Por SAMUEL MALAMUD * Trecho inicial de livro publicado com idêntico título. Rio de Janeiro: Kosmos Editora, 1988, pp. 17-43.
Na contracapa lê-se este desejo do autor: “Seja, pois, este meu depoimento uma homenagem singela de reconhecimento e de gratidão àqueles abnegados trabalhadores de todos os setores e de todos os matizes, que souberam enfrentar, galhardamente, as enormes dificuldades de recém-chegados a uma terra desconhecida e, onde, enquanto labutavam pelo ganha-pão de cada dia, souberam, com entusiasmo e coragem, sem medir sacrifícios, lançar os aicerces das instituições comunitárias básicas com o decidido propósito de assegurar a continuidade das tradições e dos valores culturais milenares dos nossos antepassados.”
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Capa do livro
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Fotografia dos anos 30 mostrando o aspecto geral do logradouro à época. O chafariz foi projeto do famoso Grandjean de Montigny, autor de várias obras na cidade. As vias laterais são: à esquerda Rua Visconde de Itaúna e à direita Rua Senador Euzébio, ambas extintas durante as obras de abertura da Av. Presidente Vargas na década de 40. A praça foi reduzida e preservada, contudo perdeu totalmente sua originalidade e sua fama ligada ao nascimento do samba, do começo do século XX. Ao fundo a Escola Benjamim Constant e a Avenida do Mangue. Crédito por quase todas as fotos: https://oriodeoutrora.blogspot.com/2020/05/praca-xi-e-seu-entorno.html
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No dia em que for escrita a história da comunidade judaica do Rio de Janeiro, o período da Praça Onze há de figurar entre os capítulos mais interessantes e de maior destaque, porque foi na Praça Onze e seus arredores que tiveram início o desenvolvimento e a formação da referida comunidade.
No sentido literal, a denominação "Praça Onze" refere-se apenas a uma praça pública, cujo nome, por extenso, era Praça Onze de Junho, homenagem à data que, em 1865, marcou a vitória do Brasil na batalha do Riachuelo. Entretanto, para a comunidade judaica do Rio de Janeiro, no decorrer dos anos vinte e trinta deste século, essa denominação referia-se não só à própria praça, mas também aos seus arredores, onde viviam centenas de famílias judias, funcionavam dezenas de casas comerciais e pequenas oficinas exploradas por judeus de várias procedência da Europa Oriental e onde funcionava a maioria das suas instituições religiosas, filantrópicas, culturais, sociais, recreativas e ideológicas. Naquele bairro estavam também localizadas as redações e tipografias dos vários órgãos de imprensa que então apareciam no Rio, em iídiche idioma que predominava entre os judeus de origem ashkenazita.
Desconheço as razões que levaram aqueles primeiros imigrantes judeus, provenientes dos países daquela região e que se radicaram no Rio de Janeiro, a escolher o bairro da Praça Onze para nele se instalarem. É bem possível que, do ponto de vista comercial, o bairro da Praça Onze tivesse, então geograficamente, uma localização privilegiada. Ficava nas proximidades da estação final da estrada de ferro Central do Brasil. O Rio, na época, capital do país, contava com uma população de aproximadamente um milhão de habitantes, na maioria gente das classes média e pobre, que viviam na zona norte e cujo principal meio de transporte era o trem suburbano. A Praça Onze podia ser considerada a porta de acesso à parte central da cidade.
O bairro da Praça Onze contava, também, com uma numerosa população de imigrantes italianos e portugueses, sem falar nos nativos que imortalizaram o bairro na sua poesia popular. A praça, propriamente dita, celebrizou-se pelas grandes concentrações anuais durante o Carnaval. O carnaval da Praça Onze era famoso pela folia extraordinária perpetuada nas canções daqueles anos. Ainda hoje em dia surgem de quando em vez composições ¹ que relembram com nostalgia aqueles carnavais.
Mas o meu objetivo é registrar as memórias que tenho com relação à Praça Onze judaica dos anos vinte e trinta, período no qual fui morador e participante ativo de sua vida comunitária.
Em primeiro lugar, um esquema da situação geográfica da Praça Onze e ruas vizinhas:
A praça constituía um grande quadrilátero — as duas partes mais extensas faziam parte, respectivamente, das então ruas Senador Euzébio e Visconde de Itaúna, que começavam na Praça da República e se estendiam até à Ponte dos Marinheiros, nas proximidades da Praça da Bandeira. As mencionadas ruas, no seu início até encontrar a Praça Onze, eram constituídas de prédios de dois e três pavimentos, de ambos os lados. Depois eram divididas pela Praça e em seguida pelo Canal do Mangue, este ladeado de palmeiras. O canal existe até hoje dividindo a parte final da atual Avenida Presidente Vargas que absorveu as duas mencionadas ruas. Assim a partir da praça, cada rua tinha somente uma numeração — a Senador Euzébio, números pares, e a Visconde de Itaúna, ímpares. Os outros dois lados do quadrilátero, de menor extensão, eram constituídos por partes das ruas transversais: Santana e Marquês de Pombal.
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Fotografia aérea de 1942 quando a praça vivia seus últimos momentos. Obs.: quase todas as construções antigas foram demolidas.
