quarta-feira, 15 de abril de 2009

O Projeto da Liberdade na Fazenda Berço da Pátria


Por Wainer Ávila *


"E sendo perguntado como se chamava, de quem era filho, donde era natural, se tinha algumas ordens, se era casado ou solteiro e que ocupação tinha. Respondeu que se chamava Joaquim José da Silva Xavier, filho de Domingos da Silva Santos e de sua mulher Antônia da Encarnação Xavier, natural do Pombal, termo da Vila de São João d'el Rey, Capitania de Minas Geraes; que tinha quarenta e hum annos de edade e que era solteiro; que não tinha ordens algumas e, com efeito, vendo-lhe eu o alto da cabeça, vi que não tinha tonsura alguma e que era Alferes da Cavalaria Paga de Minas Gerais" - 1º interrogatório, 22/05/1789, na Fortaleza de Ilha das Cobras, Rio de Janeiro.

"...Porquanto estava próximo a fazer-se nestas minas um levante para se erigirem em república, e que havia de haver nela sete parlamentos, sendo a capital em São João d'El Rey". Depoimento de José de Resende Costa, filho de outro do mesmo nome-autos da devassa da Inconfidência Mineira.

"O primeiro compromisso de Minas é com a Liberdade" - Tancredo Neves, discurso de posse, palácio da liberdade, 25/03/1983. Belo Horizonte/MG.

A tragédia (do grego tragoldia, pelo latim tragoedia) era, na Grécia antiga, acontecimento que despertava lástima ou horror, piedade e terror, ensina mestre Aurélio, ainda sucesso funesto e trágico. Pois Minas, que peleja e faz, de Guimarães Rosa, viu abater-se sobre suas montanhas auríferas e diamantíferas, todas as tragédias, desde que seu útero foi profanado pelo conquistador ibérico faminto de riquezas fáceis. O Alferes de Cavalaria foi supliciado mais que todos os que a história noticia, a ponto de sua cabeça ter sido arrancada do corpo, simbolizando a decapitação de uma idéia e de uma vontade política. Espetada foi, à guisa de empalação, na aguçada ponta de estaca fincada em nosso sagrado chão.

Não tivesse lugar tal suplício e não haveria o forte símbolo sobre o qual queremos erigir, aqui e agora, o monumento e memorial à Liberdade, fato que até hoje não mereceu a atenção de nossos homens públicos que ignoram os poetas e trovadores das Gerais, o que nos envergonha frente a nações que não se pejam em homenagear em mármore cinzelado seus filhos ilustres. Não obstante esse esquecimento, que brada aos céus e exige reparação, esses acontecimentos tão trágicos nos ensinam muito, pois é sobre símbolos que se constroem Pátrias, a exemplo de uma cruz, uma forca, um pelotão de fuzilamento, no dizer de Keneth Clark. Sejam quais forem, portanto, as analogias que venham a se estabelecer, em Tiradentes podemos falar em "Paixão e Morte", visto ser muito forte morrer por uma idéia, conferindo a si a grandeza que só a morte pode dar.

Foi isso que ele soube fazer e o fez com a grandeza que somente os heróis e os santos podem fazer. Grandeza que o Brasil nunca reconheceu, que Minas ainda não proclamou e que nossa cidade continua ignorando com obstinação e teimosia. São João del-Rei era cogitada, mesmo decidido estava, para ser capital da nova república americana. O Resende Costa, filho, que revelou o segredo da escolha da capital republicana (outra vez, em 1893, Várzea do Marçal, apêndice de São João, seria a capital de Minas, elegida por Aarão Reis. Não o foi, perdeu para Curral d'El-Rey, por traição política e, outra vez, ficamos de boca tampada), foi desterrado para Cabo Verde, onde ficou dez anos. Regressou ao Brasil e participou das constituintes portuguesa (1821) e brasileira (1823). Como eram valorosos nossos sublevados de 1789!

Outro luzeiro da Liberdade, Tancredo Neves, imolou-se em seu nome e deu, não a vida, mas a morte pelo único direito inato que é a Liberdade, cujo amplo conceito interpreta-se como sinal premonitório, o signum prognosticum do progresso moral da humanidade.

