Este é um momento histórico para os católicos brasileiros. Uma menina de mãe escrava, pobre, negra, analfabeta, com humildade e coragem assumiu um destino reservado a pouquíssimas pessoas chamadas à santidade, se levarmos em consideração o contexto social e econômico em que nós brasileiros vivemos.
Essa menina, na Capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, filial da Matriz de São João del-Rei, foi batizada em 26 de abril de 1810, com o nome de Francisca. Hoje está em processo de beatificação na Santa Sé, com o nome de Francisca Paula de Jesus, a Nhá Chica, venerada em todo o Sul de Minas, cujo túmulo se encontra no interior do Santuário de Nossa Senhora da Conceição, na cidade de Baependi. Por sorte ou por possível capricho do destino, veio às mãos do Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva um livro de batizados do começo do século XIX que se encontrava desaparecido, onde constava o assento referente ao batizado da menina Francisca, como se verá com maior detalhe dentro da petição inicial e da sentença prolatada pelo MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de São João del-Rei.
Este fato vem dizer que a fé ainda é a força viva que move o mundo e que se você, leitor, tem a sorte de ser uma pessoa de fé, ajude-nos a levar em frente, com força e determinação, o processo de santificação de Nhá Chica, falecida há 116 anos em Baependi. O registro civil constante destes autos ocorrerá no dia 30 de abril em Rio das Mortes, com a presença do Revmo. Bispo Diocesano de São João del-Rei, Dom Frei Célio de Oliveira e toda a comunidade que crê no poder de intercessão da Santa Nhá Chica. Participe e apóie da forma que puder ou julgar mais conveniente. Certamente estará fazendo um bem e terá retorno em nome da mulher e santa que soube dar uma vida de 85 anos sem nada pedir mas tudo ofertando, na pobreza e na humildade - algo que está faltando a este mundo materialista.
Aguardemos com o maior interesse o anúncio que será feito por Sua Santidade Papa Bento XVI sobre a beatificação de dois luminares da fé católica: beatos João Paulo II e Nhá Chica, evidenciando que, mesmo considerando as distâncias de tempo e de lugar em que ambos viveram, a enorme e edificante fé os une e aproxima.
1) Petição Inicial
Exmo. Sr. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de S. João del-Rei, MG.
Os requerentes Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, sociedade civil com finalidades cientificas e culturais, sem fins lucrativos, CNPJ 18 994 319/0001-45, com endereço na Rua Santa Tereza nº 127-Centro (Casa mais antiga), São João del-Rei/MG, representado por seu presidente José Antônio de Ávila Sacramento; o Rotary Clube de São João del-Rei (Distrito 4580), entidade civil de direito privado, CNPJ 02 599 941/0001-70, com endereço na Rua Antônio Tirado Lopes, 51, Villa Marchetti, São João del-Rei/MG, representado pelo seu presidente Agnelo Alencar Dias; a Associação de Amparo e Promoção ao Carente do Distrito do Rio das Mortes, CNPJ 21 274 063/0001-06, com endereço na Rua Antônio Luiz Carvalho, 67, distrito do Rio das Mortes/São João del-Rei, representado pelo seu presidente Sérgio William de Oliveira, pela presente ação, com fundamento nos mais elevados e altruísticos interesses de São João del-Rei e região de sua influência, particularmente a comunidade de fé católica, por intermédio do advogado in fine assinado, inscrito na OABMG sob o número 11544 e constituído em virtude dos inclusos mandatos que passam a integrar esta peça vestibular, sustentado pelo Código Civil e disposições adjetivas civis pertinentes à espécie, vêm à presença de V. Exa. para, após a exposição constante dos itens abaixo, requerer a prestação jurisdicional pelos motivos de relevante valor moral, religioso, social e legal do presente feito.
Demandam os jurisdicionados signatários desta peça inaugural de justificação destituída de caráter contencioso, o REGISTRO CIVIL TARDIO da conterrânea FRANCISCA PAULA DE JESUS - NHÁ CHICA, cujos procedimentos canônicos, com trâmites na Santa Sé, encontram-se em fase avançada, o que culminará com a sua ascensão à dignidade de PRIMEIRA SANTA BRASILEIRA da Igreja Católica Apostólica Romana, para gáudio e orgulho da maior nação católica do planeta.
O que se pretende, MM. Juiz, com este procedimento regimental, com supedâneo nos artigos 50, parágrafos 4º e 52 em seu § 2º, todos da lei 6.015 de 31 de dezembro de 1973, que versam sobre registros públicos, é o REGISTRO CIVIL, QUAE SERA TAMEN, da nacionalmente conhecida e venerada Senhora FRANCISCA PAULA DE JESUS, a qual está nos compêndios religiosos com a sublime e carinhosa alcunha de NHÁ CHICA, nascida no distrito são-joanense de RIO DAS MORTES PEQUENO (topônimo que poderá ser reabilitado, dependendo da representação política e da vontade do povo daquela comunidade).
O tema ora protocolizado e submetido à justiça encontra amparo legal nos artigos 75, 76 e 76 em seu parágrafo único do Código Civil e 3º e 4º do Diploma Processual Civil e estão evidentes a legitimatio ad causam, a legitimatio ad processum e o jus postulandi.
Esta causa, embutida nas razões expostas no presente petitório, transcende os limites do rigorismo legal e a rijeza e formalismos jurídicos, pois se uma causa for limitada ou sofrer efeitos de limitação por qualquer forma de imposição humana, produzirá, por conseqüência, efeito também limitado “limitata causa limitatum effectum producit.”
