terça-feira, 2 de julho de 2024

O QUARTETO XIV Op. 131 DE BEETHOVEN


Por Raul Briquet
Palestra constante do livro PALESTRAS E CONFERÊNCIAS por Raul Briquet, São Paulo: Editora Atlas S/A, 1944, pp. 88-111
“Muito louvável o propósito do Departamento de Cultura Geral da Associação Paulista de Medicina de concorrer para a divulgação da boa música. E como esta é palestra de médico, para colegas e convidados ilustres, não nos furtamos a preceder a audição do Quarteto Op. 131, de Beethoven, de algumas despretensiosas notas explicativas.”
A música de Beethoven é uma ascensão contínua para a perfeição estética, para a abstração suprema, para a glória, enfim. No seu desenvolvimento espiritual e artístico, Beethoven revela a unidade orgânica em constante sublimação. 
Desde Lenz (1852), têm-se distinguido três períodos na obra do maior gênio da música, designados por D'Indy: de imitação, até 1801; de transição, até 1815; e de reflexão, até 1826. Neste último período, Beethoven abandona as tradições técnicas e transfere a sua concepção grandiosa da vida para formas renovadas da arte musical. Depois da sonata Op. 111, sua principal produção pianística, da IXª Sinfonia, e da Missa Solene, escolheu o quarteto de cordas cuja inexcedível pureza de sons e harmonia melhor lhe permitiam expressar a magnificência de subjetividade. 
Beethoven é o símbolo da luta perene contra o destino e o infortúnio; o vir impavidus ante a demolição dos sonhos de ventura familiar e social. Não compreendia nem era compreendido. Preferia os rigores da sorte à subsistência assegurada. Quanto mais padecia, mais se alcandorava. Os obstáculos, as doenças, os agravos exaltavam-lhe a inspiração e a atividade. 
A música da sua fase derradeira, e, em particular, os últimos quartetos (Op. 127 a 135), ressumbram o travo da alma resignada ou revôlta, sempre torturada e sobreposta ao convencionalismo. 
A posse do Belo absoluto e a sua expressão sonora conquistou-as na coragem de todos os dias e de todas as horas. Nos seus livros de esboços, repletos de retoques e emendas, evidencia-se quanto lhe custava alcançar a perfeição; contam-se, p. ex., para o final da Nona Sinfonia, nada menos de duzentos esboços. 
Tinha exaltada a auto-crítica, dispensando, por isso mesmo, o juízo alheio. Surdo e isolado do mundo, redobrava de esforços para fazer a música intérprete do seu modo de sentir a vida humana. Compensava a influência exterior pela originalidade criadora. 
A música bethoveniana não transmite impressões, senão o estado de alma que delas resulta. Compenetrara-se de que o heroísmo está em triunfar do sofrimento, certo de que, após o cálice da amargura, vem o dia da ressurreição. Assim, na Sinfonia Heróica, depois do movimento da Marcha Fúnebre, situa o Scherzo, onde resplandece de novo a alegria de viver.
 
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Compôs dezesseis quartetos de corda, que se distribuem em três grupos: a) o primeiro abrange os seis publicados em 1801 que formam o Op. 18 (1 a 6); b) o segundo compreende os publicados de 1809 a 1810, a saber, Op. 59 (1806) (1, 2 e 3), Op. 74 e Op. 95 (1809-10), ocupando, este último, pela estrutura, uma posição intermédia entre o primeiro e o terceiro grupo; c) o terceiro é representado pelos Op. 127, 130, 131, 132, 133 e 135 (1824-1826). Já com o Op. 18, Beethoven prefere contrastes marcados, maior vigor de colorido, e frases pequenas que têm melhor realce a cada um dos instrumentos. Nos quartetos do segundo grupo, denominados Conde Razumovsky, pressente-se a proporção sinfônica que irá culminar nos do terceiro ¹. Nestes, o gênio liberta-se das formas convencionais sempre que lhe tolhem a expressão. 
Foi o primeiro a usar arpejos pizzicatos, executados sucessivamente pelos instrumentos, donde o epíteto de quarteto Harpa por que, v.g., o Op. 74 também é conhecido. Além disso, escolhe para o violoncelo as notas mais altas por serem de menor ressonância. A viola, que, ao seu tempo, tinha poucos cultores, recebeu dele notável papel no conjunto das cordas ¹.
 
