Por Danilo Gomes
“Breve é o tempo de estarmos juntos.” (Du-Fu, 712-770, “O rio sinuoso”, in Poemas Clássicos Chineses.)
Por essas alamedas de azaleias do meu outono, passeio antigas lembranças amáveis, como que ouvindo, ainda, o “Requiem” de Johannes Brahms – com o Coro da Filarmônica de Praga – e o “Requiem” de Mozart ou de Fauré, este pesado como a morte. Caminho para a longínqua Thule, entre brumas. Pítias, Estrabão, Virgílio. Thule, terra de fogo e gelo, confinando com a Hiperbória e a Finlândia. Fim do mundo, fim da vida. Memento mori.
Vivi, outrora; meu coração ardeu nas chamas do mundo. Depois, as águas o serenaram – as águas lustrais que descem, lentamente, da estação do outono. Breves foram os dias idílicos.
Caminho para a longínqua Thule, a última Thule. Hoje passeio antigas lembranças amáveis, à sombra dos flamboyants, nesse Jardim Botânico, nesse distante horto florestal. As casuarinas e as amendoeiras deitam folhas secas, que estalam sob meus pés. Folhas secas são como corações exauridos de todos os tormentos da paixão. Sinto no ar uma serenidade quase paradisíaca; deve ser esse fim de tarde. E nem falei dos pássaros nesse paraíso terminal. E nem do som das águas.
Ao final das azaleias, há um muro de hera e musgo, brumal. Lá deve ser Thule, a última Thule. Além do muro de musgo e hera. Entre as brumas, entre o brumado…
As lembranças, como buganvílias escarlates, aquecem a friagem desse outono de Vivaldi, por essas alamedas de azaleias, por esse bosque de melancolia, onde, lentamente, passeio antigas lembranças amáveis…
5 comentários:
O Blog de São João del-Rei revisita outra crônica de Danilo Gomes nascido em Mariana, MG, em 30 de dezembro de 1942. Mora em Brasília desde 1975. É formado em Direito (UFMG, Belo Horizonte, 1974) e Jornalismo (CEUB, Brasília, 1985). Redator de publicidade, advogado, jornalista profissional, assessor do secretário de imprensa e divulgação da Presidência da República (1985-2004), cronista, pesquisador literário, comentarista de livros. É colaborador em periódicos (entre outros, Hoje em Dia, Estado de Minas Gerais, Correio Braziliense e Jornal de Brasília). Escreve em jornais e revistas desde 1961.
Pertence à Academia Mineira de Letras (cadeira nº 1), Academia de Letras do Brasil, Academia Marianense de Letras, Academia Divinopolitana de Letras, Academia de Letras de Viçosa, Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais e Associação Nacional de Escritores – ANE, sediada em Brasília. É ainda membro do Instituto Histórico e Geográfico do DF. É cidadão honorário de Belo Horizonte.
Sua crônica "No Jardim Botânico" menciona que esse recanto que ele visita se localiza na ilha de Thule, em algum lugar distante, "perto do mar congelado" do Polo Norte. Desde a antiguidade até nossos dias, muitos autores se referiram a Thule como próxima à Islândia e Groenlândia.
Como sabemos, "memento mori" (mencionado no texto) é uma prática meditativa que consiste em pensar em nossa mortalidade e dos que se acham ao nosso redor, já muito utilizada desde a antiguidade e, mais recentemente, por Dom Bosco.
O objetivo desse exercício é levar-nos a uma vida mais significativa e com menos vaidade, ou seja, tem mais a ver com a vida do que com a morte.
Leiamos, portanto, o que ele tem a nos dizer sobre essa ilha distante e sobre os sentimentos que ela suscita.
https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2020/09/no-jardim-botanico.html
Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei
Caro professor Braga;
Uma Thule, referência para uma vida digna e para a sensibilidade da Beleza que se encontra em todas as suas fases , em especial em seu momento derradeiro, quando as lembranças ganham especial sentido.
Bela crônica !
Cumprimentos.
Cupertino
Bom dia. Muito obrigado estimado amigo Braga.
Abraço.
Diamantino
Prezado confrade,
obrigado pelo envio da matéria do Danilo Gomes, a quem tive o privilégio de conhecer quando de seu ingresso na ADL.
Abraço para você e Rute.
Fernando Teixeira
Obrigado pelo envio e parabéns, confrade por revisitar este texto sensível e romântico. Que a imagem deste jardim possa inspirar a cada um e a todos que leiam o texto, para um caminhar em aleias banhadas de luzes outonais, pisando folhas secas, de amarelo quase ferrugem, como minha transcendência para os arvoredos coloridos da fria Chicago, mafiosa mas gentil.
Receba meu fraternal abraço.
Paulo Sousa Lima
Postar um comentário