A veneranda e venerada senhora foi levada à pia batismal em Rio das Mortes, no dia 26 de abril de 1810 e assim está escrito ao receber o primeiro e mais importante sacramento da Igreja Católica (doc. junto):
FRANCISCA – aos vinte e seis dias de abril de mil e oitocentos e dez na capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, filial desta Matriz de São João del Re, de licença do Reverendo Joaquim José Alves batizou e pôs os Santos Óleos a Francisca, filha natural de Isabel Maria, e foram padrinhos Ângelo Alves e Francisca Maria Rodrigues todos daquela Aplicação. O Coadjutor Manoel Ant. de Castro.
É, portanto, este o único documento de que dispôs a imaculada Serva de Deus que semeou tanto sobre a terra que pisou, particularmente a nobre terra de Baependi-MG, onde foi reconhecida e continua merecendo o respeito e a admiração daquela gente sábia e culta, de princípios sólidos e decisões inabaláveis, conforme se extrai das obras ali existentes, de altíssimo cunho social e caritativo e onde se afirma terem ocorrido fatos considerados milagres pelas súplicas à Santa Nhá Chica.
Ainda com respeito à inabalável fé nela depositada, pede-se a especial atenção de todos que vierem a ter oportunidade de manifestação nestes autos, para os dois grandes e suntuosos Congressos ou Encontro de Estudos sobre Nhá Chica, Mulher de Deus e do Povo no Contexto da História. O Primeiro Encontro ocorreu nos dias 21 e 22 de maio de 2004; o segundo terá início em 16 de junho do corrente ano de 2006, A FIM DE DAR PROSSEGUIMENTO AOS TRABALHOS JÁ DESENVOLVIDOS E COMO PREPARAÇÃO PARA A BEATIFICAÇÃO DA SANTA DE BAEPENDI, (documento anexo que passa a ser parte integrante deste feito para posteridade e para que a História faça justiça aos eminentes promotores de tão altruísta iniciativa, que deveria ser, por nós, imitada).
O primeiro Encontro ou Congresso teve a participação de eminentes e cultuados professores, teólogos e filósofos, a exemplo dos estudiosos e pensadores José Nicoliello Viotti, Maria José Turri Nicoliello e Maria do Carmo Nicoliello Pinho; houve participação de conferencistas de destaque no cenário nacional, com a presença do Excelentíssimo e Reverendíssimo Dom Frei Diamantino Prata de Carvalho e Presidente de Honra o Arcebispo de Mariana Dom Luciano Mendes de Almeida. O segundo vem com acréscimo do cardeal Emérito Dom Serafim Fernandes de Araújo, na Presidência de Honra, e estará lembrando os 111 anos do falecimento da Serva de Deus.
Para nos situarmos no contexto histórico da época, era São João del-Rei a mais promissora das vilas, ao lado de Vila Rica do Ouro Preto, e foi escolhida como capital de uma das grandes comarcas da capitania mineira: a Comarca do Rio das Mortes. Em 1714 a Capitania das Minas Gerais sediava três importantes comarcas: a de Vila Rica, com sede na hoje Ouro Preto, a do Rio das Velhas, cuja sede era Vila Real, hoje Sabará e a terceira e talvez mais importante, a nossa de Rio das Mortes, que tinha seu fórum em São João del-Rei. A Comarca de Rio das Mortes, para a cobrança do quinto do ouro, teve dilatado o trecho da capitania que se estende do Ribeirão das Congonhas, nas divisas da Comarca de Vila Rica até à Vila de Guaratinguetá, pela serra da Mantiqueira ao sul, não lhe assinalando a linha do oeste, por se tratar, como explica Diogo de Vasconcelos, de sertão desconhecido. Modificações tiveram lugar em 1823, data da sedição de Ouro Preto, quando São João del-Rei sediou o governo da capitania durante todo o período de comoção, até que fosse restaurada a ordem. A importância política deste foro foi de tal ordem na colônia e de tal expressão para a coroa lusa que pouca atenção de dá, entre nós, ao estudo e à pesquisa histórica dessa “quadra” da história pátria.
As localidades de São Miguel do Cajuru e Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno tiveram presença sólida nesse período e na capela onde recebeu o sacramento do batismo, na pia de pedra-sabão ainda prestando seus sagrados serviços, FRANCISCA iniciou sua profícua vida religiosa e de muitos sofrimentos e perseguições, na sua condição de filha natural de mãe escrava. Na mesma capela, cujas pedras de alicerce ainda estão vivas e a cobrar sua reconstrução, foram feitas peregrinações memoráveis. Ali celebrou-se o casamento de Diogo Garcia da Cruz com a ilhoa Júlia Maria da Caridade, em 29 de junho de 1724, e em dois de janeiro de 1722 instalou se o Compromisso da Irmandade de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, sendo Juiz o Cap. Pedro da Silva e manda que a “treze do mês de junho se celebre a festa do Bem-aventurado Santo Antônio, padroeiro desta nossa Irmandade com a maior devoção que e puder ser, a saber: Missa cantada ou rezada, sermão com sua procissão e será dada de esmola ao reverendo Vigário seis oitavas de ouro, e ao diácono e subdiácono duas oitavas de ouro a cada um”.