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Essas duas ruas começavam na rua General Pedra, limítrofe à estrada de ferro. A extensão das mencionadas ruas diferia. A rua Santana findava na rua Frei Caneca, o que acontece até hoje. A rua Marquês de Pombal acabava, naquela época, na rua São Leopoldo, cujo nome foi posteriormente mudado para Júlio do Carmo. As partes da rua Santana e da rua Marquês de Pombal, que cruzavam a Praça Onze, desapareceram completamente, assim como a parte que ficava entre a praça e a rua General Pedra, em virtude da abertura da Avenida Presidente Vargas, o que também motivou o desaparecimento físico da própria Praça Onze. Na ocasião, também, desapareceu o miolo das ruas Senador Euzébio e Visconde de Itaúna entre a Praça e o Canal do Mangue. O que sobrou dessas ruas até a Ponte dos Marinheiros foi incorporado à Avenida Presidente Vargas, e as velhas construções que ainda sobrevivem, vêm sendo pouco a pouco demolidas, cedendo lugar aos edifícios da nova avenida.
Do lado em que a Praça Onze limitava com a rua Marquês de Pombal, existia uma importante escola pública, denominada Benjamin Constant, homenagem à destacada figura do movimento republicano nacional. Constant era, ideologicamente, um positivista, movimento que contava com um expressivo número de adeptos nas esferas políticas e intelectuais brasileiras no fim do século XIX e início deste século. Contribuiu decisivamente para a instituição da República. A Escola Benjamin Constant, que nos anos vinte foi frequentada por alunos judeus do bairro, também foi vítima da reforma urbana e desapareceu, juntamente com o enorme jardim que tinha nos fundos, espaço de lazer para crianças.
A maioria dos prédios das ruas transversais à Praça Onze, com exceção de um pequeno trecho da rua Marquês de Pombal, tinha seus andares térreos destinados ao comércio ou a pequenas oficinas, e os andares superiores, à moradia. Entretanto, em alguns sobrados, foram instaladas pequenas indústrias, alfaiatarias, tecelagens, fabriquetas de bolsas, de guarda-chuvas, etc.
No centro da praça, no início dos anos 20, havia um belíssimo jardim com árvores frondosas e banquetas floridas. Nas veredas, havia bancos, onde os frequentadores ou transeuntes costumavam repousar, para se abrigar do calor. Esses bancos serviam, com frequência, de leito para boêmios e mendigos em noites menos frias. Num canto do jardim ficava o coreto onde, aos domingos, a banda da polícia militar entretinha os visitantes com músicas clássicas e populares. No centro, um repuxo artisticamente elaborado. Esse repuxo encontra-se atualmente instalado no Alto da Boa Vista.
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Chafariz ou repuxo que existiu no centro da Praça Onze
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Em 1927, antes que houvesse qualquer previsão sobre a enorme transformação urbanística que aquela parte da cidade iria sofrer, a Municipalidade do Rio resolveu modificar o jardim da Praça Onze, retirando as árvores, o coreto e os antigos bancos, para tornar mais fácil o trânsito dos pedestres no local. Com a reforma, o jardim perdeu sua intimidade e beleza; o bairro, o último recanto bucólico.
Duas fotografias de época mostram neste livro como era o jardim da Praça Onze anos e depois da modificação.
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Foto dos anos 40: o velho casario da praça permanecia ainda de pé mesmo após a abertura da Av. Presidente Vargas. Obs.: O bloco central do Edifício "Balança mas não cai" não havia sido erguido.
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Imagem de 1967. No canto inferior direito vemos parte da Praça Onze e o começo do Canal do Mangue a céu aberto.
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Além das ruas já mencionadas, que limitavam diretamente com a praça, devem ser lembradas as ruas laterais, que ficavam um pouco mais distantes, mas que faziam parte também do bairro judeu: Benedito Hipólito, São Leopoldo (depois Júlio do Carmo), General Caldwell, General Pedra, Mem de Sá, Riachuelo, Carlos de Carvalho, Henrique Valadares, Conselheiro Josino, Resende, Marquês de Sapucaí, Machado Coelho, Carmo Neto, Salvador de Sá, Praça da República, além de outras.
O bairro da Praça Onze, tendo a praça como ponto de convergência e de encontro, teve uma vida judaica dinâmica e ativa do começo dos anos vinte até o fim dos anos trinta, e dava a impressão de um enorme gueto, sem muralhas ou restrições.
Naquele período, a população judaica do Rio crescia diariamente, devido ao enorme afluxo imigratório então procedente dos países da Europa Oriental. Aos poucos, os imigrantes foram se fixando em todos os bairros da cidade, principalmente da zona norte: Andaraí, Vila Isabel, Tijuca, Engenho Novo, Méier, Engenho de Dentro, Cascadura, Madureira, Ramos, Olaria e Penha. Chegou, inclusive, a surgir uma comunidade bastante numerosa, formando um vilarejo judaico, no município de Nilópolis, a uma hora de trem do Rio, pela Central do Brasil. Mas a Praça Onze continuava a ser o centro catalisador da vida comercial e social judaica e assim se manteve até a desapropriação e consequente demolição dos imóveis para a abertura da Avenida Presidente Vargas, que atualmente se estende da Candelária até à Ponte dos Marinheiros e que, entre outras, eliminou as ruas Senador Euzébio e Visconde de Itaúna.
