sexta-feira, 8 de setembro de 2023

VENI CREATOR SPIRITUS: SOLO AO PREGADOR DE JOÃO FRANCISCO DA MATTA


Por Francisco José dos Santos Braga
 
Vinde Espírito Criador - Crédito: comshalom.

 
O VENI CREATOR SPIRITUS: Solo ao Pregador para orquestra e tenor solista, do compositor são-joanense JOÃO FRANCISCO DA MATTA (✰ São João del-Rei, c. 1832 - ✞ localidade de Serranos, distrito de Aiuruoca-MG, 1909), escrito para solenizar a Festa do Divino em 04/09/1873 em Lavras-MG, pôde ser ouvido em 4 de setembro p.p., graças à união de esforços do pesquisador de Oliveira-MG, Lívio Antônio Silva Pereira, que resgatou a partitura da obra, em parceria com a Filarmônica da USP Ribeirão Preto; além disso, Lívio Pereira foi o tenor solista convidado para ser acompanhado pela Filarmônica da USP Ribeirão Preto para maior brilhantismo do grandioso evento musical em comemoração aos exatos 150 anos da composição, partitura localizada pelo pesquisador Lívio Pereira em Lavras, para orquestra e tenor solista. Essa importante obra sacra vem coroar o trabalho de resgate da posição de destaque ocupada pelo compositor sacro são-joanense no segundo meado do século XIX. 
 
Graças ao pesquisador Lívio Antônio Silva Pereira que teve o mérito de localizar e resgatar a partitura original da obra, foi possível essa primeira audição mundial da obra, disponível no YouTube, executada pela Filarmônica da USP Ribeirão Preto sob a notável regência do Prof. Dr. Rubens Russomanno Ricciardi, tendo o tenor oliveirense cantado o Solo ao Pregador com maestria, sentimento piedoso e profundo conhecimento da partitura.
 
Confira a primeira audição mundial do VENI CREATOR SPIRITUS: Solo ao Pregador de João Francisco da Matta:
 
Também é possibilitado o acesso à partitura digitalizada e disponibilizada por Musica Brasilis

Esse trabalho pioneiro de resgate do VENI CREATOR SPIRITUS: Solo ao Pregador vem se juntar a outras gravações de João Francisco da Matta já editadas no YouTube, em página do grupo musical Vocalis Barroco, que Lívio Antônio Silva Pereira rege em Oliveira-MG. Até o lançamento da recente apresentação, já era possível citar as seguintes obras sacras de João Francisco da Matta disponíveis no YouTube sob a regência de Lívio Pereira:
4º Responsório Fúnebre: Libera me Domine
3º Responsório Fúnebre: Ne recorderis
2º Responsório Fúnebre: Memento mei
1º Responsório: Subvenite Sancti Dei
Missa Stella Maris: Kirie
Missa de São Sebastião: Kirie
Ecce Sacerdos Magnus

Eis os vídeos já editados por Vocalis Barroco de Oliveira-MG:
Link: https://www.youtube.com/@vocalisbarroco5287 
👈
 
Finalmente, mas não menos importante, cabe uma referência à Filarmônica da USP Ribeirão Preto. Fundada em fevereiro de 2011 e regulamentada a 19 de fevereiro de 2018, é a orquestra jovem de alunos de graduação do Departamento de Música da FFCLRP-USP (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto), bolsistas da Reitoria da USP. 
Desde sua fundação, Rubens Russomanno Ricciardi é seu maestro principal e José Gustavo Julião Camargo, seu maestro assistente.
O corpo docente do Departamento de Música da FFCLRP-USP é formado por grandes nomes da música contemporânea, cabendo destaque especial ao Prof. Dr. Rodolfo Coelho de Souza, professor associado de teoria e composição musical, e o Prof. Dr. Rubens Russomanno Ricciardi, atual chefe do Departamento de Música e regente da Filarmônica da USP Ribeirão Preto. 
Com temporadas de concertos sinfônicos e récitas de óperas, a Filarmônica da USP é sediada em Ribeirão Preto e São Carlos. 
 
A USP FILARMÔNICA cumpre as atividades-fim da USP em ensino, pesquisa e extensão, bem como integra, na performance musical, a poíesis (composição) e a práxis (interpretação-execução) em sua filosofia de trabalho. Em um contraponto dinâmico entre antigo e novo, clássico e experimental, regional e cosmopolita, a USP FILARMÔNICA está atrelada ao Núcleo de Pesquisa em Ciências da Performance em Música (NAP-CIPEM da FFCLRP-USP). A USP FILARMÔNICA, desde 2012, é também a orquestra do Festival Música Nova Gilberto Mendes.