Auguste de Saint Hilaire fornece dois textos de real valia para elucidação do que deve ter acontecido e transcrevemos dois excertos, o primeiro com a seguinte redação:
Depois de me ter despedido de meu velho hospedeiro, o sr. Anjo, de sua filha D. Rita e de sua companheira D. Isabel, eu me pus a caminho. O velho Anjo chorou ao me abraçar e todos exprimiram o seu pesar com a minha partida. Anjo devia ter uns setenta anos, mas era muito ativo, ria e resmungava muito. Contudo, a todo instante dava provas da bondade de seu coração.”
Em 1822, voltando a São João del-Rei, o sábio pesquisador e explorador escreveu:
O Anjo e suas duas mulatas parecem rever-me comovidos (...) não foi sem emoção que deixei os bons habitantes do Rio das Mortes, que também tinham lágrimas nos olhos quando nos separamos... separamo-nos para sempre. Há nestas palavras algo de solene que sempre me causou profunda impressão quando necessitei dizê-las a quem tanto estimava”.
O conferencista do Primeiro Encontro, representando a Universidade Federal de São João del-Rei, Antônio Gaio Sobrinho, realizado em Baependi, em 2004, levanta considerações de que muito provavelmente NHÁ CHICA e sua mãe Isabel tenham sido escravas de seu padrinho Ângelo (nome que está na certidão de batismo) e se mudaram para Baependi após a sua morte, em 1823. Levanta ainda a hipótese que não pode ser desprezada de que Ângelo, o mesmo citado por Saint Hilaire como Anjo, seja o pai da menina, pois Ange, do francês, tanto pode ser Anjo como Ângelo. Levanta também, com propriedade, a devoção de Nhá Chica a Nossa Senhora da Conceição, quando a padroeira dos negros era Nossa Senhora do Rosário e, ainda, o fato de que NHÁ CHICA, mulher, analfabeta, negra e pobre, no terrível sistema discriminatório da sua época, se tornou mulher conhecida pela História. Realmente a História não guardou muitos nomes de mulheres e quando o fez retratou rainhas e princesas. Para ilustrar esta petição, e não dissertar interminavelmente, anexamos aos autos a conferência proferida por Gaio no Primeiro Congresso para Beatificação da senhora do Rio das Mortes (doc. acostado).
Contribuição valiosa vem do escultor sacro Osni Geraldo de Paiva que vasculhou baús e alfarrábios até encontrar a certidão de batismo da mãe de FRANCISCA, chamada Isabel:
Paróquia da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar
Diocese de São João del-Rei
CERTIDÃO
Certifico que, às folhas 190 (cento e noventa”do Livro de Registro de batismos de 1780 a 1784, Tomo II, desta Paróquia encontra-se e do teor seguinte: IZABEL – Aos treze de outubro de mil e sete centos, e oitenta e dois na Capella do Cajurú filial desta Matriz o reverendo Capelão Gonçalo Ribeiro Britto batizou e pos os Santos Óleos a = Izabel filha de Roza Banquela solteira escrava de Costodio Ferreira Braga: forão padrinhos Victorino e Faustina pardos solteiros escravos de Dona Quitéria Correa de Almeida todos desta frequezia. / O Coad.tr Joaquim Pinto da Silveira.
Nada mais continha o dito assentamento, que foi fielmente copiado do original a que me reporto.
Ita in fide Parochi.
São João del-Rei, 22 de abril de 2006.
Assinado: Mons. Sebastião Raimundo de Paiva
Pároco
O fato é validado pelos senhores Mons. Luiz Gutierrez, Frei Paolo Lombardo e Irmã Célia Cadorim in “Nhá Chica –A Pérola de Baependi”, pág. 27, trecho aqui transcrito:
Portanto, Francisca era filha de Izabel Maria, que era filha de Roza Banguela ou Benguela, (era comum designar os escravos pelo nome da região africana de onde provinham), solteira, escrava de Costódeo Ferreira Braga. No batistério de Francisca – como em quase todos relativos aos escravos – não consta o nome do pai, que terá sido um outro escravo ou alguém proprietário daquelas terras.
O advogado in fine firmado escreveu em outro processo do mesmo teor (Registro Civil Tardio do Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes – pela 3ª Vara desta Comarca) que a memória brasileira não é muito deificada e inquestionável é o misoneísmo mineiro, culminando com algum descaso que os pesquisadores e historiadores são-joanenses dedicam às personagens de nosso culto histórico. Partindo-se desta premissa não é raro encontrarem-se manuscritos ou qualquer forma de documento antigo jogado às traças, goteiras ou cupins, sem mencionar, por vergonha ou pejo, o que serve de pasto a roedores e de divertimento para vandalismo de não poucos. Mas há os que, por abnegação e a duros sacrifícios, tornam-se credores de nossa gratidão e perseguem os tesouros históricos a feros padecimentos, tesouros que revelam apenas o que sobrou da nossa História.
Lamentável é que há pouco interesse de nossas instituições, autoridades, pesquisadores a respeito desta mulher valorosa. Não é preciso ser religioso ou mesmo ter fé profunda para avaliar e aceitar o valor dela. Não é só pelo lado espiritual que ela tem importância para a comunidade são-joanense; sua obra representa muito e sua ascensão será boa para São João del-Rei. Não devemos permitir que ocorra com ele o que aconteceu com o Tiradentes e a Fazenda do Pombal, aqui pertinho e onde 90 por cento (talvez 99%) de nosso povo nunca foi e nem pretende ir. O Tiradentes, que nasceu em São João del-Rei e foi executado no Rio de Janeiro, tem o Governo Mineiro em Ouro Preto na data de sua imolação em holocausto. Não somos uma comunidade de reações conscientes; quase não temos voz e portamos subdesenvolvimento mental bastante conhecido, é excusado dizer mais.
