quinta-feira, 14 de março de 2019

O JORNALISMO SANJOANNENSE NOS FINS DO SECULO XIX


Por Basílio de Magalhães

DD. Patrono do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei




Para commemorar a maioridade legal a que atingiu “A Tribuna”, folha volante na qual puz muito do meu espirito e do meu coração, seja-me licito recordar (o que é tão grato aos velhos) algumas personalidades notaveis do jornalismo sanjoannense da “quadra azul” da minha mocidade.

A Antonio de Castro Moreira
que dirigia a “Gazeta Mineira”, editada então nos baixos do sobrado da Rua Direita, onde mora actualmente a distincta familia Ferreira, devi o aprender a arte typographica, que elle me ensinou com paciente carinho, dos ultimos mezes de 1888 a começos de 1889. No dito orgam conservador scintillavam então as penas dos drs. João Salustiano Moreira Mourão e Francisco de Paula Moreira Mourão (depois Francisco Mourão Senior), sendo firmadas com o pseudonymo de “D. Jasmim” as chronicas do primeiro desses illustres sanjoannenses.

A esse tempo, já eu frequentava as aulas de humanidades do Externato, onde tive por mestres, em 1887 e 1888, a Antonio Rodrigues de Mello, Manuel Jorge Rodrigues, Severiano de Resende, dr. Balbino da Cunha, João Baptista Maciel e João Baptista Sampaio. Mas, no ultimo dos citados annos, foi nomeado professor de inglez Sebastião Rodrigues Sette e Camara, a quem devo a verdadeira formação e o sentido definitivo da minha actividade intellectual. Si Antonio Rodrigues de Mello foi o professor austero e amigo devotado,
que me guiou os primeiros passos no curso propedeutico, Sebastião Sette foi o apostolo convincente, que me arrancou do fetichismo dos principios monarchicos para a positividade do ideal republicano.

Não me esquecerei nunca do sorriso, tão bondoso quanto ironico, de Antonio de Castro Moreira, quando delle me despedi, alegando incompatibilidade politica, para mourejar nas officinas da “Patria Mineira”, o primeiro periodico republicano surto em São João del-Rey, sob a direcção de Sebastião Sette, e instalado no primeiro andar do sobrado, substituido recentemente pelo arranha-céus Lombardi, onde hoje funcciona o hotel Macedo.

Sebastião Sette era um nephelibata em politica. O seu formoso e culto espirito pairava sempre nas maximas alturas. Das viagens que realizara pelo velho mundo e pela America do Norte, trouxera uma alma nova, nimbada de alcandoradas aspirações. Sonhava para o Brasil todos os requintes da civilização e da cultura. Desinteressado, como foi, na grande, tenaz e limpida peleja democratica pela abolição e pela republica, o seu unico premio foi a realização daqueles magnos objectivos.

Sob a sua chefia e ao lado do indeslembravel Altivo Sette, trabalhei como typographo e auxiliar de redação na “Patria Mineira”, e guardo, com o mais comovido reconhecimento, a collecção da folha, que Sebastião Sette me ofereceu, com palavras que considero a verdadeira condecoração espiritual da minha adolescencia.

Poeta e prosador de linguagem castiça e elegante, conhecendo bem as obras-primas da literatura universal, formou Sebastião Sette em São João del-Rey um verdadeiro cenaculo, em que vi e ouvi muitas vezes a Modesto de Paiva, Manoel Jorge Rodrigues, João Netto, Paulo Teixeira, João de Magalhães, Fausto Mourão, João Baptista Gonzaga e outros, que se votavam então ao culto das Musas.

Alem delles, brilhavam, a esse tempo, nas letras sanjoannenses, dois jovens talentos de primeira grandeza: José Severiano de Resende, fallecido não ha muito em Paris; e João Martins de Carvalho Mourão, hoje insigne ministro da Suprema Côrte. Si este, que em São Paulo e ahi deu à estampa lindos versos, houvesse seguido a sua vocação esthetica, rivalizaria, sem duvida, a tal aspecto, com o consagrado autor dos primorosos “Painéis zoologicos”.

Ao tempo em que culminava, por todo o Brasil, a atrevida refrega intellectual para derribar o throno bragantino,
publicavam-se ahi tres orgams politicos: a “Gazeta Mineira”, pertencente aos Moreiras e Mourões, a que já fiz referencia e que obedecia à orientação conservadora de dois deputados geraes, os drs. Aureliano Martins de Carvalho Mourão e José Martins de Carvalho Mourão, aquelle advogado e este medico, ambos de assignalado prestigio na Princeza do Oeste; o “Arauto de Minas”, dirigido por Severiano Nunes Cardoso de Resende, e em cujas columnas fulgiam os formosos talentos de José Severiano de Resende e Carlos Sanzio de Avellar Brotéro, este ultimo um dos mais pertinazes e ousados batalhadores da politica sanjoannense; e, finalmente, a “Patria Mineira”, na qual, em começo, collaboravam assiduamente o padre Camillo de Britto, Paulo Teixeira e outros, e, mais tarde, isto é, após o advento da Republica, Francisco de Paula Pinheiro, e o dr. Affonso de Azevedo, bem como duas illustres senhoras, cujos nomes declino com a mais sincera veneração, dd. Marieta Rocha e Elisa Lemos, desta depois Elisa Lemos Sette, segunda esposa de Sebastião Sette, e cuja digna prole honra a memoria de ambos.

