segunda-feira, 16 de agosto de 2021

O LUTO PELA MORTE PRECOCE DE JOSÉ DA FONSECA BRAGA


Por Francisco José dos Santos Braga

José da Fonseca Braga (☆ 06/10/1913-✞ 20/12/1937)-Crédito por duas fotos: Ana Josefina Braga Lovatto

 

A Tribuna, periódico são-joanense, no Ano XXIII, edição de 26/12/1937, nº 1409, pág. 3, noticiou a seguinte nota de falecimento na coluna "Sociaes": 

"Falleceu, no dia 20 do corrente, o jovem José da Fonseca Braga, commerciario muito relacionado e estimado nesta cidade. O seu fallecimento causou dolorosa repercussão nos nossos meios sociaes pelas aprimoradas virtudes e sympathias que gosava o extincto. Foi sepultado no Cemiterio das Mercês, e, ao seu enterramento compareceu elevado numero de pessoas." 
Da mesma forma e mais diretamente, causou enorme comoção dentro da minha família paterna a partida inesperada deste meu tio, carinhosamente chamado de "Zezé", que infelizmente não conheci em razão de sua morte ter ocorrido 12 anos antes de meu nascimento. Minha avó Josefina da Fonseca Braga, sobretudo, sofreu demais com a partida de seu amado primeiro filho varão. A partir de então e até a morte dela em 11/12/1967, a infeliz observou luto completo por 30 anos. Eu evitava conversar com ela sobre o trespasse que lhe trouxe tamanho pesar pelo resto de sua vida. 
 
Josefina da Fonseca Braga (☆ 17/03/1893- 11/12/1967)

 

De acordo com as diferentes versões para essa morte prematura, uns costumavam dizer que o jovem José fora vítima de febre tifóide, outros queriam que fosse de tuberculose pulmonar, reconhecidamente uma enfermidade de difícil tratamento na época. Havia também quem atribuísse sua enfermidade à vida boêmia que levava, a exemplo do famoso compositor popular brasileiro, Noel Rosa, que encontrou a morte quase oito meses antes, no mesmo ano fatídico de 1937, apesar de todos os recursos médicos colocados à sua disposição para salvá-lo. 

Sabemos que a penicilina foi descoberta, por acaso, por Alexander Fleming em 1928. Esse pesquisador estava estudando bactérias do gênero Staphylococcus e percebeu que sua amostra tinha sido contaminada por algum tipo de fungo. Após analisar o bolor, ele descobriu que se tratava do gênero Penicillium. Além disso, ficou comprovado que a substância produzida por esse fungo era capaz de inibir o crescimento bacteriano. Surgia nesse momento o mais famoso antibiótico da história. 

A penicilina foi descrita na literatura na década de 1940 e, em meados de 1942, foi relatada a primeira experiência no tratamento de um paciente com esse antibiótico. Apesar de ser um fármaco extremamente eficaz contra diversas doenças, e a primeira defesa real contra infecções causadas por bactérias, mostrou-se curiosamente ineficaz contra a tuberculose. Hoje, com o avanço da medicina, sabemos que o seu tratamento dura no mínimo seis meses, é gratuito e está disponível no SUS, devendo ser realizado, preferencialmente, em regime de Tratamento Diretamente Observado (TDO). São utilizados basicamente dois fármacos para o tratamento dos casos de tuberculose, para os quais se utiliza o esquema básico: rifampicina e isoniazida. 

As irmãs do jovem José, minhas tias Anna Braga Lopes (30/10/1912-18/03/2004) e Olga Braga Teixeira (09/04/1924-06/08/2013), costumavam dizer que ele fora internado num sanatório em Belo Horizonte, por recomendação dos seus primos médicos, Dr. Orestes Braga e Dr. José Braga. Os cuidados médicos prescritos pelo sanatório, apesar de eficazes no tratamento da doença, não foram suficientes para preservar-lhe a vida, porque uma sequela da doença, meningite meningocócica, o vitimou para tristeza da família e da cidade. 