Apenas com o fim de ilustrar, ouvi de Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva que um desconhecido apresentou-se portando um embrulho rústico e pedindo alguns vinténs pelo objeto. Aberto o estranho pacote, verificou o sacerdote que se tratava de um livro antigo de registro de batizados e que em seu bojo estava o assento de FRANCISCA PAULA DE JESUS.
Não há dúvida de que se persistirmos em descurar da reconstituição das verdades estaremos cometendo o pecado, ou o crime, de omissão, muito mais prejudicial que o da ação, como dizia o Padre Vieira:
Sabeis cristãos, sabeis príncipes. Sabei Ministros, que se vos há de pedir estreita conta do que fizeste; mas muito mais estreita do que deixaste de fazer. Pelo que fizeram se hão de condenar muitos; pelo que não fizeram, todos.
O filho ilustre desta terra, o mais ilustre de todos, Joaquim José da Silva Xavier, o Alferes Tiradentes, da mesma forma que FRANCISCA, não tinha documento conhecido. Por morte do religioso Alberto Bastos seus papéis velhos não encontrariam outra destinação senão a fogueira. Hoje estão nos autos da ação de Registro Civil Tardio do Tiradentes, sob o número 0625 05 048873-7, distribuída por sorteio para o juiz da 3ª Vara Cível. Do Fórum Carvalho Mourão, para gáudio e proveito das próximas gerações e desta urbe, terra-mater do Patrono Cívico da Nação Brasileira.
FRANCISCA, DÁDIVA DE DEUS AOS POBRES E AFLITOS é focalizada em sua individualidade de Serva de Deus nos contextos sócio-políticos e histórico-religiosos de sua época, bem como sua atualidade no século XXI, com reverências à sra. Anália Vilas Boas Sales Moreira, Notária do Tribunal pela Causa de Beatificação de NHÁ CHICA. Tudo nos leva a crer que chega a hora de a Santa Sé se pronunciar pela Beatificação, tais os documentos e provas no Vaticano, pois
Praticar o bem é a mais prática forma de devolver ao mundo os benefícios que dele recebemos e não há partida, quando as pessoas que partem deixam pegadas na terra em que pisaram (...) pois há os que levam muito e nunca há os que não levam nada.
Para nós a História foi pródiga em personagens e feitos, mas em favor dela, FRANCISCA, mulher ou santa ou mulher e santa, o que podemos dizer se formos perguntados? Estamos assistindo ao sublime trabalho desenvolvido pela sua ascensão ao altar dos Santos, onde reuniões e congressos se sucedem. O Segundo encontro será este mês no sul do Estado, pois no dia 14, 111 anos terão transcorrido de sua morte. E nós, são-joanenses, conterrâneos e irmãos de NHÁ CHICA de Rio das Mortes Pequeno, o que estamos fazendo?
É vasta já a literatura sobre a conterrânea e vai a citação de alguns autores e obras publicadas: “Virtudes e Devoção de Francisca Paula de Jesus – Nhá Chica”, de Monsenhor Geraldo Junqueira; “Francisca Paula de Jesus Isabel – Nhá Chica” de Monsenhor José do Patrocínio Lefort; “Anais, Primeiro Encontro de Estudos sobre Nhá Chica – Mulher e Deus e do Povo no Contexto da História”, compêndio de vários autores; “Nhá Chica, a Pérola de Baependi”, de Monsenhor Gutierrez, Irmã Cadorim e Frei Lombardo. De nossa cidade há publicações literárias sobre Nhá Chica, do professor Antônio Gaio Sobrinho e do pesquisador José Antônio de Ávila Sacramento. O Instituto Histórico e Geográfico local vem se empenhando na causa de Nhá Chica, com visíveis resultados (textos acostados).
Francisca poderá, sem dúvida, ser beatificada na visita do Papa Bento XVI ao Santuário de Aparecida. O Papa Sixto V criou a Sagrada Congregação dos Ritos com a Constituição Immensa Aeterni Dei, em 1588. Paulo VI, em 1969, fez a Constituição Apostólica Sacra Rituum Congregatio, com uma Congregação para o Culto Divino e outra para a Causa dos Santos com Departamento Judicial, do promotor Geral da Fé e o Histórico-Jurídico, conforme queria Pio XI em 1930. A Constituição apostólica Divinus Perfeccionis Magister, de 25 de janeiro de 1983 e as Normae Servandae in Inquisitonibus as Episcopis Faciendis in Causis Sanctorum criou o colégio de relatores para preparação das Positiones Supervita et Virtutibus (ou super martyrio) dos Servos de Deus, mudado para Congregação para Causas dos Santos, na Pastou Bonus, de João Paulo II, em 1988 e o Studium que tem a tarefa de cuidar da atualização do INDEX AC STATUS CAUSARUM. Pelos exemplos de santidade (pródigos em Nhá Chica), pelo martírio e virtudes heróicas o Santo Padre procede às canonizações e delega a celebração das Beatificações. É precisamente o que poderá estar em curso até a vinda de Bento XVI ao Brasil.
