de inspiração para um templo de uma grande cidade. Fui então à internet, para obter maiores informações sobre o assunto. Ali constatei que a paróquia de Nossa Senhora do Brasil foi criada em 1940, tendo início a construção da matriz dois anos depois. Em um dos textos encontrados, lê-se que o projeto dessa igreja inspirou-se em templos coloniais mineiros. Até aí, tudo bem. Mas uma das fontes diz textualmente: “Sua aparência remete à igreja de São Francisco de Ouro Preto.” Ora, com toda a admiração por esse templo, por sinal estilisticamente semelhante ao nosso, o aludido templo de São Paulo traz características que remetem à nossa São Francisco como, conforme exposto, as varandas das torres, a balaustrada do adro (a de Ouro Preto nem mesmo possui adro) e, até mesmo, a complementação com as palmeiras fronteiras, inexistentes na praça ouro-pretana. 

Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto
Igreja de São Francisco de Assis de São João del-Rei
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Aí chego ao ponto sobre o qual tenho frequentemente comentado: São João del-Rei é sempre ignorada. Não sei o que acontece, mas nossa cidade, mesmo em setores em que é praticamente única, a divulgação midiática a ignora completamente. Vemos frequentemente na mídia propaganda de outras cidades mineiras, quando, quase sempre, São João del-Rei parece não existir. Por incrível que pareça, mesmo no âmbito da música sacra, nós, com duas orquestras bicentenárias, somos repetidamente ignorados, inclusive em publicações especializadas; e até mesmo, com relação à linguagem dos sinos, campo em que São João del-Rei pode indubitavelmente considerar-se MATER ET MAGISTRA, já vi reportagens relacionadas ao assunto, apontando outras cidades mineiras que não a nossa. 

Felizmente, podemos encontrar em nossos dias, na internet, postagens de grupos particulares sobre nossa cidade. Que essa divulgação se intensifique, pois São João del-Rei é detentora de riquezas ímpares e é absolutamente injusto que não seja reconhecida como tanto merece.  

Links da Folha de São Paulo: http://www.fcdlesp.org.br/manchetes-jornais/capa-jornal-folha-de-s-paulo-16-03-2020-28f/

http://www.fcdlesp.org.br/wp-content/uploads/2018/03/capa-jornal-folha-de-s-paulo 16-03-2020-28f.jpg 

 

*  O autor é colaborador do Jornal da ASAP e membro da Academia de Letras de São João del-Rei.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

HAROLDO DE CAMPOS E A TRANSCRIAÇÃO DA POESIA RUSSA MODERNA

(originalmente publicado na Revista Fragmentos


Por Bóris Schnaiderman
 

 

Tenho a maior satisfação e sinto-me honrado de estar aqui, nesta confraternização entre nossas culturas, e tanto mais por se tratar de uma verdadeira homenagem a meu amigo de muitos anos, Haroldo de Campos. Aproveito a oportunidade para transmitir a vocês um pouco da minha experiência como seu colaborador no campo da poesia russa moderna. ¹

O seu trabalho “O texto como produção (Maiakóvski)² é um roteiro comentado, com muita intensidade e vivência, da tradução que realizou de um dos poemas mais fortes de Maiakóvski, “A Sierguéi Iessiênin”, sobre o suicídio desse poeta russo em 1925, mas é também um depoimento sobre como ele iniciou esses trabalhos. 

“Quando me dispus a traduzir um poema de Maiakóvski, após pouco mais de três meses de estudo do idioma russo, conhecia minhas limitações, mas tinha também presente o problema específico da tradução de poesia, que, a meu ver, é modalidade que se inclui na categoria da criação. Traduzir poesia há de ser criar, sob pena de esterilização e petrificação, o que é pior do que a alternativa de trair. 
Mas não me propus uma tarefa absurda. Ezra Pound traduziu “nôs” japoneses, numa época em que não se tinha ainda iniciado no estudo do ideograma, ou em que estaria numa fase rudimentaríssima desse estudo, servindo-se do texto (versão) intermediário do orientalista Fenollosa, iluminado por sua prodigiosa intuição. E o resultado, como poesia, excede sem comparação ao do competente sinólogo e niponista Arthur Waley, e acabou, inclusive, por instigar o teatro criativo de Yeats (At the Hawk’s Well, 1916). Sem que se tenha a imodéstia de pretender repetir, no campo da tradução da poesia, as façanhas poundianas, não há dúvida de que deste caso-paradigma decorre toda uma didática.” 
Depois, em várias passagens ele se refere à leitura que fiz quando o poema estava ainda em rascunho. O que o poeta não diz, porém, é que embora ele tivesse estudado até então pouco mais de três meses num curso de iniciação à língua russa, pude dar apenas pouquíssimas sugestões, tal era a qualidade de seu trabalho. 

Daí nasceu uma colaboração e convívio que se estenderam a seu irmão, Augusto de Campos, outro grande tradutor de poesia para o português. 

Parece-me às vezes incrível que nosso trabalho de grupo se tenha desenvolvido tão harmoniosamente, sem atritos de espécie alguma. Acho que na história da tradução foram poucos os casos em que isto se tornou possível, pois quase sempre surgem questões pessoais, competição, rivalidades. 

Quanto a nós, houve realmente uma complementaridade operativa, pudemos completar em grupo aquilo que nos faltava individualmente. E a amizade pessoal acompanhou de perto este tipo de realização.

Compreende-se a atração que Maiakóvski exercia sobre Haroldo e seus companheiros de geração. Estávamos em 1961, quando o interesse dos poetas do concretismo paulista pelo construtivismo, pelas manifestações de um espírito geométrico que aparece na arte moderna em formas as mais variadas, foi acompanhado de uma identificação com as grandes esperanças da esquerda da época. Era o tempo em que Décio Pignatari falava no “pulo conteudístico-semântico-participante” da poesia concreta e acrescentava: “A onça vai dar o pulo” ³. Este espírito era evidente em cada um dos poetas do grupo.

