terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

CARTA DO PRESIDENTE DO SENADO DA REPÚBLICA DA POLÔNIA EM DEFESA DO BOM NOME DA POLÔNIA E DOS POLONESES



PRESIDÊNCIA DO SENADO 
DA REPÚBLICA DA POLÔNIA 
Stanisław Karczewski 

                                     Varsóvia, 7 de fevereiro de 2018. 

Prezados Senhores e Senhoras Presidentes e Membros de Organizações Polonesas e Polônicas


Há muitos anos, os poloneses na Polônia e no exterior defrontam-se com a lesiva, injusta e sobretudo falsa formulação “campos de concentração poloneses” e com acusações contra os poloneses pela coparticipação no Holocausto, que desrespeitam a nossa dignidade e o nosso orgulho nacional. 

Em razão disso, já é tempo de a Polônia, livre há 29 anos, exigir a apresentação da verdade histórica. A lei adotada sobre o Instituto da Memória Nacional permitirá que se busque a verdade pela qual todos nos empenhamos. 

A coletividade dos vinte milhões de poloneses e pessoas de origem polonesa residentes no mundo inteiro por diversas vezes tem demonstrado que pode apoiar eficazmente a razão de Estado polonesa. Isso tem ocorrido, por exemplo, quando nos empenhávamos pelo ingresso na OTAN e pelo justo lugar que nos cabia na família das nações europeias. Por isso, tendo em conta o bem da República da Polônia, dirijo-me aos Senhores e às Senhoras com um apelo para que promovam todas as ações possíveis com o objetivo de que seja divulgada a verdade histórica. 

Como nação, constituímos uma comunidade unida pela língua, pela cultura e pela história. 

Na emenda do Parlamento Polonês à lei do Instituto da Memória Nacional, foi escrito: “Quem em público e contrariando os fatos atribuir à Nação Polonesa ou ao Estado Polonês a responsabilidade ou a corresponsabilidade pelos crimes nazistas cometidos pelo III Reich Alemão [...] estará sujeito a uma multa ou à privação da liberdade por 3 anos”. O teor dessa medida de forma alguma censura o debate público, restringe a atividade de pesquisa ou a criatividade artística. Serve unicamente a que da vida pública sejam eliminadas as mentiras sobre a coparticipação da Nação polonesa e do Estado polonês nos crimes cometidos em terras polonesas durante a Segunda Guerra Mundial. 

Em seu pronunciamento, o Premiê Mateusz Morawiecki disse: “A mentira de Auschwitz não está somente na negativa dos crimes alemães, mas também em outras formas de falsificação da história. Uma das piores formas dessa mentira é a diminuição da responsabilidade dos verdadeiros autores − e a atribuição dessa responsabilidade às suas vítimas. Queremos lutar contra essa mentira em todas as suas formas [...]. Os campos de concentração em que foram exterminados milhões de judeus não eram poloneses. Essa verdade tem de ser preservada, por ser uma parte da verdade sobre o Holocausto”. 

A reação da opinião mundial, e especialmente de representantes das autoridades de Israel à emenda da lei sobre o Instituto da Memória Nacional provocou na Polônia o espanto, visto que o projeto de lei era conhecido por todos os interessados. 

Esperançosos, aguardamos pelos resultados do trabalho de uma equipe de especialistas convocada por Mateusz Morawiecki e Benjamin Netanyahu, primeiros- ministros da Polônia e de Israel. 

Estou profundamente convencido de que esse é um bom caminho para a edificação de pontes entre ambas as nações, que há mil anos têm vivido lado a lado, cujas culturas mutuamente se interpenetravam. 

A Polônia sofreu durante a Segunda Guerra Mundial perdas sem precedentes − 6 milhões de poloneses perderam a vida, entre eles 3 milhões de judeus poloneses. Perdemos uma boa parte do nosso território, vivenciamos deportações, exílios, campos de trabalhos forçados, a pilhagem do nosso patrimônio numa escala inimaginável, e finalmente a destruição da Varsóvia. Nossos pais sofreram a fome, o terror, a morte que grassou nas ruas das cidades e das aldeias. Perdemos a soberania, fomos deixados do lado soviético da “cortina de ferro”. 

A respeito do dramático destino dos judeus, o governo da República da Polônia foi o primeiro a informar a coletividade internacional. No entanto, naquela ocasião os aliados não reagiram aos relatórios apresentados por Jan Kozielewski-Karski. O mundo ouviu com indiferença a informação sobre o extermínio dos judeus que a Alemanha nazista estava promovendo em terras polonesas ocupadas. 