Ex positis, estabelecida a pretensão do registro civil, vem em nosso socorro o veredito do juiz Cândido José Martins de Oliveira, da Comarca de Montes Altos, Maranhão, e professor da Universidade Federal daquele Estado, in “Janelas Para a Cidadania”:
O registro civil tardio, com dificuldades de provas, com os pais do interessado já falecidos ou desconhecido o seu paradeiro, obtido mediante sofrida e dificultosa justificação, é muito mais uma facilidade ou um mero documento; significa um grau de libertação da exclusão pessoal em que se encontrava, resgatando a dignidade que já tinha direito como ser, mas também mediante consagração constitucional, dado que a Carta de 1988 lança a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito no artigo 1º, Inciso III”.
Para ilustrar, sem outro motivo, apenas com o escopo de fundamentar a legitimidade do pleito e da prestação jurisdicional, chama-se aos autos fato jurídico ocorrido em 1998. Não tendo sido localizado nenhum registro de Ana Maria de Jesus Ribeiro, divergiu-se, aqui e no estrangeiro, sobre a data e o local de nascimento da heroína ANITA GARIBALDI. Disputavam tal direito os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e as cidades de Viamão, São Gabriel, Mostardas, laguna e até montevidéu, no Uruguai, pois foi ali que contraiu núpcias com o carbonário italiano Giuseppe Garibaldi. A sentença do magistrado, ouvido o Ministério Público, reconheceu a nacionalidade brasileira e a naturalidade lagunense e determinou o registro tardio da “heroína de dois mundos”, conforme atestam documentos anexos, ilustrativos da argumentação em favor do pedido anteriormente exposto. Saliente-se que a combatente sulista não dispunha de registro de batizado, mas apenas de uma declaração constante de seu consórcio com um piemontês, no Uruguai.
Com FRANCISCA não estamos fazendo nenhum favor ao reparar u erro histórico e resgatar sua cidadania, visto que, sob aspecto legal rigorista, ela não existe. É a História que está a exigir que sua vida civil e jurídica esteja de acordo com as exigências legis modernas e civilizadas; que a sua genealogia seja restabelecida; que o liame seja posto e legitimado, com força de lei, quales principes, tales populi.
Devidamente instruído o pleito e cumpridas as formalidades legais e de estilo é o presente para que se proceda a averbação, por mandado a ser expedido ao Cartório do Registro Civil de Rio das Mortes, do assentamento de NHÁ CHICA,, constando ali o seu nome próprio – Francisca Paula de Jesus – e o que consta no documento batismal, ouvido o digno representante do Ministério Público, ou seja, como está no livro de 1808/18, verso, pág. 300, na Catedral do Pilar:
Aos vinte e seis de abril de mil oitocentos e dez, na capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, filial desta Matriz de São João del-Rei, de licença, o reverendo Joaquim José Alves batizou e pôs sos Santos Óleos a Francisca, filha natural de Isabel Maria. Foram Padrinhos Angelo Alves e Francisca Maria Rodrigues. O Coadjutor Manoel Antonio Castro.
Informam os peticionários que este registro casa-se perfeitamente com o que se encontra em seu inventário em Baependi e documentos ecumênicos do Bispado de Campanha, que poderão ser consultados ou ouvidos em Juízo, podendo o mandado adotar a forma prescrita em lei para o registro, que deverá ser cumprido no distrito de Rio das Mortes, comunidade que tem nos céus uma poderosa advogada, constando, inclusive, se necessário o nome da avó materna.
A partida de Izabel para o sul de Minas, com duas crianças, não encontra explicação lógica. Há registros de cativos forros, no Museu Regional do IPHAN, a exemplo de José da Nação Africana, “como se de ventre livre tivesse nascido” (Fazenda Jaguara – Nazareth), ou de Mariana Parda, da Fazenda do Pega-Bem, “por haver dela recebido cem mil réis”, em 1809 (o córrego do Pega-Bem fica em Rio das Mortes). Izabel de Benguela (Angola), se não amealhou recursos para sua manumissão ou o houve de alguma Irmandade Religiosa Parda, pode ter sido escorraçada por indesejada. É caso a merecer estudo e por este edital peço ajuda.
O alegado encontra guarida em arestos de nossos tribunais e pode ser provado por todos os meios admissíveis em direito, notadamente requisição de informes, juntada de documentos, pareceres de mestres versados na questão, provas testemunhais qualificadas e outros meios a critério de Vossa Excelência e seu honrado Juízo – magistratum legem esse loquentem. Anexando documentos que atestam a veracidade do exposto, dá-se à causa, para efeitos meramente de alçada, o valor simbólico de um mil reais.
Requer, finalmente, seja concedido aos autores o pálio da gratuidade judicial em vista de serem entidades filantrópicas e sem qualquer fim lucrativo, e, também, por tratar-se a questão de causa nobre e de elevado interesse público.
P. e E. deferimento.
São João d’El-Rey, MG, 14 de junho de 2006
(Data do 111º aniversário de falecimento de Nhá Chica)
Wainer Carvalho Ávila
OAB MG 11544
Processo nº: 06 056045-9 - Registro Civil
Requerentes: Instituto Histórico e Geográfico de São João del Rei, Rotary Clube de São João del Rei (Distrito 4580) e Associação de Amparo e Promoção ao Carente do Distrito do Rio das Mortes
Sentença
Vistos, etc.
