sábado, 8 de julho de 2023

AFONSO ARINOS E O BURITI PERDIDO


Por Danilo Gomes

Praça do Buriti em Brasília - Crédito pela foto: Flickr/Francisco Aragao


Como outros treze colegas, tive a oportunidade de participar do II Encontro de Escritores em Arinos, coordenado pelo poeta e prosador Napoleão Valadares, autor de vários livros, entre eles “História de Arinos”. 
 
O dia 19 de maio foi fecundo e fez da cidade de Arinos, MG um tempo de amor à literatura. O evento literário contou com o apoio do prefeito Marcílio Almeida. Auditório lotado, numerosos estudantes e professores. Tivemos a presença do escritor Fabio de Sousa Coutinho, presidente da Associação Nacional de Escritores-ANE e da Academia Brasiliense de Letras. Além deste amanuense, foram palestrantes os escritores Edmílson Caminha, Marcelo Perrone Campos e Xiko Mendes. Coube-me falar sobre “Afonso Arinos e o sertão”. 
 
O nome de Arinos figura na geografia de Minas Gerais desde 30 de dezembro de 1962. O escritor que dá nome à cidade é uma das figuras mais importantes da literatura brasileira. Sua obra foi estudada e aplaudida por grandes críticos literários e historiadores da literatura, como José Veríssimo, Afrânio Coutinho, J. Galante de Sousa, Lúcia Miguel Pereira, Mário de Alencar (filho de José de Alencar), Assis Brasil, Alceu Amoroso Lima, Bernardo Élis e outros. 
 
Nascido em Paracatu, MG, em 1º de maio de 1868, Afonso Arinos de Melo Franco morou com os pais em Pirenópolis, estudou em São João del-Rei e em Goiás Velho (então Villa Boa de Goyaz). Formou-se em Direito em São Paulo, onde se casou com Antonieta Prado. 
 
Desde moço, colaborou na imprensa de Minas, Rio e São Paulo. Fez sua primeira viagem à Europa em 1896. Morou na Paris da ‘belle-époque’ de Marcel Proust. Vinha sempre ao Brasil, em busca do seu amado sertão natal. Deu aulas em Ouro Preto. Era um homem muito culto, de educação refinada, com uma legião de amigos. 
 
Em 1898 suas histórias sertanejas são publicadas no seu livro mais famoso, “Pelo sertão”. Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa escreveram, na sua “Enciclopédia de Literatura Brasileira”: 
“Na busca da temática brasileira, ao lado dos ciclos do indianismo, do sertanismo, do caboclismo, do cangaço, Afonso Arinos introduziu na ficção o ambiente inóspito e selvático do planalto central. Sua técnica foi a do Realismo, caracterizando-se pela fidelidade e verossimilhança, sem qualquer tendência a estilizar e a fantasiar. Homens, costumes, paisagens do sertão são retratados fotograficamente, com muita segurança e num estilo próprio, destacando-se ainda a reprodução da fala coloquial típica. (…) Em sua obra, é o próprio sertão, é a própria alma sertaneja que se retratam, com a psicologia típica do homem local.
Mais adiante, prosseguem os autores: 
“Seu regionalismo é fruto de profunda vivência , acumulada na sua alma desde a infância, num contato com o meio, as matas, as serras, a paisagem, o homem, os costumes. Apesar das viagens, Afonso Arinos manteve as raízes presas ao meio sertanejo nativo e soube ajustar as figuras humanas e as forças naturais. E assim, graças a essa base telúrica, à miragem de todo grande criador, alçou-se com sua obra de contista ao primeiro plano na literatura nacional.
Além de “Pelo Sertão”, Afonso Arinos publicou os livros “Notas do dia”, “O contratador de diamantes”, “A unidade da pátria”, “Lendas e tradições brasileiras”, “O mestre de campo”, “Histórias e paisagens”. Resultou inacabado o livro “Ouro ! Ouro !” 
 
Homem afável, um cavalheiro leal e impecável, tinha Afonso Arinos, na legião de seus amigos, o poeta e cronista Olavo Bilac. Conviveram em tertúlias de camaradagem no Rio de Janeiro. Durante a ditadura de Floriano Peixoto, Bilac teve que deixar seu Rio para escapar da prisão (como tantos outros). Foi parar em Ouro Preto. A história é contada no livro “Crônicas e novelas - 1893-1894”, publicado pela Editora Liberdade, de Ouro Preto, dirigida pelos professores universitários e escritores M. Francelina Silami Ibrahim Drummond e Arnaldo Fortes Drummond. Esse livro conta com primoroso aparato editorial para as saborosas crônicas e novelas de Olavo Bilac. Quando Afonso Arinos entrou para a Academia Brasileira de Letras, em 1901, quem o recebeu foi Olavo Bilac. 
 

 
A página mais famosa de Afonso Arinos intitula-se “Buriti perdido”, que releio com frequência. É um antológico conto, com cara de crônica. O buriti perdido, aquela velha palmeira solitária; uns dizem que situada em Paracatu; outros, como Bernardo Élis, que situada em Corumbá de Goiás. 
 
Afonso Arinos escreveu que esse buriti perdido, “cantor mudo da natureza virgem dos sertões”, estaria, um dia, numa “larga praça”. Palavras proféticas, premonitórias, de um brasileiro que viveria apenas 48 anos. Com efeito, hoje temos na nossa querida Brasília, fundada pelo diamantinense Juscelino Kubitschek de Oliveira, uma Praça do Buriti, onde se situa o Palácio do Buriti, sede do Governo do Distrito Federal. 
 
