sexta-feira, 26 de setembro de 2014

GUSTAVO DE CARVALHO, O "GUARANÁ" (crônica de Gentil Palhares)


Por Gentil Palhares


Para os da nova geração era ele o Maestro Guaraná, musicista exímio e compositor, autor de apreciadas composições que lhe deram nome na Guanabara, integrante que fora, também, da Rádio Nacional. Para nós, todavia, os madurões do seu tempo, seus companheiros de infância, ele fora sempre o Nhônhô da Rua de São Roque. Meninos emparelhados em idade, juntos fizemos as nossas peraltices por essas ruas, as quais ele, depois, as palmilharia no seu apogeu de artista. Juntos, quebrávamos as vidraças das casas do Largo da Câmara, para depois irmos roubar ameixas nos fundos do antigo Hospital do Rosário, hoje Hospital de N. Sra. das Mercês. As escadarias do Templo das Mercês eram o trampolim de nossas travessuras, que se estendiam Largo da Câmara abaixo, para terminar na rua Direita, ou Largo do Rosário, onde o "Zé da Carne" ajoelhado defronte ao busto do Pe. José Maria, recebia a nossa invariável vaia, com as nossas pedradas.

Como os fundos de nossas casas se confinassem, os nossos encontros, para as costumeiras travessuras, eram combinados, antecipadamente, por um assobio daqueles de três dedos metidos na boca, que sacudia os nervos de Dona Zizi, mãe adotiva do saudoso amigo. Já sabia ela que os dois traquinas boa coisa não tramavam e que, depois, as reclamações viriam na certa. O mesmo pensava, do outro lado do quintal, a nossa saudosa mãezinha. E se bem pensavam, mal aconteceria. Porém, se em conjunto os dois peraltas se esmeravam nas diabruras, também juntas, como se combinassem, as nossas mães sabiam caprichar nas chineladas. E o choro era qual música afinada, uníssona, que se ouvia dos dois pátios, separados, apenas, por um velho muro de pedras, testemunha muda das reprimendas maternas. Depois, com o rolar dos anos, tudo passou...

O amigo Nhônhô, da Rua de São Roque, trocara o bodoque maldoso pelo violino, que se tornaria seu verdadeiro amigo a lhe dar alegrias e triunfos. Moço feito, já nas fileiras do nosso Exército, como músico, sargento que era, transfere-se para o Rio de Janeiro, onde, nos meios artísticos da Rádio Nacional, ao lado de Oranice Franco e outros, faz carreira, elevando a nossa terra. Grava discos, compõe bonitas produções musicais e passa a ser, daí por diante, o Maestro Guaraná. Seus amigos agora são Ghiaroni, Lamartine Babo, Ary Barroso, entre outros compositores daqueles tempos.

Sempre modesto, simples, não alardeava os seus conhecimentos e a sua ascensão artística e aqui nos vinha visitar periodicamente. Jamais olvidou, pois, no apogeu da glória, a sua Terra Natal, para onde, dizia-nos sempre, tinha o seu coração voltado. Para os festejos do Carnaval era um visitante assíduo de sua Terra e dizia mesmo: "Estou fugindo do Rio" ― falava e sorria.

Quis o destino que, numa dessas vindas, pelo Carnaval de 1968 encontrasse o nosso caro amigo a morte em plena estrada, como se ela o espreitasse traiçoeiramente, para, também, traiçoeiramente, lhe dar o mesmo destino do seu amigo Francisco Alves, morto na Via Dutra, em certo festejo carnavalesco.

Duas glórias nacionais e dois destinos tão idênticos!

O corpo querido, trasladado para a sua Terra Natal, veio ficar exposto em lugar certo: na Sociedade de Concertos Sinfônicos, na Casa da Música, onde seus amigos e parentes, ao lado de seus irmãos de arte, se desvelaram nas suas derradeiras e sentidas homenagens.

O Brasil perdeu uma de suas glórias musicais, o Maestro "Guaraná". São João del-Rei perdeu um filho querido. E nós, o velho amigo, o saudoso Nhônhô da Rua de São Roque.


Fonte: PALHARES, Gentil: São João del-Rei na Crônica, Juiz de Fora: ESDEVA Empresa Gráfica S. A., 1974, p. 97-99

10 comentários:

Francisco Oliveira (escritor e Membro da Academia Barbacenense de Letras) disse...

Prezado Francisco, muito boa a crônica do Palhares sobre o maestro Guaraná.
Um abraço,
Francisco

ALFREDO CARVALHO disse...