A sua irmã mais jovem, minha tia Maria das Mercês Braga Lovatto (26/09/1930-27/07/2017), tinha recordação muito grata de seu saudoso irmão José. Quando Maria tinha sete anos, portanto em 1937, seu irmão "Zezé" comunicou-lhe sua intenção de fazer dela um membro da Venerável Arquiconfraria de Nossa Senhora das Mercês, à qual ele já pertencia com muito orgulho, na ocasião vinculada à Arquidiocese de Mariana; para tanto, ele lhe comprou um vestido cor-de-rosa rodado. Ela sempre se lembrava do deslumbramento que a tomou, quando, de mãos dadas com o irmão "Zezé", subiu as escadarias da igreja de Nossa Senhora das Mercês, no dia de Sua festa religiosa (24 de setembro), e na sacristia do templo foi solenemente admitida como irmã do Sodalício religioso. Pois bem; essas lembranças ficaram indelevelmente em sua memória, sobretudo porque, menos de quatro meses depois, morria "Zezé" (☆ 06/10/1913-✞ 20/12/1937), seu belo e amado irmão, com vinte e quatro anos de idade, tendo sido enterrado no Cemitério das Mercês. 

Da esq. p/ dir.: Anna, Maria e Olga
 

Como comerciário conhecido e estimado por todos os são-joanenses, obviamente "Zezé" estava ciente da preparação das grandiosas festas de Centenário da Cidade de São João del-Rei, o que ocorreriam três meses depois, em 06 de março de 1938, quando era prefeito Antônio das Chagas Viegas. Digno de nota foi que, no próprio dia do centenário, começou a circular o jornal O Diário do Comércio, órgão da Associação Comercial, que durante 25 anos prestaria, junto com O Correio, relevantes serviços à história são-joanense. A Tribuna, cuja notícia de falecimento usamos na abertura da crônica, durou ainda pouco tempo, após a morte de "Zezé": sua última edição nº 1414 saiu em 30/01/1938 (Anno XXIV). 

Em 17 de agosto do mesmo ano, a cidade receberia a visita ilustre do governador do Estado, Benedito Valadares, e de sua comitiva, composta de outras autoridades, inclusive representações das cidades irmãs gêmeas: Sabará, Serro e Diamantina. Entre outras coisas, o governador mineiro inauguraria a ponte chamada Benedito Valadares em sua homenagem, sobre o Córrego do Lenheiro, a qual liga a Avenida Presidente Tancredo Neves, nas proximidades do Coreto Maestro João Cavalcante, à Estação Ferroviária.  

Como meu saudoso pai Roque da Fonseca Braga (15/04/1918-26/09/1984) habitualmente velava o sono do irmão moribundo, ficou indelevelmente marcado pelos incidentes dos últimos dias de vida de "Zezé". Assim, tomou cuidados até exagerados na educação de seus oito filhos para evitar que lhes ocorresse o destino de seu irmão. Pelo menos os mais velhos fomos criados com excessivo rigor: o picolé e sorvetes estavam proibidos em nossa casa; deveríamos recolher-nos até 8 horas da noite por temor do efeito do "sereno da noite" sobre os pulmões e éramos frequentemente atendidos localmente pelo pediatra Dr. Roosevelt de Andrade e nosso tratamento dentário era acompanhado pelo dentista Dr. Antônio Pimenta. Quando a questão de nossa saúde requeria maior cuidado, nosso pai recorria a especialistas de Belo Horizonte, o que era mais raro e caro. Especialmente quanto à restrição dos nossos folguedos infantis, limitados até 8 horas da noite, não percebíamos de forma alguma o porquê, justamente no instante de nosso maior aquecimento e participação nas brincadeiras de roda.  Graças a essa austeridade de nosso pai, a quem devemos nossas ótimas condições de higidez física, até hoje somos oito irmãos vivos e relativamente saudáveis, apesar da idade já avançada de alguns, pertencentes ao grupo de risco ameaçado de contrair o coronavírus.

