domingo, 3 de dezembro de 2017

AOS 304 ANOS DA ELEVAÇÃO À VILA DE SÃO JOÃO DEL-REI


Por Francisco José dos Santos Braga




Senhor José Cláudio Henriques
M.D. Presidente do IHG de São João del-Rei,


Permita-me quebrar o protocolo, abdicando de meu dever de Mestre de Cerimônias para assumir minha condição de confrade por alguns instantes, pois necessito que Vossa Senhoria me conceda a palavra para fazer algumas considerações sobre a nossa cidade como simples cidadão, visando conscientizar os novos confrades de nossas urgentes e ingentes preocupações.


Fiquei ausente de minha terra natal por praticamente 40 anos, tendo-a deixado em 1971. Passei por São Paulo (capital), Brasília, São Paulo, Americana, Curitiba, São Paulo, Porto Velho e Brasília e, após essa minha errância, reencontrei definitivamente minha terra natal em 2011, qual Ulisses retornando a Ítaca. Posso dizer, com conhecimento de causa, que São João del-Rei é uma cidade diferenciada em relação a todas as cidades que conheço, quer na minha condição de residente quer na de turista. Há cerca de 15 dias atrás, ouvindo a Rádio Itatiaia, soube que São João del-Rei tinha sido agraciada com o título de cidade mais hospitaleira do Brasil. De fato, nossa cidade acaba de conquistar o 1º lugar no “ranking” dos destinos mais hospitaleiros do Brasil, divulgado pelo site AirBNB, plataforma que pesquisa lares no mundo. Segundo o site, nossa cidade se destaca por fazer parte de um circuito histórico que estampa muito charme com os casarios, templos e museus, formando um cenário carregado de cultura que traz à tona lembranças do Brasil Colônia. Acolhe tão bem seus visitantes a ponto de ser acusada pelos próprios são-joanenses, ao verem a rápida prosperidade dos forasteiros, de ser ótima madrasta, mas péssima mãe. Prefiro considerar filhos adotivos os que não são naturais da terra. De fato, São João del-Rei tem a qualidade de acolher bem a todos, tanto os seus filhos quanto os filhos adotivos.


Aqui se transpiram cultura e arte. Em 08/04/1941 Lincoln de Souza cunhou a inédita expressão “Cidade dos Sinos”, identificadora da cidade de São João del-Rei. Outra expressão conhecida é “Cidade da Música”. [GUERRA, 1968: 15-6, apud ALMEIDA, Samuel Soares] considera que “comprovadamente o registro musical tem seu início no ano de 1717, quando o maestro Antônio do Carmo liderou uma banda de música no tôpo do Bonfim, por motivo da chegada a então Vila de São João del-Rei do governador D. Pedro de Almeida, o conde de Assumar.” Além disso, o epíteto provavelmente provenha de suas duas orquestras centenárias (Lira Sanjoanense, fundada pelo Mestre José Joaquim de Miranda, e Ribeiro Bastos, fundada por Mestre Francisco José das Chagas), sendo a primeira, de 1776, a mais antiga das Américas, e a segunda de 1840. Antonil, muito antes, tinha dito que esse era um lugar muito alegre e capaz de se fazer nele morada estável. Já o epíteto “mui nobre e leal Villa de Dom João V" lhe foi concedido por mérito, por ter socorrido, com galharda expedição, o governador Antônio de Albuquerque, para expulsão dos franceses de Duguay-Trouin do Rio de Janeiro, em 1711, e por ter-se prontificado a socorrer o Conde de Assumar, por ocasião da sedição de Vila Rica, em 1720. José Bonifácio a chamou de “briosa e fiel”, por sua participação na causa da Independência. A certa altura de sua história passou a ser chamada de “Princesa do Oeste”, título também disputado por cidades que nasceram em tempos mais recentes. 


Especialmente para os historiadores, esta cidade é um manancial permanente de inspiração para o desenvolvimento de pesquisas e trabalhos acadêmicos. Além do arquivo das já citadas Orquestras Centenárias, encontram-se à disposição dos pesquisadores os arquivos do IPHAN (testamentos, inventários e outros); da Biblioteca Municipal, que há três meses atrás completou 190 anos de custódia de um acervo monumental, formado pelos livros de atas do Senado da Câmara e pelas bibliotecas de Batista Caetano de Almeida, José de Resende Costa (filho) e outros; também pelos acervos mantidos pelo IHG e pela Academia de Letras; pelo arquivo eclesiástico da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar (livros de batizados, casamentos e óbitos, principalmente); pela Biblioteca Otto Lara Resende da UFSJ em três “campi” são-joanenses, que comporta o maior acervo teatral de São João del-Rei, que pertenceu ao Clube Teatral Artur Azevedo, que também abriga desde setembro de 2006 o acervo musical do compositor Koellreutter, líder do movimento Música Viva no Brasil em 1938, bem como, finalmente, incorpora desde maio de 2012 o acervo do CEREM-Centro de Referência Musicológica José Maria Neves.


Prezados novos confrades que tomam posse nesta data de 3 de dezembro de 2017,


Quero trazer a seu conhecimento um fato que nos incomoda muito e nos interessa particularmente. Refiro-me ao sumiço de Livros de Atas do Senado da Câmara que são, em parte, supridos por informações de historiadores que tiveram acesso a esses livros, estranhamente. De acordo com a Convenção da UNESCO em 1966, há ilicitude na venda dos bens culturais. Constata-se que há um movimento de repatriação dos bens culturais em todo o mundo, sob a alegação de que a Convenção precisa ser cumprida.