O amigo escritor Silvestre Gorgulho me conta a história do plantio da palmeira na Praça do Buriti. Silvestre Gorgulho foi secretário de Comunicação do governador José Aparecido de Oliveira, que cuidou do tombamento da emblemática “palmeira solitária” no jardim externo do Palácio do Buriti. Foi no dia 30 de maio de 1985, presente à cerimônia o sobrinho de Afonso Arinos, o também escritor e político Afonso Arinos de Melo Franco Sobrinho, membro da Academia Brasileira de Letras. Afonso Arinos de Melo Franco Sobrinho foi também membro da Academia Mineira de Letras, na época do presidente Vivaldi Moreira, pai do escritor Pedro Rogério Moreira. 
 
Assim, aquele buriti que uniu e vinculou mais ainda o sertão à nova capital do Brasil foi, graças a José Aparecido de Oliveira, tombado pelo IPHAN. Estava realizada, em pleno Eixo Monumental de Brasília, a intuição profética e poética de Afonso Arinos. O imponente buriti perdido se encontrou, lá na Praça do Buriti, com sua sóbria e singela beleza. A encantadora página de Afonso Arinos é reescrita ao vivo e a cores para o olhar atento de brasilienses e turistas. Um simbolismo capital para nossa Brasília, coração do Sertão.

11 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
O Blog de São João del-Rei, que gerencio desde 2009, tem enorme prazer de hospedar crônicas saborosas como as da lavra do marianense DANILO GOMES. Com esta página mais recente, intitulada AFONSO ARINOS E O BURITI PERDIDO, ele brinda os seus leitores com mais esta bela participação.
Relembro sua predileção pela crônica como gênero literário que ele confessou em certa ocasião, em relação ao jornalismo, sua atividade por assim dizer paralela: 
"O jornalista, quando escreve apenas como escritor, como criador de um texto literário, tem que buscar o melhor, ter estilo, elegância, uma pitada de humor, outra de lirismo, outra até de indignação e protesto – se for o caso. [...] Mas o que gosto mesmo de escrever é crônica. Gênero ou espécie, a crônica é meu território de lirismo, de humor, de protesto, de política. Sou, visceralmente, um cronista. [...] "

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2023/07/afonso-arinos-e-o-buriti-perdido.html  👈

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Ernane Reis Gonçalves disse...

Meu Deus, revi, reli, relembrei, com emoção, os buritis de Rosa e de Palmério, as veredas de Minas e de Goiás. Minha manhã fria deste sábado hibernal povoou-se de poesia e encanto. Obrigado, confrade Braga, pela buritizada maravilhosa!

Pedro Rogério Moreira (jornalista, cronista e memorialista brasileiro) disse...

Cronista de mancheia, o Danilo Gomes!

João Carlos Ramos (poeta, escritor, membro e ex-presidente da Academia Divinopolitana de Letras e sócio correspondente da Academia de Letras de São João del-Rei e da Academia Lavrense de Letras) disse...

Parabéns!

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (professor universitário, desembargador, ex-presidente do TRE/MG, escritor e membro do IHG e da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Bela linhagem, os Melo Franco.
Abs

João Alvécio Sossai (escritor, autor de "Um homem chamado Ângelo e outras histórias, ex-salesiano da Faculdade Dom Bosco e ex-professor da UFES (1986-1996)) disse...

Obrigado Francisco. Mais uma história interessante. Quem diria, o buriti foi o personagem central.

Lúcio Flávio Baioneta (autor do livro "De banqueiro a carvoeiro", conferencista e proprietário da Análise Comercial Ltda em Belo Horizonte) disse...

FJSBraga, você sabe porque as folhas dos buritis balançam tanto? Não sabe? Balançam porque elas estão beijando o vento que vem das veredas a perder de vista....lá dos Gerais. Parabéns pela excelente publicação sobre o Buriti Solitário... Abs do Lúcio Flávio.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro prof. Braga;

Linda crônica ! Feliz vinculação na homenagem a Afonso Arinos !
Agradecido pela oportunidade da sua leitura.
Saudações!
Cupertino

Danilo Gomes (escritor, jornalista e cronista, membro das Academias Mineira de Letras e Brasiliense de Letras) disse...

Meu estimado amigo e confrade Francisco Braga, muito sensibilizado pelas suas palavras e pela honraria de participar de seu blog, como cronista, levo-lhe aqui meus agradecimentos. Muita bondade sua divulgar minha crônica sobre o grande Afonso Arinos ( dito O Velho, embora morresse tão novo ainda). Vários amigos já me deram sinal de que leram "meu Arinos e seu buriti perdido" ) no seu blog tão apreciado. De São João del-Rei para o mundo afora. Muito grato, mestre Braga.
Aqui, sempre às ordens seu velho admirador e confrade Danilo Gomes.

Geraldo Reis (poeta, membro da Academia Marianense de Letras e gerente do Blog O Ser Sensível) disse...

Nosso amigo comum, Danilo Gomes é insuperável tanto na crônica quanto na poesia. É um mestre, sob todos os aspectos. Sem dúvida, um de nossos mais brilhantes e mais cultos representantes. Orgulho de Minas!

Maria Antonieta Antunes Cunha (escritora, membro da Academia Mineira de Letras e autora de Literatura Infantil: Teoria e Prática) disse...

Também gostei muito da crônica do Danilo. Belíssima!