Devo, agora, dizer algo de dois ephemeros hebdomadarios, a um dos quaes ficou vinculado o meu nome.

Primeiro foi a excellente revista “O Domingo”, fundada ahi por Manuel Jorge Rodrigues, poeta e professor de francez (era espirito-santense), a cujo lado se enfileiraram muitos escriptores de escól, tambem conversados das musas: Modesto de Paiva, Carlos Sanzio, João Netto e José Braga, este natural de Juiz de Fóra e que ahi esteve alguns annos, indo morrer em São Paulo por volta de 1898, depois de publicar um excellente livro de prosa. João Netto (não sei si carioca ou espirito-santense) fazia chromos não inferiores aos de B. Lopes; ainda me lembro do começo do com que traçou o perfil da formosa Yayá Banhos: 
“Em seu rosto amorenado,
um nariz grego se ajeita...”
 
O outro foi “A Locomotiva”, fundada por Altivo Sette e por mim, pois era composta e impressa por nós dois nas officinas da “Patria Mineira”. Saía aos domingos e durou pouco mais de um anno; além de versos e prosa de ficção, tambem encerrava assacadilhas, por vezes bem fortes, aos nossos adversarios politicos, isto é, aos Mourões, da “Gazeta Mineira”, e aos Resendes do “Arauto de Minas”. Na “Locomotiva” fez o seu tirocinio jornalistico Sertorio de Castro, cujo nome ainda fulgura na grande imprensa do paiz.

Si a geração de agora, que ahi terça as pequenas armas de longo alcance, inventadas por Guttenberg, lesse as collecções dos orgams de combate politico que acima citei, Patria Mineira”, “Gazeta Mineira” e “Arauto de Minas”, veria que os nossos maiores daquelle tempo, pela cultura, pela nobreza dos ideaes e pela bravura com que se degladiavam, foram fidalgos expoentes da bella terra, cujos excelsos destinos defenderam.

Eu, que tive a fortuna de assistir-lhes aos incruentos recontros e de receber-lhes os proficuos ensinamentos, ora lhes relembro e bem-digo a nobre actividade intellectual ou, melhor, a sua “luta de gigantes”.

Sejamos dignos delles, a bem das altanadas tradições de civilização e de cultura de São João del-Rey.

 
Lambary, 3-IV-935

 
Fonte: A TRIBUNA, Anno XXI, S. João del-Rey, 7 de abril de 1935, nº 1.268. 

 














8 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Após ter publicado meu artigo "Biobibliografia de Basílio de Magalhães", pensei em publicar um texto do jornalista Basílio de Magalhães, que pudesse ser, a um só tempo, um resumo de uma aula sobre o jornalismo são-joanense em fins do século XIX e as memórias do jornalista novato que ele foi, frequentando as redações de dois dos principais periódicos da época (conservador Gazeta Mineira e republicano Pátria Mineira) e fundando, em companhia de Altivo Sette, A Locomotiva (1890), que "durou pouco mais de um anno".

Para comemorar a maioridade do jornal A TRIBUNA (21 anos de circulação), Basílio escreve este artigo de abril de 1935 e relembra o que representaram aqueles "orgams de combate politico", palco da "nobre actividade intellectual" ou da "sua luta de gigantes", que é como ele chama o jornalismo autêntico daqueles tempos. Aí desfila o pessoal das redações dos principais órgãos da imprensa são-joanense, cuja competente avaliação ele faz.

https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2019/03/o-jornalismo-sanjoannense-nos-fins-do.html

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e membro da Academia Divinopolitana de Letras, onde é Presidente) disse...

Grato pelo envio das matérias. Abraço amigo, extensivo à esposa. Fernando Teixeira

Paulo Sousa Lima disse...

Prezado Francisco Braga. Parabéns pela excelente matéria que mostra uma profícua faceta desse homem público que foi Basílio de Magalhães, e, por isso, patrono maior do IHG-SJDR.

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador do TJMG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

BOA SEQUÊNCIA.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga.
Sua publicação é um "resgate histórico" que lança uma vez mais interesse sobre a biografia de Magalhães, assim como sobre o caráter da Imprensa sanjoannense ao longo do tempo. Excelente iniciativa!
Cumprimentos.

Paulo Roberto Sousa Lima (escritor, gestor cultural e presidente eleito do IHG de São João del-Rei para o triênio 2018-2020) disse...

Parabéns pela divulgação no Blog da excelente matéria jornalística do Basílio de Magalhães, patrono maior do IHG-SJDR.

João Paulo Guimarães (jornalista que dá notícias diárias sobre a história, a política e a cultura de São João del-Rei e Região através de sua TV DelRei) disse...

E o jornalismo contemporâneo?

João Pinto de Oliveira (presidente do Sicoob Credivertentes, membro correspondente do Instituto Histórico e Geográfico e membro efetivo da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro amigo e confrade Prof. Braga

Grato pela remessa/encaminhamento do texto de Basilio de Magalhães sobre
o jornalismo em São João Del-Rei (final do século XIX).

Att.

João