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O gênio de Beethoven sublima-se nos derradeiros quartetos, máxime nos Op. 131, 132 e 130. Chegara aos 56 anos de idade, quadra em que a experiência da vida alarga a compreensão das coisas, e adquirira elementos espirituais inteiramente novos para construir a síntese musical da vida 
Neles, Beethoven requinta-se na função estética da música que disciplina o ritmo e confere o equilíbrio, e, transcendendo a tragédia humana, ambienta o mundo para a paz e para a fraternidade. 
Os quartetos Op. 130, 132 e 131, ordenados pela data de elaboração, têm mútua afinidade. Foram compostos simultaneamente e possuem identidade de temas. Há movimentos que podem ser transferidos de um para outro, como a "Alla Danza Tedesca", do Op. 130, que, a princípio, se destinava ao Op. 132. Já não vigora a forma de sonata em quatro movimentos, senão em seis (Op. 130 e 131), e em cinco (Op. 132), se se considerar a Grande Fuga Op. 133, como parte integrante deste. 
Para comunicar o caráter universal da música, não lhe bastava a extensão da sonata; era mister forma mais ampla, proporcional ao seu ímpeto criador. 
Até o advento da arte bethoveniana, nota Parry, "o desenvolvimento musical, como em Mozart, obtinha-se por antítese ou oposição de tonalidades e os trechos se correlatavam pela justaposição ou reunião de passagens mais ou menos vazias". 
De modo geral, as modificações técnicas de Beethoven são de forma e de estrutura
a) Alguns dos derradeiros quartetos são compostos não em quatro movimentos mas em cinco (Op. 132), seis (Op. 130), e, até, sete (Op. 131), conforme Marliave. 
O primeiro movimento obedecia, até então, à forma clássica da sonata em três partes, a saber: 
1) exposição constituída de dois grupos de temas em tonalidades que contrastam, temas esses que se repetem para acentuar as principais ideias musicais; 
2) desenvolvimento representado por diferentes variações dos temas em diversas tonalidades; 
3) recapitulação, na qual os temas da exposição reaparecem na tonalidade original, que é a tônica, dando simetria ao movimento. O movimento pode começar com uma introdução lenta e terminar na coda ou conclusão com o desenvolvimento de um ou mais temas ². Beethoven suprime o duplo compasso no fim da exposição, que, portanto, não é repetido (Op. 131 e Op. 132); dá maior liberdade à recapitulação que parece mais o desenvolvimento contínuo de temas; alterar constantemente os tempos; no Op. 132, vinte vezes; no Op. 130, vinte e uma vezes, e no Op. 131, trinta e uma vezes. 
Empregava tonalidades que os seus antecessores não haviam utilizado. 
Nos últimos quartetos se encontram movimento em si bemol menor e sol sustenido menor, dois em ré bemol e dó sustenido menor, duas partes em sol bemol maior e uma em mi bemol menor ²
Sob o influxo de Bach e Haendel, socorre-se da fuga, mormente na sua última fase de composição. Vejam-se as derradeiras sonatas para piano, o primeiro movimento do quarteto Op. 132 e a Grande Fuga, Op. 133. 
Substituto do minueto, o scherzo beethoveniano não é formado de duas danças do tipo binário, reexecutando-se a primeira sem repetição, depois da segunda (Trio), consoante o clássico esquema A, B, A ². Libertador da forma musical, Beethoven foge à estereotipia criando novas repetições. 
Obtinha efeitos singulares pela justaposição de tonalidades imprevistas. Até o seu advento eram de regra todos os movimentos na mesma tonalidade, salvo o lento, que, em geral, se compunha na subdominante. O segundo grupo de temas de qualquer movimento se elaborava na dominante, donde o contraste entre tônica e dominante, ou tônica e subdominante. A despeito da praxe, Beethoven recorre à oposição forte entre a tônica e a tonalidade da terça maior ou menor, acima ou abaixo. No Op. 131, o segundo movimento tem uma tonalidade não prevista em ré maior e contam-se cinco diferentes em seis movimentos ²