[SANTOS, 2012, 1089-90], em sua dissertação de mestrado pela UNIRIO, investigou as composições intituladas Solo ao Pregador, não apenas como objeto, mas, também, enquanto prática, particularmente em São João del-Rei (MG), onde a manifestação paralitúrgica desse tipo de composição ainda sobrevive nas tradicionais festas e solenidades religiosas. Paralelamente, o autor apresentou a edição crítica de quatro Solos ao Pregador do são-joanense Padre José Maria Xavier (1819-1887), disponíveis também no IMSLP.  
Na Introdução,  o autor comenta:
Solo ao Pregador ou Ária ao Pregador é o nome dado à composição musical baseada em textos religiosos que, na tradicional liturgia católica, é executada ocasionalmente nas missas solenes após o evangelho e antes da homilia, ou então, precedendo o sermão feito antes do canto alternado do Te Deum, que finaliza as comemorações da festa ou solenidade que se celebra. Geralmente cantados em latim, os textos referem-se à festa própria ou ao santo homenageado. A finalidade dessa música de circunstância é cobrir o trajeto que o sacerdote incumbido da pregação percorre no interior da igreja, quando se desloca do altar-mor até o púlpito, geralmente localizado na nave central, para proferir o sermão. Conforme tradição oral, acontecia de alguns pregadores mais eloquentes tomarem como mote o texto da música cantada nessa ocasião, que, obrigatoriamente, referia-se à festa que se celebrava.
As composições de Solo ao Pregador foram, comumente, escritas para uma voz solista e orquestra, apresentando, na grande maioria, dois andamentos contrastantes: lento e rápido. É importante mencionar que há registro destas composições para todos os tipos de vozes do naipe vocal. Nota-se em várias obras a estrutura de recitativo e ária, com o emprego de ornamentos e coloraturas na linha vocal, revelando a influência do bel-canto e da ópera italiana. (...)
Este tipo de composição foi muito frequente no Brasil durante o século XIX. Mas, encontra-se registro dessas, também, na segunda metade do século XVIII. A prática de se executar essa música circunstancial não é prescrita pela liturgia, ou seja, não faz parte do Próprio nem do Ordinarium Missæ; constitui-se, portanto, uma manifestação paralitúrgica.

No subtítulo "O Solo ao Pregador em São João del-Rei", outro capítulo de sua monografia, [SANTOS, ibidem, 1093]  observa:

Esse costume mineiro talvez explique a grande ocorrência de composições de Solo ao Pregador em Minas Gerais. Ou seja, o Solo ao Pregador foi uma prática que conferia mais pompa e solenidade às celebrações religiosas, principalmente no século XIX, quando se verifica uma grande proliferação desse tipo de composição.
Dentre as cidades históricas mineiras, São João del-Rei guarda uma particularidade: a atuação ininterrupta das tradicionais orquestras Lira Sanjoanense e Ribeiro Bastos, que até hoje abrilhantam as festas religiosas da cidade. (...)
No arquivo da Orquestra Lira Sanjoanense, encontramos cerca de vinte e seis composições de Solo ao Pregador; e no da Orquestra Ribeiro Bastos, seis obras catalogadas. Dessas composições, chama a atenção o fato de que treze são de autoria do compositor são-joanense José Maria Xavier (1819-1887).
Entrevista concedida à jornalista Mariane Fonseca da Revista Vertentes Cultural em dezembro de 2018 intitulada "Eu sou João da Matta"

Em outro trabalho de minha autoria, mostrei que, naquela época, negros, mulatos e pardos tinham a chance de alcançar melhor status social se se dedicassem à arte musical e conseguissem destaque junto à musa de Euterpe. Foi o caso de João Francisco da Matta, que se descobriu sob a batuta de Martiniano Ribeiro Bastos, lembrando que o próprio Ribeiro Bastos era mulato. Não só ele como outros grandes nomes da música são-joanense eram igualmente mulatos, como o Padre José Maria Xavier (1819-1887), cujo bicentenário de nascimento celebramos em 2019, e Presciliano José da Silva (1854-1910), que ganhou de Dom Pedro II uma bolsa de estudos em Milão. A distinção por cor da pele se refletia, portanto, no próprio meio musical. E foi pano de fundo para certa “rivalidade” entre a Orquestra Ribeiro Bastos e a Lyra Sanjoanense no século XIX. 