Na Praça Onze propriamente dita, estavam sediadas, no início dos anos vinte, três instituições: a Federação Sionista, cuja fundação se deu em 1922 à rua Senador Euzébio, 132, sobrado, por cima do Cinema Praça Onze (no mesmo local se reunia o Grêmio Juvenil Kadima); o Clube Juventude Israelita, fundado em 1920 e que tinha sua sede no sobrado do Café Praça Onze, que ficava no meio entre as esquinas das ruas Senador Euzébio e Visconde de Itaúna; do mesmo lado, no sobrado da esquina da rua Visconde de Itaúna com a Praça, confinando com a sede do Clube Juventude Israelita, funcionava a sinagoga Beith Iaakov (A Casa de Jacob).
Na rua Visconde de Itaúna, bem próximo à Praça Onze, encontravam-se os locais da Sociedade Beneficente das Damas Israelitas (Froien Farain) e do Centro Obreiro Morris Wintschevsky.
A redação e administração do jornal Iidische Folkstzeitung (Jornal Popular Israelita), fundado em 1927 e que começou a circular em novembro daquele ano, era na rua Visconde de Itaúna, 67. No mesmo local funcionava a tipografia que imprimia o jornal e que pertencia à firma Horowitz & Cia. Ltda., composta dos sócios Eduardo Horowitz, Jacob Schneider e Salomão Gorenstein.
A redação e administração do semanário israelita Dos Iidische Vochenblat (O Semanário Israelita) tinha seu endereço, de início, na rua Visconde de Itaúna, 120, sobrado. A tipografia Schreiber & Kendler, de propriedade de dois cunhados, ambos originários da, então, Palestina, funcionava no início dos anos vinte na rua Visconde de Itaúna, 46. Nessa tipografia era impresso o semanário Dos Iidische Vochenblat. Posteriormente, tanto a tipografia como a redação e a administração do referido semanário transferiram-se para a loja da rua Santana, 40. Em 1927 o semanário passou a denominar-se Brazilianer Iidische Presse (Imprensa Israelita Brasileira). Finalmente, quando o jornalista Aron Bergman adquiriu o periódico em 1929, abreviou a sua denominação para Iidische Presse (Imprensa Israelita). Esse periódico continua aparecendo até hoje.
Na rua Santana, 6, bem próximo à administração e redação do jornal Brazilianer Iidische Presse, instalou-se, em fins de 1927, a tipografia, redação e administração do semanário Unzer Leben (Nossa Vida), do qual apareceram apenas o primeiro número e uma edição extra.
Na mesma rua e no mesmo quarteirão, no nº 22, entre as sedes dos dois jornais, foi erguida a sinagoga Beith Israel (A Casa de Israel), que acabou sendo desapropriada e demolida, em virtude das modificações urbanísticas motivadas pela abertura da Avenida Presidente Vargas.
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Beith Israel na rua Tenente Possolo com Henrique Valadares. Crédito pela foto: Samuel Malamud (p. 37)
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Ainda na rua Santana, mas já nas proximidades da rua Frei Caneca, ficava a sede da Sociedade dos Vendedores Ambulantes. A sociedade do Cemitério Israelita que, de início, teve seu endereço na rua Mariz e Barros, 292, casa 9, transferiu-se nos anos vinte para a rua Santana, onde acabou adquirindo o imóvel, que possui até hoje, embora não mais mantenha os seus escritórios naquele local.
Na rua São Leopoldo, 13, posteriormente Júlio do Carmo, funcionou durante longos anos a Biblioteca Scholem Aleichem, que posteriormente se transferiu para a rua Senador Euzébio, 57, sobrado. Quase em frente, no nº 44, sobrado, logo após a sua fundação em 1928, mantinha sua sede a Organização Juvenil Sionista "Hatchiah" (Renascença), que em virtude de determinações legais no fim dos anos trinta que proibiam atividades políticas a entidades nacionais em cooperação com entidades estrangeiras, viu-se obrigada a modificar os estatutos e a sua denominação para Biblioteca H. N. Bialik.
Bem próximo à sede da Hatchiah, no nº 78, sobrado, funcionava a Caixa Cooperativa de Empréstimos "Lai Spar Casse".
Além dessas entidades, mantinham endereços nas imediações da Praça Onze o Politischer Ferband (Sociedade dos Conterrâneos Poloneses), a Wizo (entidade sionista feminina), os movimentos sionista Poalei-Zion (Obreiros de Sion), de direita e esquerda, a Liga em prol da Eretz Israel Obreira, as instituições de orientação pró-soviética que apoiavam a colonização agrária judaica na Rússia comunista, o Brazcor e o Bikor, e o movimento sionista religioso Mizrachi, que tinha como seu centro a sinagoga Iavne. Essa sinagoga veio a instalar-se na rua Júlio do Carmo, 13, após a mudança da Biblioteca Scholem Aleichem.