b) Quanto à estrutura, salienta-se o igual valor dos componentes do quarteto. Dominava, em sua época, o violino, acompanhado pelos outros instrumentos. Esse o motivo por que não é fácil obter-se um conjunto equilibrado para os quartetos de Beethoven, sobretudo os últimos. Atente-se em que os mais afamados da atualidade se têm especializado em um ou outro dos três grupos de quartetos: o Coolidge, para o Op. 18; o Roth, para os Op. 59, 74 e 95; o Busch e o Budapest para os derradeiros. Convém realçar o merecimento do Quarteto Haydn (*), do Departamento de Cultura da Prefeitura, que, empenhadamente, se dedica à música de câmara entre nós. 
Pode-se resumir, com Marliave, a característica do quarteto beethoveniano: equivalência funcional dos quatro instrumentos, desenvolvimento extenso de temas em todos os aspectos; preparação mais do que resolução da frase melódica e grande variação para exprimir as cambiantes de emoção. 
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(*) Formado dos artistas Anselmo Zistopolsky, Amadeu Barbi, Gino Alfonsi e Calisto Corazza
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Beethoven considerava o Op. 131 o seu mais perfeito quarteto. Para Wagner, a audição dele dá-nos o ensejo de acompanhar um dia da vida espiritual do autor, e, ao seu ver, o Adágio é a página mais melancólica da literatura musical 
Vincent d'Indy, que lhe analisou pormenorizadamente os quartetos, considerava o Op. 131 como de concepção e forma absolutamente novas. Para Sullivan, é o mais abstrato dos seus quartetos, aquele em que a visão mística se mostra mais intensa, e, como unidade orgânica, a sua obra mais completa. 
Ao compor o Op. 131, reviveu os motivos dominantes da sua criação musical, anotando-lhe o caráter de zusammengestohlen aus verschiedenen diesem und jenem, com que quis significar o respigo de temas e variações. 
No Op. 131 e 132, o pensamento é encadeado de compasso a compasso. Ao ver de Marliave, é o desenvolvimento lógico e conciso da ideia beethoveniana por excelência, e para se seguir a linha melódica não se pode perder uma nota sequer. 
Observam-se, neste quarteto, como, aliás, nos outros, motivos-germes e motivos-fontes. Motivo-germe é a frase musical que reincide de modo mais ou menos velado em vários movimentos da mesma composição. Riemann acha que, nos temas principais do segundo e do último movimento, assim como na frase inicial deste último, o tema da fuga de abertura é repetido. Motivo-fonte é a frase que volta mais ou menos idêntica em composições diversas, donde solidariedade temática; seja exemplo o scherzo da sonata Op. 101, que lembra não só o final do Op. 131 como também a "alla Marcia assai vivace", do Op. 132 
Beethoven trabalhou concomitantemente em todos os movimentos deste quarteto, tido como o mais belo do ponto de vista da musicalidade. Nele, assinala Marliave, convergem as qualidades que coroam a sua obra; originalidade, liberdade de forma, e imaginação em cada compasso e em cada nota 
É Beethoven o mais nobre exemplo da soberania da atividade cortical sobre as funções nervosas. Privado dos estímulos auditivos, elabora com o material fixado pela memória antes da surdez periférica. A sua obra demonstra a faculdade seletiva e criadora do telencéfalo; é a apoteose, na música, da evolução biopsicológica. 
 