Conforme Haroldo conta no trabalho que citei há pouco, ele ficava intrigado com a obra de Maiakóvski: os seus escritos de poética, que ele pudera ler em tradução, mostravam um criador bem cônscio de que a poesia lida com linguagem concentrada ao máximo, de que o poeta deve ser um construtor de linguagem. Mas, quando ele passava a traduções de seus poemas em línguas ocidentais, aparecia em quase todas um poeta de comício, um emissor de slogans fáceis e muitas vezes banais. Tentando resolver o enigma e animado por umas pouquíssimas traduções ocidentais (no referido estudo, ele se refere particularmente ao tradutor alemão Karl Dedecius), Haroldo se dispôs a estudar o russo, tendo como objetivo principal a aproximação com a obra de Maiakóvski. 

Depois que ele me trouxe a sua tradução do poema sobre o suicídio de Iessiênin, percebi que havia nele extremos de virtuosismo, com a recriação de recursos sonoros do original. Este inicia-se assim: 

Vi uchli, 
              kak govorítsia, 
                                     v mir inói. 
 
Pustotá... 
               Letítie, 
                               v zviózki vriézivaias. 
 
Pois bem, na tradução de Haroldo isto aparece assim: 
 
Você partiu, 
                   como se diz, 
                                      para o outro mundo. 
 
Vácuo... 
              Você sobe, 
                               entremeado às estrelas. 
 
Os diversos passos do poema foram analisados por Maiakóvski em sua radiografia desse texto, o ensaio “Como fazer versos?. Este ensaio permite compreender melhor o trabalho do poeta, mas, ao mesmo tempo, dá ao tradutor uma responsabilidade maior, torna-se imperativo conseguir na língua-alvo aquilo que se realizara na língua de partida e que estava tão claramente exposto pelo artista criador. Foi este o desafio que o tradutor brasileiro aceitou. E depois de aceitar e vencer este desafio, expôs o seu trabalho de poeta no estudo que citei há pouco. Sem entrar em maiores detalhes, quero lembrar que aquele trecho do original, “v zviózki vriézivaias”, acrescido ao início forte e ao mesmo tempo em tom coloquial, exigia algo correspondente na língua de chegada e que sem isto o poema se tornaria frouxo, pode-se dizer invertebrado. E foi o que Haroldo conseguiu: 
 
Você partiu, 
                   como se diz, 
                                      para o outro mundo. 
 
Vácuo... 
              Você sobe, 
                               entremeado às estrelas. 
 
Lembro-me de que Roman Jakobson e sua mulher, Krystyna Pomorska, quando estiveram conosco em S. Paulo em 1968, falavam do deslumbramento que lhes causara a revelação daquele texto em português, e sobretudo a solução “entremeado às estrelas” para “v zviózki vriézivaias”. Na realidade, Haroldo conseguira fazer o português cantar com sotaque russo, a ponto de um russo como Jakobson encontrar no texto traduzido o som de sua língua-mãe. 

Afinidade entre línguas tão diferentes? Sim, não há dúvida, mas esta afinidade só pode ser desvendada pelos poetas, e, mesmo não sendo religiosos, devemos agradecer aos céus quando isto acontece. Pois o que mais se encontra é a velha cantilena sobre o intraduzível da poesia. Assim, o norte-americano Samuel Charters, num livro sobre Maiakóvski , procura desculpar-se dos parcos resultados com suas traduções, afirmando: “... inglês e russo não são línguas compatíveis. Elas têm tão pouco vocabulário e gramática em comum que, se se tenta reproduzir a rima e o ritmo do russo, o significado é distorcido, e se este é traduzido literalmente, perde-se a forma poética”. Ora, acaso o português e o russo têm maiores afinidades de “vocabulário e gramática”? Parece-me que não. É tudo um problema de realização poética. Assim, na tradução de um famoso slogan publicitário de Miakóvski, Charters escreve, explicativo: “You need no more/ than the mosselprom store”. Mas, como soa direta e incisiva, bem mais próxima do original, a tradução de Haroldo: “O bom? No Mosselprom!” 

Na minha estada em Moscou em 1972, encontrei-me com uma especialista em literatura latino-americana, que estava empenhada em estimular alguns poetas cubanos a repetir o que Haroldo e Augusto de Campos haviam feito em português, com a minha colaboração. Pois bem, os textos que ela me mostrou me pareceram bem fracos e, sobretudo, muito presos à poética tradicional. Quando observei isto, respondeu-me: “Ora, é um problema de língua. O português se presta muito mais que o espanhol para uma transposição criativa”. Francamente, eu não acredito nisso. Há quem diga que a sonoridade do português aproxima-se bastante do russo. Mas, em todos os idiomas, é uma questão de encontrar o tom exato para a tradução poética e escolher no repertório da língua aquilo que nos dá o correspondente ao original que se estiver traduzindo. 

A partir das traduções de Maiakóvski, estendemos o leque para a poesia russa moderna em geral. A nossa abordagem dessa poesia tinha como eixo dorsal os textos de Khlébnikov e Maiakóvski, cuja obra correspondia mais de perto ao que buscávamos. Mas justamente o trabalho com estes dois poetas facilitou a aproximação com outros bem diferentes deles, o que permitiu construir uma antologia bastante abrangente. Assim, depois de Poemas de Maiakóvski publicamos a seis mãos Poesia russa moderna

Trabalhávamos freqüentemente num clima de grande entusiasmo. Muitas soluções eram discutidas pelo telefone, havia uma impregnação constante pelo trabalho poético. Evidentemente, não dá para acreditar hoje em dia em inspiração, pelo menos no sentido que os românticos davam a esse termo. Mas, podemos falar com Jakobson em “configuração subliminar em poesia”

Isto é, o artista criador articula a seu modo as estruturas poéticas de sua língua, e muitas das soluções acabam surgindo inconscientemente. E esta “configuração subliminar” opera verdadeiros milagres, algo que chega a parecer sobrenatural. 

Como exemplo, pode-se citar um acréscimo de Roman Jakobson à edição brasileira de seu estudo referido há pouco, onde ele chama a atenção para o fato de que, na tradução do poema “O grilo” de Khlébnikov, Augusto de Campos empregou, nos primeiros versos, os cinco 'eles' do original, sem nenhum conhecimento, por deficiências de comunicação entre Brasil e a Rússia, dos comentários que o poeta fizera sobre a importância que eles tinham para o arcabouço do texto. Vê-se, pois, que um poeta fala a outro sem necessidade da explicitação que se faz para o leitor. 