Para justificar e explicar a necessidade de nos redimirmos transcrevo, constrangido, pois é difícil crer, o que aconteceu - está escrito pelo historiador Sebastião de Oliveira Cintra - a respeito da condenação de Tiradentes: "em 08 de junho de 1792 realiza-se em São João del-Rei, terra natal do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, festividades em Ação de Graças a Deus Nosso Senhor por se haver descoberto e destruído a conjuração que maus homens e indignos portugueses temerariamente assumiram sublevar os povos desta Capitania contra a legítima soberana Rainha Nossa Senhora. Todos os moradores da vila iluminaram suas casas três noites sucessivas (dias 6, 7 e 8). No último dia oficiou-se na Matriz do Pilar Te Deum Laudamus por dois coros, um de música, outro de cantochão. À porta da igreja o destacamento de infantaria paga e os terços auxiliares deram as descargas usuais autoridades convidadas, 'para ficar o ato mais plausível'. Compareceram o Doutor Ouvidor Geral, Manoel Caetano Monteiro Guedes; Doutor Intendente Francisco de Morais Castro; Cap. do Destacamento Francisco Xavier Inácio, Cel. Francisco Araujo Magalhaes; Sargento Mor Manoel dos Reis; Vigário Colado Dr. Antônio Caetano Almeida Vilas Boas e Vigário da Vara Dr. José Pereira de Castro".

No dia 26 de março de 2009 uma comissão formada por Auro Aparecido Maia Andrade, Juiz de Direito, José de Carvalho Teixeira em nome do Instituto Histórico e Geográfico, arquiteto Celso Leão e Wainer Ávila, presidente da Academia de Letras de São João del-Rei, foi recebida por Oscar Ribeiro de Almeida de Niemeyer Soares Filho, catedral da arquitetura universal, em seu escritório - santuário, na Av. Atlântica, no Rio de Janeiro. Não obstante a pouca estatura física, aferiu-se para nós um gigante, um Colosso mesmo, Poseidon e Netuno no "trom e o silvo da procela", transcendendo em gentilezas e palavras de afago fraternal. Era a sobrevivência perene da esperança na própria essência do ideal mais alto de nossa ambição em construir memorial em pedra e aço em nome da Liberdade, na Fazenda do Pombal, sítio sagrado de nascimento do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, em 12 de novembro de 1746, até este momento em total descaso por parte dos poderes públicos constituídos, que existem porque Tiradentes existiu.

Naquele momento quase solene, em que mestre Oscar nos deixava inteiramente à vontade, nos emocionamos e compreendemos que aquele pequeno grande homem é maior que os desafios que o acompanharam em sua brilhante trajetória pelo mundo da arte em concreto, ferro, ideal e fé em sua obra. Sentimos que nele cabe todo o esplendor da cultura greco-romana de muitos séculos, com a transição para a Idade Média, desta para o Renascimento, daí para a Moderna e para a contemporaneidade, com ou sem as rupturas atuais, prolongando-se até o futuro.

Niemeyer, com desprendimento e humildade, vendo nosso pleito e certamente deduzindo que ali não estavam homens ricos em busca de projetos para luxo e satisfação de uns poucos privilegiados deste país, disse mansamente, como é de seu estilo: "vocês que aqui vieram conseguirão o que desejam e não terão que pagar nada...". Ele acabava de dizer que sua obra, procurada pelos quatro cantos do planeta, não nos custaria um real, que não ia receber honorários pelo valioso projeto, projeto da Fazenda do Pombal, projeto de Minas e sobretudo projeto de Brasil, o Projeto da Liberdade na Fazenda Berço da Pátria, do abastado e honrado pai do menino José, o futuro Tiradentes. Niemeyer estava tão grande quanto Tiradentes. Era o Brasil correto e escorreito, pobre e miserável, rico e poderoso que ali estava e que nos marcou para a eternidade, se ela existe. Não estou sendo fiel em reproduzir suas palavras pois um homem comum não pode reproduzir o que fala Oscar Niemeyer, do alto de sua imensa sabedoria e franciscana modéstia, exemplo para este país que precisa "criar juízo" em seus Três Poderes, em sua majestosa saga imperial e republicana, mirando-se no homem que avançou no tempo, que tornou-se contemporâneo do futuro.