À época, os primeiros foram apelidados de "Coalhadas" e os últimos, de "Rapaduras". João Francisco da Matta pertenceu à Orquestra da Lyra Sanjoanense (ou seja, era um autêntico "rapadura"), conforme comprova o estandarte da Sociedade Lyra S. Joanense, trabalho de Luiz Batista Lopes, benzido solenemente a 31/03/1889.

Estandarte da Sociedade Lyra S. Joanense, trabalho de Luiz Batista Lopes, originalmente benzido solenemente a 31/03/1889 e refeito em 1976 a partir do original. O nome de João F. da Matta aparece à direita do ramo verde superior. Crédito pelas imagens: Rute Pardini.

 

Diante desses fatos, é bem provável e até natural que, sendo o compositor João Francisco da Matta alguém de prestígio dentro da Lira Sanjoanense, considerado um "rapadura" de destaque dentro dessa corporação musical são-joanense, tivesse conhecimento de todas as composições denominadas Solos ao Pregador existentes no seu arquivo. 

 

TEXTO UTILIZADO POR JOÃO FRANCISCO DA MATTA

 

Veni Creator Spíritus, 
Mentes tuorum vísita, 
Imple superna grátia, 
Quae tu creásti péctora. 
 
Qui diceris Paráclitus, 
Altissimi donum Dei, 
Fons vivus, ignis, cáritas, 
Et spiritalis unctio. 
 
Tu septiformis múnere, 
Digitus paternae déxtera, (sic)
Tu rite promissum Pátris, 
Sermone ditans gúttura. 
 
Accende lumen sensibus: 
Infunde amorem córdibus: 
Infirma nostri córporis 
Virtute firmans pérpeti. 
 
Hostem repellas lóngius, 
Pacemque dones prótinus: 
Ductore sic te praevio, 
Vitemus omne nóxium. 
 
Per te sciamus da Pátrem, 
Noscamus atque Fílium; 
Teque utriúsque Spíritum 
Credamus omni tempore. (BIS) 
 
Deo Patri sit glória, 
Et Filio, qui a mórtuis 
Súrrexit (2X), ac Paráclito, 
In saeculórum (3X). Amen (4X). (sic)
 
 
TRADUÇÃO por Francisco José dos Santos Braga
 

Vinde, Espírito criador, 
visitai as Vossas almas; 
enchei da graça do alto 
os corações que criastes. 
 
Sois chamado Consolador, 
dom de Deus Altíssimo, 
fonte viva, fogo, caridade 
e unção espiritual. 
 
Sois formado de sete dons, 
dedo da mão direita de Deus, 
solene promessa do Pai 
a inspirar-nos a palavra. 
 
Iluminai os sentidos, 
infundi o amor nos corações, 
curai as nossas fraquezas
com o bálsamo da Vossa força. 
 
Afastai para longe o inimigo, 
dai-nos a paz sem demora; 
assim guiados por Vós, 
evitaremos todo o mal. 
 
Fazei-nos conhecer o Pai, 
e revelai-nos o Filho, 
para acreditar sempre em Vós, 
Espírito que de ambos procedeis. 
 
Glória seja dada ao Pai, 
e ao Filho, que da morte 
ressuscitou, e ao Paráclito, 
pelos séculos dos séculos. Amen.
 
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 
BRAGA, Francisco José dos Santos: 110 ANOS SEM O COMPOSITOR JOÃO F. DA MATTA, publicado no Blog de São João del-Rei em 1º de maio de 2019.
 
SANTOS, Adilson Cândido: O Solo ao Pregador em São João del-Rei, Anais do II SIMPON 2012-Simpósio Brasileiro de Pós-Graduandos em Música, pp. 1089-1098.
 
______________________: O Solo ao Pregador em São João del-Rei: história, prática e edições, dissertação de mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, Rio de Janeiro, 159 p.

SICOOB CREDIVERTENTES: "Eu sou João da Matta", entrevista concedida pelo autor a Mariane Fonseca da Revista Vertentes Cultural, Edição 11, Ano 5, dez. 2018, pp. 20-24.
 

7 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
Emocionou-me assistir ao vídeo do VENI CREATOR SPIRITUS-Solo ao Pregador de JOÃO FRANCISCO DA MATTA, partitura composta em 04/09/1873 em Lavras-MG e executada 150 anos depois, em 04/09/2023, na igreja do Rosário, em Lavras-MG, uma realização conjunta da Filarmônica da USP Ribeirão Preto e do regente e pesquisador oliveirense Lívio Antônio Silva Pereira, tenor solista na gravação.
Neste curto artigo, tento contextualizar as circunstâncias da ocorrência desse grandioso evento musical.