Na Praça Onze existiam três botequins ou cafés. O mais antigo denominava-se "Praça Onze" e funcionava no prédio em cujo sobrado estava instalado o Clube Juventude Israelita. Na parte da frente e no centro, ficavam as mesinhas com tampo de mármore, cada uma com quatro cadeiras com assentos de palha em volta, e as laterais, com duas cadeiras, para atender a freguesia. Naquela época não se tomava café em pé. Os frequentadores acomodavam-se em torno das mesinhas, batendo papo, descansando, lendo jornal, tratando de negócios, contando piadas, discutindo assuntos comunitários, fazendo fofocas, revendo os cartões das vendas a prestação, encontrando amigos, tirando um cochilo ou simplesmente vendo o tempo passar. Não faltavam preguiçosos e malandros para quem o botequim era um refúgio. Na parte dos fundos do salão, ficavam as mesas de bilhar, onde, desde cedo até altas horas da noite, exímios jogadores se empenhavam em demonstrar sua habilidade, alguns como mero passa-tempo e outros apostando quantias às vezes bem altas.
O botequim que ficava na rua Santana fazendo esquina com o número ímpar da rua Visconde de Itaúna denominava-se "Capitólio". Nesse botequim também havia bilhares. Dispunha de poucas mesas para os tomadores do cafezinho, por falta de espaço.
O terceiro café, o "Jeremias", tinha, também, padaria e confeitaria. Foi aberto no fim dos anos vinte e não possuía bilhares. Era menor que os outros dois, mas dispunha de instalações mais imponentes, com bonitas vitrines de vidro bisotado. Ficava na rua Senador Euzébio fazendo esquina com a rua Santana lado par, na vizinhança da redação do jornal Imprensa Israelita.
Nos anos vinte, a clientela dos dois primeiros botequins consistia, na sua absoluta maioria, de judeus. No Café Praça Onze reuniam-se, geralmente depois do almoço, os dirigentes do Clube Juventude Israelita e outros ativistas sociais, porque o Clube abria às quatro da tarde. O Clube era um ponto de encontro, com sala de leitura, que alguns aficcionados aproveitavam para jogar xadrez. Os membros da diretoria lá iam diariamente para cuidar das atividades do Clube. O café no andar térreo servia como ponto intermediário na hora da chegada e da saída.
Enquanto o Clube Juventude Israelita existiu naquele local, havia movimento e agitação no botequim, com discussões acirradas. No Praça Onze podia-se também fazer uma "boquinha". O dono, português, conhecia a todos, e os frequentadores sentiam-se em casa. Em época de eleições, apareciam no botequim os candidatos em busca de votos, principalmente para as Câmaras Municipal e Federal.
Já naqueles anos, os políticos acreditavam que os judeus representavam uma força eleitoral, não percebendo que a maioria ainda era de estrangeiros recém-chegados sem direito a voto.
No Café Capitólio, também predominava a clientela judaica. De manhã lá se reuniam os comerciantes e donos de pequenas indústrias da vizinhança. No final da tarde, era a vez dos prestamistas, que faziam por lá as suas compras para atender as encomendas do dia de sua freguesia e marcavam encontros com clientes, quando se tratava da escolha de móveis, de tirar medidas no alfaiate, experimentar uma roupa feita, ou escolher alguma jóia.
Na maioria dos sobrados, habitavam famílias judaicas, muitas de donos dos estabelecimentos comerciais do andar térreo.
O Café Jeremias era o mais tranquilo. Naquele canto havia menos comércio para atender os prestamistas. Além disso, o próprio Café tinha mais aspecto de confeitaria ou restaurante, onde aliás se podia obter uma refeição bem razoável. O espaço era reduzido. Naquele local reuniam-se, quase diariamente, a partir dos fins de 1929, os amigos e colaboradores da Imprensa Israelita, encabeçados pelo redator proprietário Aron Bergman.
O comércio judaico que predominava na Praça Onze era o de móveis. Os judeus contribuíram muito para o desenvolvimento dessa indústria, que era explorada, na época, principalmente, por marceneiros portugueses e espanhóis. A loja de móveis mais tradicional e importante do bairro pelo espaço que ocupava era a "Casa Sion", que contava com um seção de decorações. A segunda em tamanho, "A Liberdade", possuía também uma fábrica e uma serraria na Travessa Universidade, no bairro do Andaraí.
Além das grandes, havia muitas outras lojas menores, todas com estoque semelhante, embora algumas com móveis mais simples e baratos. Esses estabelecimentos não dependiam exclusivamente dos vendedores ambulantes, porque os interessados na compra de móveis sabiam que esse comércio estava concentrado na Praça Onze. Depois, expandiu-se pela rua do Catete e pelos demais bairros, como Méier, Engenho de Dentro, Cascadura, Madureira e Ramos.
Existiam ainda no bairro algumas lojas de fazendas, de confecções, roupa de cama e mesa, joalherias, guarda-chuvas, calçados, alfaiatarias, etc.
Um percentual muito reduzido entre os imigrantes possuía profissão. A maioria pertencia à classe média baixa, que na sua terra natal se havia dedicado ao pequeno comércio ou à intermediação. Por isso, tornar-se um vendedor ambulante representava para eles uma ocupação mais fácil e mais promissora.
Para tornar-se um vendedor ambulante, havia, ainda, necessidade que alguém apresentasse o candidato aos estabelecimentos fornecedores para lhe assegurar o crédito. A mercadoria era fornecida para pagamento em 90 ou 120 dias. Nesse ínterim, o vendedor ambulante, quando era trabalhador, capaz e esforçado, criava para si uma base econômica. A maioria dos prestamistas vivia no primeiro período de sua atividade fazendo uma economia severa em todos os sentidos, para poder adquirir uma situação mais estável, ou seja, um equilíbrio financeiro.