Agora, brasileiro, agora mineiro, agora conterrâneo dos campos das vertentes, não tenha acanhamento em ofertar seu apoio, sem tergiversações e com objetividade, apoio que não se mede em moedas mas em ideais, não em barras de ouro mas em atitudes construtivas, pois o ouro decapitou nosso irmão e o ideal é que nos levará a revivê-lo em monumento que deveria ter sido feito há muito tempo. Memorial símbolo da Liberdade, Panteão da Pátria, na Fazenda do Pombal, berço de Tiradentes, cidadão sem outra qualificação, apenas cidadão brasileiro.

Empreitada que só logrará êxito se tiver o espírito de uma nova Conjuração, outra Inconfidência, com apoio dos governos de Portugal e França, onde esteve o Alferes, de codinome Vendek, com os estudantes universitários de mineralogia e medicina, José da Maia e Álvares Maciel, avistando-se com o embaixador Thomas Jefferson, da libertada colônia britânica, a república do norte de 1776.

É possível ser igual a Tiradentes, basta apenas despir-se de interesses pessoais e carregar o mesmo ânimo dos rebeldes do "Quinto de Ouro" de 1789.


* Wainer Ávila, graduado em direito pela Universidade Católica de Minas Gerais, é o atual Presidente da Academia de Letras de São João del-Rei, ocupante da cadeira Embaixador Gastão da Cunha. É Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, ocupante da cadeira Alferes Tiradentes. Membro Definidor da Venerável Ordem Terceira de São Francisco de Assis da Diocese de São João del-Rei. Sócio Benemérito e Conselheiro do Athetic Clube de São João del-Rei. Sócio Honorário do Rotary Club. Sócio Correspondente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto. Sócio Correspondente da Academia Valenciana de Letras. Conselheiro do Centro Cultural Feminino de São João del-Rei. Membro do Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico de São João del-Rei. Mais...

- Veja mais fotos das ruínas da Fazenda do Pombal aqui.

4 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Wainer Ávila,

Este projeto "Liberdade" sendo
uma cria sua e de outros dedica-
dos cidadãos são-joanenses é dig-
no do mais verdadeiro louvor!
Meus parabéns e que o projeto
"Liberdade" ganhe asas e enalteça
nossos 2 grandes heróis: Tiradentes
e Tancredo.
Abraços,

Rafael Braga

José Antônio de Ávila disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Antônio de Ávila disse...

Quando o ilustre articulista registrou: "...sítio sagrado de nascimento do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, em 12 de novembro de 1756, até este momento em total descaso por parte dos poderes públicos constituídos, que existem porque Tiradentes existiu", enganou-se a respeito do verdadeiro ano do nascimento do Tiradentes: não foi 1756, mas sim 1746. É preciso salientar este registro corretamente, em nome da História!
Aproveito a oportunidade para deixar aqui o meu testemunho fiel para todo o sempre: toda vez que se falar em construção de Memorial a Tiradentes, na Fazenda do Pombal, não se pode esquecer nunca de que a idéia inicial foi trazida até nós através do dr. ADALBERTO GUIMARÃES MENEZES, tetraneto do Tiradentes, sócio efetivo do IHG de MG e sócio correspondente do IHG de São João del-Rei.
Foi o dr. Adalberto que nos provocou a necessidade da construção do memorial que ele muito apropriadamente chamou de "Berço da Pátria".
Todos nós somos meros coadjuvantes na missão de levar à frente o Memorial da Fazenda do Pombal. Ao dr. Adalberto - para que se faça justiça - é que se deve creditar o papel principal da idéia deste notável e necessário projeto, uma vez que há mais de 10 anos ele trabalha diuturnamente em favor deste empreendimento!

José Antônio de Ávila disse...

Vejo hoje que o ano de nascimento do Tiradentes foi corrigido de 1756 para 1746. Valeu o atendimento à minha observação. Obrigado!