OBRIGADO A GENTIL PALHARES E A FRANCISCO BRAGA PELA HOMENAGEM TÃO SINCERA AO NOSSO IRMÃO NHONHÔ,
NO BLOG SOBRE O SAUDOSO GUARANÁ.
ALFREDO CARVALHO (um dos irmãos remanescentes)
Até breve.

Prof. Ulisses Passarelli (folclorista, escritor, gerente do Blog Tradições Populares das Vertentes e Membro da Academia de São João del-Rei) disse...

A iniciativa desta transcrição possibilita a facilidade do acesso ao texto para muitos, que não conhecem ou não conseguem ter à disposição, a obra de Gentil Palhares. Maestro Guaraná é sem dúvidas um nome de grande relevância no cenário musical da cidade, diga-se de passagem, bastante rico de obras, corporações e figuras humanas exponenciais. Texto importante como registro memorialístico.

Att.UP.

Prof. José Maurício de Carvalho (escritor e Membro da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Parabéns, abraço.
Mauricio.

Prof. Fernando Teixeira (professor universitário, escritor e Secretário Geral da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Mais uma vez o cumprimento pelos textos. Abraço do confrade e amigo para você e esposa.
Fernando Teixeira

Paulo José de Oliveira (escritor e presidente da Academia Formiguense de Letras) disse...

Obrigado meu nobre Confrade amigo! Mais uma vez vemos figurar nosso ilustre Gentil Palhares. Um abraço

Att.,

Paulo José de Oliveira

Eduardo Oliveira (professor e ex-salesiano são-joanense) disse...

São João, terra de mentes brilhantes e corações patriotas.

Salve Maestro, salve Sanjoanenses, salve São João del Rei.

Com Dom Bosco sempre

edu

Alfredo Luiz de Carvalho (arquiteto em BH, irmão do Maestro Guaraná e proprietário da pousada Pouso do Sol) disse...

FRANCISCO BRAGA.
BOM DIA.
SOU UM DOS IRMÃOS DO MAESTRO GUARANÁ - o nhonhô. RECEBO SEMPRE SEUS TRABALHOS, QUE APRECIAMOS MUITO, EU E MEU SOBRINHO FRANCISCO DE ASSIS CARVALHO S.BARROS E OS IRMÃOS.
CRIAMOS, HÁ ALGUM TEMPO EM NOSSA POUSADA " Pouso do Sol " UMA SALA EM HOMENAGEM AO MAESTRO. "Sala Gustavo Carvalho" - UM AMBIENTE DE MÚSICA ONDE TEMOS UM PIANO E SEMPRE UM VIOLÃO, CAVAQUINHO ETC, E O VIOLINO DO GUARANÁ.
TODO 1° SÁBADO DE CADA MÊS INSTITUÍMOS HÁ 10 ANOS, A "Noite da Canja" ONDE OS AMIGOS QUE TOCAM ALGUM INSTRUMENTO,SE REÚNEM, EM UM SARAU. VOCÊ ESTÁ CONVIDADO !

TENTEI IMPRIMIR AS 3 CRÔNICAS QUE RECEBI, NESTE ÚLTIMO E-MAIL, MAS NÃO CONSEGUI, POIS ESTÃO BLOQUEADAS
PELO SISTEMA.
GOSTARIA DE SABER DA POSSIBILIDADE DE NOS LIBERAR, PARA IMPRESSÃO, CUJA FINALIDADE É COLOCAR NA SALA
CRIADA EM SUA HOMENAGEM, ONDE TEMOS ALGUMAS FOTOS E ALGUMAS PARTITURAS ORIGINAIS.
FICARIA MUITO GRATO.
UM ABRAÇO,
ALFREDO LUIZ DE CARVALHO - irmão do Guaraná.

Prof. Mário Celso Rios (professor, escritor, conferencista e Presidente da Academia Barbacenense de Letras) disse...

Caro BRAGA,
Agradeço-lhe pelo envio de seus últimos c-es, pois você demonstra não apenas abertura de horizontes, mas acima disso, uma imensa necessidade de valorizar talentos e expoentes da música, da literatura, da história, da religião, entre outros.
E o faz com com generosidade e muita vibração! Parabéns!
A você e Rute, nosso abraço carinhoso!
M. CELSO

Prof. José Lourenço Parreira (são-joanense, violinista, professor, regente e escritor) disse...


Parabéns, caro amigo Braga, por suã cruzada em iluminar honrosas biografias da Missa São João! Lourenço