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2023/09/veni-creator-spiritus-solo-ao-pregador.html 👈

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Geraldo Reis Poeta disse...

Parabéns, mais uma vez, pela postagem de interesse histórico e de qualidade. Viajei aos tempos de coroinha, depois seminarista, em Mariana. Obrigado pelas explicações, pela tradução, pela postagem... enfim, obrigado pela emoção.

Geraldo Reis (poeta, membro da Academia Marianense de Letras e gerente do Blog O Ser Sensível) disse...

Puxa! Muito interessante! E no dia 04/09, quando completei 74 anos. Recebo como um presente de aniversário. Pode ser?
Muito obrigado.

Frei Joel Postma o.f.m. (compositor sacro, autor de 5 hinários, cantatas, missas e peças avulsas) disse...

Olá, Francisco e Rute. O uso do vernáculo na liturgia, que era a maior vitória do concílio vaticano II, faz-nos mudar grandemente nossa visão do passado. Forte abraço do irmão f. Joel. "Paz e Bem!"

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Belo resgate histórico-musical!

Sílvio Firmo do disse...

Visando encontrar um foco que nos cause concentração ao ouvir
TEXTO UTILIZADO POR JOÃO FRANCISCO DA MATTA



Veni Creator Spíritus,
Mentes tuorum vísita,
Imple superna grátia,
Quae tu creásti péctora.

Qui diceris Paráclitus,
Altissimi donum Dei,
Fons vivus, ignis, cáritas,
Et spiritalis unctio.

Tu septiformis múnere,
Digitus paternae déxtera, (sic)
Tu rite promissum Pátris,
Sermone ditans gúttura.

Accende lumen sensibus:
Infunde amorem córdibus:
Infirma nostri córporis
Virtute firmans pérpeti.

Hostem repellas lóngius,
Pacemque dones prótinus:
Ductore sic te praevio,
Vitemus omne nóxium.

Per te sciamus da Pátrem,
Noscamus atque Fílium;
Teque utriúsque Spíritum
Credamus omni tempore. (BIS)

Deo Patri sit glória,
Et Filio, qui a mórtuis
Súrrexit (2X), ac Paráclito,
In saeculórum (3X). Amen (4X). (sic)


TRADUÇÃO por Francisco José dos Santos Braga


Vinde, Espírito criador,
visitai as Vossas almas;
enchei da graça do alto
os corações que criastes.

Sois chamado Consolador,
dom de Deus Altíssimo,
fonte viva, fogo, caridade
e unção espiritual.

Sois formado de sete dons,
dedo da mão direita de Deus,
solene promessa do Pai
a inspirar-nos a palavra.

Iluminai os sentidos,
infundi o amor nos corações,
curai as nossas fraquezas
com o bálsamo da Vossa força.

Afastai para longe o inimigo,
dai-nos a paz sem demora;
assim guiados por Vós,
evitaremos todo o mal.

Fazei-nos conhecer o Pai,
e revelai-nos o Filho,
para acreditar sempre em Vós,
Espírito que de ambos procedeis.

Glória seja dada ao Pai,
e ao Filho, que da morte
ressuscitou, e ao Paráclito,
pelos séculos dos séculos. Amen.

È muito emocionante poder curtir o estudo proposto pelo nosso Confrade da Academia de Letras de São João del-Rei, Francisoc Braga, pois é de grande interesse histórico e espiritual. Sentimo-nos arrebatados ao ouvir esta música.

Destaque:
“Esse costume mineiro talvez explique a grande ocorrência de composições de Solo ao Pregador em Minas Gerais. Ou seja, o Solo ao Pregador foi uma prática que conferia mais pompa e solenidade às celebrações religiosas, principalmente no século XIX, quando se verifica uma grande proliferação desse tipo de composição.
Dentre as cidades históricas mineiras, São João del-Rei guarda uma particularidade: a atuação ininterrupta das tradicionais orquestras Lira Sanjoanense e Ribeiro Bastos, que até hoje abrilhantam as festas religiosas da cidade. (...)
No arquivo da Orquestra Lira Sanjoanense, encontramos cerca de vinte e seis composições de Solo ao Pregador; e no da Orquestra Ribeiro Bastos, seis obras catalogadas. Dessas composições, chama a atenção o fato de que treze são de autoria do compositor são-joanense José Maria Xavier (1819-1887).”

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

Parabéns por trazer essa iniciativa e esse magnífico trabalho, acompanhados pelo seu conteúdo explicativo. Infelizmente não consegui localizar a referida composição nos vídeos lançados pelo "Vocalis Barroco".
Cumprimentos,
Cupertino