No prefácio à segunda edição de Poesia russa moderna, cito o caso de um poema de Siemión Gudzenko, incluído no livro, e que fora deformado pela censura soviética, mas que Haroldo traduziu suprimindo aquelas deformações, sem saber nada desse problema editorial. 

Nosso trabalho tinha às vezes muito de júbilo, de epifania. Lembro-me agora da alegria com que Haroldo me telefonou para me comunicar o final que tinha conseguido para a tradução da “Carta a Tatiana Iácovleva” de Maiakóvski, escrito em Paris e dirigido a uma russa emigrada, e que ele concitava a regressar à pátria. O poema é magnífico, certamente um dos mais belos de Maiakóvski, e tem um gran finale, sem o qual todo ele ficaria desequilibrado. Depois de rabiscar inúmeras soluções, Haroldo chegou ao seguinte resultado: 

Você não quer? Hiberne então, à parte. 
(No rol dos vilipêndios 
marquemos: 
mais um X). 
 
De qualquer modo
                             um dia vou tomar-te — 
sozinha 
           ou com a cidade de Paris. 
 
No texto original, não aparece aquele X, mas se Maiakóvski escrevesse em português e trabalhasse com os elementos gráficos, fônicos e semânticos de nossa língua, certamente haveria de aproveitar aquele X tão sonoro e graficamente tão bonito na página. 
 
Houve ocasiões em que o verso traduzido soava mais forte que o original, mas isto nos parece absolutamente indispensável. Haroldo costumava falar em “lei das compensações em poesia”. Quer dizer, se eu não consigo reproduzir todos os processos construtivos de um poeta, em todas as passagens em que eles aparecem, devo acrescentar em outras passagens procedimentos que são inerentes ao trabalho criador no original. Um dos exemplos mais belos de que me lembro é o verso “A dor do universo numa fava”, que aparece na tradução de Haroldo do poema de Pasternak, “Definição de poesia”. Pasternak nos diz ali que a poesia está nos objetos, no mundo, e não só nas palavras. Daí, aquele “A dor do universo numa fava”. Mas o referido verso não tem no original a mesma força e grandeza, está mais ligado ao regional e descritivo; o achado de Haroldo contribuiu para que o conjunto do poema tivesse aquela grandiosidade requintada, que é típica de Pasternak. 
 
Costuma-se dizer que a língua portuguesa é o “túmulo do pensamento”, o que é verdade, se pensamos nas dificuldades que um texto brasileiro encontra para circular fora do país. Mas o simples fato de estarmos aqui, tratando da obra de um poeta brasileiro, mostra que esta verdade é bastante relativa, e isto foi reafirmado pelo clima deste nosso encontro e, particularmente, pelos que me precederam.
 
Posso ilustrar este fato com mais um passo de nossa atividade de tradutores. Haroldo esteve na Tchecoslováquia em 1964, pouco antes do golpe de estado no Brasil. Naquele país teve oportunidade de conversar com uma funcionária dos serviços culturais soviéticos, que, a propósito de poesia de vanguarda, falou-lhe muito de um poeta russo praticamente desconhecido na União Soviética. Tratava-se de Guenádi Aigui, tchuvache de nascimento e que passara a escrever em russo (os tchuvaches são um povo com cerca de um milhão e meio de habitantes, estabelecido na região do Volga). Mas, próximo de Pasternak por ocasião do escândalo do prêmio Nobel, ele não conseguia publicar nada em russo. Os seus versos eram muito conhecidos em tradução, na Polônia, Tchecoslováquia, Iugoslávia e Hungria, mas em Moscou, onde estava morando, era um ilustre desconhecido e enfrentava grandes problemas para garantir a sobrevivência. Por outro lado, o ocidente quase não tomara ainda conhecimento dele.
 
Indo a Moscou em 1965, não o encontrei, pois estava de férias no interior, mas deixei para ele uma carta em que manifestava interesse por sua poesia. Em resposta, enviou-me inúmeros materiais e muitos poemas seus datilografados. Sua poesia nos impressionou desde o início e ele é o poeta vivo que tem maior espaço em nossa antologia. 
 
Depois disso, enviamos cópias de seus poemas a vários amigos na Europa ocidental e, deste modo, certamente contribuímos para a sua divulgação no mundo. Hoje, com a glasnost, ele é poeta publicamente reconhecido, mas até o prestígio que ele tem em seu país deve muito à divulgação que se fez dele no ocidente, nos cerca de trinta anos em que viveu no ostracismo. Uma vida admirável, de fidelidade irrestrita à poesia, que chegava quase à auto-imolação. O estético, no caso, aliava-se a uma postura ética inabalável. 
 
O interesse apaixonado de Haroldo e Augusto pela poesia de tantos outros países e, de minha parte, a ocupação com outros setores da literatura russa, desviaram-nos de um esforço contínuo neste campo. No entanto, os anos que passamos lidando com os textos da poesia russa, e também os estudos de língua que Haroldo e Augusto empreenderam comigo, deixaram-me para sempre a mais grata recordação. 
 
Por isto mesmo, quero recordar um pouco mais como isto aconteceu a partir de 1961. Augusto, Haroldo e Décio Pignatari foram a minha casa, apresentados por nosso amigo comum, Anatol Rosenfeld, um nome importante dos nossos estudos literários, que saiu jovem da Alemanha, fugindo do nazismo e se fez escritor no Brasil. Combinei com Haroldo aulas de russo aos sábados. Pouco depois, Augusto de Campos matriculava-se no Curso Livre de Russo, de criação então recente na Universidade de São Paulo, e do qual eu era o único professor. 
 
Meu trabalho didático dirigido aos dois poetas diferenciava-se evidentemente do usual. No trecho que li no início desta minha palestra, Haroldo lembra como eram parcos na época os seus conhecimentos de língua russa. E o seu objetivo principal não era chegar a comunicar-se oralmente, mas sim o de estudar os textos poéticos. No processo de aprendizagem, ele se dedicava com afinco e sem resistência ao trabalho de memorizar as categorias gramaticais. Tanto Haroldo como Augusto receberam melhor que os demais alunos aquela carga de banalidades: João foi à escola, Vera foi ao supermercado, e assim por diante. 
 