RELATÓRIO
Instituto Histórico e Geográfico de São João del Rei, Rotary Clube de São João del Rei (Distrito 4580) e Associação de Amparo e Promoção ao Carente do Distrito do Rio das Mortes, todos devidamente representados nos autos, aviaram a presente ação de justificação objetivando o registro tardio de Francisca de Paula de Jesus, conhecida como Nhá Chica, com base nos fatos e fundamentos contidos na inicial de fls. 02/11, aduzindo, em síntese, que a mesma é nascida neste Município e Comarca, onde, portanto, deve se fazer o respectivo registro tardio.
Com a exordial foram acostados os documentos de fls. 12/55.
Regularizada a representação processual, seguiu-se os autos com vistas ao M.P., cujos requerimentos constantes das fls. 61/65 resultaram, em parte, implementados.
Citou-se, por edital, possíveis interessados, e ainda, aos Institutos Históricos e Geográficos, Brasileiro e do Estado de Minas Gerais.
O feito foi saneado (fls. 136), tendo sido deferido prazo para que os autores implementassem as demais provas requeridas pelo Ministério Público.
Finalizada a fase de instrução pugnaram os autores pela procedência do pedido, reiterando a tese inicialmente sustentada.
O Ministério Público em seu parecer final opinou pela improcedência do pedido (fls.216/222).
Vieram-me os autos conclusos para prolação de sentença.
Este, em apertada síntese, é o relatório.
DECIDO.
FUNDAMENTOS
Não há questões de ordem a serem examinadas prefacialmente.
Comungo inteiramente do entendimento de que a pretensão ao reconhecimento da naturalidade de Francisca de Paula de Jesus, conhecida como Nhá Chica, encerra modalidade de tutela de interesse difuso, pela sua histórica representação ante a fé popular como serva de Deus, havendo notícias, inclusive, da tramitação, junto ao Vaticano, de processo de beatificação da mesma.
Tem, pois, esta ação, natureza de ação civil pública, resultando, desta forma, legitimados os autores, a teor do que, por analogia, de depreende do art. 5º, II da Lei 7.347/85.
No mérito, tenho que a procedência do pedido é medida que se impõe.
Cuido inicialmente de destacar que já tive oportunidade de julgar processo análogo a este, em que se pretendeu o registro tardio do grande herói nacional Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, cujo desate dado foi a extinção do feito sem resolução de mérito, ao entendimento de que o insigne Mártir da Inconfidência Mineira já tinha registro, elaborado conforme os ditames legais da época. Houve recurso da aludida sentença que, em segundo grau de jurisdição foi integralmente mantida.
Confira-se o julgado:
“AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO - REGISTRO TARDIO DE JOAQUIM JOSÉ DA SILVA XAVIER ""TIRADENTES"" - AUSÊNCIA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO - INTERESSE DE AGIR - SENTENÇA TERMINATIVA - RECURSO NÃO PROVIDO.” (TJMG, Apel. Civ. 1.0625.05.048873-7/001, Rel. Des.(a) BRANDÃO TEIXEIRA, J. 02/06/2009)
A meu sentir, no entanto, o presente caso tem particularidades que diferem daquelas retratadas no processo de registro tardio de Joaquim José da Silva Xavier.
E a essência de tal diferença é que, o que se tem do conteúdo do registro da época da pessoa de Francisca de Paula de Jesus, não a qualifica, efetivamente como pessoa, pelo simples fato que não havia referência a seu nome de família. E nem poderia. Nascida em 1810, Francisca era filha de escrava, Isabel Maria que, igualmente não tinha nome de família e, portanto, também escrava. É de se destacar que já naquela época as pessoas tinham sua efetiva identificação pelo nome de família.
Desta forma, a omissão em seu registro quanto ao seu nome de família, estabelecendo sua ascendência e efetiva identificação justifica a realização do registro tardio. No caso em tela, somente após o advento da abolição da escravatura é que Francisca teve nome de família agregado ao seu nome de batismo, de forma a identificá-la.
No caso dos autos, o registro importa em reconhecer a existência de uma pessoa devidamente identificável pelo nome de família, e constitui-se num dos direitos mais relevantes da personalidade.
Neste sentido, trago à colação o aresto que se segue:
“PEDIDO DE LAVRATURA DE ASSENTO DE NASCIMENTO - PESSOA SEM REGISTRO CIVIL - DIREITO DA PERSONALIDADE - INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ - OBRIGATORIEDADE - BUSCA DA VERDADE REAL. - O direito ao nome é um dos mais importantes direitos da personalidade e imprescindível para o exercício da cidadania e, assim, não se pode negar acolhimento à pretensão da pessoa que pretende ver lavrado o seu registro civil sem que tenham sido esgotadas todas as possibilidades de esclarecimento acerca de sua filiação e idade.- Havendo dúvida quanto a tais fatores e possibilidade de realização de outras provas que a parte não teve a iniciativa ou a oportunidade de apresentar, deve o Juiz, por cautela, proceder à dilação probatória, de ofício, objetivando-se alcançar decisão provida de maior grau de certeza, em vista da relevância da questão, com graves repercussões nas relações sociais. - No procedimento de lavratura de registro civil deve ser priorizado o princípio da verdade real.” (TJMG, Apel. Civ. 1.0024.06.132022-2/001, Rel. Des.(a) HELOISA COMBAT, j. 20/11/2007)
Neste sentido temos que a pretensão dos autores consiste no registro tardio de Francisca de Paula de Jesus, Nhá Chica. Fundamentam tal pedido com base na certidão de batistério obtida junto à Igreja Matriz do Pilar desta cidade, haja vista que o batizado ocorreu na Capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, distrito desta cidade, onde ela nasceu. Adotam o precedente consistente no fato que Anita Garibaldi teve deferido o seu registro tardio por decisão do MM. Juiz da Comarca de Laguna, no Estado de Santa Catarina, de forma a também fundamentar a pretensão deduzida.