Mesmo os poucos profissionais como torneiros, sapateiros e mecânicos também preferiam, face à baixa remuneração e à perspectiva pouco promissora, optar pelo trabalho de venda a prestações. Viam no comércio ambulante maiores possibilidades para um enriquecimento rápido. Os que realmente continuaram na sua profissão eram em pequeno número — linotipistas e gráficos —, enquanto os periódicos judaicos em iídiche podiam pagar-lhes ordenados compensadores no seu ofício. Havia ainda outros, profissionais proletários convictos, que faziam questão absoluta de trabalhar na sua especialidade e lutar por uma sociedade mais justa. Quanto aos ourives, aliavam a profissão ao comércio. Cortadores, tecelões e alfaiates, quando arrumavam alguns recursos, procuravam logo estabelecer-se e comercializar a sua profissão. Forneciam a sua produção tanto aos estabelecimentos como aos vendedores ambulantes, a preços mais acessíveis. Muitos milionários de hoje na indústria e no comércio de roupas feitas e tecelagem devem as suas fortunas àquela geração de imigrantes, que sacrificou os seus melhores anos de vida, com suor e trabalho, para criar uma base econômica sólida e próspera para os seus herdeiros que com a sua visão e iniciativa mais modernas souberam desenvolver e fazer prosperar as iniciativas de seus antepassados.
Durante todos os dias da semana, a Praça Onze fervilhava de judeus. Os vendedores ambulantes movimentavam-se agitadamente, sempre apressados, percorrendo os estabelecimentos comerciais, de preferência ao entardecer. Deviam também ir um pouco mais longe, através da Praça da República, até as ruas General Câmara, Alfândega, José Maurício depois Tomé de Sousa, hoje República do Líbano, onde existiam estabelecimentos de tecidos, calçados e roupa de cama e mesa. Algumas dessas lojas pertenciam a judeus sefarditas. Na Avenida Gomes Freire, que já ficava mais próxima ao centro da cidade, perto da Praça Tiradentes, localizavam-se os estabelecimentos que vendiam sedas e tecidos finos.
O prestamista naquela época preenchia uma lacuna importante no atendimento das necessidades econômicas das camadas mais pobres. O trabalho era muito difícil. Carregar as mercadorias nos ombros, de porta em porta, em busca de compradores, era tarefa árdua. Prosperando o prestamista, pagava um carregador. Mesmo assim, ainda continuava sendo um trabalho duro. Dificilmente almoçava. Por economia e para não perder tempo, limitava-se a uma média e pão com manteiga para matar a fome. Mas foi o vendedor ambulante quem possibilitou a muita gente adquirir, através de pagamento a prazo, roupa, mobiliário, jóias e outros objetos úteis. Naturalmente que entre os compradores encontravam-se também os maus pagadores, conhecidos na linguagem popular dos prestamistas como "caloteiros" ou em iídiche Tzvekes (pregos). Mas a grande maioria cumpria com os seus compromissos.
O vendedor ambulante judeu foi o precursor dos grandes estabelecimentos de venda a crédito, mas que atuam em condições seguras e com a ajuda das instituições financeiras. A venda a prestação contribuiu também para que o vendedor ambulante fosse penetrando, pouco a pouco, na sociedade brasileira e facilitou o estabelecimento de relações de amizade entre a população autóctone e o imigrante, que assim se foi integrando no meio ambiente.
A principal língua de comunicação entre os judeus da Praça Onze era a iídiche, ouvida em todas as entonações, pronúncias e nuances: russo, polonês, lituano, de acordo com a origem do imigrante. Essa língua ressoava em todos os recantos. Às vezes, também encontravam-se judeus conversando em russo, polonês ou romeno e raramente em húngaro.
Os empregados não judeus dos estabelecimentos comerciais foram, pouco a pouco, aprendendo o iídiche, o mesmo tendo acontecido com alguns comerciantes de origem sefardita (espanhola — Sefarad significa em hebraico Espanha), devido à numerosa clientela de origem ashkenazita (judeu proveniente da Europa Oriental — Ashkenaz em hebraico significa Alemanha). Recordo-me como todos admiravam o empregado de cor que desde menino trabalhava numa fábrica de capas e que falava fluentemente o iídiche. O seu patrão nunca conseguiu aprender o português. Não fazia uso do idioma: negociava somente com judeus; social e ideologicamente só convivia com judeus, seus companheiros de ideias, adeptos do movimento socialista israelita Bund. (O movimento Bund foi fundado em fins do século XIX na Rússia e era anti-sionista. Lutava pelo direito das minorias nacionais.) Por isso mesmo, o iídiche para ele era mais do que suficiente.
Se a Praça Onze regurgitava de judeus durante o dia, o movimento à noite não era menor — passeava-se nas calçadas e no jardim, mormente antes de sua reforma.
Nas casas dos anos vinte não existiam instalações de ar condicionado. Morava-se, geralmente, num espaço apertado, por questão de economia. Quanto ao arejamento, a arquitetura da época não se preocupava muito com esse tipo de conforto. Por isso, aproveitava-se no verão as noites de bom tempo para passear ou ficar sentado nas calçadas em frente às suas moradias, para se refrescar.