Depois de algum tempo, percebi o que estava acontecendo. No final de cada lição, havia um ou dois provérbios, e isso tornava para ambos mais suportável toda a carga de sensaboria, pois o provérbio lhes dava a oportunidade de assimilar um fato de linguagem e poesia. Tudo o mais, além do prazer que eles tinham em assimilar as estruturas da língua, era uma espécie de preparação daqueles momentos felizes. Alguns desses provérbios os deixavam simplesmente em êxtase. E a possibilidade de trabalhar com aquelas sentenças como textos poéticos sobrepujava todos os outros inconvenientes: o professor sem experiência didática, o método tradicional do compêndio, etc. 
 
Felizmente, aquilo ocorreu antes que os cursos de línguas fossem invadidos pelos métodos áudiovisuais, aplicados mecanicamente, de modo que se tornavam muitas vezes uma versão modernosa e aparentemente mais sofisticada do ba-be-bi-bo-bu do começo do século. Assim, quando os alunos reclamavam do uso dos compêndios e exigiam métodos mais modernos, sobretudo em 1968, eu me lembrava sempre com carinho daquele compêndio francês, tão antiquado e tão poético, com aquela recompensa dos provérbios rimados, no final de cada lição. 
 
A reação de Haroldo e Augusto aos provérbios fez com que eu procurasse outros para enriquecer as aulas, e assim a poesia dos provérbios animou os nossos trabalhos com as declinações ou com os terríveis verbos de movimento russos. Foi, por exemplo, um dia de glória quando levei à aula o provérbio Nievino vinó, vinovato pianstvo (o vinho é inocente, culpada é a bebedeira), onde vinó designa também aguardente (isto em linguagem popular). 
 
Aquela ênfase nos ii marca, está claro, a sonoridade do dito. E a palavra vinó, contida nas duas palavras contíguas, reconstitui a etimologia. Nievíni (inocente) é aquele que não bebeu. Vinováti (culpado) é quem avançou na bebida. Foram estes trabalhos com os provérbios russos que me permitiram apontar, no livro A poética de Maiakóvski através de sua prosa, a relação da poesia russa moderna com a tradição popular. E agora, o trato contínuo com o popular, graças a Jerusa, deu mais consistência a estas minhas preocupações. 
 
Enfim, não consigo muito separar poesia e vida. Quanto mais presente a poesia, mais rica a vida. E tudo isto, evidentemente, está muito ligado à presença de Haroldo, ao convívio constante com ele, mesmo nas ocasiões em que estamos separados pela distância. 
 
Fonte: Revista Fragmentos, nº 25, jul/dez 2003, p. 61-8, Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina.
 
 
NOTAS EXPLICATIVAS 
 
 
¹  (Apresentado em Salto Oriental-Uruguai, em 28/06/91 no Simpósio Internacional ali realizado sobre a obra de Haroldo de Campos). 
 
²  In A operação do texto, Editora Perspectiva, São Paulo, 1976. 
Nota aditiva do Gerente do Blog: Parece tratar-se de outra denominação do texto intitulado "Maiakovski em português: Roteiro de uma Tradução", já publicado no Blog do Braga em 16/03/2021.
 
³  Décio Pignatari, “Situação atual da poesia no Brasil“, revista Invenção, n° 1, 1962. 
 
In Boris Schnaiderman, A poética de Maiakóvski através de sua prosa, Editora Perspectiva, São Paulo, 1971. 
 
Ann e Samuel Charters, I love — The Story of Vladimir Maiakóvski and Lili Brik, Farrar Straus Giroux, Nova York, 1979. 
 
Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1967. Edição ampliada: Editora Perspectiva, São Paulo, 1982. 
 
⁷  Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1968. Edição ampliada: Editora Brasiliense, São Paulo, 1985. 
 
⁸  Cf. “Configuração verbal subliminar em poesia”, in Roman Jakobson, Lingüística. Poética. Cinema, Editora Perspectiva, São Paulo, 1970. 
 
⁹ Nota adicional do Gerente do Blog: Abaixo apresento a tradução em português do poema original em russo:

           GRILO 
 
Aleteando com a ourografia 
Das veias finíssimas, 
O grilo 
Enche o grill do ventre-silo 
Com muitas gramas e talos da ribeira. 
- Pin, pin, pin! - taramela o zinziber. 
Oh, cisnencanto! 
Oh, ilumínios! 
 
(tradução do poema de Velimir Khlébnikov por Augusto de Campos e Bóris Schnaiderman, conforme consta do livro Poesia Russa Moderna-Nova Antologia, editado por Editora Brasilense, 1985)
 
        КУЗНЕЧИК
 
Крылышкуя золотописьмом 
Тончайших жил, 
Кузнечик в кузов пуза уложил 
Прибрежных много трав и вер. 
Пинь, пинь, пинь! Тарарахнул зинзивер. 
О, лебедиво! 
О, озари!

domingo, 11 de abril de 2021

SÃO JOÃO PAULO II INSTITUIU A FESTA DA DIVINA MISERICÓRDIA NO 2º DOMINGO DA PÁSCOA


Por José Lourenço Parreira

 