OP. 131 EM DÓ SUSTENIDO MENOR (*) 
 
Composto em 1826. Seis movimentos (**) que se executam sem interrupção (1521 compassos).  
 
Primeiro movimento (***), Adagio ma non troppo e molto expressivo. 121 compassos. Tempo 2/2. 
 
Ex. 1. O tema principal é dado, sucessivamente, pelo primeiro violino até o quinto compasso, pelo segundo (violino) até o nono (compasso), pela viola até o décimo terceiro e pelo violoncelo até o décimo sétimo. A entrada de cada instrumento é separada uma da outra pelo intervalo habitual de quatro compassos.
Ex. 1 - compassos (cps.) 1-17 - F. 1 (****)
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(*) O quarteto Haydn tocou primeiramente os temas e variações, passados em filme; depois, leram-se as considerações deste texto, e, por fim, executou-se integralmente a obra 
(**) Seguimos, aqui, a d'Indy que considera o movimento em onze compassos como simples introdução ao terceiro. 
(***) Este movimento é em fuga, composto, portanto, do tema ou antecedente, pelo primeiro violino; e resposta ou consequente, pelos demais, instrumentos, e do contra-tema, em contratempo, pelo primeiro violino. Os temas e respostas, nas variedades tonais e complexidade de contraponto, contituem, como é sabido, a exposição, intercalando-se, entre as exposições, episódios ou incidências sonoras, que, pela geral, só aparecem uma vez no movimento. 
(****) F. refere-se à face do disco de gravação.
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Compreende o tema dois motivos que se distinguem em ascendente, de tristeza (três primeiros compassos), e descendente, de resignação (quarto e quinto compassos). O primeiro alcança o clímax com o sforzato sobre a mínima pontuada lá, do terceiro compasso.
Ex. 2. O duplo motivo de tristeza e resignação avulta no decorrer da execução até explodir em dó sustenido do primeiro violino, no último compasso. O tema é reforçado pelo violoncelo em crescendo de semibreves e mínimas; lembra ao eminente mastro F. Franceschini o tema, em aumentação, de uma fuga de Bach em sol menor.
Ex. 2 - cps. 98-107 - F. 2
 
Ex. 3. Reproduzem-se aqui os dez últimos compassos do primeiro movimento. No segundo compasso culmina a melancolia com o acorde sforzato de si #-ré do violoncelo e do primeiro violino. Sendo dó natural a nota mais baixa do violoncelo, no inarmônica, correspondente ao si #, exprimiria quando é imaterializável o sentimento da mágoa profunda. Uma série de acordes na dominante sol, dó #, sol #, mi-dó #, sol #, se resolvem pianíssimos na tônica dó #. 
Ex. 3 - cps. 112-121
 
Segundo Movimento. Allegro morto vivace. Tempo 6/8. 198 compassos. 
 
Ex. 4. A elevação de meio tom, de dó sustenido, do primeiro movimento, para ré maior, do segundo, mostra que não deve haver pausa na execução. 
Dissipa-se a tristeza. O tema flui suavíssimo do primeiro violino, qual fio de luz. 
Ex. 4 - cps. 1-6 

 
Ex. 5. O segundo tema, também em ré maior, animado e gracioso, é maneira peculiar, diz Marliave, do último período da obra beethoveniana. 
Ex. 5 - cps. 24-27
 
Ex. 6. O segundo violino e a viola desenvolvem trechos desse tema a que imprimem energia crescente, até que, diminuindo, modulam em si menor. Esvai-se a alegria. O tema se dissolve, e, enquanto semínimas e mínimas pontuadas se fundem com as vozes superiores, o violoncelo soluça baixinho.
Ex. 6 - cps. 44-48

 
Ex. 7. O tema original volta em mi maior, modulado em lá maior; por tal forma o acento se modifica dentro da mesma figura rítmica, que parece novo tema . Os dois últimos compassos do exemplo terminam em acordes crescentes e fortes de ré-fá #, lá-sol; mi-sol-fá-lá #(antepenúltimo compasso); ré-fá #, lá-mi (último compasso). 
Ex. 7 - cps. 62-69
 
Passa-se agora ao allegro-moderato-adágio em onze compassos; o allegro prolonga-se até o sétimo, onde começa o adágio. Introdução ao terceiro movimento. 
 
Terceiro Movimento. Andante, ma non troppo. 277 compassos. Tempo 2/4 
Quase sempre, em tonalidade de lá maior, exceto no fim. O tema baseia-se em duas frases: a primeira, dos oito primeiros compassos, e a segunda, dos oito seguintes, em que o segundo violino retoma o tema em contraponto. 
Ex. 8. Delicadíssima melodia do primeiro violino, acolitado pelo segundo, ambos acompanhados, como em surdina, pelos pizzicatos do violoncelo.
Ex. 8 - cps. 1-24 - F. 3
 