Além da população judaica que lá habitava, a Praça Onze era frequentada durante a noite por dirigentes e associados das várias instituições judaicas que ali mantinham sede. Compareciam os sócios do Clube Juventude Israelita, da Biblioteca Scholem Aleichem, ou de outras instituições, para conversar, assistir ou participar de algum empreendimento, trocar um livro, ler algum periódico.
Os imigrantes recém-chegados, solteiros, e os que estavam sem família, também ficavam na Praça Onze até altas horas da noite. Após o fechamento do comércio, faziam as suas refeições no bairro. Na Praça Onze e nas proximidades várias pensões familiares forneciam refeições dos tradicionais pratos da cozinha judaica. Além disso, havia o Restaurante Schneider que, de início, estava instalado num sobrado da rua Visconde de Itaúna e, depois, passou a funcionar na rua Santana, 72.
O Schneider foi durante longos anos um dos endereços mais populares da comunidade judaica carioca.
O restaurante abria, geralmente, às 11 horas da manhã e fechava à meia noite. Se, durante os dias da semana, era difícil conseguir um lugar nas horas habituais de almoço e jantar, aos sábados e domingos então, nem falar. Havia filas intermináveis na calçada e esperava-se horas. Para ser atendido mais rapidamente, era preciso gozar da amizade pessoal do proprietário Schneider, de seu genro Bernardo ou pelo menos do chefe dos garçons. O local não era grande e não tinha capacidade para acomodar muita gente.
O Restaurante Schneider foi dos últimos estabelecimentos a cerrar as portas quando ocorreu a reurbanização daquele bairro. Enquanto foi possível, Bernardo, que herdou o restaurante, o manteve em funcionamento, e muitos de seus antigos clientes vinham de quando em vez, na hora do almoço, com o duplo objetivo de matar as saudades dos pratos típicos da cozinha judaica e pela nostalgia que sentiam da Praça Onze que estava acabando.
Embora predominasse na população judaica nos anos vinte a atividade do vendedor ambulante, havia imigrantes que se recusavam terminantemente a tornar-se mascates. Sem profissão determinada e sem idioma, não foi fácil para eles arranjarem ocupação. Alguns foram trabalhar como condutores de bonde. O movimento desse meio de transporte no Rio, naquela época, era grande, pois interligava quase todos os bairros da cidade. A maioria dos condutores e fiscais era de portugueses. Com o crescimento da imigração judaica, houve uns poucos que optaram por esse ganha-pão.
O trabalho de condutor não era fácil nem confortável. Fizesse calor ou chovesse, durante dez a doze horas ininterruptas, o condutor devia fazer acrobacias para poder movimentar-se de um extremo a outro do carro, nos estribos, que não eram cobertos, trajando o uniforme que a Companhia lhes fornecia e que não era feito de um tecido próprio para o clima. O condutor devia cobrar o preço da passagem e registrar no relógio o número de passageiros. Precisava ter uma boa memória para lembrar-se dos que já haviam pago pelo percurso e observar os que embarcavam durante as paradas, muito próximas umas das outras.
Tive a oportunidade de travar amizade com um desses condutores, um jovem imigrante originário da Transilvânia. Talentoso, com uma bagagem intelectual bastante expressiva para a sua idade, não se conformou em tornar-se vendedor ambulante. Não tinha nenhuma inclinação para esse tipo de comércio. Obrigado a manter-se de alguma maneira, preferiu ser condutor. Permaneceu pouco tempo nessa profissão, porque era muito cansativa. De natureza boêmia, com alguns recursos que conseguira acumular, lançou-se em busca de melhores oportunidades no Nordeste e, posteriormente, partiu para o exterior. Nunca mais tive notícias de seu paradeiro. Deixou-me como recordação uma foto em companhia de um seu colega de trabalho, ambos trajando o uniforme de condutor. Essa foto me serve como documento autêntico para comprovar a participação judaica nessa profissão árdua e difícil, mas que propiciou situação vantajosa para os poucos persistentes.
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Dois condutores de bonde judeus; o da esquerda é Mendel Elefant. Crédito pela foto: Samuel Malamud (p. 35)
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Na Praça Onze também não faltavam desocupados e preguiçosos que simplesmente não gostavam de fazer força. Perambulando o dia inteiro pelos botequins, jogando ou assistindo ao bilhar, acomodavam-se junto a algum conhecido ou conterrâneo, que por acaso encontrassem, para filar um cafezinho, um chope, um sanduíche ou um cigarro. Alguns entravam em pensões particulares e mesmo no restaurante Schneider, para tentar conseguir uma refeição à custa de alguém. Viviam de "mordidas", sonhando com algum ganha-pão que não exigisse esforço.
Nos meses de verão, quando o calor era demasiado, grande parte da população judaica da Praça Onze se dava ao luxo de tomar banho de mar, seguindo o exemplo de seus vizinhos não judeus. Nas madrugadas, principalmente aos sábados e domingos, famílias inteiras enchiam os bondes que levavam às margens da baía da Guanabara, nas imediações da parte do porto denominada Ponta do Caju. O bonde atravessava a rua Senador Euzébio e a viagem levava de 15 a 20 minutos até o ponto de destino. Com o bonde que partia da rua Santana, outros banhistas preferiam as imediações do Mercado Municipal, que então funcionava na Praça 15 de Novembro, nas proximidades do ponto de onde até hoje partem as barcas para Niterói, ilha do Governador e Paquetá. Eram as célebres barcas da Cantareira.