Santa Faustina, a Divina Misericórdia e São João Paulo II
 

O DOMINGO DA MISERICÓRDIA 
 
A Polônia é um país que muito sofreu com a presença de dois monstros assassinos em seu território: o nazismo e o comunismo! No Domingo da Divina Misericórdia, inelutavelmente, nosso olhar reverente, católico, se volta para a Polônia. Sim, na Polônia está a origem da devoção e Festa em honra à Divina Misericórdia. 
Tudo começou, como sempre, pela iniciativa do Senhor Jesus que escolheu uma religiosa chamada Faustina e lhe fez revelações belíssimas e importantíssimas para o bem das almas, da humanidade.
Santa Faustina nasceu em 25 de agosto de 1905 e partiu deste mundo no dia 5 de outubro de 1938. 
João Paulo II nasceu em 18 de maio de 1920. Em 1942, João Paulo II, o jovem Karol, ingressou no Seminário Clandestino de Cracóvia. Mais e mais chamado ao Sacerdócio e, também, acreditando nas revelações de sua patrícia, Irmã Faustina. Eleito Papa, em 1978, João Paulo II escreveu, no segundo ano de seu pontificado glorioso, a Carta Encíclica "Dives in Misericordia", que ilumina minha biblioteca, e na qual fala ao mundo que Deus é rico em misericórdia, conforme nos fala a Sagrada Escritura. Com o coração envolto pela Divina Misericórdia, João Paulo II beatificou Faustina, em 1993, e a declarou santa, canonizou-a em 2000! Foi João Paulo II quem instituiu para todo o orbe católico a Festa da Divina Misericórdia, devendo ser celebrada no domingo in Albis, isto é, no segundo domingo da Páscoa! 
O Santo Papa partiu deste mundo no dia 2 de abril de 2005. 
 
Conforme o Senhor Jesus orientou à Santa Faustina, nesse contexto tão profundo, meditando a Paixão de Cristo, devemos orar, às 15 horas, o Terço da Misericórdia. Rezemos, pelo menos, a Jaculatória: "Pela sua dolorosa paixão, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro! Deus Forte, Deus Santo, Deus Imortal, tende piedade de nós e do mundo inteiro! Jesus, eu confio em Vós!" 
 
A DIVINA MISERICÓRDIA EM CAMPO GRANDE 
 
Em outubro de 1991, o Papa João Paulo II visitou a cidade de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul. 
Dentre as autoridades que o receberam no aeroporto estavam Dom Vitório Pavanello, Arcebispo Metropolitano, e o Comandante Militar do Oeste, General Léo Ulisséa Lebarbenchon. Em homenagem ao Pontífice, a Capelania do Comando Militar do Oeste-CMO publicou uma Edição Especial do Boletim "CONVERTEI-VOS", sendo autor de toda a matéria publicada o então Subtenente José Lourenço Parreira, Ministro Extraordinário da Comunhão Eucarística, pela Arquidiocese Militar do Brasil. 
João Paulo II cativou a todos, com seu carisma, sua humildade, sua impressionante cultura, dominava 13 idiomas, falava perfeitamente a língua portuguesa! 
Foi no dia 17 de outubro que o Santo Padre celebrou a Dedicação da Catedral de Campo Grande, na mesma Catedral houve o Encontro Nacional com os Leigos, ao qual eu me fiz presente. 
 
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Domingo, dia 8 de abril de 2018, Domingo da Divina Misericórdia, às 15 horas: Dom Vitório Pavanello, Arcebispo Emérito, celebrou a Santa Missa na Catedral de Campo Grande. O Quadro da Divina Misericórdia estava lindamente ornamentado. Fiquei emocionado com toda a beleza que vi e, em espírito, agradeci a oportunidade que me fora dada com o convite a mim formulado pela Senhora Rossilda, coordenadora do Apostolado da Divina Misericórdia, para cantar e tocar violino com o ungido Ministério da Música: um lindo grupo de jovens! 
Estávamos na Catedral em que São João Paulo II estivera para abençoá-la, fazendo sua Dedicação!
Veio-me à memória que Santa Faustina nasceu no dia 25 de agosto, mesmo dia em que nasceu o Patrono do Exército brasileiro: Caxias! 
No Céu, contemplando a transcendental Cerimônia, estão dois Santos: Santa Faustina que recebeu as revelações do Senhor Jesus e São João Paulo II, o Papa que criou, tornou realidade no mundo inteiro a Festa da Divina Misericórdia!
 
Fonte:  Edição do "Evangelho Cotidiano" de 11 de abril de 2021.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

ACADEMIA TAGUATINGUENSE DE LETRAS FESTEJA 35 ANOS DE FUNDAÇÃO


Por Maria Félix Fontele


Artigo publicado originalmente no Blog de Chico Sant'Anna em 05/04/2021. 
Data é comemorada em meio a temores de que o espaço onde a entidade funciona venha a ser tomado pela Administração Regional de Taguatinga para projetos diferentes. Há oito anos, a ATL foi tombada como patrimônio cultural do DF e reivindica a garantia da permanência em sua sede.
 

 

Neste 9 de abril de 2021, a Academia Taguatinguense de Letras (ATL) comemora 35 anos de fundação e oito de tombamento como Patrimônio Cultural, Material e Imaterial do DF, reconhecida pelo poder público – Governo do DF e Câmara Legislativa do DF. As festividades têm caráter reivindicatório, uma vez que a instituição sempre corre o risco de perder a sua sede, localizada, há 12 anos, no Espaço Cultural Teatro da Praça, de Taguatinga, diante de uma necessidade de ceder o local para projetos do Governo do Distrito Federal, mesmo sendo tombada. 

 

O presidente da ATL, o escritor Gustavo Dourado, lembra que com o tombamento, assegurado pela Lei 5159 de 2013, regulamentada pelo decreto 35.549, de 18 de junho de 2014, a entidade ficou consolidada no Complexo Cultural EIT. “Foi uma grande conquista para a Academia, única tombada no Centro-Oeste e uma das poucas no Brasil a ser reconhecida e a carregar importante título”, observa. Segundo ele, mesmo assim, a instituição tem sido alvo constante de ameaças de perder a sua sede. 

Dourado destaca que os Acadêmicos (titulares, honorários, colaboradores e correspondentes) receberam diversas Moções de Louvor da Câmara Legislativa do DF e de outras instituições pelo trabalho em prol da cultura. Em 2017, a ATL lançou a sua primeira antologia, com a participação de mais de cem escritores do DF, e distribuição gratuita em cerca de 200 escolas da rede pública. Além disso, participou de quatro Bienais Brasil do Livro e da Leitura, de cinco Semanas Nacionais de Ciência e Tecnologia, de oito Feiras do Livro do DF, incluindo a Feira Literária do Distrito Federal (Fli/DF), entre outros eventos. 