Cuidei e examinar detidamente toda a documentação aportada aos autos.
Assim, vejamos.
Todo nascimento de pessoas católicas ocorrido no Brasil antes de 1º de janeiro de 1889 resultava demonstrado por força das certidões de batismo extraídas dos livros eclesiásticos. Isto significa que, naquele tempo, o batismo assinalava a existência da pessoa natural para todos os efeitos da vida civil.
Neste sentido confira-se a balizada doutrina que assevera, verbis:
“Carlos de Carvalho (Nova Consolidação das Leis Civis, Porto, 1915, art. 78) afirmava: “O nascimento das pessoas católicas ocorrido no Brasil antes de 1º de janeiro 1889 prova-se pelas certidões de batismo extraídas dos livros eclesiásticos e o das acatólicas pelos assentos do registro regulado pelo Decreto nº 3069, de 17 de abril de 1863, no art. 19.” (apud Wilson de Souza Campos Batalha, Comentários à Lei de Registros Públicos, Forense, 1997, p. 13).
Desta forma, tem-se que constituía atribuição da Igreja proceder aos registros de nascimentos através do assentamento do batismo, onde se fazia constar, tão somente, o nome do pai e da mãe legítimos. Quanto àqueles que não eram católicos “o registro era disciplinado pela lei de 11.09.1861, art. 2º, e pelo Decreto de 17/04/1863, arts. 19,31 e 47.”(ob. cit. p. 12)
Conclui-se, pois, com clareza meridiana que, para todos os feitos da lei civil, o assentamento de batismo, registrado em livro eclesiástico próprio assinalava a existência da pessoa natural para todos os efeitos.
Ocorre que, no caso em testilha, conforme se infere dos documentos de fls. 35/36/121/141, tem-se as certidões de batismo da pessoa chamada apenas Francisca, filha de Izabel Maria, tendo sido batizada em 26 de abril do ano de 1810, na Capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, conforme consta do Livro de assentos de batizados da freguesia de Nossa Senhora do Pilar da Vila de São João del Rei, denominação à época desta cidade e Comarca de São João del Rei.
Conforme já salientado, àquele tempo era o registro do batismo que se prestava a assinalar a existência jurídica das pessoas cristãs. E neste diapasão, resulta evidenciado que a pessoa de Francisca teve seu registro realizado nesta cidade, no Distrito de Rio das Mortes Pequeno, que ainda hoje é denominado Distrito do Rio das Mortes.
Resta pois, a meu sentir, analisar, pelos elementos de prova aportados aos autos se Francisca, referida nas certidões de batismo mencionadas alhures é a mesma Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica, de modo a justificar a realização do registro tardio, ante a inexistência de procedimento regular, capaz, pelas razões já alinhadas, de identificar a pessoa registrada com base no seu nome de família e não somente pelo prenome.
Com efeito, a certidão de óbito de fls. 143 corrobora com todos os demais documentos trazidos aos autos, e não só as certidões de batismo, mas também os trabalhos dos historiadores, que se encontram retratados nos livros “Nhá Chica - A pérola de Baependi” (2004), “Nhá Chica Biografia, por Helena Ferreira Pena (1951) e “Anais – I Encontro de Estudos sobre Nhá Chica” (2004). Vejamos ainda, que a referida certidão de óbito, obtida junto ao Oficial do Cartório do Registro Civil de Baependi, em 08 de abril de 2008, retratando o fato da extinção de Nhá Chica, noticia que ela é natural de São João del Rei.
Francisca, Francisca Isabel, por conta do nome de sua mãe, e posteriormente, Francisca de Paula de Jesus, nome que adotou, são a mesma pessoa, que ficou conhecida popularmente como Nhá Chica.
Todo o trabalho dos pesquisadores, que se encontram retratados nas obras literárias supra referidas, todas inclusas aos autos, soam unânimes nas suas conclusões, ou seja, que Nhá Chica, cujo nome era Francisca Isabel, e posteriormente Francisca de Paula de Jesus, que mudou-se ainda menina para a cidade de Baependi, nasceu no Distrito do Rio das Mortes nesta cidade de São João del Rei.
Igualmente, e no mesmo sentido, o trabalho de pesquisa realizado por Victorino Chermont de Miranda (fls. 126/130), encaminhado pelo Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (fls. 125), bem como o trabalho realizado pelo Sr. Adalberto Guimarães Menezes(fls. 119/120), encaminhado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais(fls. 118), e ainda, o conteúdo da declaração de fls. 139, firmado pelo Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva, Pároco da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, nesta cidade de São João del Rei, os quais são merecedores de total e absoluta credibilidade.
Afinal, nenhum dos referidos documentos foram objeto de qualquer impugnação. E não poderiam ser diferente ante a coerência de seus conteúdos.