Vou procurar ser específico. 


O primeiro exemplo 

Lê-se no livro Et Caetera, de Antônio Gaio Sobrinho, no capítulo “Três Momentos da História de São João del-Rei”, pp. 68-69:

“A criação da Vila de São João del-Rei se deu em 8 de dezembro de 1713, com o seguinte Auto de Levantamento, que, aqui, transcrevo literal e fielmente da primeira edição das Ephemerides Mineiras de José Pedro Xavier da Veiga, editadas pela Imprensa Official do Estado de Minas, em Ouro Preto, no ano de 1897. Diz o importante documento:

"Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil sete centos e treze annos, aos oito dias do mez de Dezembro do dito anno neste Arraial do Rio das Mortes, aonde veio por ordem de Sua Magestade, que Deus Guarde, Dom Braz Balthazar da Silveira mestre de campo general dos seus exercitos, governador e Cappitão General da Cidade de S. Paulo, e Minas, para effeito de Levantar Villa o dito Arraial; e logo em virtude da dita Ordem, que ao pé deste Auto vae registrada, o criou em Villa com todas as solemnidades necessarias, levantando o Pelourinho no lugar, que escolheu para a dita Villa a contento, e com approvação dos moradores della, a saber na Xapada do morro que fica da outra parte do corrego para a parte do Nascente do dito Arraial, por ser o citio mais capaz e conveniente para se continuar a dita Villa, a qual elle dito Mestre de Campo General  e Governador e Capitão General appellidou com o nome de São João d’El Rey, e mandou que com este titulo fosse de todos nomiado em memoria do nome de El’Rey Nosso Senhor por ser a primeira Villa que nestas Minas elle dito Governador e Cappitão General levanta assistindo a esta nova erécção o Dezembargador Gonçalo de Freitas Baracho, como Menistro do dito Senhor que se acha Ouvidor Geral desta dita Villa, como tão bem assistio toda a nobreza, e Povo della, e se levantou com effeito o dito Pelourinho, e ouve elle dito Governador e Capitão General por erecta a dita Villa, creando nella os Officiais necessarios, assim de Milicias, como de Justiça conducentes ao bom regimen della, e mandou se procedesse a elleição de pelouros para os Officiaes  da Camara na forma da Ley, e de tudo mandou fazer este Auto que assignou com o dito Dezembargador, Ouvidor Geral, e eu Miguel Machado de Avelar Escrivão da Ouvidoria Geral que o escrevy. Dom Bras de Balthazar da Silveira // Gonçalo de Freitas Baracho."  



Vale a pena, informar que Xavier da Veiga esclarece que se trata de reproducção litteral de documento official, existente no Arcchivo Publico do Estado. Segundo José Álvares de Oliveira, que, em 1750, publicou sua História do Distrito do Rio das Mortes, esse Auto de Levantamento se acha lavrado no livro primeiro do registro da dita Câmara a folhas trinta e sete. Infelizmente esse livro desapareceu dos arquivos locais. Estaria ele recolhido no Arquivo Público Mineiro (donde Xavier da Veiga transcreveu nas Ephemerides Mineiras)? Se sim, não seria o caso de reavê-lo para esta cidade?” 

O segundo exemplo


Em 06/03/1838 houve a elevação de S. João del-Rei à categoria de Cidade, por força da Lei Provincial nº 93, de 6-3-1838.  É lamentável que o Livro de Atas do Senado da Câmara, que cobre o período de 1835 a 1839, se encontre desaparecido dos arquivos locais, razão por que não se pode saber como se passaram, em 1838, as solenidades em vista da promoção. Também não adianta recorrer ao Astro de Minas, pois ele nada reportou.

O terceiro exemplo


Encontra-se de posse da Biblioteca Nacional o Livro de Assentos de Batizados da Freguesia de N. Sra. do Pilar da Vila de São João del-Rei (1742-1749), adquirido de um genealogista são-joanense em 1938. Esse livro contém não só o registro do batismo do Tiradentes (em 12 de novembro de 1746), mas também de seus irmãos, além de Bárbara Eliodora e de muitos povoadores e fundadores da Vila de São João del-Rei. No ofício de 1º de novembro de 2006 do Presidente da Academia de Letras de São João del-Rei ao Presidente da Biblioteca Nacional, Sr. Muniz Sodré, o pedido de repatriação do referido livro eclesiástico foi rechaçado. Em resposta, detalhes da operação foram fornecidos em ofício de 28 de fevereiro de 2008, alegando que a Biblioteca Nacional estava impossibilitada de “alienar patrimônio público”, bem como “doar” o que fora comprado em dezembro de 1938  por 6 mil contos de réis. Na realidade, o Presidente da Biblioteca Nacional estava utilizando um eufemismo, pois na realidade a aquisição do livro representava uma receptação indigna para com o povo são-joanense, por se tratar de um bem público. Assim sendo, evidenciou-se na posse desse livro eclesiástico uma apropriação indébita por parte da Biblioteca Nacional, salvo melhor juízo.