Somente na Polônia o ato de prestar qualquer ajuda aos judeus estava sujeito à pena de morte para toda a família. Apesar disso os poloneses não permaneceram indiferentes ao destino dos judeus aprisionados nos guetos e exterminados nos campos de concentração alemães. Muitos poloneses perderam a vida salvando os judeus. Um especial testemunho disso é também a ação do Conselho de Ajuda aos Judeus (criptônimo “Żegota”) − que funcionava junto à Delegação do Governo da República da Polônia para o nosso país. 

A par de comportamentos que nos enchem de orgulho ocorreram atos infames, que de forma alguma definem a postura da nação polonesa. Esses foram casos isolados, aos quais o Estado Polonês Clandestino aplicava a pena de morte e que nós, atualmente, também decididamente condenamos. 

Por muitos anos após a guerra, a Polônia e os poloneses não podiam falar com sua própria voz, visto que não possuíam um Estado soberano. Naquele período, não tínhamos influência na moldagem da opinião pública internacional, não podíamos defender-nos diante das calúnias. 

Prezados Senhores e Senhoras! 

A comunidade polônica mundial sempre tem apoiado a Polônia. Em diversos períodos da nossa história, como nos tempos sombrios do estado de sítio, essa comunidade tem apoiado as aspirações polonesas à recuperação da independência e da plena soberania. Tem-se empenhado também para que a nossa voz fosse ouvida na arena internacional. A comunidade polônica tem preservado e cultivado os valores poloneses − o apego à liberdade, à tradição polonesa e à Igreja. A Polônia se lembra desse grande engajamento e se mostra grata pela ajuda demonstrada. 

Acredito que também agora os nossos Compatriotas não nos decepcionarão. Acredito que pacientemente, conjuntamente, edificaremos a compreensão com os ambientes judaicos nos diversos países, dando o testemunho da verdade sobre a Segunda Guerra Mundial. 

Prezados Senhores e Senhoras! 

Como presidente do Senado da República da Polônia, a quem cabe a proteção à comunidade polônica e aos poloneses no exterior, dirijo-me a todos os Compatriotas no mundo inteiro com o apelo a que sejam documentados e reunidos todos os testemunhos das crueldades, dos crimes contra a humanidade cometidos durante a Segunda Guerra Mundial. As últimas testemunhas daqueles acontecimentos aos poucos vão se afastando. É preciso gravar as suas lembranças para a preservação da memória sobre as injustiças praticadas tanto contra os judeus como contra os poloneses, os ciganos e todos os prejudicados. 

Peço que seja promovida a documentação e que se reaja contra as manifestações de antipolonismo, as formulações e opiniões que nos prejudicam. Peço que seja dada ciência às nossas embaixadas, aos consulados e consulados honorários a respeito de difamações que prejudicam o bom nome da Polônia. 

Faço um apelo a que sejam organizados seminários, exposições, encontros, envios de correspondências a respeito de ações empreendidas com o objetivo de que eficazmente seja exigida a verdade histórica. Peço também que sejam utilizados os seus bons contatos de parceria alcançados por anos de colaboração com representantes das autoridades do seu país, autoridades locais e organizações sociais, inclusive as que representam outras minorias nacionais, para a propagação de informações honestas sobre a Polônia e os poloneses. Os meus diversificados contatos internacionais conscientizam-me todas as vezes de que temos no exterior muitos amigos comprovados, dispostos a empreender com a Polônia um diálogo de parceria e a se inserir na obra da defesa da boa fama da nossa Pátria. Todos os poloneses podem e devem ser embaixadores do polonismo. Estou convencido de que as ações empreendidas nessa intenção serão capazes de trazer numa perspectiva próxima efeitos mensuráveis e positivos, tanto para a Polônia como para toda a comunidade dos poloneses que residem em diversos recantos do mundo. 

Acredito que as ações promovidas pelos Senhores e pelas Senhoras serão uma ferramenta eficaz na luta pelo bom nome da Polônia e dos poloneses. 

                                                       Stanisław Karczewski


Conheça também a carta em polonês!http://www.senat.gov.pl/aktualnosci/art,10422,list-marszalka-senatu-do-polonii-i-polakow-za-granica-w-zwiazku-z-ustawa-o-ipn.htm

11 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

O Blog de São João del-Rei vem juntar-se à Comunidade Polonesa no Brasil para tornar pública a carta do Presidente do Senado da República da Polônia, Senhor Stanisław Karczewski,
referente à recente discussão nos meios de comunicação do mundo sobre a emenda da Lei sobre o Instituto de Memória Nacional da Polônia.

