terça-feira, 20 de janeiro de 2009

O "Mito de Ceres" sobrevive (ou agoniza?) em Matosinhos


Por José Antônio de Ávila Sacramento *

Ceres (para os romanos) ou Deméter (para os gregos) é deusa dos cereais. É a deusa matriarcal, a imagem do poder das entranhas da terra. Diz-se que ela ensinou aos homens as artes de arar, plantar e colher; às mulheres, como moer o trigo e fazer o pão. Ceres representa a experiência da maternidade, não só a gestação física, mas a experiência da Grande Mãe, da descoberta do corpo como algo precioso e valioso que requer muita atenção. Significa os prazeres simples da vida, a conscientização de que somos parte da natureza.

Acredita-se que foi um episódio envolvendo a sua filha que marcou significativamente a personalidade desta deusa. Ceres morava com sua única filha, Prosérpina, na mais completa harmonia. Certo dia, ao colher flores, a garota foi atraída por um lindo narciso. Ao estender a mão para pegá-lo, o solo fendeu-se diante dela surgindo Plutão, o deus das trevas e irmão de sua mãe, que havia se apaixonado perdidamente pela jovem. Plutão puxou-a para seu carro de ouro e levou-a para o seu reino, os infernos. Prosérpina gritou pedindo ajuda ao seu pai Júpiter, mas não recebeu nenhum auxílio. Sob a influência de Plutão, Prosérpina aceitou comer um "bago de romã", a fruta das trevas, que tinha o poder de aprisionar nos infernos para sempre quem a comesse. Desesperada, Ceres, procurou sua filha por nove dias e nove noites sem parar para comer, dormir ou beber água. Pediu ajuda a Júpiter, mas não foi atendida. Enfurecida e incapaz de aceitar a perda da filha, Ceres ordenou que a terra secasse.

Assim, o mundo estava condenado a perecer por falta de alimento. Graças à intervenção do mensageiro dos deuses, Mercúrio, Ceres voltou atrás e aceitou um acordo: Prosérpina viveria com sua mãe durante nove meses do ano e deveria retornar para o marido nos três outros meses. Ceres representa, então, uma sabedoria não racional que vem da natureza, da capacidade de esperar até que as coisas estejam maduras, prontas para produzir seus efeitos. Ela representa a aceitação das mudanças e separações, inclusive aquelas que envolvem muita dor. É o amadurecimento do grão que se transforma em árvore e doa seus frutos para os filhos.

Está assim delineada, ainda que brevemente, a figura mitológica da deusa Ceres, representada por uma graciosa escultura que está colocada em cima de interessante chafariz, conjunto belíssimo, que já esteve em instalado em outros locais da cidade (como no interior da Estação de Tratamento de Água do Bairro Bonfim, por exemplo) e ora agoniza no meio da principal praça de Matosinhos, em São João del-Rei/MG.

O conjunto está sendo destruído lentamente, vítima da ação do tempo e dos vândalos. Trata-se de peça singular, em ferro fundido, adquirida pela Câmara Municipal de São João del-Rei no ano de 1887, no norte da Itália, mais precisamente na cidade de Turim. Para se ter uma idéia do descaso com aquele patrimônio, uma das portinholas do chafariz que ornam a base da estátua já foi encontrada à venda em um ferro-velho; recuperada a tempo, foi recolocada no local valendo-se da sensibilidade e boa vontade da empresária Maria Agostini (da Serraria Antônio Agostini & Filhos). A base da estátua, de onde poderia se fazer voltar a jorrar água das bocarras de faunos lá existentes é ricamente trabalhada. Encimando o chafariz encontra-se a deusa Ceres, imponente, portando cutelo e ancinho ao lado de um grande feixe de trigo.

O conjunto foi tombado pelo Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural (CMPPC), tendo como relator do processo o professor dr. José Maurício de Carvalho. Nada mais foi feito em benefício desse patrimônio que agoniza tristemente, sem perspectivas visíveis de salvação. O que recentemente fizeram foi negativo: quando da última reforma da praça, retiraram um tosco gradil de ferro que protegia parcialmente o monumento. Assim, o conjunto ficou ainda mais vulnerável, entrou em decadência e agora, para que não se torne irrecuperável, carece de urgente restauração e proteção.

Creio que a memória do laborioso povo de Matosinhos, neste caso simbolicamente representada pelo conjunto chafariz e estátua da deusa Ceres, merece mais atenção e carinho. Se já perdemos grande parte da riqueza arquitetônica que possuíamos, o pouco que restou do nosso patrimônio ainda merece maiores e melhores cuidados.

Quem se habilita a nos ajudar?


* José Antônio de Ávila Sacramento nasceu em São João del-Rei/MG (distrito de São Miguel do Cajuru). É sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, membro efetivo da Academia de Letras de São João del-Rei, conselheiro titular do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural. Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (Belo Horizonte/MG). Sócio Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (João Pessoa/PB). Sócio Correspondente da Academia Bauruense de Letras (Bauru/SP). Sócio Correspondente da Academia Mageense de Letras (Magé/RJ). Mais...

Fotos: Cris Carezzato

- Veja mais fotos do Chafariz da deusa Ceres aqui.

3 comentários:

Anônimo disse...

Congratulo, apoio, reclamo e clamo aos céus por solução de proteção e revalorização do chafariz de Ceres, tão oportunamente trazido à baila pelo José Antônio Sacramento, nosso confrade do Instituto Histórico e Geográfico de São João del Rei. Ao prefeito Nivaldo Andrade, que tanto gosta de mim, peço que goste mais ainda do chafariz e, o salvando, salve também, inaugurando, sua gestão cultural lúcida e eficiente da grande cidade irmã (gêmea) de Tiradentes.

Oscar Araripe / Presidente
Fundação Oscar Araripe

Anônimo disse...

Muito bom o artigo sobre a Deusa
Ceres.Suscinto e elucidativo!
Penso que os monumentos sanjoa-
nenses deveriam ser mais protegi-
dos pelo IPHAN ( orgão nacional
responsável pela cultura patrimo-
nial ) , pelos orgãos competentes
da prefeitura municipal e também
por nós sanjoanenses.
Parabéns ao Sr. José Antônio de
A.Sacramento pelo artigo e pela
defesa aos monumento da cidade.

Rafael Braga

Cesar disse...

ESSA NUNCA FOI A DEUSA CERES, ELA É UMA PEÇA FUNDIDA PELA d'Art du Val d'Osne, sendo o escultor MATHURIN MOREUAU. Poxa, vamos estudar mais e fazer mais pesquisas gente, ela representa o mês de junho , ou verão.