Abençoada encarnação da inocência (Wagner), recorda o canto de Shelley: 
"My soul is an enchanted boat 
Which, like a sleeping swan, doth float 
Upon the silver waves of thy sweet singing;"... 
(ASIA, PROMETHEUS UNBOUND, Act II, sc. V, 237) 
 
Contam-se seis variações, conforme Marliave (*).
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(*) Nota o maestro F. Franceschini que d'Indy, em suas aulas, às quais assistiu em Paris, subdividia a última em duas variações. 
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Ex. 9. 1ª Variação. O primeiro violino modifica o ritmo e, no terceiro e quinto compassos, executa uma frase de semicolcheias cromáticas alternadas com os incisos de colcheias pontuadas nos demais instrumentos. 
Ex. 9 - cps. 32-38

 
Ex. 10. 2ª Variação. Più Mosso. Tempo comum. Serenidade bucólica realçada pelo pianíssimo. Sobre o ritmo abafado de tambor do segundo violino e da viola, o primeiro violino executa uma figura de colcheias (segundo compasso) a que responde o violoncelo (quarto compasso). 
Ex. 10 - cps. 65-69
Ex. 11. Executado uníssono por todos os instrumentos, este motivo produz efeito heróico, recurso frequente, comenta Marliave, nos últimos quartetos de Beethoven. Note-se o sforzato sobre o tempo fraco. As vozes, em seguida, se precipitam e morrem uma após outra  .
Ex. 11 - cps. 93-97 - F. 4
Ex. 12. 3ª Variação. Andante Moderado e lusinghiero (lisonjeiro). Tempo comum.
A vivacidade da variação anterior contrasta com a singeleza deste. É diálogo dentro do cânone, isto é, dentro das mesmas notas ou relações harmônicas, a princípio, do violoncelo e da viola, e, depois, de ambos os violinos. O trinado, no último compasso, cria a variação que segue .
Ex. 12 - cps. 98-105


Ex. 13. 4ª Variação. Adágio 6/8. 
Os instrumentos tocam em registro alto. A melodia, no primeiro violino, é rematada por pizzicatos do segundo violino com sforzatos do violoncelo. As quatro primeiras notas do motivo do primeiro violino (penúltimo compasso) servem de geratriz para as arcadas que vão seguir. 
Ex. 13 - cps. 130-133

 
Ex. 14. Balanço rítmico dos violinos, sublinhado pelos baixos.
Ex. 14 - cps. 142-146
 
Exprime admiravelmente os versos de Shelley: 
"My spirit like a charmed bark doth swim 
Upon the líquid waves of thy sweet singing, 
Far far away into the regions dim 
Of rapture..." (Op. cit. p. 537)
 
Ex. 15. 5ª Variação. Allegretto 2/4. 
Melodia com ressonância de órgão, cuja vibração se prolonga nas notas subsequentes e forma uma cadeia de células rítmicas com efeito de coral.
Ex. 15 - cps. 162-170 - F. 5

 
Ex. 16. 6ª Variação. Adagio ma non troppo e semplice (9/4) 
É o acme emotivo do movimento, de inefável vibração interior. O germe dessa variação está no tema inicial deste movimento (veja-se o Ex. 13). Ritmo com acentuação na quinta e oitava notas das figuras de semínimas. 
Ex. 16 - cps. 187-190

 
Ex. 17. O violoncelo repete, oitava acima, uma encantadora filigrana sonora até quase o fim do adágio. O violino responde duas vezes em eco.
Ex. 17 - cps. 195

 
Ex. 18. O adágio remata-se qual prece. O primeiro violino inicia sotto voce um recitativo que se avoluma e se ultima em trinado, si-dó #, dó natural, sob o qual se apagam as vozes inferiores em arpejos lentos do violoncelo, da viola e do segundo violino. 
Neste exemplo, ouve-se a última frase do primeiro violino terminada pelos primeiros compassos do trinado. 
Ex. 18 - cps. 226-230

 
Ex. 19. No desenvolver do movimento, o tema original reaparece em dó maior em estilo de dança campestre. Surge um arabesco de trinados do primeiro violino que acolita o tema do Allegretto (Ex. 15), executado pelo segundo violino e pela viola, na tonalidade de lá maior e acompanhado pelo violoncelo. Repete-se o trinado no primeiro violino, com movimento crescente de arpejos do violoncelo, em fusas e semifusas .
Ex. 19 - cps. 246-248

Quarto Movimento. Mi maior. Alla Breve, 498 compassos.
 