Com efeito, o que pretendem os autores é exatamente promover o registro tardio do nascimento de Francisca de Paula de Jesus, porque o seu registro, como realizado ao tempo do seu nascimento, não faz retratar, com a necessária individualização, a pessoa que se registrou. Esta particularidade, volto a gizar, é o que difere a pretensão deduzida neste processo daquele em que se pretendeu o registro tardio de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, registro sobre o qual não havia qualquer dúvida quanto à sua existência.
A pretensão retratada nestes autos visa afastar toda e qualquer dúvida, até então existente, pela ausência da necessária individualização pelo nome, quanto ao local do nascimento de Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica.
O registro tardio, regulado no ordenamento jurídico vigente (Lei 6.015/73), tem cabimento no caso de inexistência de registro.
Confira-se que, conforme inteligência dos dispositivos de regência em vigor, todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro, no lugar que tiver ocorrido o parto ou no lugar da residência dos pais, dentro do prazo de quinze dias, que será ampliado em até três meses para os lugares distantes de mais de trinta quilômetros da sede do cartório. É facultado aos nascidos anteriormente à obrigatoriedade do registro civil requerer, isentos de multa, a inscrição de seu nascimento.
Tratando-se de registro fora do prazo legal o oficial, em caso de dúvida, poderá requerer ao Juiz as providencias que forem cabíveis para o esclarecimento do fato.
É daí que decorre a necessidade e a possibilidade da efetivação do registro tardio de nascimento, o que vem amparado pelo art.52 §2º da Lei n. 6015/73 que, in casu, deve ser interpretado em conformidade o art. 50, § 1º , do mesmo diploma legal.” (p. 29, vol.1)
A meu entendimento, conforme já salientado, a ausência de referência a nome de família no registro de batismo da pessoa então chamada apenas de Francisca, importa em reconhecer a própria inexistência do registro na forma como é próprio das pessoas físicas. A certidão de batismo, neste caso, então, constitui num elemento de prova de que a pessoa cujo poucos dados ali se encontra retratado, e chamada somente de Francisca é, efetivamente, Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica, mercê de toda a prova carreada para os autos.
O fato do registro de batismo com somente o prenome, como no caso de Francisca, decorria do processo de coisificação dos escravos, que não tinham o tratamento adequado como pessoas físicas sujeitas de direitos e obrigações, mas como bens dos seus respectivos senhores. Daí porque não se poder considerar como existente o registro de nascimento de Nhá Chica, nos moldes como instrumentalizado, inclusive para própria época, justificando, desta forma, a necessidade de se promover, neste caso, excepcionalmente, face aos elementos trazidos a estes autos, o seu registro tardio.
O objeto do presente processo deve ser visto como uma forma de se resgatar e retratar uma verdade que interessa a toda uma coletividade, pela importância da pessoa no contexto histórico, cultural e da própria fé popular. Daí a excepcionalidade da situação posta.
Afinal de contas, segundo Wilson de Souza Campos Batalha:
“Os Registros Públicos tem em mira constituir formalidades, essenciais ou não, para a validade do ato em si mesmo, ou apenas para sua eficácia perante terceiros (erga omnes).”(Comentário à Lei dos Registros Públicos, Forense, 1997, Vol. 1, p. 23)
O ato registral visa, no âmbito as sua formalidade cautelar, conferir segurança e autenticidade ao mesmo. Daí, face as particularidades do caso em testilha, conforme já salientado alhures, a necessidade de se acolher a pretensão inicial, e proceder ao registro tardio de Francisca de Paula de Jesus, com os elementos capazes de indentificá-la.
Por fim o registro deve retratar o maior número de dados relativamente à pessoa registrada. Desta forma, conforme se desume dos autos, Francisca de Paula de Jesus era filha de Isabel Maria, sendo o pai desconhecido, e sendo avó materna Roza Banguela, esta que, segundo registros históricos teria vindo de Angola na África, na região de Banguela, daí o nome, sendo o avô materno também desconhecido. A data de nascimento, conforme costume da época deve prevalecer a do batismo. Até porque, embora haja referências ao nascimento no ano de 1808, não há qualquer elemento a corroborar tal fato.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, julgo procedente o pedido inicial para determinar que se proceda ao registro de nascimento Francisca de Paula de Jesus, devendo constar como sendo sua genitora, Izabel Maria e avó materna Roza Banguela, e ainda, como data de nascimento o dia vinte e seis de abril do ano de 1810, razão pela qual extingo este processo, com resolução de mérito.
Transitada em julgado esta sentença baixar e arquivar, após a expedição do mandado.
Sem custas processuais, posto que sob o pálio da assistência judiciária.
Cumprida a sentença, baixar e arquivar.
P. Registre-se. Intimem-se.
São João del Rei, 10 de janeiro de 2011.
Hélio Martins Costa
Juiz de Direito
* Wainer Ávila, graduado em direito pela Universidade Católica de Minas Gerais, é o atual Presidente da Academia de Letras de São João del-Rei, ocupante da cadeira Embaixador Gastão da Cunha. É Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, ocupante da cadeira Alferes Tiradentes. Membro Definidor da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Diocese de São João del-Rei. Sócio Benemérito e Conselheiro do Athetic Clube de São João del-Rei. Sócio Honorário do Rotary Club. Sócio Correspondente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto. Sócio Correspondente da Academia Valenciana de Letras. Conselheiro do Centro Cultural Feminino de São João del-Rei. Membro do Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico de São João del-Rei. Mais...
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