O movimento dos banhistas era grande e tinha-se a impressão de que se tratava de uma excursão coletiva de lazer. A algazarra era imensa. Todos falavam e cantavam algo e ao mesmo tempo. Iam já vestidos com roupas de banho e envoltos em toalhas. Alguns levavam farnel, porque programavam ficar por mais tempo à beira-mar. Muitas vezes participei com meus pais desses banhos de mar. Chegamos a experimentar o gosto dos banhos tanto da praia do Caju como os da Praça 15 de Novembro.
Quando me lembro das águas na praia do Caju, gordurosas do óleo e sujas dos despejos dos navios cargueiros que por lá ficavam ancorados, ou das águas poluídas da Praça 15, onde flutuava toda sorte de legumes e frutas estragadas que os comerciantes do mercado municipal que lá funcionava lançavam na baía, não consigo compreender como entrava naquelas águas.
Se os frequentadores da Praça 15 não se perturbavam com os detritos, os da praia do Caju achavam que aquelas águas gordurosas curavam reumatismo. Na verdade, era a sua necessidade de um pouco de distração, de algo diferente, que justificava tudo.
Quem ousava naqueles anos ir tomar banho na praia do Flamengo ou Botafogo? Somente uns poucos comerciantes já bem situados na vida, alugavam táxi e mandavam suas famílias para aquelas praias, ficando o carro à espera. Era um luxo que só um ricaço se poderia permitir. Copacabana nem entrava em cogitação.
Quando alguma figura de destaque — escritor, conferencista, emissário de alguma entidade mundial — chegava ao Rio em visita à comunidade, era levado a passeio, de preferência à noite, pelas praias da Avenida Atlântica, para que pudesse apreciar os variados estilos arquitetônicos das luxuosas residências daquela avenida e admirar o cintilante colar de pérolas formado pela sua iluminação. Esse colar luminoso era um cartão de visitas do Rio da época. Ipanema e Leblon ainda eram desertos de areia.
A sinagoga mais antiga da Praça Onze — Beith Iaakov, fundada em 1916 — marcou o início da organização comunitária. Nos anos vinte, essa sinagoga não tinha nenhuma dificuldade em promover as rezas tanto matutinas como as da tarde e da noite. Havia sempre um minyan (número mínimo de dez varões maiores de 13 anos de idade). A sinagoga denominada Beith Israel, com sede na rua Santana, 12, foi fundada mais tarde por um grupo de dissidentes da primeira. Conforme relata o comunicado publicado no número comemorativo do primeiro aniversário do semanário Dos Iídiche Vochenblat, datado de 14 de novembro de 1924, os fundadores da Beith Israel queriam uma sinagoga em bases democráticas e, por isso, retiraram-se da Beith Iaakov que se achava dominada por um grupo prepotente que não admitia mudanças na direção. A sinagoga Beith Israel foi a primeira a ter sede própria. Além destas duas sinagogas, havia, ainda, outros pequenos agrupamentos (minyanim) religiosos, que se organizavam de acordo com a sua cidade de origem, ou com a sua filiação chassídica.
A Beith Iaakov contava na época com um grande número de sócios e era a mais importante da Praça Onze. Não era suficientemente espaçosa para acolher maior número de pessoas nas datas religiosas mais importantes. A diretoria cogitou de construir um templo que atendesse ao crescimento da comunidade. Mas, enquanto essa ideia não se concretizava, alugava-se para as datas religiosas mais concorridas o salão do Clube Ginástico Português, que ficava na rua Buenos Aires, entre a Praça da República e a Avenida Passos. Era um salão amplo, com enormes espelhos nas paredes e que podia comportar o numeroso público que comparecia às rezas de Ano Novo (Rosh Hashaná) e Dia do Perdão (Yom Kipur). Esse salão era também alugado, com frequência, por diversas entidades judaicas para outros empreendimentos, devido à sua proximidade da Praça Onze e por comodidade.
A comissão formada para a compra do terreno em que se ergueria o templo julgava que o bairro da Praça Onze continuaria sendo por longos anos o centro da vida judaica do Rio. Além da sinagoga, pretendia-se construir um centro social. Foi comprado, então um enorme terreno na esquina das ruas Tenente Possolo e Henrique Valadares, nas proximidades da rua Conselheiro Josino, perto do Centro Israelita Brasileiro Bené Herzl, da comunidade sefardita cuja construção antecedeu à do templo e foi inaugurado em 16 de junho de 1929.
A campanha para angariar os recursos para a construção do templo começou com a venda de títulos de sócio fundador, com direito a um lugar permanente e marcado na sinagoga, como é de praxe. Mas logo surgiram as dificuldades. Já então, numerosos judeus, economicamente bem situados, começavam a mudar suas residências da Praça Onze para outros bairros surgindo núcleos judaicos na Tijuca, em Vila Isabel, nas localidades suburbanas da Central do Brasil e da Leopoldina, onde se iam formando centros religiosos e culturais. Havia, ainda, o problema da locomoção. Os preceitos religiosos ortodoxos proíbem aos devotos viajar aos sábados e demais dias sagrados.