Ex. 20. Este Presto, scherzo em tempo ou ritmo duplo, é limpidíssimo desenho cintilante de graça formado da parte principal e de um alternativo, que se repetem e se completam pela volta da primeira parte e da coda. O sinal, que é forte, é dado pelo violoncelo seguido de uma pausa. Em alternâncias de pizzicatos e sforzatos, o primeiro violino executa o tema em oito compassos. Replicam-no o segundo violino e a viola. O violoncelo marca o acompanhamento e todos terminam na dominante dó # menor. 
Ex. 20 - cps. 1-10 - F. 7
 
Ex. 21. Repontam, agora, ecos em mi-si, introdutórios do alternativo piacevole, oitavado pelo primeiro e segundo violinos. O acompanhamento da viola e do violoncelo de semínimas, duas a duas, é uniforme. 
Ex. 21 - cps. 66-72
 
Ex. 22. O motivo piacevole é o mesmo que Beethoven vinte e oito anos antes compôs para o primeiro movimento do quarteto Op. 18, nº 2 (compassos 5 e 6). 
Ex. 22
 
Ex. 23. Por fim, o tema adquire, no primeiro violino, acentuado caráter jocoso, apoiado pelo violoncelo. Ex. 23 - cps. 141-144
 
Ex. 24. A repetição ou coda é tocada em tonalidade de mi maior e registro muito mais alto (o violoncelo na de sol) sul ponticello, junto ao cavalete; assim amortece-se a vibração da corda, tornando mais forte a nota fundamental. Diz Dunhill que Beethoven a empregou, pela primeira vez, precisamente neste quarteto. 
Ex. 24 - cps. 469-474

Quinto Movimento. Adagio quasi ma poco andante. Sol sustenido menor 3/4. 28 compassos. 
 
Ex. 25. Tocado pela viola, o tema, de forma binária, é de suma pungência. Repete-o o primeiro violino sensibilizando-se o ouvido com a mudança de lá # para lá natural (quinto compasso). A emoção atinge o auge nos compassos adiante (Ex. 25a), em que as vozes, ao sentir de Marliave, parecem brotar de lábios trêmulos e nos sforzati que ressoam quais gritos de angústia. 
Ex. 25 e 25a - cps. 1-7 e 14-16

Sexto Movimento. Allegro. Dó # menor, 388 compassos.
 
Ex. 26. "Dança do mundo dirigida pelo menestrel", definiu Wagner. O motivo começa com fortíssimo dó # desferido por todos os instrumentos, acolitado de duas células melódicas, de ritmo violento. Segue-se a melodia do primeiro violino com acompanhamento marcado dos baixos. 
Ex. 26 - cps. 1-9
 
Ex. 27. Depois surge um novo tema, de imensa melancolia, o mesmo da abertura (Ex. 1), mas em sentido contrário no violoncelo. 
Ex. 27 - cps. 21-25
 
Ex. 28. A entrada fortíssimo em cânone para os quatro instrumentos contrasta com a etérea transparência de melodia do primeiro violino, replicada na viola, e, mais tarde, no segundo violino (não figurado no exemplo). É a musicalização do verso miltoniano: bright effluence of bright essence increate (Paradise Lost III, v. 6) 
Ex. 28 - cps. 52-63
 
Ex. 29. O primeiro violino executa uma figura em que reaparece o motivo em ré maior, com acompanhamento de colcheias no segundo violino.
Ex. 29 - cps. 124-126
 
Ex. 30. A certa altura, o motivo volta, bem marcado, no segundo violino e na viola, secundados, desta vez, por uma figura de colcheias do primeiro violino, desta vez, por uma figura de colcheias do primeiro violino, que lembra o murmúrio de tempestade longínqua (de novo a tonalidade dó # menor); o motivo de colcheias (ritmo de tre battute) sobe do pianíssimo à máxima intensidade tonal.
Ex. 30 - cps. 160-162
 