Mensagem ao governador 

A deputada distrital Jaqueline Silva enviou, no início de abril, mensagem ao governador Ibaneis Rocha solicitando que ele “dê atenção especial à Academia e garanta aos Acadêmicos o espaço que é necessário para que continuem exercendo essa importante e rica contribuição para o crescimento literário do DF”. Jaqueline justificou que “é graças a sua representação que escritores, professores, leitores e pesquisadores participam de feiras de livros e leitura, bienais e fóruns em todo o país”. A deputada lembrou ainda ao governador que “a ATL já foi reconhecida pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, a qual adquiriu mais de 300 livros e folhetos de cordel de seus autores”. 

No último dia 5, o administrador de Taguatinga, Renato Andrade, afirmou, em reunião com os diretores da ATL Admilson Queiroz e José Maria da Silva Mourão, representando o presidente da entidade, Gustavo Dourado, que a ATL será mantida no espaço onde se encontra por força da lei e do decreto de tombamento. Segundo ele, a instituição será, posteriormente, incluída nos projetos culturais propostos pela Administração Regional. 

Manifestação dos Acadêmicos 

A escritora e professora Hilda Mendonça, fundadora da ATL, afirma que a instituição “é fruto do esforço diuturno de pessoas que amaram e amam a cidade, sua gente e quer que Taguatinga se orgulhe de sua cultura, das letras taguatinguenses e, por isso, sua sede precisa ser mantida”. 

“Neste momento, junto-me às vozes que clamam pela permanência da ATL em sua sede, no Centro Cultural de Taguatinga, proporcionando que a instituição mantenha o exercício de suas atividades socioculturais junto à comunidade”, observa o escritor e poeta Ildefonso de Sambaíba, membro-titular da ATL. 

Os Acadêmicos José Aureliano dos Reis e Pedro Gomes da Silva também se manifestaram. Aureliano comenta: “A ATL não pode ser despejada de sua sede pelo poder público seja a que pretexto for”. E Pedro Gomes disse esperar “que os governantes respeitem as normas legais e mantenham a ATL no espaço que ocupa há 12 anos”. 

Depoimentos dos amigos e parceiros da ATL 

O presidente da Academia Candanga de Letras, o escritor e poeta Affonso Gomes, declara: “É inadmissível que uma conquista tão aplaudida pela classe literária do Distrito Federal seja simplesmente dizimada por pessoas que não têm compromisso com a cultura de Brasília; a Academia Taguatinguense de Letras ATL é um patrimônio cultural do DF e deve ser respeitada pelas autoridades e mantida na sua sede atual”. 

O coordenador de produção da Feira do Livro de Brasília, Luciano Monteiro, afirma: “A Academia Taguatinguense de Letras sempre teve um papel de grande relevância não só no meio literário da cidade de Taguatinga, mas também em todo o universo da educação e da cultura do Distrito Federal. Fica ATL”. 

O presidente da Academia de Letras do Brasil e do Conselho Nacional das Academias de Letras do Brasil, escritor e professor Mário Carabajal, em mensagem à ATL, lembra que “a cidade de Taguatinga é referência para o Brasil na arte das letras, encontrando-se a Academia Taguatinguense de Letras como centro difusor da literatura emanada pelo Distrito Federal e pelo Estado de Goiás”. 

O professor, escritor e analista judiciário Elias Antunes, morador de Taguatinga, ao defender a manutenção do espaço da ATL ressalta que a entidade “é uma das mais atuantes de forma efetiva e transformadora, seja no fomento da cultura, da literatura e das artes, seja no embasamento para que surjam novos talentos”. 

O jornalista e poeta Nonato Freitas salienta que desmontar a ATL significa “trucidar sonhos não só de artistas das letras e de outros segmentos culturais do DF, mas também de toda a sua população”. 

A cineasta, poeta e artista Maria Maia manifesta-se: “Viva a ATL, deixem no lugar esse templo da palavra”. 

“É lamentável que uma instituição como a Academia Taguatinguense de Letras, que tão bem representa as manifestações culturais e a história de Taguatinga, esteja na iminência de perder o seu espaço-sede”, comentou o poeta e escritor Herbert Lago Castelo Branco. 

O professor Marco Aurélio Silva, da Secretaria de Educação do Distrito Federal, conclui: “A Academia Taguatinguense de Letras precisa do apoio governamental, especialmente da Secretaria de Educação e de Cultura, e não do desprezo e ameaças de perda de sua sede, tombada como patrimônio há anos”.

Link: https://chicosantanna.wordpress.com/2021/04/05/academia-taguatinguense-de-letras-festeja-35-anos-de-fundacao/

sexta-feira, 2 de abril de 2021

MÚSICA SACRA DO PADRE JOSÉ MARIA XAVIER EDITADA EM MUNIQUE (1884-85)


Por Francisco José dos Santos Braga

 
A Missa e Credo nº 5 (1880) e as Matinas do Natal de Nosso Senhor Jesus Christo (1866?) são as duas obras do compositor e instrumentista Padre José Maria Xavier, cujas partituras foram editadas em 1884 e 1885, respectivamente, em Munique, na Alemanha, fato singular na música sacra oitocentista mineira. 

Matinas do Natal de N. S. Jesus Christo – para quatro vozes e pequena orquestra. Obra composta em 1866? e impressa em Munique (Alemanha), em junho de 1885. É orquestrada para violino I, violino II, viola, baixos, oficleide, flauta, clarineta, trompete e trompas, além das quatro vozes (tiple, alta, tenor e baixa). Segue a forma geral das Matinas: Invitatório (Christus natus est nobis. Venite adoremus) – 1º Noturno (três Responsórios), 2º Noturno (três Responsórios) e 3º Noturno (dois Responsórios). 
Essa obra foi gravada integralmente pela Orquestra Ribeiro Bastos, sob a regência do Dr. José Maria Neves, que é também autor de instrutivo folheto sobre o autor e obra, que acompanha o disco. 
 
Capa da partitura das Matinas do Natal, editada em Munique em 1885 (presente do musicólogo são-joanense Aluízio José Viegas em 1963)

 

Missa e Credo nº 5, composta em 1880, foi impressa em 1884, em Munique. Foi gravada pela Orquestra e Coro do 14º Inverno Cultural, da UFSJ, sob a regência de Paulo Miranda, sendo ao mesmo tempo lançada, em esmerada edição, a partitura dessa Missa. 
 