A carta conclama os amigos da Polônia para juntos defendermos a verdade histórica e os interesses da Polônia e dos Poloneses no mundo.

Dr. Rogério Medeiros Garcia de Lima (desembargador do TJMG, escritor e membro da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Debate interessante.

Ahuvah disse...

Faz sentido o posicionamento de todos em união.

Dr. Mário Pellegrini Cupello (escritor, pesquisador, presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ, e sócio correspondente do IHG e Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Caro amigo Braga

Devido a problemas em nosso computador, só agora está sendo possível agradecer os seus últimos contatos, pelo que agradecemos os envios.

Abraços Mario.

José Maurício de Carvalho (escritor e membro da Academia de Letras de São João del-Rei, ex-professor universitário de Filosofia na UFSJ e ex-coordenador de colóquios de Filosofia) disse...

Muito bem, Francisco, li com interesse a questão. Não sei exatamente o que se passa, mas creio que o mundo nunca atribuiu aos poloneses a responsabilidade pelo massacre dos judeus nos campos de concentração, que foi responsabilidade dos alemães. Mauricio.

Prof. Fernando de Oliveira Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e membro da Academia Divinopolitana de Letras, onde é Presidente) disse...

Prezado confrade Braga, o texto é emblemático. Vale ser lido. Abraço para você e esposa. Fernando Teixeira

Pe. Zdzislaw Malczewski (escritor polonês/português, redator de POLONICUS-Revista de Reflexão Brasil-Polônia) disse...

Caro Sr. Francisco,


Mui grato pela publicação da carta do presidente do Senado da Polônia!

Teremos mais conhecida a situação da Polônia de hoje que sofre ataques como se fosse culpada por todos os crimes da II Guerra Mundial.


Uma saudação - pe. Zdzislaw

Eric Tirado Viegas (escritor, tradutor e membro da Academia de Letras de São João del-Rei) disse...

Braga
Entendido e compreendido.
Eric

Danilo Carlos Gomes (cronista, escritor e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal e da Academia Brasiliense de Letras) disse...

Mestre Braga, a Polônia já sofreu muito, nas mãos dos nazistas e dos comunistas. Graças a Deus, o pesadelo parece ter passado. Viva a Polônia livre e democrática! Viva o Santo Papa João Paulo II ( Karol Wojtyla ) ! Cordial abraço democrático do Danilo Gomes.

Prof. José Luiz Celeste (ex-professor da EAESP-FGV e tradutor) disse...

Olá Maestro:
Certamente que os campos de concentração foram criados pelos nazistas, mas que os judeus eram confinados aos guetos antes da 2° guerra, na Polônia, na Rússia, isso também é verdade. Consta assim nos romances de época, nos filmes, e é de conhecimento público. É tambem de conhecimemto público q a situação político-economica dos judeus era tradicionalmente melhor na Alemanha do que nos países vizinhos. A comunidade judaica estava melhor na Alemanha do que em qualquer outro país da Europa. O q aconteceu com o nazismo é uma vergonha para a Alemanha.
Abç
Celeste

Prof. Cupertino Santos (professor de história aposentado de uma escola municipal em Campinas) disse...

Professor Braga.
É uma questão muito dolorosa, porém a análise imparcial da História é algo sumamente importante. Louvável essa iniciativa do governo polonês, uma vez que enfatiza a luta que é cotidiana contra crimes de lesa-humanidade, praticados no caso contra os judeus, ou contra qualquer outro grupo social ou étnico. A possibilidade da barbárie é sempre presente, mesmo entre nós, sociedade tida erroneamente por pacífica.
O texto sublinha que o governo e o Estado polonês não participaram na colaboração com os campos nazistas no país. Lamentavelmente, o mesmo - ao que parece - não se pode afirmar em relação a setores da população polonesa que, embora desprezada pelo preconceito alemão, comungavam do anti-semitismo. Por extensão, dá o que pensar como pessoas comuns muitas vezes se transformam em monstruosos assassinos, dependendo das circunstâncias. No caso da Holocausto na Europa Oriental, esse é por exemplo o tema de um estudo com relatos chocantes, "Os Carrascos Voluntários de Hitler" (de Daniel Jonah Goldhagen).
Grato pelo compartilhamento da valiosa colaboração.
Abraço.
Cupertino