Ex. 31. O violinista se arrebata e arrasta a todos no remoinho sonoro. Estrondam os instrumentos. O tema principal irrompe fortíssimo em crescendo, seguido de contraponto de semibreves.
Ex. 31 - cps. 313-316 - F. 10
 
Ex. 32. Ouvem-se as últimas notas da figura de fusas e semifusas. O ritmo do tema original retorna vigoroso com o acompanhamento de colcheias.
Ex. 32 - cps. 336-338

Ex. 33. A frase se extingue rápida no primeiro e segundo violino; em seguida, a viola e o violoncelo se avolumam até que todas as vozes deflagram em três acordes de dó # menor. 
Assim se encerra essa hora de deslumbramento. 
Ex. 33 - cps. 377-388

 
AGRADECIMENTO
 
O gerente do Blog de São João del-Rei agradece à sua amada esposa Rute Pardini Braga a formatação e edição das fotos utilizadas neste texto.
 
 
 
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
 

¹ DUNHILL, Th. F.: Chamber Music. Macmillan, N. Y., 1938

² FISKE, R.: Beethoven's Last Quartets. Oxford, U. P. L., 1940

³ d'INDY, Vincent: Beethoven: ed. por H. Laurens, 1928

MARLIAVE, J. de: Beethoven's Quartets, ed. ingl. Oxford, U. P. L., 1928

PARRY, C. H.: The Evolution of the Art of Music, Appleton, 1938

SCHAUFFLER, R. H.: Beethoven. The Man who Freed Music. Doubleday Doran, N. Y., 1939

SULLIVAN, J. W. N.: Beethoven. His Spiritual Development. Knopf. N. Y., 1936

WAGNER, R.: Beethoven, trad. francesa H. Lasvignes, 1902

Partitura: The Chamber Music of Beethoven. Longmans Miniature Arrow Score Series. Longmans, Green. N. Y. 1940, ou b/E. Eulenburg. Quartett n. 14 Leipzig
Gravação Columbia. Budapest String Quartetos N. Y. dez faces.
 
 

3 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, tradutor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

Prezad@,
O autor da palestra  O QUARTETO XIV OP. 131 DE BEETHOVEN, RAUL BRIQUET, a convite do Departamento de Cultura Geral da Associação Paulista de Medicina, era um cultor apaixonado de toda atividade que aprimorasse o espírito, de que resulta a enorme contribuição de Briquet às artes.

Exímio pianista, atento apreciador das atividades artísticas, pronunciou várias palestras sobre o assunto. Seduziam-no os grandes gênios como Michelangelo, Beethoven, Goethe e Shaw. Não exagero se digo que ele foi um dos nossos maiores polígrafos.

Por seu livro PALESTRAS E CONFERÊNCIAS (1944) recebeu, em 1946, o prêmio “Carlos de Laet” da Academia Brasileira de Letras, ao reconhecer a comissão julgadora os grandes predicados de inteligência e cultura do autor, destacando também a elegância, a erudição e a boa linguagem empregada. A famosa palestra sobre o quarteto de Beethoven foi publicada nesse livro laureado.

Professor de uma especialidade de valor social tão elevado, soube dignificar e honrar a sua profissão de médico. Homem de ciência, publicou, entre outros, Elementos de enfermagem (Nacional, 1931), Obstetrícia operatória (Nacional, 1932), Obstetrícia normal (Freitas Bastos, 1939), Lições de anestesiologia (Atlas, 1944), Patologia da gestação (Renascença, 1948).

Ao lado da parte dominante de sua obra, isto é, a medicina, na pele de scholar, Briquet cultivou as humanidades – história da educação, filosofia, sociologia, psicologia, psicanálise.

Link: https://saojoaodel-rei.blogspot.com/2024/07/o-quarteto-xiv-op-131-de-beethoven.html  👈

Cordial abraço,
Francisco Braga
Gerente do Blog de São João del-Rei

Fernando de Oliveira Teixeira (poeta e professor universitário, decano da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Uma palestra digna de grande Beethoven. Saudações amigas.

Prof. Cupertino Santos (professor aposentado da rede paulistana de ensino fundamental) disse...

Caro professor Braga

Publicação de artigo que faz justiça à obra de ambos os autores.
Saudações!
Cupertino