Capa da partitura da Missa nº 5, composta em 1880, impressa em 1884 em Munique (presente do Maestro Paulo Miranda)

 
CD que acompanha a partitura da Missa nº 5


Na tradição luso-brasileira, o gênero "Missa" compreendia o Kyrie e o Glória; e o gênero "Credo", o Credo propriamente dito, o Sanctus (com o Benedictus) e o Agnus Dei. Logo, toda a Missa nº 5 é composta de cinco partes: Kyrie, Glória, Credo, Sanctus e Agnus Dei. 

Encontrei na coluna NOTICIÁRIO da GAZETA MINEIRA, edição de 1º de abril de 1884, informações sobre a Missa e Credo nº 5, impressa em Munique em 1884. Aqui segue o texto, respeitada a sua grafia de época, apresentado naquele histórico periódico são-joanense: 

Missa e Credo 
O nosso distincto amigo e conterraneo Revmº Padre José Maria Xavier acaba de mandar imprimir, em Munich, uma missa e um credo de sua composição.
Sentimos immensa satisfação em transmittir aos nossos leitores noticia tão importante.
Aqui, e em alguns pontos desta provincia, são justamente apreciadas muitas das bellas producções do Revmº Padre José Maria: ellas, porém, são, por todos os titulos, destinadas a ser muito e muito mais conhecidas.
O nosso illustre conterraneo cultiva a musica sacra mas o estylo puramente sacro e em todas as suas composições denota alto talento musical. Nota-se nellas um mimo especial e, além disso, a revelação de uma poderosa inspiração e do perfeito conhecimento das difficillimas regras de contra-ponto.
Junte-se a tudo isto o cunho da originalidade patenteado pelo insigne compositor, e ter-se-ha idéa exacta de quão apreciavel é tudo o que são (sic) da inspirada penna do notavel maestro.
Fazemos votos sinceros para que os primeiros esforços do Revmº Padre Xavier, affim de extender o conhecimento de suas bonitas composições, sejam coroados dos mais brilhantes resultados.
Fonte: GAZETA MINEIRA, São João del-Rei, Anno I, nº 17, edição de 1º de abril de 1884, p. 3.


Como o Padre-Mestre foi muito bem estudado pelo respeitado musicólogo Aluízio José Viegas, que é considerado uma autoridade indiscutível em música barroca brasileira em geral e são-joanense em particular, vou servir-me de um seu texto sobre meu homenageado, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, Volume V, de 1987, rendendo por minha vez homenagem ao exemplar Padre-Mestre neste bicentenário de seu nascimento. Esse extenso artigo de Viegas, musicólogo, regente, copista, violoncelista e flautista são-joanense, além de analisar a música em São João del-Rei anterior e posterior a Pe. José Maria Xavier, é base fundamental para a compreensão da vida e obra do Padre-Mestre e se baseia nos seus biógrafos contemporâneos que com ele conviveram e inclui informações e conclusões próprias tiradas após esmerado estudo de partituras e documentos existentes no arquivo da Orquestra Lira Sanjoanense. In Música em São João del-Rei — de 1717 a 1900, vejamos apenas o que escreveu Viegas sobre a vida e obra do Padre-Mestre: 

“(...) Em 1819, aos 23 de agosto, nasce em São João del-Rei José Maria Xavier. Este notável personagem irá viver intensamente pela sua cidade. Filho do Alferes João Xavier da Silva Ferrão e de Maria José Benedita Miranda, era neto, pelo lado materno, de José Joaquim Miranda. Ainda menino inicia o aprendizado de música com seu tio, Francisco de Paula Miranda, participando das atividades da corporação então por ele dirigida, como menino cantor no registro de tiple ou soprano. Posteriormente passa a ser o primeiro clarinetista e também ótimo violinista e violista. Desde jovem trabalha com seu cunhado, o advogado José Maria da Câmara, para prover o sustento de sua mãe, então viúva e de suas irmãs. Lecionava música em casas particulares. Estudou primeiras letras com o professor Guilherme José da Costa e iniciou-se no estudo do latim com o padre mestre José Joaquim de Santana, também músico, frequentando depois, aulas práticas de latim, francês, história, geografia e filosofia, tendo como professores Reginaldo Pereira de Barros, D. Domingos José da Cunha, e cônego Antônio Marinho. Em 15 de janeiro de 1840, recebe medalha de prata como um dos melhores alunos dos colégios secundários sanjoanenses. Aos 23 anos de idade, resolve tomar o estado eclesiástico e das mãos do venerado Bispo de Mariana, D. Antônio Ferreira Viçoso, recebe o presbiterado em 19 de abril de 1846, e aos 23 de maio do mesmo ano canta sua primeira missa solene na Igreja de Nossa Senhora do Pilar, de sua terra natal. Nomeado vigário de Rio Preto, lá permanece pouco mais de um ano, retornando a São João del-Rei, por motivos de saúde, de onde não mais sairá. Assume então a Vigararia da Vara e leciona no Colégio Duval. Nomeado capelão de diversas irmandades, a todas elas presta os seus serviços inestimáveis, como sacerdote, músico e cidadão. 

Como sacerdote, oficiando as cerimônias litúrgicas; como músico, escrevendo composições musicais para abrilhantar estas mesmas cerimônias e como cidadão, lutando pelos direitos destas corporações religiosas, inscrevendo-se como irmão em todas elas e participando ativamente, pois, em todas elas serviu cargos administrativos. Na Ordem Terceira do Carmo prestou tantos serviços como padre comissário, que ao término de seu comissariado, oficia ao padre José Maria comunicando-lhe ter inserido em ata um agradecimento pelos relevantes serviços prestados. Como compositor, escreveu obras para todas as solenidades religiosas até hoje celebradas em São João del-Rei. Segundo um cronista da época, o Pe. José Maria Xavier era seguidor dos estilos de Antônio dos Santos Cunha e Manoel Dias de Oliveira. É contestável esta afirmação. O padre José Maria Xavier é dono de um estilo próprio, facilmente reconhecível. O ter empregado melodias parecidas às de Antônio dos Santos Cunha e Manoel Dias de Oliveira, não indica nem define ter seguido um estilo e os estilos de Santos Cunha e Manoel Dias são inteiramente opostos um do outro. Santos Cunha totalmente operístico, empregando o recitativo e o bel canto virtuosístico em suas obras, com melodias de estilo italiano. Note-se que no Cum Sancto Spiritu da Missa a 5 vozes, ele antecipa o estilo de Paganini na maneira de empregar a melodia nos violinos. Manoel Dias justamente o oposto de Santos Cunha, emprega a polifonia coral, sendo grande parte de sua obra composta para dois coros, num estilo próprio, severo, de grande conhecedor dos corais renascentistas utilizando um contraponto constante até nas menores obras; e não é nenhum destes o estilo do Padre José Maria Xavier. Pode ter empregado melodia idêntica à de Santos Cunha, que cito como exemplo: Kyrie, da Missa Grande, de Santos Cunha, e Primeiro Responsório das Matinas da Conceição de Nossa Senhora, de Padre José Maria Xavier. Admirador incontestável dos compositores mineiros do século XVIII, legou à posteridade cópias de obras do Pe. João de Deus Castro Lobo, Jerônimo de Souza Lobo, Manoel Dias de Oliveira, e outros, sendo algumas destas cópias feitas em Mariana, quando se preparava para o Sacerdócio, conseguidas do rico acervo daquela cidade. Sua primeira obra: Qui sedes e Quoniam a solo de baixo foi feita em 1839, baseada em um terceto de Rossini, como especifica no manuscrito. Dedicou esta obra à seu amigo e contemporâneo absoluto, Hermenegildo José de Souza Trindade, a quem dedicará a maioria de suas obras. O ter utilizado melodia de Rossini, adaptando-a para um texto religioso, porém empregando harmonização e instrumentação próprias, era fato comum na Corte do Rio de Janeiro, onde os compositores como Pedro Teixeira de Seixas, Fortunato Mazziotti, e outros, sofreram a influência da música operística em voga, principalmente de Rossini, a ponto de enxertar em suas obras para igreja reminiscências de óperas em voga. Atesta Manoel de Araújo Porto Alegre quando escreve: “Tínhamos, nas grandes festas, Missa do Barbeiro de Sevilha, da Pega, de Aureliano, da Cenerentola e da Italiana em Argel”... Empregando o mesmo artifício, o Pe. José Maria Xavier escreve algumas obras das quais cito: Missa do Cerco de Corinto, solos ao pregador, e hinos para as novenas, usando melodias das óperas Moisés e Semiramide, todas de Rossini. 

Do gênero profano, o Padre José Maria Xavier compôs valsas, minuetos, aberturas, e fez arranjos orquestrais de diversas aberturas de óperas como: Recreio dos Clérigos, de Herold, Les Bacchantes, de Generali; árias, duetos e coros de óperas, e escreve fantasias para o instrumento muito em voga na época, o oficleide. Para banda de música, escreveu algumas marchas processionais, destacando-se a que compôs para a procissão de Nossa Senhora da Boa Morte, que se realiza em 14 de agosto. A partir de 1851, aumenta consideravelmente a sua produção musical, escrevendo nesse ano a Missa (Kyrie e Gloria) para o dia 15 de agosto de 1851, comumente chamada de Missa da Assunção de Nossa Senhora. A seguir compõe as Matinas da Assunção e em 1855 as Novenas de Nossa Senhora da Boa Morte, utilizando nesta obra maior orquestração, em que, além das cordas usuais, são necessárias 2 flautas, 2 clarinetas, 2 trompetes, 2 trompas e 1 oficleide. 

Parece ter sido pensamento de o Padre José Maria imprimir todas as suas obras, porém só duas chegaram a ser impressas, a Missa nº 5 e as Matinas do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, respectivamente em 1884 e 1885, em Munique, em ótimo trabalho gráfico. Vultosa sua obra ultrapassando a mais de cem produções, não estando ainda, totalmente catalogada. Merece um trabalho analítico profundo, paralelo ao levantamento histórico de sua vida que é intensa, pois o padre [e] mestre militou em todos os ambientes de sua época: religioso, artístico, politico e social. Faleceu em 22 de janeiro de 1887, cercado da veneração de seus conterrâneos. (...)” (grifo nosso)
  

II.  AGRADECIMENTOS 

Gostaria de agradecer à minha amada esposa Rute Pardini Braga, por sua indispensável colaboração ao formatar as imagens deste trabalho editorial. Gostaria ainda de agradecer ao funcionário Fernando Conceição do Escritório Técnico do IPHAN/13ª Superintendência Regional por ter facilitado meu acesso à GAZETA MINEIRA e possibilitado o bom andamento da pesquisa. 
 
 

III. BIBLIOGRAFIA

 
 
BRAGA, F.J.S.: Há 2 séculos nascia o benemérito Padre-Maestro José Maria Xavier (⭐︎ 1819 ✞ 1887).  
 
                        Em 2019 São João del-Rei comemorou o bicentenário do nascimento do seu filho ilustre: Padre José Maria Xavier (1819-2019)
 
                         São João del-Rei na vida e obra do Padre-Mestre Correia de Almeida
 
                         A inauguração da herma do Padre José Maria Xavier
 
                         Impressões religiosas por occasião da Semana Santa em S. João d'El-Rei em 1860
 
                      Semana Santa de São João del-Rei: o mais empolgante espetáculo de fé em todo o Brasil
 
                         Semana Santa de São João del-Rei: Crônica do Domingo de Ramos
 
                       Crônica do Ofício de Trevas da Quinta-feira Santa - Semana Santa de São João del-Rei
 
                         Procissão do Entêrro em 1825

TIRADO, Abgar Antônio Campos: Padre José Maria Xavier, sua vida e sua obra, no contexto de sua época (em 5 partes)

VIEGAS, Aluízio José: Música em São João del-Rei de 1717 a 1900 in Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, Volume V, ano de 1987, p. 53-65.