Crédito pela montagem: historiador Silvério Parada

12 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

A notícia da morte inesperada de JOSÉ DA FONSECA BRAGA ("Zezé") colheu todos de surpresa na então pacata e interiorana cidade de São João del-Rei, em dezembro de 1937.
Ela constitui o pano de fundo de minha crônica, que, além de uma análise da morte do tio que não conheci por ter nascido 12 anos depois, apresenta uma síntese da situação social da população na época desses fatos a serem narrados no presente post.

https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2021/08/o-luto-pela-morte-precoce-de-jose-da.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Frei Joel Postma o.f.m. (compositor sacro, autor de 5 hinários, cantatas, missas e peças avulsas) disse...

Olá, Francisco e Rute,

Certamente este irmão agora descansa na paz do Senhor misericordioso para com cada ser humano! Com meus votos franciscanos de "Paz e Bem"! para vocês e seus familiares todos! f. Joel.

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Ilustre família Braga!

ANIZABEL disse...

Justifica o.grande sofrimento.de sua avó uma.vez que os pais nunca pensam que vão sepultar seus filhos e ele realmente partiu muito cedo

João Carlos Ramos (poeta, escritor, membro e ex-presidente da Academia Divinopolitana de Letras e sócio correspondente da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Lavrense de Letras) disse...

Parabéns, mestre Braga!

Laura Maria ("Laurinha") disse...

Parabéns! Lindo texto!
Apesar de não ter conhecido o tio Zezé, gostava muito de sua lembrança pelos casos que mamãe contavam.
Eles cresceram juntos, porque ele era mais novo do que ela só 1 ano.
Beijos.

Dr. Paulo Milagre (corretor de imóveis, escritor, membro e ex-presidente da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Gostei da crônica do Francisco sobre seu tio Zezé, mas não consegui comentar no blog. Transmita-lhe meus parabéns.

Unknown disse...

Mais uma vez a lavra do amigo Braga jorra preciosidade. Com narrativa fluida, descreve fato que enriquece a história de sua família e, ao mesmo tempo, faz as conexões temporais e fáticas à história da cidade. Inclui muito bem trecho muito bem pesquisado sobre a da luta da Ciência contra a tuberculose.

Miguel Jorge (poeta sul-matogrossense de alma goiana, autor de Natal de Poemas, teatrólogo, romancista e contista brasileiro. Membro da Academia Goiana de Letras) disse...

Acho que você fez uma bela homenagem ao tio que permanece em sua memória,
parabéns, abraço
Miguel Jorge

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga
"A maturidade me permite olhar com menos ilusões, aceitar com menos sofrimento, entender com mais tranquilidade, querer com mais doçura." (Lia Luft)
Parabéns pela ternura e sensibilidade dessa crônica sobre um querido tio que entretanto não conheceu. Ela encerra tantas circunstâncias de vida e tantas outras queridas pessoas que hoje a distância no tempo, as diferentes épocas de existência e a separação física dele praticamente nada significam. Mais os aproxima do que separa.
Cumprimentos
Cupertino

Raquel Naveira disse...

Parabéns pelo evocativo texto. Lembranças afetuosas de sua família mineira, especialmente do tio querido, Zezé.
Terríveis tempos em que não existia a penicilina.
E Deus sempre no controle de tudo.
Abraço fraterno,
Raquel Naveira

Danilo Gomes (escritor, jornalista e cronista, membro das Academias Mineira de Letras e Brasiliense de Letras) disse...

Obrigado, Braga amigo!
Você nasceu em 1949, né? Descobri no seu artigo sobre seu tio. Eu nasci em 1942. Já caminhamos bastante . Graças a Deus.