O orçamento para a construção do templo ia crescendo continuamente, devido ao encarecimento constante dos materiais e da mão de obra. Isso levou a comissão a desmembrar uma parte do terreno e pô-la à venda, renunciando, assim, à construção do centro social. O lote desmembrado foi adquirido por um cidadão português, que ergueu ali um edifício que até hoje existe e a que deu curiosamente o nome de "Graças a Deus"...
O templo serviu durante longos anos como centro de congregação da comunidade, ao qual comparecia grande número de fiéis com suas famílias, principalmente nos dias mais santificados. Além disso, realizava-se no templo a maioria dos casamentos, bar-mitzvoth e demais atos religiosos de importância. Atualmente, toda a região onde o templo fica situado se esvaziou do elemento judeu. Nos dias da semana, é impossível reunir dez elementos para o mynian. Aos sábados, ainda acontece, de quando em vez, uma cerimônia de bar-mitzvá ou um casamento. Mesmo nos dias mais santificados, quando os familiares dos antigos fundadores costumam comparecer para a prece em sua memória, o número é bastante reduzido. Há alguns anos vieram integrar o quadro social do templo os sócios remanescentes da sinagoga Beith Israel, cujo prédio na rua Santana foi desapropriado e demolido em virtude das obras do Metrô. Eles transferiram para a caixa do templo a importância recebida pela desapropriação mediante a condição de serem admitidos como sócios do mesmo. Por diversas vezes se tem tentado reavivar o funcionamento do templo. O mesmo acaba de passar por uma radical reforma, mas a sua situação geográfica não ajuda. Em diversos bairros foram construídas novas sinagogas, que atendem às respectivas concentrações judaicas, sediadas principalmente na zona sul da cidade. Além disso, toda a vida religiosa em geral sofreu uma grande transformação nos últimos anos. A maioria da comunidade se está alheando da prática religiosa e da tradição.
O templo da rua Tenente Possolo serve hoje como marco de uma época da história da comunidade judaica e representa um monumento que a mesma tem por obrigação conservar.
Recordo-me muito bem do tempo em que o templo foi construído, e do esforço e sacrifício dos ativistas que atuaram neste trabalho. A comissão de construção recebeu, então, uma grande ajuda financeira do filantropo Wolf Kadischevitch Klabin, um dos colocadores da pedra fundamental, e ainda de um judeu norte-americano, o milionário Marvin, que vivia no Rio de Janeiro, mas mantinha pouco contato com a comunidade judaica. Contribuiu muito com o seu prestígio e estímulo o rabino Dr. Isaías Rafalovitsch, que representava a Jewish Colonization Association no Brasil, (...) conhecida pela sigla JCA e que os judeu pronunciam ICA, da maneira como é lida em iídiche. (...)
* SAMUEL MALAMUD (1908-2000), advogado, nascido na Ucrânia em 1908, chegou ao Rio de Janeiro em dezembro de 1923. A partir dos anos 30, transformou-se em um dos mais influentes representantes da comunidade judaica no Brasil. Em 1948, Malamud foi o primeiro Cônsul de Israel no país. Fundou e presidiu, entre outras entidades, a Federação Israelita do Brasil e o Clube Hebraica. Morreu dia 11 de março de 2000, aos 91 anos, de infarto, no Rio de Janeiro.
II. NOTA EXPLICATIVA pelo gerente do Blog de São João del-Rei
¹ Por exemplo, eis os versos da canção “Praça Onze,” de autoria de Grande Otelo e Herivelto Martins, interpretada pelo Trio de Ouro, Castro Barbosa & Regional de Benedito Lacerda:
Praça Onze
Música: Herivelto Martins
Vão acabar com a Praça Onze
Não vai haver mais Escola de Samba, não vai
Chora o tamborim
Chora o morro inteiro
Favela, Salgueiro
Mangueira, Estação Primeira
Guardai os vossos pandeiros, guardai
Porque a Escola de Samba não sai
Adeus, minha praça Onze, adeus
Já sabemos que vai desaparecer
Leva contigo a nossa recordação
Mas ficarás eternamente em nosso coração
E algum dia nova praça nós teremos
E o teu passado cantaremos
Segundo o site Receita de Samba, in Herivelto Martins e a Praça Onze...:
"Em 1941, Hereivelto Martins foi procurado pelo amigo Grande Otelo que trazia uma letra sobre o fim da Praça Onze, que seria demolida para a construção da Avenida Presidente Vargas.
Ao dar uma olhada na letra, gigantesca, Herivelto disse que não estava interessado. Grande Otelo insistiu tanto que Herivelto acabou compondo uma nova letra e fez o samba sozinho. Incluiu o amigo apenas por ter sugerido o tema.
Nascia ali um dos maiores sucessos do compositor, o samba “Praça Onze”, gravado em 1941 pelo Trio de Ouro e que foi um grande sucesso no carnaval do ano seguinte."
III. AGRADECIMENTO
À minha amada esposa Rute Pardini pela edição e ajuste de imagens da autoria de terceiros.
IV. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MALAMUD, Samuel: Recordando a Praça Onze. Rio de Janeiro: Kosmos Editora, 1988, 119 p.
FREIRE, Quintino Gomes: “O Rio Judaico” valoriza legado cultural e educacional de Samuel Malamud, Diário do Rio, edição de 20/05/2025
Links consultados em 12/09/2025: